Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Atenção ao Adulto 283Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Diabetes Epidemiologia e Quadro Clínico O metabolismo de carboidratos é regulado pela insulina e pelos hormônios contra-reguladores, como o glucagon, o cortisol e o hormônio do crescimento. O diabetes é um distúrbio metabólico caracterizado pelo aumento da glicose sangüínea por deficiência de insulina ou por resistência periférica à ação da insulina. Situações onde há excesso de hormônios contra-reguladores são raras, sendo a mais freqüente a deflagrada pelo uso de corticosteróides como medicamentos. O diabetes gestacional não será abordado no presente texto. O diabetes é classificado em dois tipos: o insulino- dependente, ou tipo 1, e o não-insulino-dependente, ou tipo 2. O tipo 1 tem seu início na infância ou na adolescência, estando associado a mecanismos auto- imunes ainda não bem definidos, como infecções viróticas e processos alérgicos. O indivíduo apresenta poliúria, polidipsia, polifagia, emagrecimento, mas, muitas vezes, o diagnóstico somente é feito em situação emergencial em jovem em coma cetoacidótico. O diabetes tipo 2 ocorre na faixa adulta, depois dos 40 anos, com forte determinação por fatores ambientais, onde se destacam a obesidade — seja ela global ou localizada no abdome —, a inatividade física e o tabagismo. A sua apresentação clínica é bastante frustra, sendo diagnosticada, na maioria das vezes, por queixas vagas ou em rastreamento. A alteração osmótica provocada pela hiperglicemia e pela produção elevada de corpos cetônicos provoca uma situação crítica do equilíbrio ácido-básico e hidroeletrolítico em crianças e jovens diabéticos com sério risco de vida. Em idosos, a hiperglicemia sem cetose induz ao coma hiperosmótico, que pode ser confundido com um evento cerebrovascular agudo. A ação da hiperglicemia no endotélio e em outros mecanismos bioquímicos provoca uma série imensa de agravos cardiovasculares em ambos os típos de diabetes. O principal é a carga elevada de doença coronária provocada pelo diabetes, seguido das complicações arteriais cerebrais e em membros inferiores e pelo comprometimento das arteríolas em rins e retina. Em suma, o diabético que sobreviva a eventos cardiovasculares como infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral terá um risco maior de desenvolver insuficiência renal em níveis dialíticos ou de ficar cego. No Brasil, a prevalência do diabetes de tipo 1 varia de 7 a 12 por 100.000 habitantes entre 0 e 14 anos e a do tipo 2 é de 7,8 % da população entre 30 e 69 anos, mostrando que a freqüência do tipo 2 é muito maior do que a do tipo 1. Importante ressaltar que o diabetes tipo 2, por quase não apresentar sintomas, costuma ser desconhecido em quase metade dos portadores, situação esta encontrada no nosso e em outros países. Diagnóstico O médico deve estar sempre atento a crianças com poliúria, realizando, de imediato, teste para detecção de glicose urinária e atendimento de emergência onde há alteração de consciência e hálito cetótico. Em adultos, onde o quadro é menos definido, há várias indicações para se suspeitar de diabetes e indicar a realização de glicemia capilar ou plasmática, como obesidade, presença de outros fatores de risco cardiovascular, como hipertensão e colesterol elevado, mães de recém-nascidos com mais de 4 kg e mulheres com história de diabetes gestacional. Paulo Andrade Lotufo1 1Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP 284 Atenção ao Adulto Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina O uso da glicemia capilar é de extrema utilidade no atendimento em unidades básicas de saúde; porém, quando houver necessidade de confirmação, deve- se realizar glicemia plasmática e, em algumas vezes, o