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Artigo da professora Dr. Rachel

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IV ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura 
28 a 30 de maio de 2008 
Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil. 
 
 
CRÍTICA LITERÁRIA: DA DISCIPLINA AO DESCONTROLE 
 
Rachel Esteves Lima* 
 
Resumo: O trabalho tem como objetivo analisar as transformações por que tem passado 
a crítica literária na contemporaneidade, tomando como ponto de partida as categorias 
de sociedade disciplinar e sociedade de controle, estabelecidas por Michel Foucault e 
Gilles Deleuze. Considerando que estaríamos vivendo, na atualidade, um momento de 
transição entre os dois modos de organização e gestão social, busca-se refletir sobre os 
novos circuitos de produção e circulação da crítica literária, evidenciando em que 
medida eles podem ativar uma biopotência capaz de promover uma fuga ao controle 
exercido pelos discursos interessados em manter o caráter elitizado e hierarquizante 
desse campo de produção cultural. 
 
Palavras-chave: Crítica literária, metacrítica, trabalho imaterial. 
 
No texto intitulado “Post-scriptum sobre as sociedades de controle”, escrito em 
1990, Gilles Deleuze oferece-nos um suplemento à teoria desenvolvida por Michel 
Foucault acerca dos modos de formação e organização das sociedades, segundo os 
diferentes dispositivos de dominação que as caracterizam. O filósofo destaca o fato de 
que, embora o autor de As palavras e as coisas tenha se dedicado predominantemente 
ao estudo dos processos de disciplinarização dos indivíduos, ele se mostraria consciente 
de que o modelo por eles gerado se encontrava em crise, anunciando-se a passagem da 
sociedade disciplinar à sociedade de controle. A partir da Segunda Guerra Mundial, os 
espaços de confinamento – a família, a escola, a fábrica, o hospital, etc. – nos quais se 
produzia e se moldava o indivíduo moderno, passam por transformações que, para 
atender à volatilidade, flutuação e dispersão próprias do capitalismo em sua fase tardia, 
buscam produzir subjetividades moduladas segundo as necessidades de adaptação a um 
mercado incessantemente desestabilizado pelas inovações tecnológicas e 
comunicacionais. Assim, se na sociedade da disciplina a formação do indivíduo se 
caracterizaria por uma continuidade organizada em espaços fechados, construídos de 
forma similar, na sociedade do controle o processo de formação nunca teria como se 
concluir. Nesse sentido, afirma Deleuze: 
 
 
* Universidade Federal da Bahia/CNPq (rachellima@uol.com.br) 
 
 Nas sociedades de disciplina não se parava de recomeçar (da escola à 
caserna, da caserna à fábrica), enquanto nas sociedades de controle nunca se 
termina nada, a empresa, a formação, o serviço sendo os estados metaestáveis e 
coexistentes de uma mesma modulação, como que de um deformador universal. 
(DELEUZE, 1992, p. 221-222) 
 
