Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
2. Protozoologia 09 PLASMÓDIOS E A MALÁRIA 1. INTRODUÇÃO E ANTECEDENTES HISTÓRICOS A malária ou paludismo é uma doença infecciosa parasitária, causada pelos plasmódios. Ela representa um grande peso sócio económico, tanto a nível individual (compra de medicamentos, transporte para o hospital, absentismo na escola e no trabalho, etc.), como ao nível dos governos (manutenção das unidades sanitárias, compra de medicamentos, programas de saúde pública para prevenção da doença, perda de oportunidades para o turismo devido ao medo da doença, etc.). Os custos directos para o tratamento da doença e mortes prematuras estimam-se em 12 biliões de dólares americanos por ano. Os custos relacionados às perdas no crescimento económico devido a doença são ainda maiores que os custos directos. As insuficientes políticas públicas de saúde, os escassos recursos financeiros dos países afectados e o desinteresse da indústria farmacêutica em pesquisar novos medicamentos para doenças que atingem as populações mais pobres, em áreas igualmente pobres e, consequentemente, fora do mercado, não têm ajudado no controle e ou irradicação da malária, bem como de muitas outras parasitoses humanas. 1.1. Antecedentes históricos o médico italiano Giovanni Maria Lancisi notou no século XVIII (1717) que os habitantes dos pântanos eram os que mais sofriam da doença e por isso a mesma recebeu o nome italiano de “mal aire”, que significa mau ar ou ar insalubre, já que na época acreditava-se que era causada pelas emanações provenientes dos pântanos. 80 E.V.Noormahomed Protozoologia Anteriormente, no ano 500 a.C. Hipócrates associou a febre com a presença de pântanos daí que a malária se chama também paludismo que vem da pala- vra latina “palud” que significa pântano. Portanto, esta doença acomete o homem desde a pré história. A característica intermitente da febre malárica permitiu identificar a sua presença em escritos chineses e egípcios de 3 mil anos a.C. Originada provavelmente no Continen- te Africano, que é entendido como o “Berço da Humanidade”, acompanhou a saga migratória do ser humano pelas regiões do Mediterrâneo, Mesopotâmia, Índia, e Sudeste Asiático. A chegada da doença ao novo mundo poderá ter se devido a viagens transpacíficas em tempos remotos, bem como a viagens de colonizadores espanhóis e portugueses a partir do século XVI. Apesar de a associação com a malária ser incerta, existem referências a febres sazonais e intermitentes em textos religiosos e médicos bastante antigos, entre os assí- rios, chineses e indianos, que relacionavam a doença à punição de Deuses e à presença de maus espíritos. Hipócrates, médico que viveu na Grécia no séc. V foi o primeiro a descartar a superstição e relacionar a doença às estações do ano ou aos locais frequen- tados pelos doentes. Também foi o primeiro a descrever detalhadamente o quadro clínico da malária e algumas das suas complicações. Depois dele, no século II d.C., diversos médicos gregos e romanos deixaram várias referências sobre a doença, que ocorria em epidemias cíclicas na Grécia, Itália e diversas partes da Europa, onde era conhecida como “Febre Romana”, tendo sido uma das doenças que atingiu a base populacional e económica do Império Romano, levando à sua queda. Durante quase 1.500 anos, pouco foi acrescentado ao conhecimento sobre a doença e seu tratamento. No século XVII os padres jesuítas observaram que as populações indígenas da América do Sul utilizavam a casca de uma árvore nativa para o tratamento de alguns tipos de febre. O seu efeito espalhou-se rapidamente pela Europa e passou a ser conhecido como “pó dos jesuítas” e, a árvore de onde o mesmo era extraído, recebeu o nome de Cinchona. Em 1820 foi isolado o seu princípio activo que consistia no quinino e graças a este, os europeus sobreviveram em grande número em África, dando finalmente origem, no fim do século XIX, à corrida pelas colónias africanas e partilha do continente entre Portugal, Reino Unido, França, Alemanha, Bélgica, Itália e Es- panha. Por outro lado, os Chineses já usavam a planta Artemísia (uma “nova” droga anti malárica revolucionária “descoberta” apenas recentemente. Foi no final do século XIX, quando bacteriologistas e patologistas estavam es- tudando as causas de diversas doenças infecciosas, com a observação de alterações mórbidas em órgãos e tecidos, bem como notando o papel de in- sectos na transmissão de algumas doenças que, o conhecimento sobre a ma- lária passou por um período de importantes descobertas. Em 1880, o médico do exército francês Charles Alphonse Laveran, (prémio Nobel de fisiologia em 1907) trabalhando na Argélia, observou e descreveu os parasitas da malária no interior das hemáceas humanas e propôs que a malária era causada por um protozoário, sendo a primeira vez que se identificava um protozoário como causador de uma enfermidade. Posteriormente, o britânico Sir Ronald Ross, prémio Nobel de Medicina em 1902, (trabalhando na Índia), demonstrara em 1898, que a malária era transmitida por mosquitos, ao encontrar formas do parasita da malária no interior de um mosquito que havia se alimentado em um portador da doença. O quadro completo do ciclo de desenvolvimento do parasita da malária no homem e na fêmea do mosquito Anopheles foi obtido posteriormente, graças aos pesquisadores italianos Amico Bignami, Giuseppe Bastianelli e Batista Grassi, em estudos realizados entre 1898 e 1899. Durante a primeira metade do século XX, muitas pesquisas eram dedicadas ao controle da malária, especialmente, para reduzir ou eliminar a presença de criadores do insecto transmissor, o que se mostrou bastante eficiente em algumas situações, como aconteceu com o Anopheles gambiae, mosquito de origem africana e talvez o melhor vector da doença no mundo. Por outro lado, as dificuldades no fornecimento do quinino durante a primeira guerra mundial, estimularam pesquisadores alemães para a obtenção de anti- maláricos sintéticos, culminando com o desenvolvimento da pamaquina (1924), mepacrina (1930) e cloroquina (1934). Paralelamente, eram desenvolvidos es- tudos para a síntese de substâncias com acção insecticida, que atingiram seu 81E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana auge em 1942, com a obtenção, por Paul Muller, do composto dicloro-difenil- -tricloroetano (D.D.T.), que apresentava grande actividade insecticida, grande poder residual e baixo custo. Com o uso de DDT nos programas de erradicação na década de 70, cerca de 53% da população residente em áreas malaríferas ficou livre do risco da doença, evitando-se a morte de milhões de pessoas e contribuindo para o desenvolvimento socioeconómico de grandes áreas, especialmente na Ásia, sul e sudeste da Europa e nas Américas. Com a redução das actividades de controle, crises económicas, aumento dos custos dos insecticidas, surgimento de resistência dos anofelinos aos insecticidas e dos parasitas aos anti malári- cos, a situação deteriorou-se na década de 1980 e, à excepção da Europa e América do Norte, o número de casos de malária voltou a subir na maioria dos países. Isto levou à revisão da estratégia global de erradicação e à decisão de adoptar actividades de controle integradas nos programas nacionais de longo termo, visando reduzir os níveis de transmissão, contando com a participação da comunidade. Desta forma, aliando-se a medidas de controle do vector, acesso ao diagnós- tico laboratorial e tratamento eficaz e imediato, tornou-se possível, obter uma redução significativa da morbidade e, especialmente, da mortalidade por ma- lária. Porém, ainda hoje, a doença está presente em cerca de 106 países e territórios, especialmente na África, Ásia e Américas Central e do Sul. 2. AGENTE ETIOLÓGICO, MAGNITUDE E DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA A malária é provocada por protozoários unicelulares do géneroPlasmodium. Estes, pertencem à Ordem Coccidiida, Sub-Ordem Haemosporidiidea, Famí- lia Plasmodiidae, sendo apenas 5 das 150 espécies existentes que parasitam o homem, nomeadamente o Plasmodium falciparum, o Plasmodium vivax, o Plasmodium malariae, o Plasmodium ovale e o Plasmodium knowlesi. A malária afecta a 101 países dos quais 53 são africanos, Fig.51. Outros paí- ses afectados encontram-se nas Américas, e no sudeste Asiático. Ela está au- sente na África do Norte e grande parte do território Sul Africano. As alterações climatéricas e os movimentos populacionais poderão, no futuro, vir a alterar a distribuição da doença. Estima-se que 3.4 biliões de pessoas no mundo, correspondente à metade da população mundial, vivem em áreas expostas a malária e, destas, 1.2 biliões estão em risco de contrair a infecção. De acordo com os dados da OMS de 2013, 207 milhões de pessoas desenvolveram malária sintomática em 2012 e, 627.000 morreram devido à doença. As mulheres grávidas, especialmente as primigestas, segundas gestas e as crianças menores de 5 anos, são as mais afectadas. O maior foco de transmissão da malária é a África Sub-Sahariana, onde ocor- rem cerca de 90% dos casos de malária no mundo. Esta grande transmissão é favorecida pela combinação dos seguintes factores: a) presença dos mos- quitos do complexo Anopheles gambiae que são vectores muito eficientes e respondem pela alta transmissão; b) predominância da espécie falciparum que é a que causa malária severa e morte; c) condições climatéricas que permitem que a transmissão ocorra todo o ano e; d) recursos limitados e condições sócio económicas instáveis que interferem com um controle eficiente da doença. As estatísticas precisas são desconhecidas porque muitos casos ocorrem nas zonas rurais onde as pessoas não têm acesso a hospitais ou recursos para garantir os cuidados de saúde, permanecendo um bom número sem ser docu- mentado Em Moçambique, a prevalência da doença é variável de região para região e influenciada por vários factores ligados à transmissão e medidas de prevenção e controle. Num estudo realizado em uma determinada população da cidade de Maputo, a prevalência foi de 1,9% enquanto que noutra população com características semelhantes estudada na cidade de Mocuba, a prevalência foi de 14,7% para semelhante período do ano (2007 a 2008). A doença representa 44% do total de consultas externas, 57% dos internamentos em pediatria nos hospitais ru- rais e gerais e 26 % de todos os internamentos nos hospitais, sendo o Plas- modium falciparum responsável por cerca de 90% de todas as infecções por malária. 