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2. Normal, fora da norma e patológico

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NORMAL, FORA DA NORMA E PATOLÓGICO
	A palavra normal vem do grego normalis que indica norma, regra. São conceitos que determinam a conduta da maioria das pessoas e estabelecem essa conduta como normal. Mas, sendo o ser humano singular, como estabelecer o normal tomando como base uma média estatística? Este problema foi estudado pelo filósofo e médico francês Georges Canguilhem, cujo livro O normal e o patológico (1982) tornou-se indispensável nesta discussão. Ele irá criticar essa forma de pensar a normalidade e irá estabelecer que o normal deva ser pensado tomando como referência a subjetividade de cada indivíduo, que é quem pode delimitar a fronteira entre o normal e o patológico, pois é apenas o indivíduo que pode comparar-se a um estado anterior e dizer como se sente em relação à nova situação. Se existe a presença de páthos, ou seja, sofrimento, dor, sentimento de vida contrariada, restrição, impedimento, entre outros; então a pessoa encontra-se no pólo da doença, que significa ameaça à existência.
	Por isso, o ser humano deve ser educado a desenvolver uma normatividade, ou seja, a capacidade de estabelecer sua própria norma de vida para lidar com a variabilidade do meio, externo e/ou interno, sempre de acordo com as regras e leis sociais. Que no dizer de Rosseau (2010) significa que “cada indivíduo pode, como homem, ter uma vontade particular contrária ou diversa da vontade geral que tem como cidadão”, entretanto, sem violar o pacto social. Assim, podemos dizer que o homem normal é o homem normativo e que o adoecer, seja em qualquer um dos campos bio-psico-social, é um rompimento dessa normatividade. A cura está relacionada ao reestabelecimento da normatividade, o sujeito reestabelece novas normas de vida, reconquistando a estabilidade social.
	Ser normal é diferente de ser sadio pois o normal, sendo tudo que segue uma norma, também pode ser encontrado na doença sendo que esta, por sua vez, é uma norma de vida não valorizada pelo meio e que restringe a vida do indivíduo. Contudo, quando se é normativo, tem-se a plasticidade e a capacidade de cair doente e se recuperar. A normatividade são as normas estabelecidas para a própria vida, que é tanto submissa ao meio, mas também submetida às necessidades de liberdade individuais. O indivíduo pode, portanto, ter um comportamento privilegiado, que é quando apresenta mais ordem e estabilidade do que desordem, apresentando saúde, que é a capacidade de ser normativo diante das variabilidades e infidelidades do meio. É um percurso individual que o sujeito traça rumo ao seu bem-estar.
	O conceito de normalidade em psicopatologia é questão de grande controvérsia. Obviamente, quando se trata de casos extremos, cujas alterações comportamentais e mentais são de intensidade acentuada e de longa duração, o delineamento das fronteiras entre o normal e o patológico não é tão problemático. Entretanto, há muitos casos limítrofes nos quais a delimitação entre comportamentos e formas de sentir normais e patológicos é bastante difícil. Nesses casos, o conceito de normalidade em saúde mental ganha especial relevância. O conceito de normalidade em psicopatologia implica também na própria definição do que é saúde e doença mental. Esses temas têm desdobramentos em várias áreas da saúde mental, como nos mostram os exemplos a seguir.
1. Psicologia jurídica – a determinação de anormalidade psicopatológica pode ter importantes implicações legais, criminais e éticas; podendo definir o destino social, institucional e legal de uma pessoa.
2. Psicologia cultural – aqui o conceito de normal é tema sumamente importante de pesquisas e debates. De modo geral, o conceito de normalidade em psicopatologia impõe a análise do contexto sociocultural; necessariamente exige o estudo da relação entre o fenômeno supostamente patológico e o contexto social no qual tal fenômeno emerge e recebe este ou aquele significado cultural.
3. Planejamento em saúde mental e políticas de saúde – nesta área, é necessário estabelecer critérios de normalidade principalmente no sentido de se verificarem as demandas assistenciais de determinado grupo populacional, as necessidades de serviços, quais e quantos serviços devem ser colocados à disposição desse grupo etc.
4. Orientação e capacitação profissional – definição da capacidade e adequação de um indivíduo para exercer certa profissão, manipular máquinas, usar armas, dirigir veículos etc. Pensemos no caso de indivíduos com déficits cognitivos e que desejam dirigir veículos, indivíduos psicóticos que querem portar armas ou pessoas com crises epilépticas que manipulam máquinas perigosas etc.