 Nesse contexto, a urgência das reformas das instituições disciplinares, 
proclamada na atualidade, visaria apenas à gestão da crise, numa inócua tentativa de 
salvá-las da inevitável condenação a que elas estariam sujeitas num futuro mais ou 
menos próximo. Curiosamente, embora Deleuze reconheça que se trata de uma 
“implantação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação” (DELEUZE, 
1992, p. 225), não se encontra em seu texto uma hierarquia entre os dois modos de 
organização da sociedade, segundo o grau de tolerância e de rigidez de cada um deles, 
nem tampouco um nostálgico desejo de retorno a formas de produção de subjetividades 
pré-modernas. Antes, o que se evidencia é uma clara percepção da parte do autor de que 
é em cada um desses regimes “que se enfrentam as liberações e as sujeições” 
(DELEUZE, 1992, p. 220), cabendo-nos apenas a criação de diferentes armas para 
resistir aos novos dispositivos de dominação. No que se refere ao campo que nos 
interessa de perto, o educacional, as transformações citadas no texto apontam para uma 
aproximação à lógica do mercado, com a adoção de medidas que visam implantar “as 
formas de controle contínuo, a avaliação contínua, e a ação da formação permanente 
sobre a escola, o abandono correspondente de qualquer pesquisa na universidade, a 
introdução da ‘empresa’ em todos os níveis de escolaridade” (DELEUZE, 1992, p. 
225). Se é fato que a pressão pela adoção de tais medidas se faz sentir com mais 
intensidade no mundo “desenvolvido”, isso não nos impede de perceber que também 
nos países periféricos as tentativas de reforma do sistema educacional incorporam muito 
desse ideário, sob o argumento de que só com a sua implementação se poderia garantir a 
inserção desses países no denominado capitalismo cognitivo, atualmente em vigor. Isso 
se se quiser evitar que o chamado Terceiro Mundo continue apenas sendo exportador de 
mão-de-obra desqualificada e de produtos primários e semi-manufaturados, ora 
desvalorizados frente às atividades do setor terciário, que, na divisão social do trabalho, 
estariam reservadas às economias hegemônicas. 
 A questão que nos interessa discutir aqui consiste em como construir alternativas 
que, no interregno entre a sociedade disciplinar e a de controle, contribuam para 
 
oferecer resistência ao processo de dominação que, com o desenvolvimento tecnológico, 
exclui do mundo da produção de mercadorias, um enorme contingente de pessoas, agora 
consideradas descartáveis pelo capitalismo globalizado. E, mais especificamente, como 
articular a atividade da crítica literária a essas estratégias de resistência, uma vez que 
também lhe cabe participar do processo de construção social do valor dos bens culturais, 
considerados como mercadorias altamente lucrativas, no mundo pós-moderno. 
 A subsunção de todas as esferas da vida ao capital, no momento em que a 
própria cultura é produzida no regime industrial, tem sido abordada por vários 
pensadores, a partir de ângulos diversos. A nomes como os de Jean François Lyotard, 
Fredric Jameson, Jürgen Habermas, David Harvey, etc., vêm se juntar os de alguns 
representantes da nova geração de intelectuais, hoje empenhados em refletir sobre as 
conseqüências e as alternativas abertas para os movimentos populares pela 
reconfiguração do mercado de trabalho, diante da hegemonia da produção imaterial. 
Dentre eles, destacam-se André Gorz, Paolo Virno, Maurício Lazzaratto e os mais 
conhecidos em nosso meio, Antonio Negri e Michael Hardt, autores dos livros Império 
e Multidão. Como ponto comum ao pensamento de todos esses autores, encontra-se a 
constatação de que vem ocorrendo uma alteração no processo de acumulação do capital, 
que deixa de se basear na reprodução e na repetição características do regime fordista, 
passando a priorizar os conhecimentos, as informações e as interações sociais como 
principal força produtiva, uma vez que é através deles que se geram as inovações, hoje 
consideradas como os principais fatores de valorização. Com o desenvolvimento das 
novas tecnologias de informação e comunicação, proliferam as redes que possibilitam a 
circulação e a recodificação dos conhecimentos pelos usuários, gestando-se um circuito 
em que o consumo se torna efetivamente produtivo. Assim, teríamos hoje, como 
tendência, a expansão do que Marx conceituou como General Intellect, “uma 
capacidade científica objetivada no sistema das máquinas, e, portanto, como capital 
fixo” (VIRNO, 1993). Mas, na sociedade pós-fordista, segundo Paolo Virno, 
 
jogam um papel decisivo constelações conceituais e esquemas de pensamento 
que nunca podem reduzir-se a um capital fixo, por serem, desde o início, 
inseparáveis da interação de uma pluralidade de sujeitos vivos”. Aqui não se 
trata, evidentemente, da erudição científica do simples trabalhador. O que vem 
em primeiro plano, adquirindoo status de recurso público, são tão só (e este “tão 
só” é tudo) as atitudes mais gerais do espírito: faculdade de linguagem, 
disposição à aprendizagem, capacidade de abstração e de conexão, acesso à 
 
auto-reflexão. Pela expressão general intellect há que entender literalmente, 
intelecto generalizado. (VIRNO, 1993) 
 