82 E.V.Noormahomed Protozoologia Entre Dezembro de 2012 a Abril de 2013 6% das admissões nos serviços inten- sivos do Hospital Central de Maputo, foram devido a malária severa, com uma taxa de mortalidade de 23%. Casos de malária por outros plasmódios como o P. malariae e P. ovale estão também documentados e respondem por 9% e 1% das infecções respectivamente. O Plasmodium vivax também tem sido detectado em algumas regiões do país embora com prevalência muito baixa, inferior a 1%. Recentemente, um japonês que esteve em Moçambique, ao regressar ao Japão apresentou-se com sintomas de malária e febre e, ao ser submetido a testes de malária, foram nele detectadas as 4 espécies de plasmódios acima mencionadas. A distribuição das diferentes espécies do parasita no mundo também varia de lugar para lugar. O Plasmodium falciparum possui uma distribuição global nos trópicos e subtró- picos (mais predominantemente na África subsaariana, Nova Guiné, Haiti e República Dominicana), onde é mais frequente, letal e com a maior morbilidade e mortalidade, principalmente por malária cerebral e anemia. É o mais comum em África e a única espécie que causa malária cerebral. O Plasmodium vivax é o que maior morbilidade causa a seguir ao P. falciparum. Distribui-se pelos trópicos, subtrópicos e zonas temperadas, sendo mais comum no continente americano e no Pacífico ocidental e raro em África. Provoca uma elevada morbilidade mas raramente é letal podendo cursar muitas vezes, com um quadro de malária crónica devido aos hipnozoítos que se formam durante a esquizogonia intrahepática. O Plasmodium malariae distribui-se pelos trópicos, subtrópicos, em muitas zo- nas endémicas da África subsaariana. É menos comum, tendo uma distribui- ção por focos. Responde por casos de malária não-grave, nefropatias e malá- ria crónica, apresentando-se em geral, com baixas parasitémias. O Plasmodium ovale distribui-se pela África ocidental tropical e Pacífico ocidental. É mais raro, provoca malária não-grave, pode cursar com uma malá- ria crónica devido a presença de hipnozoítos formados durante a esquizogonia intrahepática. O Plasmodium knowlesi está confinado ao Sudeste asiático, particularmente na Malásia, Tailândia, Filipinas e Myanmar. Morfologicamente se assemelha ao P. malariae, mas foi identificado por testes moleculares, como sendo uma espécie diferente que tem como reservatórios os primatas. Pode causar doen- ça com desfecho fatal tal e qual acontece com os casos de doença provocados por Plasmodium falciparum. O vector mais importante na transmissão do para- sita do macaco para o homem é o Anopheles latens por que o mesmo tem um tropismo por ambos. Figura 53 Distribuição geográfica da malária no mundo 3. ASPECTOS MORFOLÓGICOS, CICLO EVOLUTIVO E TRANSMISSÃO As espécies de plasmódios que transmitem a doença no ser humano, apre- sentam essencialmente, o mesmo ciclo de vida que compreende uma fase de reprodução assexuada no homem e uma fase de reprodução sexuada no mosquito. Portanto, são parasitas heteroxenos sendo o homem o hospedeiro intermediário e o mosquito o hospedeiro definitivo. As formas evolutivas mais importantes para efeitos de diagnóstico parasitológico 83E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana são os merozoítas ou trofozoítas, os esquizontes e os gametócitos, Fig. 52. 3.1. Aspectos morfológicos Os merozoítas do Plasmodium falciparum são mais pequenos que das outras espécies e medem 0.7 µm de diâmetro.Possuem a forma de anel ou foice, apresentam o citoplasma azulado e um núcleo vermelho quando corados com Giemsa. Nos trofozoítas maduros podem ser observadas manchas vermelhas e grosseiras e que recebem o nome de granulações de Maurer. Estas, corres- pondem a fendas existentes no estroma das hemáceas revestidas de membra- nas e de comprimento variável. Os seus gametócitos são alongados e curvos. O macrogametócito (feminino) possui a forma de banana ou de crescente e mede entre 12 a 14 µm de comprimento. Possui citoplasma azul intenso, nú- cleo denso e excêntrico ou periférico enquanto o microgametócito (masculino) possui a forma de salsicha e mede entre 9 a 11 µm de comprimento com um citoplasma que se cora fracamente de azul ou rosáceo e cromatina nuclear difusa, situada centralmente com pigmento malárico disseminado por todo o citoplasma quando corado com Giemsa. Nas preparações coradas, a Giemsa o trofozoíta do P. vivax aparece como uma massa ovoide ou redonda azulada com cromatina densa e fortemente corada a vermelho, medindo 0.8 a 1.2 µm de diâmetro. Os gametócitos adultos possuem citoplasma abundante, contorno regular arredondado com cromatina pouco densa e com bastante pigmento malárico. Os macrogametócitos medem 10 a 11 µm de diâmetro, seu citoplasma cora-se mais fortemente em azul e, o núcleo, geralmente periférico, possui cromatina densa. Os microgametócitos são ligeiramente menores, apresentam citoplasma azul pálido com núcleo cen- tral e cromatina frouxa. Seus esquizontes medem 40 µm e possuem 10.000 merozoítas cada um. A membrana celular dos eritrócitos parasitados modifi- ca-se e exibe uma fina granulação vermelha como um pontilhado conhecido como granulações de Schuffner. Os trofozoítas jovens do P.malariae possuem a forma de anel, medem 2 µm de diâmetro e podem ser indistinguíveis dos trofozoítas de P. vivax. Seu citoplas- ma é mais abundante e tendem a estirar-se em faixas que cruzam o glóbulo verme- lho. Estas formas podem confundir-se com os gametócitos. Seus gametócitos são semelhantes aos do P. vivax mas em tamanho menor. Os seus esquizontes medem 40 µm de diâmetro e possuem 1.500 núcleos. Nas hemáceas parasi- tadas por P. malariae aparecem também as granulações de Schuffner e em raras ocasiões as granulações de Ziemann que são maiores e de aspecto mais grosseiro que as granulações de Schuffner. Os trofozoítas do P. ovale são grandes, medem 1.8 µm e possuem núcleo redondo e volumoso, com contornos ovais , irregulares e margens denteadas. Os gametócitos são semelhantes aos de P. vivax , seus esquizontes medem 70 a 80 µm e possuem 15.000 merozoítas cada. As hemáceas parasitadas aumentam de tamanho precocemente e exibem também as granulações de Schuffner. Figura 54 Merozoítos, esquizontes e gametócitos 3.2. Ciclo evolutivo 3.2.1. Ciclo evolutivo dos Plasmodium spp. no mosquito A fêmea do mosquito Anopheles precisa de de se alimentar de sangue de tempos a tempos, espaço necessário para o amadurecimento dos seus ovos e oviposição. Assim, quando esta pica o homem infectado para sugar o sangue, ingere consigo as formas sexuadas do parasita, os gametócitos. Deste modo, inicia-se uma fase sexuada no interior do estômago do mosquito com a cópula, fecundação e formação de um ovo ou zigoto. o zigoto formado migra através da cama- da única de células do estômago do mosquito, posicionando-se entre esta e sua membrana basal, iniciando-se de seguida um processo de reprodução 84 E.V.Noormahomed Protozoologia assexuada por esporogonia, donde resultam centenas esporozoítos que são as formas infectantes para o homem. Os esporozoítos migram para as glândulas salivares do insecto onde permanecem até este voltar a picar o homem onde são inoculados neste, junto com a saliva. 3.2.2. Ciclo evolutivo dos Plasmodium spp. no Homem Quando o mosquito infectado com formas evolutivas do Plasmodium spp. (os esporozoítos) pica o homem para -se alimentar de sangue, injecta inicialmente neste, uma pequena quantidade de saliva contendo substâncias anticoagu- lantes de modo a permitir-lhe sugar o sangue que necessita. Neste acto, são inoculados ao mesmo tempo os esporozoítos. Estes permanecem cerca de 30 minutos livres na corrente sanguínea, sendo alguns fagocitados e outros alcançam o fígado alojando-se de seguida no interior das células hepáticas. Dentro do hepatócito, os esporozoítos passam por uma primeira divisão assexuada denominada esquizogonia intrahepática ou esquizogonia tecidual. Decorridos alguns dias, dependendo da espécie do Plasmodium, formam-se milhares de merozoítos ou trofozoítos e a célula hepática rompe-se libertando os merozoítos resultantes para a corrente sanguínea. Na corrente sanguínea, os merozoítos ou trofozoítos invadem os glóbulos vermelhos parasitando-os. Daí, inicia-se de novo, um processo de reprodução assexuada por esquizogonia, denominado esquizogonia intraeritrocitária. A esquizogonia intraeritrocitária cursa em ciclos que variam entre 24 a 72 horas e cada parasita produz de 8 a 32 novos trofozoítas dependendo da espécie do Plasmodium envolvida. Depois de alguns ciclos esquizogónicos, entre 3 ou 4, surgem os sintomas da doença. Através de mecanismos pouco conhecidos, alguns dos merozoítos ou trofozoítos formados durante a esquizogonia sanguínea ou intraeritrocitária, sofrem diferenciação e transformam-se em gâmetas masculino e feminino, 6 a 8 dias depois do início das crises febris. Os gametócitos constituem as formas infec- tantes para o mosquito, Fig. 1 pág.11. 