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Capítulo 4 - Dalgandarrolo - Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais Júlia Malta Braga FCM-TR Turma 01 a questão da normalidade em psicopatologia . “O conceito de saúde e de normalidade em psicopatologia é questão de grande controvérsia, sendo fundamental o questionamento permanente e aprofundado sobre o que seriam o normal e o patológico (Almeida Filho, 2000).” ● A determinação de normalidade/anormalidade em psicopatologia. ● Normal ou anormal psicopatologicamente → carga valorativa: ○ exemplo: normal → desejável → bom anormal→ indesejável → ruim ○ É um julgamento que não deve ser feito. ● Comportamento e o estado mental das pessoas não são fatos neutros, exteriores aos interesses e preocupações humanas. Não se fica indiferente perante outros indivíduos, ao lidar com seus comportamentos, sentimentos e outros estados mentais. ○ Exemplo: julgar a identidade de gênero do outro como anormal, afeta milhares de pessoas e leva à óbitos ● O debate sobre normalidade em psicopatologia é um debate vivo, intenso, interessado, repleto de valores (explícitos ou não), com conotações políticas e filosóficas (explícitas ou não) e conceitos que implicam o modo como milhares de pessoas serão situadas em suas vidas na sociedade. ● Nomenclaturas conforme os séculos: XIX: alienação → XX: doença mental → XXI: transtorno mental ○ Termo doença → implica sempre ou quase sempre em alterações patológicas → não é adequado para psiquiatria e psicologia clínica, pois em muitas das condições psicopatológicas não se evidenciam alterações anatômicas, fisiológicas ou histológicas no cérebro. ● Normalidade nas áreas da saúde mental e da psicopatologia: ○ Psiquiatria e psicologia legal ou forense: a anormalidade psicopatológica pode ter implicações legais, criminais e éticas, definindo o destino de uma pessoa. ➢ Normal psicopatologicamente → o indivíduo é plenamente responsável por seus atos e deve responder legalmente por eles. ➢ Anormal psicopatologicamente → a pessoa pode ser considerada incapaz de avaliar a realidade e de agir racionalmente, não sendo considerada responsável por seus atos, e, portanto, não pode ser acusada e punida judicialmente. ● Devemos tomar cuidado com os julgamentos de loucos, como ao julgar presidentes como “malucos”, pois isso tira a responsabilidade sobre seus atos genocidas. ○ Epidemiologia dos transtornos mentais: mais discutido em critérios de normalidade. Para epidemiologia, normal é o que mais está presente estatisticamente, o que é uma consideração falha. ➢ A definição de normalidade em epidemiologia é um problema e um objeto de trabalho e pesquisa. ○ Psiquiatria cultural e etnopsiquiatria: em geral, o conceito de normalidade já impõe a análise do contexto sociocultural. ➢ Nesse ponto, se exige o estudo da relação entre o fenômeno supostamente patológico e o contexto social no qual tal fenômeno ocorre e recebe seu significado cultural. ○ Planejamento em saúde mental e políticas de saúde: os critérios de normalidade são usados para verificar as demandas assistenciais e quais e Capítulo 4 - Dalgandarrolo - Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais Júlia Malta Braga FCM-TR Turma 01 quantos serviços devem ser colocados à disposição daquela determinada população. ○ Orientação e capacitação profissional: importante na definição de capacidade e adequação de um indivíduo para exercer certa profissão, principalmente quando a riscos. ➢ Devemos tomar cuidado para não sermos capacitistas. ➢ Exemplos: pessoas psicóticas que querem portar armas, não tem como permitir. ○ Prática clínica: devemos ter a capacidade de discriminar durante a avaliação se tal relato ou ação é patológico ou normal, mas não apenas assim. ➢ Patológico → transtornos mentais ➢ Dentro da normalidade há situações em que a pessoa esteja em sofrimento mental significativo, sem uma psicopatologia. Estes pacientes devem receber atenção em saúde mental (psicoterapia, orientações e até psicofármacos). critérios de normalidade . ● Normalidade como ausência de doença: leva-se em conta a definição de saúde como ausência de sintomas, sinais ou doenças. ○ Normal psicopatologicamente: indivíduo que não é portador de um transtorno mental definido. ○ Crítica: esse critério é falho e precário, porque define a normalidade pelo que ela não é, pelo que lhe falta. É uma definição negativa. ➢ Exemplo: fulano é normal porque não tem depressão, mas mesmo assim fulano vive triste e não se sente bem assim. ● Normalidade ideal: é considerada um utópica. Diz respeito à adaptação do indivíduo às normas morais e políticas de determinada sociedade. ○ É socialmente construída. ○ Depende de critérios socioculturais e ideológicos arbitrários e, às vezes , dogmáticos e doutrinários. ➢ Percebemos o uso desse critério em falas como “essa atitude é socialmente aceita?” ● Normalidade estatística: se aplica principalmente a fenômenos quantitativos, com determinada distribuição estatística na população geral. ○ Normal: aquilo que se observa com mais frequência. ○ Anormal - falho - não saudável: situa-se fora ou nos extremos de uma curva de distribuição normal. ○ Crítica: nem tudo que é mais frequente é saudável ou ideal, assim como nem tudo que é raro é patológico. ➢ Exemplo: muitas pessoas tem cárie dentária, isso é muito frequente, mas não é normal ou saudável. ● Normalidade como bem-estar: parte da definição da OMS. ○ “Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social.” ○ É um critério amplo e impreciso. ➢ Essa definição de saúde é utópica, pois atingir esse completo bem-estar físico, mental e social é muito raro e difícil. (Ainda mais se morar no Brasil) ● Normalidade funcional: baseia-se nos aspectos funcionais e não necessariamente quantitativos, ○ Patológico: disfuncional e produz sofrimento ao indivíduo ou seu grupo social. Capítulo 4 - Dalgandarrolo - Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais Júlia Malta Braga FCM-TR Turma 01 ➢ Exemplo: Paciente com transtorno de depressão maior que não consegue levantar da cama para suas ações mais básicas. Sua situação é disfuncional e leva sofrimento a ele e seu núcleo familiar. ● Normalidade como processo: Avalia as mudanças durante um período de tempo. ○ Considera aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das desestruturações e das reestruturações ao longo do tempo, de crises, de mudanças próprias a certos períodos etários. ○ Muito útil na psicopatologia do desenvolvimento. ➢ Exemplo: mudanças bruscas de opiniões e humor. ● Normalidade subjetiva: é a percepção subjetiva do indivíduo em relação a seu próprio estado de saúde, levando em consideração suas vivências ○ É um critério falho, pois muitas pessoas se sentem bem mesmo em meio a transtornos mentais graves. Pode ser usado para guiar a terapêutica de transtornos mentais leves. ➢ Exemplo: pacientes em fase maníaca do transtorno bipolar se julgam saudáveis e em pleno bem-estar. ● Normalidade como liberdade: refere a doença mental como perda da liberdade existencial. Assim, a saúde mental se vincula às possibilidades de transitar com graus distintos de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio destino. ○ Henri Ey (1900-77): “as enfermidades físicas são ameaças à vida, as enfermidades mentais são ataques à liberdade” ○ Saúde mental → capacidade do indivíduo de dispor de senso de realidade, senso de humor e de um sentido poético perante a vida → permite o indivíduo relativizar os sofrimentos e as limitações inerentes à condição humana. ● Normalidade operacional: é um criterio arbitrario, com finalidades pragmaticas xplicitas. ○ Utiliza a CID e/ou o DSM para definir normal e patológico, empregando critérios operacionais e pragmáticos dos transtornos mentais, aceitando as consequências de tal definição. ○ É utilizado para orientação e capacitação profissional, por exemplo, no INSS. ● Os critérios de normalidade e doença variam consideravelmente em função dos fenômenos com os quais trabalho e de acordo com as opções filosóficas. ● Pode-se utilizar a associação de várioscritérios. ● Exige crítica e reflexão.
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