 A produção do trabalho imaterial depende, pois, do desenvolvimento das 
competências comunicativas, dos processos de colaboração e de participação coletiva, 
solapando-se, dessa forma, não apenas a noção de obra individual, mas também a 
separação entre o público e o privado, o tempo de trabalho e o tempo da vida. Assim, 
nos encontraríamos, pois, em vias de nos submetermos ao domínio da sociedade de 
controle, tal como definida por Foucault e Deleuze, fazendo-se necessário imaginar 
novos cenários de intervenção e luta que fujam à pretensão de atualizar o regime 
disciplinar, como ocorre com certo discurso intelectual que insiste na afirmação da 
identidade e da especificidade do seu objeto de estudo. E aqui, um recuo ao passado 
recente talvez possa nos ajudar a compreender as possibilidades que se abrem hoje ao 
exercício da crítica. 
 Considerada como uma especialidade dotada de autonomia e pautada na 
validade universal de seu objeto, a crítica literária viveu seu período áureo entre as 
décadas de 1930 a 1970, quando se construiu um instrumental analítico com o qual se 
pretendia garantir o caráter científico dessa atividade. A apropriação dos princípios 
metodológicos e das terminologias propostas por correntes teóricas como o formalismo 
russo, o new criticism e o estruturalismo, contribuíram para validar a implantação das 
disciplinas responsáveis pelo estudo da literatura, passando a crítica a ser considerada 
uma atividade que fugia ao campo do amadorismo, uma vez que seu exercício exigia a 
aquisição de um saber específico, transmitido através da formação universitária. Voltada 
para a análise dos aspectos intrínsecos ao texto e para a busca da definição dos critérios 
que fundamentariam o juízo acerca da literariedade das obras, a crítica, nesse momento, 
acreditava-se objetiva e imparcial, distanciando-se do espaço dos jornais e, por 
extensão, da vida social, uma vez que apenas os leitores especializados conseguiam 
acompanhar os seus intrincados e rigorosos esquemas analíticos. Mimetizando os 
procedimentos das ciências exatas, a crítica se limitava à imanência dos textos, que 
eram decompostos nas suas várias instâncias, buscando-se construir uma taxonomia das 
formas literárias, visando à edificação de um campo de especialização denominado 
como narratologia, que se pautava pela pesquisa dos aspectos invariantes dos gêneros 
textuais, em busca de sua estrutura universal. A pretensão ao estatuto de ciência que 
acompanhava a crítica, nesse momento, atingiu também a forma de exposição dos 
 
trabalhos, de caráter monográficos. O privilégio do gênero escolhido para a construção 
das análises, o tratado, conduzia a uma verticalidade da forma de veiculação do saber 
produzido, evidenciando a lógica subordinativa aí predominante, uma lógica que excluía 
de seu campo de análise qualquer laivo de subjetividade, assim como o contexto de 
produção e de recepção das obras estudadas. 
 Evidentemente, em tal regime de especialização o poder do crítico se mostrava 
garantido, na medida em que só ele seria detentor de um saber “desinteressado”, capaz 
de legitimar o processo de seleção das obras dignas de entrarem no cânone literário. O 
caráter judicativo dessa atividade contemplaria, dessa forma, as interpretações de 
determinada elite intelectual, que operava uma hierarquização entre o saber letrado e os 
saberes leigos, populares, com base em critérios de qualidade que se pretendiam 
universais. Tal situação, no entanto, não demoraria a se alterar, em função da 
emergência de forças que se oporiam fortemente a esse privilégio do crítico. Dentre 
elas, interessa-nos destacar a entrada maciça, a partir dos anos 1960, de um vasto 
contingente de alunos provenientes das classes populares na universidade, a 
concorrência da literatura com outros bens simbólicos, produzidos sob a forma 
industrial e amplamente veiculados pelos meios de comunicação de massa, assim como 
a prática desconstrutora levada a cabo pelos próprios intelectuais, que acabaram por 
contribuir para o que Lyotard chamaria de “erosão interna do princípio de legitimidade 
do saber” (LYOTARD, 1989, p. 82). Se os dois primeiros fatores confluem para 
intensificar o processo de hibridização entre a cultura erudita, a popular e a de massas, 
que já vinha sendo experimentado pelas correntes modernistas desde o início do século 
XX, no que se refere ao questionamento do intelectual enquanto detentor de um capital 
simbólico que lhe conferiria o poder de legislar sobre o que deve ou não ser canonizado, 
esse decorre de um processo no qual se dá a “insurreição dos saberes sujeitados” 
(FOUCAULT, 1988, p. 11), que acabou por gerar a afirmação do “caráter local da 
crítica” (FOUCAULT, 1988, p.10). Nesse processo, destaca-se o trabalho desenvolvido 
pelos teóricos do pós-estruturalismo, que vão atualizar a proposta nietzschiana de se 
promover uma leitura genealógica do passado. Sobre essa prática, sustenta Michel 
Foucault: 
 