3.2.2.1. Particularidades do Ciclo evolutivo do P. vivax e P. ovale No caso do P. vivax e P. Ovale, alguns dos esporozoítos inoculados no homem, não seguem a evolução normal do período de incubação. Uma vez no interior do hepatócito, permanecem em estado de latência (dormentes), por períodos que variam de 1 mês a anos, denominando-se pelo facto, de hipnozoítos. Estes hipnozoítos, são os responsáveis pelas recaídas em pessoas que voltam a apresentar a doença, por uma ou mais vezes, após o tratamento inicial, mesmo que não tenham frequentado recentemente áreas com transmissão. Desco- nhecem-se os mecanismos envolvidos no desencadeamento da reactivação dos hipnozoítos. Por vezes, na infecção por P. falciparum e P. vivax, há o reaparecimento em curto espaço de tempo, de manifestações clínicas devido a persistência do ciclo hemático e sua reagudização nos casos não tratados. Este fenómeno denomina-se recrudescência ou recidiva. Ciclo evolutivo do mosquito vector As fêmeas dos anofelinos colocam os seus ovos nas colecções hídricas (os criadores) que sejam mais adequadas a cada a espécie. Estes criadores podem ser grandes lagos ou lagoas, represas artificiais, valas de irrigação, mangais, pântanos, colecções temporárias de água resultantes das chuvas, objectos e recipientes domésticos como pneus, telhas ou chapas de zinco e lusalite, panelas de barro, etc., e até mesmo plantas da família das bromeliá- ceas, com baixo teor de matéria orgânica. Por isso as águas poluídas, espe- cialmente em áreas urbanizadas, raramente poderão servir para a reprodução destes insectos. A fêmea fecundada coloca os seus ovos medindo cerca de 0,5 milímetro de comprimento e dotados de flutuadores em um destes criadores. Destes ovos surgirão as larvas, que se transformarão em pupas, que por sua vez, darão origem aos adultos. Dependendo da temperatura do meio ambiente, o desenvolvimento de ovo à adulto, pode levar entre 7 a 20 dias. As fêmeas são fecundadas apenas uma vez na vida, no momento em que deixam o meio aquático e que corresponde ao final da evolução da pupa. Seu tempo médio de vida é de 30 dias, dependendo da temperatura e da humidade do ar, enquanto que os machos vivem menos tempo. 85E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana 3.3. Transmissão da malária para que haja transmissão da malária tem que haver pessoas infectadas, mosquitos do género Anopheles e pessoas susceptíveis. Ela é transmitida apenas pela picada da fêmea dos mosquitos do gênero Anopheles, sub-gêneros: Ano- pheles, Cellia, Nyssorhyncus e Kerteszia. Pode ainda ser contraída através da transfusão sanguínea, transmissão transplacentar, transplante de órgãos, partilha de seringas e agulhas infectadas, acidentes de trabalho em pessoal de laboratório ou outros profissionais de saúde ao manejar sangue infectado. Existem cerca de 400 espécies de mosquitos do gênero Anopheles no mundo, mas somente em torno de 60 delas são vectoras sob condições naturais e, destas, trinta apresentam importância epidemiológica. Geralmente, a transmissão ocorre em maior grau, nas regiões rurais e semi-rurais mas, pode ocorrer também nas zonas urbanas. Nas regiões cuja altitude seja superior a 1.500 metros, o risco de contracção de malária é pequeno. Os mosquitos transmissores possuem maior actividade durante a noite, do cre- púsculo ao amanhecer, infectando-se a partir de homens infectados contendo gametócitos. O mosquito tende a picar mais as pernas, os braços ou o pescoço onde os vasos sanguíneos são mais acessíveis, poupando o rosto e as mãos com vasos sanguíneos menos acessíveis. O maior risco de aquisição da infec- ção é no interior das habitações, embora a transmissão também possa ocorrer ao ar livre. O mosquito da malária sobrevive em locais com temperaturas mínimas supe- riores a 15ºC, e só atinge número suficiente de indivíduos para a transmissão da doença em regiões onde as temperaturas médias sejam iguais ou superiores 20°C e com alta humidade. As larvas desenvolvem-se em águas paradas e, a maior prevalência da infecção ocorre, igualmente, durante asestações com chuva abundante e altas temperaturas. Os machos dos mosquitos Anopheles vivem de seivas de plantas. O período de transmissibilidade da infecção por Plasmodium spp. do mosquito para o homem é de uns 8 a 16 dias, em geral, após o mosquito ter-se alimentado com o sangue de uma pessoa portadora de gametócitos. A fêmea do anofelino é capaz de transmitir os esporozoítos a outras pessoas susceptíveis, através de sua picada, a cada novo repasto sanguíneo, o que ocorre a cada dois ou três dias. 4. PATOGÊNESE, FORMAS E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA MALÁRIA 4.1. PATOGÊNESE Qualquer indivíduo é suscetível à malária incluindo aqueles que já a contraíram por diversas vezes, uma vez que a imunidade induzida pela presença do para- sita nunca chega a conferir proteção total. Apesar desta proteção não ser total ela contribui para o abrandamento dos sintomas. Certas características individuais (genéticas e fisiológicas), podem conferir uma certa resistência natural à doença, contribuindo para que o indivíduo não apresente quadros mais graves de doença. Constituem exemplos, a ausência de antígeno Duffy nos glóbulos vermelhos, que os tornaria refratários à invasão pelo P. vivax, as hemoglobinopatias (HbS), em que a invasão pelo P. falciparum é bastante reduzida, as enzimopatias como a deficiência em glicose-6-fosfato desidrogenase, em que os parasitas não apresentariam um bom desenvolvimento no interior das hemácias. A anemia das células falciformes é uma doença genética que ocorre nas egiões de alta incidência de malária e os portadores da mesma, têm altas taxas de sobrevivência à malária, sendo parcialmente resistentes a ela. Tal, deve-se ao facto de o plasmódio não reconhecer a hemácia devido a sua morfologia anormal, evitando que este seja infectado. As hemoglobinas anormais são uma proteção contra a infecção malárica por, as suas hemáceas serem facilmente hemolisadas, traduzindo-se num tempo de vida curto e impedindo deste modo que o ciclo do parasita se complete na hemácea com a consequente redução da parasitémia. Outros portadores de doenças genéticas, como algumas talassémias, ou deficiências no gene da enzima glicose-6-fosfato desidrogenase, frequente nas populações do Mediterrâneo, também poderão ser o produto de selecção natural positiva dos portadores, devido a maior resistência ao parasita. As mutações 86 E.V.Noormahomed Protozoologia neles verificadas aumentam os radicais livres nas hemácias, interferindo com os mecanismo oxidativo da via das pentoses com consequente prejuízo no crescimento do parasita da malária. Além dos factores relacionados com o hospedeiro, como o estado nutricional, condições de repouso ou fadiga, ou ainda o uso de medicamentos, certas ca- racterísticas genéticas de determinadas estirpes do parasita, podem ter influência na severidade da doença, como por exemplo, a capacidade de o parasita produzir TNF. A imunidade à malária é, portanto, influenciada pela espécie, estirpe e número de parasitas inoculados, grau e duração da infecção. Geralmente, nas zonas endémicas a imunidade passiva está presente nos primeiros 3 meses de vida, como resultado da passagem transplacentar de imunoglobulinas IgG específica e, através do aleitamento materno. O estado de imunidade e ou de tolerância à malária, permite que o indivíduo possa suportar densidades parasitárias altas sem sintomas clínicos e parece que esta tolerância só se mantém enquanto o indivíduo continuar a ser ino- culado pelos mosquitos anofelinos infectados. Após 1 ano sem exposição ao parasita, a imunidade diminui e os indivíduos podem até desenvolver sinais e sintomas graves de doença, como se fossem provenientes de zonas não endémicas. Na infecção malárica, ocorre também a produção de anticorpos que são específicos para cada fase de desenvolvimento do parasita, que no entanto, não impedem que o parasita possa reproduzir-se. A aquisição gradual da imu- nidade protectora em pessoas de zonas endémicas é dirigida contra as formas sanguíneas e requere vários anos de exposição mas, raramente se alcança uma proteção total. Nas áreas de menor transmissão como a América latina e a Ásia, os seus resi- dentes são infectados menos frequentemente e, deste modo, muitas pessoas adultas podem atingir a idade adulta sem terem criado uma imunidade protectora, tornando-se em consequência, susceptíveis à doença incluindo doença severa com desfecho fatal. Os plasmódios evadem-se do sistema imune do hospedeiro de forma natural, graças ao facto de serem parasitas intracelulares por um ladoe, por outro, pelo mecanismo de variação antigénica. A principal acção patogénica do parasita deve-se à anóxia dos tecidos, por causa da redução na capacidade de transporte de oxigénio pelo sangue e à perturbações locais no fluxo sanguíneo, com o aumento da glicólise anaeróbi- ca nos tecidos. Esta anóxia é fruto do aumento da destruição intra e extravas- cular das hemáceas parasitadas e não parasitadas, exercida pelos macrófagos e, também, como consequência da ruptura das hemáceas no final da esquizo- gonia intraeritrocitária. Outro mecanismos através do qual as hemáceas são destruídas, decorre da presença de imunocomplexos na superfície das suas membranas, lesando-as. A destruição por processos auto imunes é uma outra hipótese que estaria por detrás da destruição dos glóbulos vermelhos e não está relacionada com o grau de parasitemia, podendo até ocorrer, após ter-se eliminado os parasitas. A circulação vascular pode ser perturbada também pela vasoconstrição arterio- lar e vasodilatação capilar, devido a hiperactividade do sistema simpático, con- trolável por bloqueadores adrenérgicos, agravando deste modo a anóxia local. As crises febris na malária, devem-se à ruptura dos eritrócitos com libertação dos merozóitos na circulação sanguínea que, por