5. Psicodiagnóstico e prática clínica – não menos importante é a capacidade de se discriminar, no processo de avaliação e intervenção clínica, se tal ou qual fenômeno é patológico ou normal, se faz parte de um momento existencial do indivíduo ou se é algo francamente patológico.
Critérios de Normalidade
	Há vários critérios de normalidade e anormalidade em psicologia e em psicopatologia. A adoção de um ou outro depende, entre outras coisas, de opções filosóficas, ideológicas e pragmáticas do profissional. Apresentam-se em seguida os principais critérios de normalidade utilizados em psicopatologia.
1. Normalidade como ausência de doença – o primeiro critério que geralmente se utiliza é o de saúde como "ausência de sintomas, de sinais ou de doenças". Normal, do ponto de vista psicopatológico seria, então, aquele indivíduo que simplesmente não é portador de um transtorno mental definido. Tal critério é bastante falho e precário pois, além de redundante, baseia-se em uma "definição negativa", ou seja, define-se a normalidade não por aquilo que ela supostamente é, mas sim por aquilo que ela não é, pelo que lhe falta.
2. Normalidade ideal – a normalidade aqui é tomada como uma certa "utopia". Estabelece-se arbitrariamente uma norma ideal, o que é supostamente "sadio", mais "evoluído". Tal norma é, de fato, socialmente constituída e referendada. Depende, portanto, de critérios socioculturais e ideológicos arbitrários e, no mais das vezes, dogmáticos e doutrinários. Exemplos de tais conceitos de normalidade são aqueles baseados na adaptação do indivíduo às normas sociais e políticas de determinada sociedade.
3. Normalidade estatística – a normalidade estatística identifica norma e frequência. É um conceito de normalidade que se aplica especialmente a fenômenos quantitativos com determinada distribuição estatística na população geral como peso, altura, tensão arterial, horas de sono, quantidade de sintomas ansiosos etc. O normal passa a ser aquilo que se observa com mais frequência. Os indivíduos que se situam estatisticamente fora (ou no extremo) de uma curva de distribuição normal passam, por exemplo, a ser considerados anormais ou doentes. É um critério muitas vezes falho em saúde geral e mental, pois nem tudo que é frequente é necessariamente "saudável", assim como nem tudo que é raro ou infrequente é patológico. Tomemos como exemplo os sintomas ansiosos e depressivos leves e o uso pesado de álcool, fenômenos esses que podem ser muito frequentes, mas que evidentemente não podem, a priori, ser considerados normais ou saudáveis.
4. Normalidade como bem-estar – em 1958, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu a saúde como o completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente como ausência de doença. É um conceito criticável por ser muito vasto e impreciso, pois bem-estar é algo difícil de se definir objetivamente. Além disso, este completo bem-estar físico, mental e social é tão utópico que poucas pessoas se encaixariam na categoria "saudáveis".
5. Normalidade funcional – tal conceito irá assentar-se sobre aspectos funcionais e não necessariamente quantitativos. O fenômeno é considerado patológico a partir do momento em que é disfuncional, provoca sofrimento para o próprio indivíduo ou para seu grupo social.
6. Normalidade como processo – nesse caso, mais do que uma visão estática, consideram-se os aspectos dinâmicosdo desenvolvimento psicossocial, das desestruturações e reestruturações ao longo do tempo, de crises, de mudanças próprias a certos períodos etários.
7. Normalidade subjetiva – aqui é dada maior ênfase à percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação ao seu estado de saúde, às suas vivências subjetivas. O ponto falho deste critério é que muitos indivíduos que se sentem bem, "muito saudáveis e felizes", como no caso de pessoas em crise paranóica, apresentam de fato um transtorno mental grave.
8. Normalidade como liberdade – alguns autores de orientação fenomenológica e existencial propõem conceituar a doença mental como perda da liberdade existencial (Henri Ey, por exemplo). Desta forma, a saúde mental vincular-se-ia às possibilidades de transitar com graus distintos de liberdade no mundo e com relação ao próprio destino. A doença mental é constrangimento do ser, é fechamento, fossilização das possibilidades existenciais. Dentro desse espírito, o psiquiatra gaúcho Cyro Martins afirmava que a saúde mental poderia ser vista, até certo ponto, como a possibilidade de dispor de "senso de realidade, senso de humor e de um sentido poético perante a vida", atributos estes que permitiriam ao indivíduo "relativizar" os sofrimentos e limitações inerentes à condição humana e, assim, desfrutar do resquício de liberdade e prazer que a existência nos oferece.