 A genealogia seria, pois, relativamente ao projeto de uma inserção dos 
saberes na hierarquia do poder próprio da ciência, uma espécie de 
empreendimento para dessujeitar os saberes históricos e torná-los livres, isto é, 
 
capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico unitário, 
formal e científico. (FOUCAULT, 1988, p. 15) 
 
 Longe de se caracterizar por um “ecletismo frouxo” ou mesmo por uma 
“magreza teórica”, a genealogia consiste, pois, no “acoplamento entre os saberes 
sepultados da erudição e os saberes desqualificados pela hierarquia dos conhecimentos e 
das ciências” (FOUCAULT, 1988, p. 12). A genealogia torna instáveis as fronteiras 
entre os discursos histórico, antropológico, filosófico, literário, etc., e busca 
desconstruir a dicotomia estabelecida entre sujeito e objeto de conhecimento, assim 
como as continuidades, as invariâncias, próprias ao discurso científico vigente no 
paradigma disciplinar. Importa-lhe evidenciar as diferenças, as descontinuidades, 
trazendo à luz o que ficou recalcado em nome da unidade e da identidade lógico-
conceitual. 
 Reagindo contra os constrangimentos implicados na adoção dos métodos de 
formalização da ciência moderna, a crítica literária abre-se, então, a um processo de 
experimentação que desrespeita também as fronteiras territoriais, assim como as de 
gêneros do discurso. Se a dialética entre o particular e o universal se vê desmontada, a 
narrativa da crítica pode se desprender do caráter pedagógico que buscava edificar a 
noção de cultura nacional, a partir da incorporação de modelos de pensamento 
eurocêntricos. E, se a ênfase passa a ser colocada sobre a leitura comparada de obras 
produzidas em nações cujos processos de modernização ocorreram de formas díspares, 
agora isso não mais ocorre buscando-se acentuar o regime de débitos e créditos definido 
em função da idéia de original, mas, sim, a apropriação particular, diferencial e seletiva 
de elementos da cultura alheia. Da mesma forma, o gênero preferencialmente adotado 
para a exposição dos trabalhos da crítica – o ensaio – também se caracteriza pelo 
hibridismo. Situado num espaço limítrofe entre a ciência e a arte, o ensaio rompe com a 
pretendida objetividade do tratado, incorporando artifícios retóricos próprios ao 
discurso literário e assumindo o caráter parcial das interpretações. Essas passam a ser 
produzidas através da experimentaçãode inusitadas articulações teóricas, agora 
apresentadas segundo uma lógica coordenativa, evidenciando-se a dispersão e o 
inacabamento que caracterizam o trabalho do crítico da cultura numa sociedade pós-
moderna. Ocorre também uma ampliação dos focos de interesse da crítica literária, que 
incorpora ao seu discurso a análise de toda e qualquer prática significativa, a partir da 
noção barthesiana de texto (Cf. BARTHES, p. 81). As relações entre os diversos 
sistemas semióticos, que, num certo sentido, já vinham sendo estabelecidas 
 