sua vez, libertam substân- cias, possivelmente o glicosil-fosfatidil-inositol (GPI), que vão estimular os ma- crófagos a produzir TNF-α que, por sua vez, age sobre o hipotálamo (centro regulador da temperatura), ocasionando crises febris intensas acompanhadas de calafrios. A produção de óxido nítrico (NO) que ocorre na malária, leva ao bloqueio das sinapses nervosas e perda temporária de consciência. A imunossupressão ve- rificada na malária pode ser devido, também, à produção de NO que agiria, bloqueando a síntese de DNA dos linfócitos e, portanto, a sua multiplicação. Do metabolismo dos parasitas, resulta um alto consumo de glicose e conse- quente redução das reservas de glicogênio hepático, consumo de metionina, outros aminoácidos, fosfatos e vitaminas. Portanto , a hipoglicemia ocorre como resultado de um suprimento reduzido de glicose, devido aos distúrbios da glicogenólise e gliconeogênese hepática, dado a hiper insulinemia, acide- 87E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana mia e disfunção hepática. Também é devido a uma demanda acrescidaa pelo metabolismo anaeróbico e pelo consumo dos parasitas que ocorre a hiper in- sulinemia. Como fruto do seu catabolismo, são lançados na circulação, quantidades cres- centes de ácido láctico, hemozoína e detritos celulares. A maior parte do ácido láctico no líquido cefalo raquidiano (LCR), provem da glicólise anaeróbica dos tecidos, devido a deficiente oxigenação. As complicações hemorrágicas na malária por P. falciparum devem-se ao facto de o parasita produzir proteínas que são expressadas na superfície do eritró- cito, causando aumento da viscosidade sanguínea e maior adesividade dos eritrócitos sobre a superfície endotelial. Este aumento da viscosidade e adesi- vidade sanguínea causam obstrução de pequenos vasos e anóxia tissular ou necroses focais. 4.2. FORMAS E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA MALÁRIA Os sintomas da malária variam de acordo com a espécie, estirpe do Plasmo- dium, bem como da resistência ou imunidadedo paciente, região geográfica e outros factores. O período de incubação é também variável e dependente da espécie do Plas- modium. Nalguns casos,. a febre surge antes que se possam detectar os pa- rasitas no sangue, enquanto que, noutros casos, a febre surge dias depois de se terem detectado os parasitas no sangue. Na infecção por Plasmodium falci- parum, o período de incubação da doença varia entre 9 a 15 dias. Na infecção por P. vivax e P. ovale ela ocorre entre 10-20 dias e na infecção por P. malariae ocorre entre 20 a 40 dias. O aparecimento dos sintomas pode estar retardado ou modificado nos indiví- duos que estiveram em tratamento antimalárico com fins profiláticos. Geral- mente, na infecção por P. falciparum e P. malariae o início da sintomatologia é súbito. No início, o paciente pode apresentar sintomas pródromicos inespecíficos, tais como cefaleia, fadiga, febre (contínua, remitente ou irregular), náuseas, dores musculares e abdominais e ligeira elevação da temperatura que podem durar vários dias ou semanas, dependendo da espécie do Plasmodium. Tipicamente, o acesso malárico apresenta-se com 3 fases bem distintas: a. A fase dos calafrios: Marca o início do paroxismo malárico. Nela, o pa- ciente é acometido por intenso frio, embora a sua temperatura esteja em ascensão até 39 a 40ºC e são seguidas de palidez da pele e tremores vio- lentos durante cerca de 15 minutos a uma hora. Este acesso periódico de calafrio e febre alta, coincide com a lise maciça dos eritrócitos e com a descarga de substâncias imunogénicas tóxicas na corrente sanguínea ao fim de cada ciclo esquizogônico eritrocitário. As crises paroxísticas são mais frequentes ao cair da tarde. b. A fase de sensação de calor: O paciente tem o rosto afogueado e cefa- leia intensa entre outros sintomas. A temperatura pode subir até cerca de 41ºC, o pulso é cheio e amplo e a pele torna-se quente e seca. Nesta fase o paciente sente muito calor e pede para retirar os cobertores. Por vezes o paciente pode delirar por causa da febre alta. Esta fase pode durar entre 2 a 6 horas. c. A fase de sudação profusa. Nesta fase, os tremores cessam, o paciente transpira abundantemente, coincidindo com o abaixamento da temperatura.A pele torna-se húmida, cessa a cefaleia e o mal estar. Após este período, o doente pode sentir-se fatigado ou recuperar-se totalmente até à crise seguinte, que se repete dois a três dias, dependendo da espécie do parasita. Para as espécies de P. falciparum, P. ovale e P. vivax, o ciclo da invasão de eritrócitos por uma geração, esquizogonia, lise e invasão pela nova geração de novos eritrócitos dura 48 horas, sendo denominadas “malária terçã”. A infecção pelo P. malariae tem ciclos febris de 72 horas, sendo por isso denominada malária quartã. A irregularidade da febre no início, deve-se ao assincronismo das esquizogo- nias que, com o decorrer do tempo, se tornam sincronizadas. Se a infecção for por P. falciparum, pode haver sintomas adicionais mais graves, como choque circulatório, síncope, convulsões, delírios e crises vaso-oclusivas. A malária cerebral pode ocorrer devido a formação de microtrombos com a 88 E.V.Noormahomed Protozoologia consequente oclusão de vasos sanguíneos do cérebro, causando défices mentais e coma, seguidos de morte ou défice neuropsiquiátrico irreversível. Os danos renais e hepáticos graves na malária, ocorrem também, devido a formação de microtrombos, necroses focais dos tecidos e anóxia. A infecção crônica por P. malariae é responsável pelo desenvolvimento das nefrites maláricas. As formas de malária causadas pelas outras espécies de Plasmodium são raramente mortais e podem, por vezes, regredir espontaneamente. Os sintomas crónicos incluem a anemia de grau variável, astenia, anorexia, hepato esplenomegália, debilidade com redução da capacidade de trabalho e da inteligência funcional, hemorragia e microenfartos de incidência variável, especialmente na infecção por P. falciparum. Outros distúrbios sistêmicos podem apresentar-se na infecção por P. falciparum e, incluem o comprometimento ou a falência da função renal e ou respiratória, com desenvolvimento de edema agudo do pulmão ou síndrome de angústia respiratória no adulto. Podem também surgir quadros neurológicos, como a confusão mental, convulsões e coma., Quando não diagnosticados e tratados, podem evoluir rapidamente causando a morte do paciente. 4.2.1. Malária Cerebral A malária cerebral é responsável por 80% dos óbitos devido a malária. Pode ter um início gradual ou súbito, sendo os principais sintomas e sinais a febre, cefa- leia, confusão mental, sonolência, vômitos, diarreia, desidratação, convulsões e coma. Outras manifestações neurológicas e psiquiátricas podem surgir, incluindo delírio, hemiplegia, monoplegia, depressão, excitação, quadros espásticos e flácidos, para além dos sintomas e sinais anteriormente descritos. Por vezes, o quadro pode lembrar alcoolismo, tétano ou epilepsia, Fig. 55. Figura 55 Criança com opistótonos 5.2.2. Febre Hemoglobunúrica É uma complicação rara na malária por P. falciparum em pacientes tratados, especialmente com quinina. É também uma complicação frequente em pa- cientes de zonas não endémicas e, portanto, sem nenhuma imunidade prévia. Pode ainda ocorrer em pessoas de zonas endémicas que, por razões diversas perderam a imunidade a infecção. A primaquina pode ajudar a desencadear o processo em pacientes com deficiência de glicose 6-fosfato desidrogenase (G6PD). Caracteriza-se pelo surgimento de crises hemolíticas de intensidade e frequência variáveis, com sintomas de hemólise intravascular aguda, hemoglo- bunúria, febre, prostração e por vezes choque. A anemia e icterícia instalam-se rapidamente. 5.2.3. Síndrome de Esplenomegália Tropical Surge devido a uma resposta imunológica aberrante naqueles casos de malária recorrente ou crónica e caracteriza-se por esplenomegália de grau variável, linfocitose sinusoidal hepática e elevação exagerada de IgM no soro, bem como títulos altos de anticorpos específicos da malária. Ocorre em zonas hiperendêmicas ou holoendêmicas de malária por P. falciparum e P. vivax. O quadro clínico pode ser discreto e sem queixas. Por vezes, o paciente queixa- -se de febre recorrente, desconforto abdominal ou repuxamento no hipocôndrio esquerdo. As vezes, o paciente pode ter crises dolorosas com reacção de defesa abdominal que regridem após dias, com medidas conservadoras. A anemia pode ser assintomática na maior parte das vezes, mas os episódios hemolíti- cos agudos podem agravar o quadro do paciente. No exame físico, o paciente apresenta-se pálido com veias jugulares e do antebraço dilatadas, pulso lento, pressão baixa e hepatoesplenomegália, Fig.56. Figura 56 Síndrome de esplenomegalia tropical 89E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana 5.2.4.. Nefropatias maláricas as lesões renais podem ser produzidas no decurso de doença aguda ou cró- nica e devem-se à deposição de imunocomplexos (IgM) na membrana basal dos glomérulos e áreas do mesângio. Na infecção por P. Falciparum, as glo- merulonefrites e síndromes nefróticas surgem 2 a 3 semanas após o apareci- mento da doença, com sintomas ligeiros que desaparecem após o tratamento antimalárico. Na infecção por P. malariae, apesar desta ser mais benigna que a infecção por P. vivax e P. falciparum , com períodos apiréticos mais longos e crises febris mais curtas, as complicações renais são mais frequentes. A nefropatia por P. malariae tem carácter crônico e progressivo, com proteinúria persistente. Não responde ao tratamento antimalárico e possui uma baixa resposta aos corticoi- des. Nas crianças, as lesões mais comuns são a esclerose glomerular total e a atrofia tubular secundária, enquanto que no adulto, a lesão mais frequente é a glomerulonefrite proliferativa, Fig. 57Figura 57 Nefropatia malárica 5.2.5. Malária no Recém-Nascido e na Criança A malária congénita é rara devido a resistência das hemáceas que possuem as hemoglobinas fetais. Nos primeiros meses, a infecção é geralmente benigna, por causa da imunidade passiva recebida da mãe imune. Mas, com o tempo, a imunidade baixa, o índice parasitário aumenta e a mortalidade atinge o seu máximo durante os primeiros dois anos de vida. Está bem demonstrado que recém-nascidos de mães que tiveram malária du- rante a gravidez, transportam um risco maior de desenvolver a anemia e baixo peso na infância. Parece que esse risco está aumentado em mulheres gestan- tes co infectadas pelo HIV. Apesar das informações disponíveis não sugerirem uma relação de malária congênita com mãe infectadas pelo HIV, a mortalidade infantil parece ser 3 a 8 vezes mais alta em recém nascidos expostos a mães co-infectadas com malária e HIV. Nas crianças, a malária crônica compromete o desenvolvimento físico e men- tal, devido a anemia, hepatoesplenomegália, perturbações do apetite e infec- ções concomitantes pela imunosupressão associada. 