teste oral de tolerância a glicose. Este teste é padronizado com medidas de glicemia de 0 e 120 minutos após 75 g de glicose anidra. Valores de glicose plasmática em jejum, ao acaso e pós-prandiais, podem estabelecer categorias de diagnósticos como apresentado abaixo. Outros testes para diagnóstico de diabetes são de pouca confiabilidade — como a realização de glicemia com tiras reagentes —, ou são excessivamente caras — como a hemoglobina glicada (embora seja um exame adequado para seguimento). Para seguimento, o exame ideal é a glicemia capilar. Nas consultas de retorno, o médico deve estar muito mais atento aos níveis de pressão arterial, lesões tróficas em membros inferiores, queixas visuais e sintomas como palpitações e dispnéias, que podem indicar insuficiência coronária, do que aos valores de glicemia obtidos no último exame. A preocupação com as complicações cardiovasculares, renais e oculares deve ser o guia do atendimento ambulatorial. Tratamento O tratamento do diabético de tipo 1 envolve acompanhamento e seguimento em unidade especializada. Ao contrário, o paciente com diabetes tipo 2 deverá ser acompanhado a maior parte do tempo em unidade básica de saúde. Os cuidados principais com o paciente com diabetes é o de diminuir os fatores que induzem e perpetuam a resistência insulínica, como a obesidade, o sedentarismo e o tabagismo. Para tanto, há necessidade de uma radical redução do peso para alcançar valores de índice de massa corpórea menores de 25 kg/m2, realização de atividade física regular do tipo 10 minutos por dia de caminhada e cessação total do tabagismo. Glicemia ao acaso < 140 mg/dl 141-199 mg/dl 200-270 mg/dl > 270 mg/dl normal duvidoso provável DM muito provável Inibidores da enzima conversora da angiotensina* Valor obtido Interpretação Glicemia de jejum ou após 4 horas sem alimentação < 100 mg/dl 101-125 mg/dl 126-199 mg/dl 200-270 mg/dl > 270 mg/dl normal exame duvidoso exame alterado provável DM muito provável DM A norma estabelecida pelo Ministério da Saúde do Brasil está apresentada no quadro abaixo: DM = diabetes mellitus normal glicemia de jejum alterada tolerância a glicose diminuída diabetes < 110 mg/dl 110-126 mg/dl <126 mg/dl > 126 mg/dl - - - >200 mg/dl com sintomas clássicos glicemia de jejum ao acasoDiagnóstico < 140 mg/dl - 140-200 mg/dl >200 mg/dl glicemia pós-prandial Atenção ao Adulto 285Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Fatores de risco cardiovasculares que se associam ao diabetes, como a hipertensão e o colesterol elevado, merecem ser rigorosamente seguidos. Ao contrário dos hipertensos sem diabetes, os valores ideais da pressão arterial sistólica para um diabético são inferiores a 130 mm Hg e os da pressão arterial diastólica, abaixo de 85 mmHg. Para tanto, há necessidade de redução radical da pressão arterial, com medidas tais como redução de peso e atividade física e uso de medicamentos anti-hipertensivos. Não há contra-indicação ao uso de qualquer classe de anti-hipertensivos em diabéticos. Diuréticos, beta- bloqueadores, inibidores da enzima de conversão e bloqueadores de canal de cálcio podem ser usados de acordo com a concomitância de outros aspectos clínicos. Ressalte-se a importância do uso de beta- bloqueadores em pacientes com angina do peito ou que sofreram infarto do miocárdio. A redução do níveis de colesterol sérico em diabéticos merece maior atenção do que a que a entre não-diabéticos. Para o controle glicêmico, torna-se necessário reduzir o peso de obesos e evitar qualquer aumento em indivíduos magros, mudar a forma de adoçar da sacarose para adoçantes e edulcorantes, tais como aspartame, stévia, sacarina e ciclamato, que têm pouca contribuição calórica, ao contrário da frutose e do sorbitol. O controle medicamentoso do diabetes tipo 2 