anteriormente, passam a ser objeto de um grande volume de trabalhos produzidos na 
universidade, mas agora sem a perspectiva hierarquizante que, normalmente, 
acompanhava a leitura de obras veiculadas pelos meios de comunicação de massa. 
A expansão do campo cultural teria, assim, como correlato, a desestabilização da 
função judicativa do crítico, o que acabaria por promover uma série de intervenções de 
parte da intelectualidade, que atribui a crise pela qual a crítica estaria passando ao 
relativismo que seria responsável por um processo de “igualamento” de todos os bens 
culturais, impossibilitando o exercício da função a que ela se destina. É a tal postura que 
se deve reagir, pois nela está implícita não apenas uma visão desistoricizada do conceito 
de “crítica” e de “arte”, mas também a defesa de um retorno ao regime da identidade 
disciplinar, que, como vimos, pressupõe a manutenção do poder de uma elite para, de 
forma nada democrática, impor os seus valores como universais. Discorrendo sobre tal 
situação, no ensaio “Para dar um fim ao juízo”, afirma Deleuze: 
 
 O que nos incomodava era que, renunciando ao juízo, tínhamos a 
impressão de nos privarmos de qualquer meio para estabelecer diferenças entre 
existentes, entre modos de existência, como se a partir daí tudo se equivalesse. 
Mas não é antes o juízo que supõe critérios preexistentes (valores superiores), e 
preexistentes desde sempre (no infinito do tempo), de tal maneira que não 
consegue apreender o que há de novo num existente, nem sequer pressentir a 
criação de um modo de existência? Um tal modo se cria vitalmente, através do 
combate, na insônia do sono, não sem certa crueldade contra si mesmo: nada de 
tudo isso resulta do juízo. O juízo impede a chegada de qualquer novo modo de 
existência. Pois este se cria por suas próprias forças, isto é, pelas forças que sabe 
captar, e vale por si mesmo, na medida em que faz existir a nova combinação. 
Talvez esteja aí o segredo: fazer existir, não julgar. Se julgar é tão repugnante, 
não é porque tudo se equivale, mas ao contrário porque tudo o que vale só pode 
fazer-se e distinguir-se desafiando o juízo. Qual juízo de perito, em arte, poderia 
incidir sobre a obra futura? Não temos por que julgar os demais existentes, mas 
sentir se eles nos convêm ou desconvêm, isto é, se nos trazem forças ou então 
nos remetem às misérias da guerra, às pobrezas do sonho, aos rigores da 
organização.” (DELEUZE, 1997, p. 153) 
 
 
 