5.2.6. Malária na Gestante A malária representa uma complicação séria na gravidez, por causar morte materna, aborto, morte fetal ou natimortalidade, prematuridade e baixo peso ao nascer. Ela predispõe a gestante para a eclampsia e toxémias nefríticas. Du- rante o parto ou o puerpério, as formas lactentes de malária podem tornam-se patentes e facilmente ela desenvolve o edema agudo do pulmão. A gestante torna-se mais vulnerável à anemia e à hipoglicemia. Nas gestantes, a co infecção malária e HIV, tem sido a causa principal de mor- bidade. A incapacidade basal na habilidade por parte da gestante, em controlar a parasitemia por malária, piora durante a infecção pelo HIV. Vários estudos revelam que mulheres infectadas pelo HIV, têm consistentemente mais malária placentária e periférica, maior densidade parasitária, mais doença febril, malá- ria mais severa e resultados adversos ao nascimento das crianças, do que em mulheres HIV negativas, particularmente em multíparas. 90 E.V.Noormahomed Protozoologia 5.2.7. Co Infecção Malária e HIV Apesar de inicialmente se ter pensado que as duas epidemias eram indepen- dentes, estudos mais recentes demonstram que estes dois patógenos interagem negativamente um em relação ao outro. Durante os episódios clínicos da infecção por Plasmodium falciparum, os níveis plasmáticos do RNA do HIV aumentam, enquanto que os linfócitos T CD4+ diminuem temporariamente em ambos os pacientes infectados pelo HIV e não infectados. As infecções de repetição na malária estão associadas com um declínio mais rápido das células CD4+ ao longo do tempo em indivíduos HIV-1 positivos. Estes dados, sugerem que infecções sintomáticas por P. falciparum pode ace- lerar a progressão da doença pelo HIV. Por outro lado, estudos recentes indicam que as pessoas com infecção pelo HIV-1, especialmente aquelas com doença mais avançada, possuem maior risco de desenvolver malária clínica. Está também demonstrado, que os ataques de malária clínica em pacientes infectados pelo HIV, estão associados a uma maior morbidade e mortalidade e maiores taxas de recidivas após a terapia. Além de a infecção por malária ser mais frequente nos pacientes HIV positivos em relação aos pacientes HIV negativos, os pacientes HIV positivos apresentam maior carga parasitária. Tal situação foi também por nós demonstrado, num estudo realizado em pacientes HIV positivos e HIV negativos no Hospital Rural de Mocuba. Constatamos que pacientes HIV positivos estavam 1.7 vezes mais infectados (18,2%) que os pacientes HIV negativos (10,9%) e que também apresentavam uma maior carga parasitária em relação aos pacientes HIV ne- gativos. 5. DIAGNÓSTICO DA MALÁRIA O diagnóstico da malária pode ser feito clinicamente através da anamnese, sintomas e sinais da doença e ou laboratorialmente. 5.1. Diagnóstico Clínico Os aspectos fundamentais a ter em conta no diagnóstico clínico da malária, baseiam-se na história clínica, nos sinais e sintomas da doença, no exame do paciente, na epidemiologia da doença e história de viajem de zonas não endê- micas para zonas endêmicas. Outras informações tais como transfusão de sangue, partilha de agulhas em usuários de drogas injetáveis, transplante de órgãos, podem sugerir a possibi- lidade de malária induzida. 5.2. Diagnóstico Laboratorial da Malária O diagnóstico de certeza da infecção malárica só é possível pela demonstração do parasita no sangue ou tecidos do hospedeiro. A detecção de antigénios relacionados, no sangue ou soro do paciente, é bastante sensível e específica e não precisa de pessoal altamente treinado nem equi- pamento especial. 5.2.1. Diagnóstico Parasitológico Pode ser feito pelo método da gota espessa e da gota estendida. A gota espessa é o método universalmente aceite e adoptado para o diag- nóstico da malária. Trata-se de um método simples, eficaz, de baixo custo e fácil de realizar. Sua técnica baseia-se na visualização do parasita através de microscopia óptica, após coloração pelo método de Giemsa, azul de metileno, Leishman e Wrigth, examinado ao microscópio com aumento de 1.000 X (Objectiva de imersão em óleo). A gota espessa é 30 vezes mais sensível que a gota estendida pois, o sangue está concentrado. É útil para se estimar o grau de parasitemia, existindo várias métodos de contagem de parasitas a saber: 91E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana a. Parasitas por µl- densidade parasitária na gota espessa. Este método baseia-se no número de parasitas na gota de espessa, em que tais parasi- tas são contados em relação a um número pré determinado de leucócitos. Uma média de 8.000 leucócitos por µl é usado como “standard”. O método consiste na contagem simultânea do número de leucócitos e do número de parasitas. Se, depois de 200 leucócitos terem sido identificados 10 ou mais parasitas, pára-se a contagem e usa-se a fórmula abaixo. Parasitas / µl = (nr. de parasitas x 40) / nr de Leucócitos x 8.000 leucócitos/µl Se depois de 200 leucócitos terem sido identificados 9 ou menos parasitas, continua-se com a contagem até que se atinja 500 leucócitos, depois pára-se a contagem e usa-se a fórmula abaixo. Parasitas / µl = (nr. de parasitas x 16) / nr de Leucócitos x 8.000 leucócitos/µl b. Sistema de cruzes Considera-se. + = 1 a 10 parasitas em 100 campos microscópicos de gota espessa ++ = 11 a 100 parasitas em 100 campos microscópicos de gota espessa +++ = 1 a 10 parasitas por cada campo microscópicos de gota espessa ++++ = mais de 100 parasitas por cada campo microscópico de gota espessa c. Percentagem de glóbulos vermelhos infectados. Neste método faz-se a contagem simultânea do número total de hemáceas e do número total de hemáceas parasitadas. Depois de um total de 500 hemáceas terem sido contadas, para-se a contagem e usa-se a fórmula abaixo. Parasitemia = (nr. de hemáceas parasitadas/nr. total de hemáceas) x 100% A gota estendida é menos sensível que a gota espessa, mas permite que, com maior facilidade e segurança, se possam diferenciar as espécies dos pa- rasitasa partir da análise da sua morfologia e das alterações provocadas nas hemáceas infectadas. 5.2.2. Diagnóstico imunológico Os testes rápidos permitem a detecção de componentes antigênicos do para- sita no sangue hemolisado baseando-se nos métodos imunocromatográficos. São realizados em fitas de nitrocelulose contendo anticorpo monoclonal contra antígenos específicos do parasita. Os antigénios alvos são a proteína II rica em histidina (HRP-2), a desidrogenase láctica (pLDH) produzida pelas formas sexuadas e assexuadas dos parasitas. Apresentam sensibilidade superior a 95% quando comparado à gota espessa e, com parasitemia superior a 100 parasitos/µL mas, podem dar resultados positivosem pacientes curados até duas semanas. Outros testes imunológicos incluem a imunofluorescência, mais usada para investigação. 5.2.3. Diagnóstico Molecular Através da técnica PCR, pode-se ampliar o DNA do parasita usando oligo- nucleótidos contendo sequencias específicas de cada espécie do parasita. Possuem alta especificidade e sensibilidade. Porém, são caros, levam algum tempo para realizar, requerem pessoal altamente treinado. São bastante úteis para investigação. 6. TRATAMENTO E PROGNÓSTICO A malária causada pelo P. falciparum é uma emergência médica. As outras malárias são doenças crónicas. Os fármacos utilizados para o tratamento da malária dependem da espécie do plasmódio, das condições locais, tais como a resistência aos antimaláricos, os esquemas definidos pelos sistemas nacionais de saúde e das condições individuais de cada paciente. A condição de gestante e idade, limitam o uso de drogas como a tetraciclina, a primaquina, a mefloquina e os derivados de artemisina. Actualmente, recomenda-se o uso de cocktails ou combinações de vários fár- macos, por se tornar mais difícil o aparecimento da resistência aos mesmos. 92 E.V.Noormahomed Protozoologia Existem vários grupos de fármacos antimaláricos de acordo com fase evolutiva dos plasmódios, nomeadamente, drogas com acção esquizonticida tecidual (primaquina, tetraciclina, doxiciclina), drogas com acção esquizonticida hemáti- co (cloroquina, quinina, tetraciclina, doxiciclina, clindamicina, mefloquina, lume- fantrine, artemisina e derivados), drogas com acção gametocida (cloroquina) e drogas com acção esporonticida. Os medicamentos esquizonticidas hemáticos (cloroquina) eliminam também os gametocitos de P. vivax e, possivelmente P. malariae mas, não são eficazes contra os gametócitos de P. falciparum. A quinina é um poderoso estimulante da secreção de insulina pelas ilhotas de Langerhans e pode agravar a hipoglicemia. Quando o tratamento é feito de forma correcta e no início da doença, o prognóstico é bom com total recuperação. Nas infecções por P. vivax e P. Ovale, as recaídas podem apresentar-se três anos e um ano e meio após o tratamento do ataque primário, enquanto que na infecção por P. Malariae, as recaídas podem ocorrer 20 anos após o ataque primário. Na infecção por P. falciparum as “recaídas” ocorrem a curto prazo de tempo e denomina-se recrudescência, extinguindo-se o parasitismo após o tratamento do primeiro surto agudo. Nos casos não tratados, especialmente nas pessoas não imunes, o prognóstico pode ser reservado com desfecho fatal. As crianças com menos de 5 anos, as gestantes e pessoas de zonas não endémicas constituem os grupos de maior risco de desenvolver doença grave. 