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8. O louco infrator no sistema penal brasileiro

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O LOUCO INFRATOR NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
O surgimento dos manicômios judiciários no Brasil acontece na passagem do século XIX para o século XX, sendo criada na cidade do Rio de Janeiro a primeira instituição desse tipo. Os pacientes internados nos manicômios são pessoas consideradas inimputáveis, que cometeram algum tipo de delito perante a Justiça, todavia não tem como reconhecer ou pagar por seus atos devido às suas condições psíquicas.
Sobre o “louco infrator”, o Código Penal Brasileiro de 1890 apenas dizia que eram penalmente irresponsáveis e deviam ser entregues a suas famílias ou internados nos hospícios públicos, se assim “exigisse” a segurança dos cidadãos, sendo atribuída ao juiz a decisão. Em 1903, a lei especial para a organização da assistência médico-legal a alienados no Distrito Federal (Dec. nº 1.132 de 22/12/1903), modelo para a organização desses serviços nos diversos estados da União, estabeleceu que cada estado deveria reunir recursos para a construção de manicômios judiciários e que, enquanto tais estabelecimentos não existissem, deviam ser construídos anexos especiais aos asilos públicos para suprir a necessidade dos mesmos. A partir da legislação de 1903, introduziu-se no Hospício Nacional de Alienados, localizado no Rio de Janeiro, uma seção especial para abrigar os “loucos infratores”. No entanto, a construção de um estabelecimento especial teria ainda que aguardar quase duas décadas para se concretizar.
No Brasil, em instituições desse tipo, através de medidas de segurança, são mantidos os indivíduos que cometem atos compatíveis com crime ou delito e, por sofrerem algum tipo de doença ou distúrbio psíquico, são considerados inimputáveis. Para os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) também são enviados os presos que enlouquecem nas prisões. O manicômio judiciário é uma instituição fechada que compreende realidades adversas que ninguém deseja: é hospício e prisão.
Cada estado da federação brasileira tem seu hospital de custódia, sendo que o de Minas Gerais fica situado na cidade de Barbacena. Foi criado pelo Decreto nº 7.471, de 31 de janeiro de 1927 e inaugurado em 15 de junho de 1929, com o nome de “Manicômio Judiciário de Barbacena”. Em maio de 1956, por força do Decreto nº 5.021, passou a se chamar “Manicômio Judiciário Jorge Vaz”, em homenagem ao seu primeiro diretor. Por fim, em 1987, recebeu a atual designação de “Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz” (HPJJV).
O HPJJV é uma instituição híbrida, sendo ao mesmo tempo um lugar de tratamento dos transtornos mentais e um lugar de privação de liberdade e restrição de direitos, ou seja, é manicômio e presídio. Contudo, está subordinado à Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) de Minas Gerais. É destinado ao tratamento de homens e mulheres que cometeram ato ilícito, de acordo com a lei penal, e que são portadores de transtornos mentais graves. Atualmente, tem capacidade para 161 homens e 54 mulheres, separados em dois prédios que compõem a Unidade. Tais pessoas são encaminhadas pelo Judiciário de todas as comarcas do estado de Minas Gerais, a partir da instalação de um processo jurídico em que se questiona a capacidade mental das mesmas. O HPJJV possui as seguintes modalidades de atendimento:
I - Exame de Sanidade Mental;
II - Medida de Segurança;
III - Tratamento Psicológico e Psiquiátrico Temporário;
IV - Exame de Cessação de Periculosidade;
V - Exame de Dependência Toxicológica (somente para mulheres).
1. EXAME DE SANIDADE MENTAL
No sistema penal brasileiro, as pessoas consideradas doentes mentais que por ventura cometem algum delito penal são classificadas de inimputáveis ou semi-imputáveis. A inimputabilidade é a incapacidade para entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com essa apreciação, ao contrário da imputabilidade, que é a capacidade de compreender a antijuridicidade de determinado fato. A imputabilidade é a regra, enquanto a inimputabilidade é a exceção. Todo indivíduo é imputável, salvo quando ocorrem uma ou mais das causas de exclusão da imputabilidade, quais sejam: doença mental; desenvolvimento mental incompleto (menoridade penal); desenvolvimento mental retardado.
A doença mental é um dos pressupostos de inimputabilidade, porém o fato de a pessoa ser portadora de doença mental, por si só, não é causa de inimputabilidade. É preciso que, em decorrência dela, o sujeito não possua capacidade de entendimento ou de determinar-se de acordo. O desenvolvimento mental retardado também é um dos pressupostos da inimputabilidade, caracterizado pela oligofrenia (retardo mental). A semi-imputabilidade se dá quando o indivíduo não possui a PLENA capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, devido a sua perturbação mental.
A finalidade do Exame de Sanidade Mental é verificar se o agente, à época do ilícito penal, se enquadrava no artigo 26 do Código Penal Brasileiro. Os profissionais do hospital dispensarão atenção psicológica, médica, social, pedagógica, ocupacional, odontológica, jurídica, enfermaria e espiritual durante o tempo em que o paciente estiver internado. Nesta condição, são denominados pacientes e não presos. O tempo de internação é estipulado em 45 dias, prorrogável caso haja necessidade, comunicando-se ao juiz do caso tal prorrogação por mais 45 dias. O médico psiquiatra perito deverá responder, na elaboração do laudo pericial, os quesitos formulados pelo juiz e/ou pelas partes, que esclarecerão se o réu ou suspeito pode ser amparado pelo artifício da lei penal. Nos casos confusos, o médico perito solicita a avaliação do psicólogo perito para a melhor elucidação do caso. Os arts. 26 e 27 do CPB regulamentam a questão da inimputabilidade penal:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
Independente do resultado do laudo, que é enviado à autoridade competente a fim de subsidiar e dar continuidade ao processo, após o Exame de Sanidade Mental o agente retorna para a sua comarca de origem. Este tipo de exame é usado para instrução de Processo Crime onde haja suspeita de algum dos tipos de transtornos mentais no indiciado. Após o laudo, dá-se sequência no processo a fim de decidir sobre a sentença, que será de pena ou medida de segurança.