 A aludida crise da crítica diria respeito muito mais a uma certa perda de 
consenso entre os participantes do campo literário, que, com o aumento dos cursos de 
graduação e de pós-graduação em Letras, cuja duração buscaria cada vez mais atender 
às propostas reformistas já especificadas quando tratamos das características da 
sociedade do controle, estaria sendo “invadido” por um vasto contingente de jovens 
interessados em também expor sua produção, não mais alinhada aos rigores da erudição 
cultivada com a formação de caráter humanista, antes oferecida. Não obstante, é 
justamente o advento dessa intelectualidade de massa que viria garantir a geração de um 
mercado de bens simbólicos. Proliferam hoje, no País, as revistas culturais, algumas 
direcionadas especificamente ao público consumidor de literatura. Da mesma forma, as 
antologias reunindo novos autores viveram a partir do final da década de 1990 um 
verdadeiro boom. Novos espaços de visibilidade para a produção literária também têm 
sido criados, como as feiras de livros, que têm na FLIP o seu exemplo de maior sucesso, 
e multiplicam-se os prêmios conferidos anualmente aos autores que mais tenham se 
destacado, além das campanhas em prol da leitura, que passa a receber a atenção dos 
órgãos públicos e das instituições educacionais. Paradoxalmente, o crescimento desse 
mercado não impediria o processo de “demissão da crítica” do espaço dos jornais, 
amplamente discutido por vários intelectuais nos últimos anos. A “crise do rodapé” 
seria, para alguns deles, produzida não apenas em decorrência de problemas financeiros 
vivenciados pelos principais periódicos nacionais, mas também pela espetacularização 
do mundo das letras, que viria transformando o crítico literário em um simples 
resenhista a serviço das editoras, e pela lógica do favorecimento e do compadrio, que 
impediria uma análise imparcial das obras. 
 Dentre as falas dos intelectuais que vêm recentemente manifestando-se a 
respeito dessa crise, como Alberto Dines (2005), Wilson Martins (2005), Affonso 
Romano de Sant’Anna (2006), Alcir Pécora (2005), Paulo Franchetti (2005), Nelson de 
Oliveira (2005), dentre outros, destaco a posição desse último, por compreender que ele 
é um dos raros exemplos que fogem à nostalgia do resgate dos valores iluministas. Para 
Oliveira, se quiser ter o seu emprego de volta, a crítica precisa romper com parâmetros 
como objetividade e imparcialidade, próprios a uma leitura imanente e judicativa da 
obra, assumindo-se como um discurso que mantém pontos em comum com a escrita 
literária. O autor defende ainda uma crítica que não se abstenha da exposição do sujeito 
autor, nem do partido que ele toma no campo em que atua. Sob essa perspectiva, a 
crítica passa a ser exercida de forma criativa, deixando de ser “uma escrita sobre a obra, 
 
participando do processo aberto de criação de sentido, sendo assim uma escrita com as 
obras” (OSÓRIO, 2005, p. 16). 
 Discorrendo sobre a crise do juízo, no campo da filosofia, Richard Shusterman 
talvez nos auxilie a compreender como se faz necessário promover, hoje, uma “política 
da escrita” (RANCIÈRE, 1995) capaz de romper com os valores modernistas que 
erigem a autonomia da arte como dogma. Afirma o crítico: 
 
 O próprio ideal filosófico de reflexão neutra pura revela uma tendência 
impura. Ele serve a um estreito e profissionalizado conservantismo que é ou feliz 
por reforçar o status quo, representando-o com clareza, ou é simplesmente 
tímido demais para arriscar sujar suas mãos na batalha desordenada através da 
formação da arte e da cultura. O fetichismo da neutralidade desinteressada 
obscurece o fato de que o objetivo último da filosofia [e aqui poderíamos 
considerar o mesmo para a literatura] é o de beneficiar a vida humana, mais do 
que servir a verdade pela verdade. Visto que a arte é um estimado recurso de 
florescimento humano, a filosofia deveria procurar aumentar a influência da arte 
ampliando o seu conceito. (SHUSTERMAN, 2003, p. 130) 
 
 Como se vê, são aqui ativadas as imagens que permeiam a noção de combate, 
em detrimento da concepção relacionada aos valores consensuais. E ampliando-se o 
campo da arte ao universo da produção imaterial, essa pode ser concebida como um 
trabalho vivo, como um fator gerador de vida social, constituindo-se como um 
instrumento de biopotência, que deve ser cada vez mais dirigido para garantir-se o 
espaço de produção e circulação do que é comum. Nesse sentido, a sociedade do 
controle, na medida em que depende do trabalho intelectual produzido agora em 
processos comunicativos indispensáveis para se criar novas redes de trocas 
intersubjetivas, paradoxalmente, gera umespaço que não tem como ser totalmente 
apropriado pelo capital. Pois, como afirma Michael Hardt e Antonio Negri, no livro 
Multidão, 
 