7. PREVENÇÃO E CONTROLE DA MALÁRIA A malária já existiu na região mediterrânica, incluindo o sul da Europa (Portugal, Espanha, Itália, sul da França e Grécia) e ainda no Sul e Oeste dos EUA, mas foi erradicada no século XX. Na Europa, a grande maioria dos casos e, prova- velmente, a sua totalidade, são importados de pessoas que visitaram países tro- picais. Estima-se que dos 25 a 30 milhões de pessoas que viajam para áreas endêmicas, entre 10 a 30 mil contraem a malária. Até ao momento, tem-se ensaiado várias vacinas, mas ainda não existe alguma que confira proteção satisfatória contra a malária. As medidas de controle e prevenção, devem basear-se em medidas de ordem pessoal, comunitária e de luta antivectorial. Incluem entre outras, a utilização de repelentes químicos, redes mosquiteiras, redes nas janelas e manter as portas das habitações fechadas bem como evitar a permanência ao ar livre nos horários em que os mosquitos se apresentam em maior quantidade e com a maior actividade, como ao ama- nhecer e ao anoitecer, luta anti larvária com utilização de peixes carnívoros (Gambusia) etc. A educação em saúde deverá utilizar várias estratégias para o envolvimento da população e profissionais da área de saúde, informando sobre a doença em relação ao modo e vias de transmissão, quadro clínico, tratamento, vectores e seus hábitos, criadouros e sobre as medidas de prevenção e controle. De momento, o combate ao vector, particularmente a erradicação do mosquito Anopheles é a medida mais eficaz. Faz-se com o uso de inseticidas potentes como o DDT, malation, carbarile piretróides, apesar de serem tóxicos. Alguns até já foram proibidos no ocidente como o DDT. A drenagem de pântanos e de outras águas paradas é uma medida de saúde pública também eficaz. Devido ao impacto negativo desta enfermidade, em 1998 foi proposta uma estratégia denominada “Fazer recuar a malária ou Roll back malária)” e que envolve vários organismos como a OMS, PNUD, UNICEF, Banco Mundial, etc. com o objectivo de examinar e aprovar as estratégias e programas de controle de cada país, buscar assistência técnica e financeira necessária para o cumprimento das estratégias traçadas e monitorar os progressos desta iniciativa. Como resultado, o número de casos de malária entre 2000 e 2010 nos 34 paí- ses com o programa de eliminação, decresceu em 85%, de 1.5 milhões para 232.000 casos. A maior parte são atribuídos ao P. falciparum mas, o P. vivax e o P. knowlesi podem também causar doença severa. Em 2004 os óbitos por malária atingiram 1.82 milhões, tendo caído para 1.24 milhões em 2010, sendo 714.000 em crianças menores de 5 anos ( mais de 93E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana metade). Mais de 80% destas mortes ocorreram na África subsaariana. Factores importantes nesta redução da morbilidade e mortalidade, incluem o uso de testes diagnósticos sensíveis, uso efectivo das drogas anti maláricas, melhoria da proteção individual e controle dos mosquitos. Além desta abordagem, outras medidas como a detecção dos casos de doença, vigilância epidemiológica e o efectivo suprimento de todos os recursos necessários (drogas, insecticidas, etc.) têm contribuído para o sucesso do programa. Moçambique não ficou atrás. O programa nacional de controle de malária (MISAU) aumentou os seus esforços para reduzir a morbidade e mortalidade devido a malária. Esses esforços incluem a pulverização intra domiciliar com DDT que para além de ter acção insecticida, possui um prolongado efeito residual, a distribuição de redes mosquiteiras impregnados, especialmente para mulheres grávidas e crianças menores de cinco anos de idade e a quimioprofilaxia in- termitente das mulheres grávidas. Estas medidas contribuíram para a redução da morbidade e mortalidade relacionadas com a malária, especialmente nas áreas urbanas do país. A título de exemplo, os casos clínicos de malária pas- saram de 6.155.082 em 2007 para 4.091.614 em 2009. Além disso, as mortes atribuídas à malária caíram de 3.889 para 2.311 durante o mesmo intervalo de tempo. A quimioprofilaxia está recomendada em pessoas de zonas não endémicas viajando para zonas endémicas e em outros grupos de riscos como mulheres grávidas e crianças. Ela é feita com antimaláricos utilizados para o tratamento da doença, aplicados em doses menores do que a do tratamento e, normal- mente, em intervalos semanais. Por vezes, a quimioprofilaxia não consegue evitar que a infecção se instale e pode ainda, dificultar a hipótese diagnóstica de malária quando surgirem os sintomas. As variáveis como o tempo de permanência numa dada área de malária, tipo de habitação a ser ocupada no local, recursos médicos existentes na área devem ser avaliados antes de decidir sobre a instituição ou não da quimiopro- filaxia e o tempo que deve durar. 94 E.V.Noormahomed Protozoologia 1. INTRODUÇÃO E ANTECEDENTES HISTÓRICOS A toxoplasmose é uma zoonose que infecta o gato, seu hospedeiro definitivo e praticamente todos os animais homotérmicos, incluindo o homem. Antigamente, era uma infecção de carácter sub-clínico e só apresentava inte- ressedurante a gravidez e em pacientes adultos imunodeprimidos. Nas mulheres, caso a infecção fosse adquirida durante a gravidez produzia malformações congénitas fetais, e nos imunodeprimidos casos graves de encefalite com alta mortalidade. Actualmente, esta doença é considerada em alguns países, como uma das principais enfermidades parasitárias oportunistas no SIDA (Síndroma de Imunodeficiência Adquirida). 1.1. Antecedentes históricos O T. gondii foi observado pela primeira vez em 1908 por Nicolle e Manceaux, em roedores., Só em 1932 é que foi identificado como agente de doença infec- ciosa no homem Tratou-se de uma criança congenitamente infectada e, mais tarde, em 1939 de um caso de encefalite. Em 1968 o T. gondii passa a ser reconhecido como causa de doença grave e potencialmente fatal em adultos, após a constatação de existência de casos de encefalite por Toxoplasma gondii encontradas em pacientes com cancros hematológicos. Com o surgimento do HIV em 1983, ganha ainda maior importância nestes pacientes, como uma das principais causas de morbidade e mortalidade. 10 TOxOPLASMA gOnDII E TOxOPLASMOSE 96 E.V.Noormahomed Protozoologia 2. AGENTE ETIOLÓGICO, MAGNITUDE E DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA A toxoplasmose é uma enfermidade provocada pelo T. gondii, um protozoário intracelular obrigatório, que pertence ao filo Apicomplexa e à classe sporozoa. Possui distribuição cosmopolita, verificando-se em todos os continentes e climas. Por falta de inquéritos epidemiológicos, a prevalência não é bem co- nhecida. No entanto, seus índices de prevalência variam de acordo com os hábitos alimentares (ingestão de carne mal cozida) e convivência com felinos. A susceptibilidade genética do hospedeiro, o estado nutricional e do sistema imunológico, a carga parasitária e o genótipo do parasita, têm sido sugeridos como envolvidos no desenvolvimento da infecção. Um terço da população humana está infectada com o Toxoplasma gondii, mas a maioria não o sabe, porque na maior parte dos casos, a infecção é assinto- mática. Nos países onde se consome muita carne mal cozida a frequência de serolo- gia positiva é muito alta como é o caso da França e da Alemanha com 96% e 70% respectivamente, razão pela qual 25% dos pacientes infectados pelo HIV nestes países desenvolvem encefalite toxoplásmica. Nos Estados Unidos da América 22,5% da população com idade superior a 12 anos se encontra infectada, sendo a maior parte assintomática. Um estudo realizado em Moçambique em mulheres grávidas seropositivas e seronegativas ao HIV para detecção de anticorpos IgM anti T. Gondii revelou uma seroprevalencia a de 10.9% e 31.3% respectivamente. 3. ASPECTOS MORFOLÓGICOS, CICLO EVOLUTIVO E TRANSMISSÃO 3.1. Aspectos morfológicos O Toxoplasma gondii apresenta três formas infectantes: a) os taquizoítos (taqui=rápido) que são as formas de proliferação rápida, estando presentes em grande número, nas infecções agudas e encontram-se no sangue, excreções e secreções; b) Os bradizoítos (bradi = lento), que são formas de reprodução lenta do Toxoplasma gondii, e estão presentes nas infecções congénitas e cró- nicas; c) Os oocistos são as formas resultantes do ciclo sexuado do parasita, que ocorre apenas no trato gastrointestinal dos felídeos. Os bradizoítas organizam-se aos milhares, particularmente nos músculos e tecido nervoso. Os taquizoítos ou trofozoítos têm a forma alargada, encurvada em arco, cres- cente ou banana e com uma das extremidades mais atenuadas que a outra. Medem 4-8µm de comprimento por 2-4µm de largura. O núcleo fica situado no meio do corpo ou mais próximo da extremidade posterior. Sua forma é esférica, oval ou alargada e com aspecto vesiculoso e a cromatina dispõe-se em rede ou grânulos aderidos à face interna da membrana. O aparelho apical compreende externamente, uma prega que delimita uma pequena depressão central, goza de motilidade e participa nas acções de penetração dentro da célula, Fig. 56 Os cistos medem 20µm a 200µm, podendo ser arredondados ou alongados. São os bradizoítos, Fig.58. Figura 58 Ultra estrutura do trofozoíto de T. Gondii, cistos e trofozoítas com coloração de Giemsa Os gatos e felinos selvagens são os únicos hospedeiros definitivos onde o To- xoplasma gondii pode completar o seu ciclo evolutivo. Os demais animais, mamíferos ou aves, não podem manter senão as formas assexuadas e, portanto, desempenham um papel de hospedeiros intermédios, transmitindo a infecção apenas quando a sua carne serve para alimentação de outros animais ou quando o fazem por via congénita. 