deve ser considerado quando há falha na adoção de medidas como redução de peso, atividade física e alterações dietéticas. Há duas classes principais de agentes anti-diabéticos orais, as sulfonil-uréias e asbiguanidas. Outras duas novas classes, as glitasonas e glinidinas, têm chegado ao mercado ainda sem comprovar a sua superioridade em relação às duas primeiras. O uso da insulina também se indica em situações onde há falha na medicação oral. As sulfoniluréias são medicamentos utilizados há muito tempo. A forma mais utilizada a clorpropamida de primeira geração foi associada, sem qualquer comprovação, ao aumento de mortes súbitas por arritmia. Devido ao seu uso por mais de duas décadas e pelo seu baixo custo, pode ser ainda utilizada no tratamento do diabético tipo 2; no entanto, as novas sulfoniluréias apresentam vantagens pela menor meia- vida conforme mostrado no quadro abaixo. O uso de sulfoniluréias requer cuidados como o lembrar que outros medicamentos, como alopurinol e warfarin, podem induzir hipoglicemia e outros podem neutralizar o efeito hipoglicemiante, como no caso dos barbitúricos. A hipoglicemia induzida pela clorpropamida requer internação porque a meia-vida do medicamento é longa, necessitando infusão de glicose 10% por mais de 48 horas. Recentemente, houve o interesse maior na utilização das biguanidas, no caso, o metformim, devido à comprovação em ensaio clínico de que este medicamento associa-se a redução de eventos cardiovasculares. O metformim é apresentado em comprimidos de 500 mg (Glucoformin®, Glifage®) e de 850 mg (Glucoformin®, Glifage® e Dimefor®). A faixa terapêutica é de 500 a 1.700 mg/dia. O uso de insulina está indicado nos casos de diabetes tipo 2 onde há descontrole com a associação de intervenção dietética, metformin e sulfoniluréia, principalmente com glicemia acima de 270 mg/dl associada a sintomas como perda de peso e hálito cetótico. Orientação dietética rigorosa e controle radical do peso deve ser uma obsessão ao médico que introduz insulina a um diabético de tipo 2. Com freqüência, instala-se um ciclo vicioso de “insulina- ganho de peso-hiperglicemia-mais insulina- mais ganho de peso” que será de difícil reversão. As principais insulinas existentes no mercado brasileiro são as listadas abaixo de acordo com o perfil de ação. clorpropamida gliburida ou gliblenclamida glipizida glicazida Diabinese Daonil Euglucon Minidiab Diamicron 25-40 7-15 12 10 nome comercial meia-vida (horas)Fármaco 125-500 2,5-20 2,5-20 40-320 faixa terapêutica (mg) 286 Atenção ao Adulto Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Encaminhamento Pacientes com diabetes tipo 1 devem sempre estar sendo acompanhados em serviço especializado. Os diabéticos de tipo 2 devem sempre estar sendo avaliados em relação a complicações, como retinopatia, com consulta regular a oftalmologista; cuidados com o pé, com ao menos uma consulta com podólogo para orientar sobre calçados e corte das unhas. Pacientes que possuam uma grande quantidade de fatores de risco ao mesmo tempo, como hipertensão, tabagismo, colesterol elevado e angina ou pós-infarto do miocárdio devem ser encaminhados para serviço de maior complexidade. BIBLIOGRAFIA Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica. Caderno 7, Brasília, 2001. Lotufo PA, Sobolsi M, Manson JE. Diabetes in Women. In Goldman MB, Hatch MC. Women and Health.. Academic Press, 819-829, 1999. Insulinas humanas <0,25 0,1-1,0 2-4 2-4 0,5-1,5 2-3 6-10 6-12 Início Pico NPH = semi-lenta ultra-rápida rápida NPH lenta 4-6 6-8 14-18 16-20 Duração efetiva 3-4 3-6 10-16 12-18 Pico Perfil de ação (horas) Insulinas humanas 0,5-2,0 4-6 4-6 8-14 3-4 8-14 8-14 mínimo Início Pico rápida NPH lenta ultralenta 6-10 20-24 20-24 24-36 Duração efetiva 4-6 16-20 16-20 24-36 Pico
Compartilhar