 O trabalho vivo pode ser encurralado pelo capital e reduzido à força de 
trabalho que é comprada e vendida e que produz bens e capital, mas o trabalho 
vivo sempre transcende isto. Nossas capacidades criativas e de inovação são 
sempre maiores que nosso trabalho produtivo – produtivo de capital, queremos 
dizer. A esta altura, podemos reconhecer que essa produção biopolítica é, por um 
 
lado, incomensurável, pois não pode ser quantificada em unidades fixas de 
tempo, e, por outro lado, sempre excessiva no que diz respeito ao valor que o 
capital pode dela extrair, pois o capital não pode nunca capturar toda a vida. 
(HARDT, NEGRI, 2005, p. 195) 
 
Conclui-se, dessa forma, que às estratégias de controle sempre se opõem forças 
capazes de promover certa desestabilização no sistema capitalista. E, se o espaço do 
jornal se fecha à intervenção da crítica, outros canais são criados para dar continuidade 
ao processo de comunicação e de formação de novas comunidades de sentido. Assim, a 
internet passa a se constituir como um meio que pode contribuir para desierarquizar os 
lugares de enunciação dos discursos da crítica, promovendo um diálogo mais horizontal 
entre sujeitos que não abrem mão de se posicionarem num campo que se mostra em 
franca expansão. Como já se afirmou em outro momento, também nesse terreno, 
“através das revistas eletrônicas, dos blogs e fóruns de discussão, novas subjetividades 
vêm sendo formadas, diferentes possibilidades interpretativas se tornam visíveis e os 
conflitos ideológicos encontram um lugar para serem encenados” (LIMA, 2006). Trata-
se, portanto, de um processo de fuga incessante ao controle, que, felizmente, mostra-se 
sempre insuficiente para promover a completa dominação da vida. 
No entanto, nota-se que a comunidade universitária da área de Letras (e, de 
modo mais específico, os críticos literários do universo acadêmico) ainda não vem 
explorando como seria desejável a potencialidade desse novo canal de comunicação. Se 
considerarmos, como já foi sugerido anteriormente, que nossa luta no terreno cultural, 
político e econômico deva ter como objetivo tornar comum o que é privilégio ou 
propriedade de poucos, resta-nos intensificar o processo de ocupação desse espaço 
virtual, que, inquestionavelmente, tem sido na contemporaneidade o principal lócus de 
resistência aos poderes estabelecidos. Que essa tarefa seja assumida como um desafio 
por todos os que, seguindo Walter Benjamin, compreendem que o crítico deve se 
comportar como um “estrategista na batalha da literatura” (BENJAMIN, 1987, p.32). 
 
 
Referências 
 
BARTHES, Roland. O rumor da língua. Tradução de António Gonçalves. Lisboa: 
Edições 70, 1987. 318p. 
 
 
BENJAMIN, Walter. A técnica do crítico em treze teses. In: Rua de mão única. 
Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos Martins Barbosa. São Paulo: 
Brasiliense, 1987, p.32-33. (Obras Escolhidas II) 
COCCO, Giuseppe, GALVÃO, Alexander Patez, SILVA, Gerardo (Orgs.). Capitalismo 
cognitivo. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 191p. 
 
DELEUZE, Gilles. Para dar um fim ao juízo. In: Crítica e clínica. Tradução de Peter 
Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1997. p. 143-153. 
 
DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: Conversações. 
Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1992. p. 219-226. 
 
DINES, Alberto. Mais uma vitória d’O Globo. Acabou a era do rodapé cultural. 
Disponível em: <www.observatoriodaimprensa.com.br,> Edição n.341, de 09 de agosto 
de 2005. Acesso em 02 abr. 2007. 
 
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 7. ed. Organização e tradução de Roberto 
Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979. 295p. 
 
FRANCHETTI, Paulo. A demissão da crítica. Disponível em: 
<http://www.germinaliteratura.com.br.> Acesso em 01 março 2006. 
 
GORZ, André. O imaterial: Conhecimento, Valor e Capital. Tradução de Celso Azzan 
Jr. São Paulo: Annablume, 2005. 107p. 
 
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Janeiro: Record, 2001. 501p. 
 
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