97E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana 3.2. Ciclo evolutivo os gatos infectam-se, principalmente, pela ingestão dos microrganismos en- cistados presentes nos tecidos dos hospedeiros intermediários, tais como os roedores, entre outros. A parede dos cistos é digerida, libertando organismos infectantes na luz intestinal, que penetram pela parede intestinal e rapidamente multiplicam-se, formando taquizoítos (ciclo extraintestinal) que, espalham-se por todos os órgãos do animal. Simultaneamente, o parasita reproduz-se nas células da parede intestinal, denominando-se ciclo entero-epitelial que, culmina com a formação de oocistos, que são excretados com as fezes. A medida que se desenvolve a resposta imune no gato a eliminação de oocistos é detida e os taquizoítos reproduzem-se cada vez mais lentamente, modulando-se em bradizoítos que se organizam em cistos teciduais, localizados nos mais diversos tecidos do corpo dos animais. Os organismos do ciclo intestinal são eliminados nas fezes do gato entre três e dez dias após a ingestão de bradizoítos e, amadurecem no meio externo em três ou quatro dias em oocistos infectantes. Quando o homem e outros hospedeiros ingerem os oocistos que são elimina- dos pelo gato, ocorre apenas o ciclo extra-intestinal, com proliferação de ta- quizoítos nos órgãos e, com a resposta imune, desenvolvem-se os cistos teci- duais, Fig. 14. Pág. 26. Os traquizoítos permanecem viáveis e são infectantes para os gatos e para os outros hospedeiros intermediários como o homem e o cão. 3.3. Transmissão O homem e outros hospedeiros como suínos, aves, bovinos, caprinos, ovinos, roedores, etc. infectam-se ao ingerir os oocistos eliminados pelo gato presen- tes no solo ou alimentos de origem vegetal, ou ainda quando ingerem carne com cistos tissulares. Portanto, as pessoas são, normalmente, infectadas por três principais vias de transmissão, nomeadamente, através da ingestão de alimentos contaminados, através da ingestão ou inalação de oocistos (transmissão zoonótica) e através da passagem transplacentar da mãe para filho (transmissão congênita). 4. PATOGÊNESE, FORMAS E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA DOENÇA 4.1. Patogênese Em hospedeiros não imunes com infecção aguda a multiplicação dos toxo- plasmas faz-se dentro das células parasitadas em espaço limitado por mem- branas, o vacúolo parasitóforo e conduz a formação de pseudocistos que ao atingirem certas dimensões, rompem-se e deixam os parasitas em liberdade para a invasão de outras células, provocando destruição celular. É um proces- so relativamente rápido e novos pseudocistos chamados taquizoítos, podem desenvolver-se em seguida. Uma série de estudos vem confirmando a relevância de elementos da res- posta imune na patogênese da retinocoroidite toxoplásmica e outras formas de doença. Parece ser necessário um equilíbrio controlado entre as citocinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórias na determinação da ocorrência e da gra- vidade da doença. Além disso, evidências recentes demonstram que a predis- posição genética pode ser relacionada tanto com a ocorrência, quanto com a recorrência da doença. Estudos recentes sugerem que a infecção com o parasita Toxoplasma gondii é capaz de afectar directamente a produção de dopamina, um mensageiro químicono cérebro, podendo manifestar-se por transtornos de conduta como a esquizofrenia. A maioria das infecções por T.gondii é benigna e assintomática, ocorrendo quando o parasita se move no sangue para tecidos onde se torna um parasita intracelular. Os sintomas da doença aguda incluem calafrios, febre, cefaleia, mialgia, lin- fadenite e fadiga, podendo ocasionalmente, assemelhar-se à mononucleose infecciosa. Os sintomas da forma crónica são a linfadenite, por vezes pode haver um exantema, evidência de hepatite, encefalomielite e miocardite. Em alguns casos, surge corioretinite, podendo levar à cegueira. É capaz de determinar, nos indivíduos adultos, um quadro agudo benigno com febre, linfadenopatia e corioretinite, que resolve espontaneamente. Já nos 98 E.V.Noormahomed Protozoologia indivíduos imunodeprimidos, a infecção pode ter um desfecho fatal. A forma congénita é particularmente grave. O quadro da doença no homem, varia consideravelmente, em função da idade em que se dá a contaminação e do estado imune. O período prepatente é de 7-9 dias. 4.2. Formas e manifestações clínicas da doença 4.2.1. Toxoplasmose congênita ou neonatal As mulheres com infecção crónica por Toxoplasma gondii não contaminam os seus filhos durante o desenvolvimento intrauterino, ao contrários dos filhos de mulheres que contraem a infecção durante o período de gestação, estando sujeitos a riscos de alta gravidade. Neste caso, o curso da doença vai depen- der da idade gestacional em que se deu a infecção e da capacidade que possam ter os anticorpos maternos de proteger a criança. Quando a infecção materna ocorre entre a concepção e o 6º mês, costuma haver um quadro agudo ou subagudo. Quando ocorre no último trimestre, a doença tende a ser branda ou assintomática. Geralmente, os casos de toxoplasmose congénita, apresentam um curso subagudo, os parasitas encontrando-se em todos os órgãos mas, prevalecendo na retina e SNC. Inicia-se com um processo agudo em que há hepatomegália, icterícia, menin- goencefalite que leva à morte fetal ou aborto. Cerca de 20-30% das crianças nascidas com toxoplasmose, tem esta forma de doença. A localização exclusivamente ocular ocorre em 10% dos casos. As evidencias de doença logo após o nascimento, compreendem retinocoroidite, calcificações cerebrais, perturbações neurológicas, hidrocefalia ou meningoce- falia, Fig. 59. Figura 59 Criança com hidrocefalia 4.2.2. Toxoplasmose neonatal Não se conhece o período de incubação, podendo ir de 5 a 20 dias ou alcançar vários meses. A maioria dos casos adquiridos na idade adulta ou 2ª infância, são assintomáticos. Os casos sintomáticos podem manifestar-se com adeno- patia e febre. 4.2.3. Toxoplasmose em imunodeficientes Contrastando com indivíduos normais, a doença é extremamente grave em in- divíduos imunodeficientes. Infecções crónicas e assintomáticas assumem su- bitamente carácter agudo e passam a dominar a cena em doentes que venham a sofrer depressão imunológica de etiologia diversa. Com a pandemia do SIDA a toxoplasmose vem ocupando um lugar destacado como causa de morte por infecções oportunistas nestes pacientes. Na maioria dos casos desenvolve-se um quadro clínico de encefalite aguda que mata em poucos dias. Outras vezes a evolução é prolongada. Os pacientes com SIDA que desenvolvem encefalite, geralmente já têm o diag- nóstico de infecção por HIV, porém em alguns casos a encefalite é a primeira manifestação clínica de uma imunodepressão nas áreas de alta endemicidade. A maioria dos pacientes apresenta febre, cefaleia, alteração da função cerebral, 99E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana 6. TRATAMENTO E PROGNÓSTICO O tratamento de adultos imunocompetentes com toxoplasmose linfoadenopá- tica raramente está indicado, pois esta forma da doença é geralmente auto- -limitada. Se a doença visceral é clinicamente evidente ou os sintomas forem graves ou persistentes, o tratamento pode ser indicado durante 2 a 4 semanas. O tratamento da doença ocular deve ser baseado em uma avaliação oftalmo- lógica completa. A decisão de tratar a doença ocular é dependente de vários parâmetros, incluindo o grau da lesão e inflamação, localização e persistência da sintomatologia. Classicamente, utiliza-se para a toxoplasmose ocular, 100 mg de pirimetamina por dia, como dose de ataque e depois, 25 a 50 mg por dia, associados a sul- fadiazina, na razão de 1 grama por dia, de 6 em 6 horas e ácido fólico (para o adulto), durante 4 a 6 semanas. O ácido fólico protege a medula óssea contra os efeitos tóxicos de pirimetamina. Se o paciente tiver hipersensibilidade às sulfas, a pirimetamina ou clindamicina poderão ser usadas em seu lugar. A combinação fixa de trimetoprim sulfametoxazol (TMP-SMX) é usada como uma alternativa. Outras, drogas, tais como atovaquona mais azitromicina, têm sido extensivamente estudadas para o tratamento da toxoplasmose. No caso da infecção materna e fetal em geral, recomenda-se a espiramicina no primeiro e segundo trimestres de gravidez ou pirimetamina associado a sulfa- diazina e ácido fólico no final do segundo e terceiro trimestres, em mulheres com infecção aguda por T. Gondii, diagnosticados em um laboratório de referência durante a gestação. A PCR é muitas vezes realizado no fluido amniótico com 18 semanas de ges- tação para determinar se a criança está infectada ou não. Os recém-nascidos congenitamente infectados, são geralmente, tratados com pirimetamina, uma sulfadiazina e ácido fólico durante um ano. confusão, letargia, alucinações ou psicose franca. As convulsões e sinais neu- rológicos focais aparecem em 1/3 dos casos. 5. DIAGNÓSTICO 5.1. Diagnóstico Clínico Este deve basear-se na história clínica, sinais e sintomas da doença, estado imune do paciente e no caso da toxoplasmose congénita, a altura da gravidez em que a mãe adquire a infecção por Toxoplasma gondii. A doença ocular é diagnosticada com base no aparecimento de lesões no olho, sintomas e curso da doença. 