Pena é a sanção imposta pelo Estado ao autor de uma infração, tendo como requisito a culpabilidade, ou seja, a imposição da pena depende da culpabilidade do agente. Não havendo imputabilidade, não há culpabilidade e em consequência também não há pena. Assim, se o agente que praticou o ato ilícito é considerado inimputável, não será condenado, todavia sentenciado à Medida de Segurança, que pode ser em regime ambulatorial ou de internação em HCTP. No que diz respeito aos semi-imputáveis, o agente responde pelo ato ilícito com pena reduzida ou Medida de Segurança (CPB, art.26, parágrafo único e art. 98).
2. MEDIDA DE SEGURANÇA
Quando o Juiz acata um laudo em que o agente se enquadra no artigo 26 do CPB, este será considerado inimputável. Desta forma, não será culpado por ter cometido um crime, pois se considera que fizera uma passagem ao ato num momento de surto; e não receberá uma punição na forma de prisão em presídio e sim uma medida de segurança, de acordo com o artigo 97 do CPB.
2.1. Espécies de medidas de segurança (art. 96 do CPB)
As medidas de segurança são:
I - Internaçãoem hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;
II - sujeição a tratamento ambulatorial.
Parágrafo único - Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.
2.2. Imposição da medida de segurança para inimputável (art. 97 do CPB)
Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.
§ 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo da persistência de sua periculosidade.
§ 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.
2.3. Substituição da pena por medida de segurança para o semi-imputável (art. 98 do CPB)
Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.
2.4. Direitos do internado (art. 99 do CPB)
O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento.
Obs.: O período em que a pessoa permanece internada, aguardando sentença, é deduzido do tempo de sua condenação, se for o caso. Da mesma forma, o período em que a pessoa fica presa em presídio, aguardando vaga no hospital de custódia para cumprir sua medida de segurança, é deduzido do prazo mínimo estipulado na sentença, servindo para antecipar o seu laudo pericial. Contudo, sua desinternação aguardará parecer judicial, mesmo o laudo lhe sendo favorável.
3. TRATAMENTO PSICOLÓGICO E PSIQUIÁTRICO TEMPORÁRIO
Quando a doença mental sobrevier à pena, a pessoa presa em uma das unidades prisionais de Minas Gerais é encaminhada ao HPJJV para ser submetida a tratamento psicológico e psiquiátrico, sempre com ordem judicial e autorização da Superintendência de Organização Penitenciária da SEDS. Tão logo seja internado, o indivíduo passa por atendimento em todos os setores da Unidade a fim de se estabelecer o tratamento a ser dispensado. Ao término deste tratamento, o interno recebe alta hospitalar e retorna à Unidade de origem para cumprir o restante de sua pena, da qual o tempo de internação será deduzido.
4. EXAME DE CESSAÇÃO DE PERICULOSIDADE
Na pena, o tempo de privação da liberdade e restrição de direitos é determinado e acaba quando a mesma for cumprida. Na medida de segurança o tempo é indeterminado, pois está sujeito a laudo emitido por um profissional, atestando se o sujeito é ou não perigoso para viver em sociedade. Esta é uma polêmica discutida entre os órgãos jurídicos e da saúde, ou seja, uma espécie de prisão perpétua.
O Exame de Cessação de Periculosidade é elaborado por um perito, ao término do período mínimo estabelecido por ordem judicial ou anualmente. O perito se baseia no processo jurídico, no prontuário de saúde e em entrevista com o paciente. O laudo é enviado ao juiz responsável, que decidirá sobre a desinternação ou não da pessoa.
A medida de segurança em regime de internação pode ser substituída por tratamento ambulatorial. Para isso, é necessário examinar as condições pessoais do agente para constatar a sua compatibilidade ou incompatibilidade com a medida mais liberal. Vale ressaltar que em qualquer momento do tratamento ambulatorial o juiz pode determinar novamente a internação.
5. EXAME DE DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA
A finalidade deste exame é verificar se o agente é dependente de substâncias psicoativas. O local apropriado para ser feito é o Hospital de Toxicômanos de Juiz de Fora, porém naquela Unidade não há vagas para mulheres. Sendo assim, as mulheres que são encaminhadas pelos órgãos competentes para este exame o fazem no HPJJV. O artigo 28 do Código Penal Brasileiro dispõe 
sobre o assunto:
Não excluem a imputabilidade penal:
I - a emoção ou a paixão;
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.
§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
6. QUADRO DE SERVIDORES DO HPJJV
- 01 diretor geral
- 01 diretor administrativo
- 01 diretor de atendimento
- 01 diretor de segurança
- 110 agentes penitenciários
- 02 psiquiatras peritos
- 04 psiquiatras assistentes
- 06 psicólogos
- 04 enfermeiras
- 12 técnicos de enfermagem
- 02 assistentes sociais
- 03 advogados
- 02 dentistas
- 02 terapeutas ocupacionais
- 01 pedagoga
- 01 padre
- 25 funcionários administrativos
A cozinha é terceirizada, mas funciona dentro das dependências do HPJJV, servindo cinco refeições por dia: desjejum, uma fruta, almoço, café e jantar.

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