	Portanto, de modo geral, pode-se concluir que os critérios de normalidade e de doença em psicopatologia variam consideravelmente em função dos fenômenos específicos com os quais trabalhamos e, também, de acordo com a escola do profissional. Além disso, em alguns casos pode-se utilizar uma associação de vários critérios de normalidade ou doença de acordo com o objetivo que se tem em mente. De toda forma, esta é uma área da psicopatologia que exige uma postura permanentemente crítica e reflexiva dos profissionais.
	O indivíduo normal é conceituado pelo conjunto de elementos definidos por lei sobre os critérios de normalidade e pela capacidade de “autonomia”. Portanto, preso a obrigações e deveres de ordem social, moral e ética e livre ao exercício de vários direitos. O desequilíbrio de um desses fatores pode significar anormalidade e/ou psicopatologia, o que leva a sociedade e a ordem jurídica a considerarem o portador de um transtorno mental como civilmente incapaz (parcial ou total), deste modo, sujeito ao que preceitua o Código Civil nos artigos 1.767 a 1.778 sobre interdição, e o Código Penal, nos artigos 26 e 97, sobre insanidade mental. O cidadão considerado psiquicamente em prejuízo de suas faculdades mentais perde a autonomia e, consequentemente, o direito de responder por seus atos e/ou de viver em liberdade civil caso cometa algum ato de ilícito penal, assim como compromete, às vezes de maneira irreversível, a sua capacidade e aptidão para assumir e atender adequadamente as funções de trabalho.
	Alguns sentimentos próprios da condição humana como a alegria, irritação, medo, dor e angústia são acontecimentos que podem, no âmbito de um determinado contexto, serem vistos como normais ou também patológicos. O homem, em sua condição de ser social, procura de forma consciente manter sob controle tais sentimentos, expressando-os em condições condizentes com o sentimento. Em algumas situações, quando impossibilitado de suportar as tensões e exigências da sociedade, podem acontecer explosões descontroladas das emoções como irritações, inveja, ciúme, ou doenças psicossomáticas, muitas resultantes da incapacidade de resposta ao estresse e, assim, modificar o estado emocional, comprometendo seu equilíbrio. Considerando-se a presença de um transtorno mental, fica o indivíduo supostamente enfermo, exposto a situações que requerem uma definição quanto a sua capacidade ou incapacidade psíquica, presença ou não de doença mental, existência ou não de aptidões mentais suficientes que permitam gerir seus interesses de forma pragmática e objetiva de acordo com seus valores e história de vida. Essas questões podem referir-se tanto ao momento atual, visando a autorizá-lo ou não ao exercício autônomo, geral ou restrito dos atos da vida civil; ou em algum momento em que tenha praticado algum ato contrário da vida civil.
	As situações expostas se referem a um sujeito suposto ou efetivamente afetado por um transtorno mental e, nesta questão, deverá ser avaliado para decisões de medida de segurança, questões testamentárias, nulidade de atos jurídicos, questões matrimoniais, contratação de deveres e aquisição de direitos, aptidão para o trabalho, possibilidade de assumir tutela ou curatela de incapaz, possibilidade de exercer o poder familiar, capacidade de testemunho etc. No entanto, a interpretação de normalidade e anormalidade é estritamente subjetiva, o conceito de patológico segue alguns critérios pré-determinados, necessitando de conhecimento teórico e de vivência prática do profissional. São alguns exemplos do fazer da psicologia jurídica:
o processo de interdição, que é a condição jurídica em que uma pessoa representará outra pessoa em todos os atos da vida civil. Condição solicitada pela Justiça, para avaliação plena da capacidade de discernimento e entendimento da pessoa a ser interditada, com predominância de pessoas com desenvolvimento mental incompleto ou retardado;
a avaliação de sanidade mental para fins de benefícios previdenciários, para interdição ou para decisão de sentença judicial por ato compatível com ilícito penal, predominante dos transtornos das psicoses como a esquizofrenia, a paranóia e o transtorno bipolar;
outras condições sobre responsabilidade civil solicitada pela Justiça, como casos dos transtornos de personalidade.

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