5.2 Diagnóstico laboratorial 5.2.1. Diagnóstico Directo O diagnóstico directo permite visualizar o parasita em cortes de tecidos, líqui- do cefalorraquidiano (LCR), ou outro material de biópsia, sangue corado com Giemsa e observado ao microscópio. Estas técnicas são utilizadas com menos frequência, devido à dificuldade de obtenção destes espécimes. 5.2.2. Diagnóstico serológico. O diagnóstico da toxoplasmose é normalmente feito por meio de testes seroló- gicos para detecção de IgG e IgM. A IgG permite determinar se a pessoa já foi exposta ao parasita enquanto que a IgM aparece no início da infecção, sendo de particular importância nas mulheres grávidas. 5.2.3. Diagnóstico molecular As técnicas moleculares, capazes de detectar o DNA do parasita no líquido amniótico, podem ser úteis em casos de possível transmissão de mãe para filho (transmissão congênita). Também nos permitem fazer a caracterização dos parasitas para efeitos de investigação. Não se usam para o diagnóstico de rotina, por serem caras e exigirem equipamento e pessoal super especializado. 100 E.V.Noormahomed Protozoologia 7. PREVENÇÃO E CONTROLE DA DOENÇA O T. gondii tem sido encontrado em um grande número de animais domésticos e selvagens dentre os quais o cão, o gato, ocoelho, o porco, o carneiro, o boi, pombos e outras aves. Nos Estados Unidos da América é considerada como uma das principais cau- sas de mortes atribuídas a doenças transmitidas por alimentos e uma das 5 infecções parasitárias negligenciadas, para as quais o CDC (Centre for Disea- se Control), tem desenvolvido medidas de saúde pública com vista a reduzir o seu impacto negativo. Os casos clínicos confirmados constituem reduzido número. As fontes de infecção são as mais variadas entre elas, a ingestão de carne mal cozida de animais que servem como hospedeiros intermediários,a ingestão de oocistos infectantes por contaminação com fezes de gato, a infecção transpla- centar por uma mãe infectada. A infecção via transfusão de sangue contamina- do pode ocorrer, mas não é comum. O número de oocistos com uma só evacuação de gato infectado é da ordem de 2-20 milhões/grama de fezes e, a dispersão desse material pela chuva, vento ou fauna coprófila, pode representar alto potencial de disseminação da toxoplasmose. Os gatos podem permanecer infectados por um ano ou mais e na fase aguda podem eliminar vários milhões de cistos até 10 a 14 dias após a infecção. Os taquizoítos de T.gondii são pouco resistentes às condições do meio exter- no. Já os oocistos eliminados no solo embrionam entre três e cinco dias de acordo com as condições ambientais e mantém-se viáveis até um ano ou um ano e meio em solo húmido e sombreado. Dessa forma, os gatos asseguram a contaminação do domicílio e peridomicílio onde devem infectar-se os animais domésticos e eventualmente adultos e crianças. Os bradizoítos podem sobreviver em tecidos por alguns dias depois da morte, mas podem ser destruídos pelo congelamento a –12oC por 24 horas ou cocção a 58oC por dez minutos. Para evitar risco de toxoplasmose e outras infecções transmitidas por alimen- tos, os mesmos devem ser cozinhados a temperaturas seguras (60 a 75ºC), durante uns 3 min. A carne não deve ser provada até que esteja cozida. A carne deve ser congelada vários dias a temperaturas inferiores a 0ºC e as frutas e verduras devem ser devidamente lavadas antes de comer, bem como as ban- cadas onde as mesmas são manipuladas. Outras medidas de controle e prevenção incluem, evitar que gatos se alimen- tem doutros animais e o contacto directo com os mesmos. A caixa de areia onde os gatos defecam deve ser mudada diariamente. As crianças devem ser ensinadas a evitar a contaminação através das fezes de gatos, muitas vezes por estas brincarem nos parques onde estes também defecam e contaminam a areia. Esta medida consegue-se com a lavagem das mãos após terem brincado e também depois de manipular a areia em conse- quência da actividade de jardinagem. 101E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana 11 .... 102 E.V.Noormahomed Protozoologia 103E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana 104 E.V.Noormahomed Protozoologia 105E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana 12 ... 106 E.V.Noormahomed Protozoologia 107E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana 108 E.V.Noormahomed Protozoologia 13 CryPTOSPOrIDIuM PArvuM E CRIPTOSPORIDÍASE 1. INTRODUÇÃO E ANTECEDENTES HISTÓRICOS A criptosporidíase é uma enfermidade entérica cosmopolita encontrando-se a maior parte dos casos em áreas de clima tropical, seguido das areas de clima temperado. Está relacionada, principalmente, com a ingestão de água e alimentos contaminados contaminados, sobretudo por crianças, nos países em vias de desenvolvimento, onde as condições sanitárias são precárias favore- cendo assim, a transmissão do parasita. Nos pacientes afectados caracteriza-se por um quadro de gastroenterite aguda e que por vezes, pode evoluir para a cronicidade, com períodos de remissão dependendo do estado imunológico do paciente. Tal como a giardíase, a criptosporidíase é considerada pela OMS desde 2004 uma das doenças tropicais negligenciadas. É também considerada, como uma causa importante da “diarreia do viajante”. 1.1. Antecedentes históricos Este parasita foi descrito pela primeira vez por Tyzzer em 1907 ao observá-lo no epitélio intestinal do rato. Inicialmente, era mais conhecido pelos veteriná- rios por causar diarreia severa e até morte de aves (gansos, galinhas, perus, patos), ratos, ovelhas, gado bovino e suíno, cachorros, gatos e cavalos com sérias repercussões econômicas. Só em 1976 foi descrito o 1º caso de criptosporidíase humana e apenas 7 casos foram reportados até 1982. Desde então, o número de casos tem vindo a aumentar, particularmente em pacientes imunocomprometidos, mas também em pacientes imunocompetentes. 110 E.V.Noormahomed Protozoologia A partir de 1983, esta parasitose ganha uma maior importância na medicina humana, por estar muitas vezes associada a diarreia em crianças normais e mal nutridas, como em adultos imunocomprometidos com SIDA, terapia com citostáticos, etc. Actualmente, esta parasitose tem sido reportado em mais de 50 países nos 6 continentes, e é algumas vezes associada a surtos epidémicos de diarreia com grandes repercussões económicas como foi o caso de Milwaukee nos EUA, com 403. 000 casos de diarreia, detectados.. 2. AGENTE ETIOLÓGICO, MAGNITUDE E DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA A criptosporidíase é provocada pelos protozoários pertencentes ao phylum api- complexa, classe sporozoa, ordem eucoccidiida, sub-classe coccidia, família criptosporidiiae e gênero Criptosporidium. Actualmente, reconhece-se a exis- tência de cerca de 20 espécies diferentes, sendo o C. parvum, C. hominis, C. felis, C. meleagridis, C. canis, C. Suis, C. Andersoni, C. muris as que mais frequentemente infectam o homem. A prevalência da doença em países industrializados varia entre 0,1 e 27,1%, com uma média de 4,9%, enquanto que em países em desenvolvimento, os resultados variam de 0,1 a 31,5%, com uma média de 7,9%, excluindo os grupos específicos como os imunocomprometidos. A seroprevalência da infecção nos Estados Unidos é de 17% e, em Fortaleza- Brasil, é de 75%. As crianças com idades compreendidas entre 1-4 anos são as mais afectadas. Nos indivíduos HIV positivos com diarreia, a prevalência da infecção é de 14% nos países desenvolvidos e 24% ou mais nos países em vias de desenvolvi- mento. Em Moçambique, existem poucos dados em relação a epidemiologia da criptosporidíase. No entanto, 3 estudos realizados em população infantil da área de Xipamanine, em pacientes com HIV/SIDA no HCM e em pacientes com transtornos neuropsiquiátricos do Hospital Psiquiátrico do Infulene, mostraram prevalência de infecção de 9,3%, 52,9% e 54,9% respectivamente. 3. ASPECTOS MORFOLÓGICOS, CICLO EVOLUTIVO E TRANSMISSÃO 3.1. Aspectos morfológicos Os oocistos são a forma infectante, medindo entre 2μm a 6μm de diâmetro e possuem uma dupla cápsula, o que os torna bastante resistentes às condições adversas do meio ambiente. Possuem forma oval ou esférica e têm 4 espo- rozoítos no seu interior. Quando vistos ao microscópio óptico com colaração Zielh Neelson , os oocistos aparecem como corpos arredondados ou ovais de cor rosada com um halo à volta. No seu interior pode-se visualizar os esporo- zoítos (que são condensações densas e escuras de cromatinationa) que são em número de 4, Fig.63. Figura 63 Oocistos de Criptosporidium spp. 3.2. Ciclo evolutivo Os oocistos quando são ingeridos apartir de água ou alimentos contaminados, ou ainda inalados, chegam ao estomago do hospedeiro, sobretudo ao nível do intestino delgado e, por meio de uma ranhura existente na sua cápsula, libertam os esporozoítos que são a forma invasiva. Os esporozoítos, através do seu complexo apical penetram na célula hospedeira, envolvidos por uma membrana, formando o vacúolo parasitóforo. Portanto, assumem uma localização intracelular, mas extra citoplasmática den- tro dos enterócitos. Dentro deste vacúolo parasitóforo, os esporozoítas trans- 111E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana formam-se em trofozoítas e estes iniciam o processo de reprodução assexuada por endopoligenia (por brotamento de células-filhas), resultando na formação de dois tipos de células: os meronte I com 8 merozoítas que por sua vez vão invadir novas células e os merontes II com 4 merozoítas que irão dar lugar aos estadios sexuais (microgametas e macrogametas). Os zigotos resultantes passam por uma fase final de reprodução e desenvolvimento
Compartilhar