Buscar

Insuficiência Cardíaca

Prévia do material em texto

Atenção ao Adulto
293Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina
Insuficiência Cardíaca Congestiva
Epidemiologia e Quadro Clínico
A insuficiência cardíaca (IC) é uma doença que
vem se tornando mais freqüente com o passar dos
anos. As pessoas não morrem mais de doenças
infecciosas, de cardiopatia valvar ou isquêmica, ficam
mais velhas e acabam apresentando insuficiência
cardíaca. Só o envelhecimento da população já é fator
de aumento de sua prevalência, pois, naqueles com
mais de 75 anos, é observada em mais de 10% dos
pacientes, sendo diagnosticada em menos de 2% entre
os com menos de 55 anos.
A insuficiência cardíaca, pela sua característica
clínica, é doença limitante, que, com o seu
agravamento, reduz substancialmente a qualidade de
vida dos pacientes e, nas formas avançadas, tem
características de doença maligna, com mortalidade
superior a 60% no primeiro ano, mesmo nos dias de
hoje.
Ao lado deste cortejo clínico, pela sua freqüência,
é uma das doenças que onera muito os serviços de
saúde pública e privada. A insuficiência cardíaca foi
a principal causa de hospitalização entre as doenças
cardíacas, tendo o governo gasto R$ 150 milhões no
tratamento, equivalente a 4,6% das despesas com
hospitalizações no ano de 1998. As despesas são
ainda maiores se considerarmos os dias não
trabalhados, os gastos familiares na assistência ao
doente etc. O mesmo se aplica aos seguros saúde e
pacientes privados.
O diagnóstico da IC é, eminentemente, clínico.
Mesmo com todo o avanço tecnológico e científico
dos últimos anos, a análise de sinais e sintomas
mantém-se como a principal maneira para se
diagnosticar a IC, não havendo exame complementar
capaz de definir de maneira única e objetiva a presença
desta síndrome.
A insuficiência cardíaca pode apresentar-se de
diferentes maneiras, variando de extremos, como
insuficiência aguda da bomba com edema agudo de
pulmão ou choque cardiogênico, até disfunção
ventricular esquerda assintomática ou leve. A
manifestação clínica depende, de maneira importante,
da rapidez com que a síndrome se desenvolve e,
especificamente, se houve tempo suficiente para que
os mecanismos compensatórios sejam acionados ou
para que ocorra retenção hídrica e o fluido se acumule
no espaço intersticial.
O principal sintoma da insuficiência ventricular
esquerda é a dispnéia nas suas várias formas de
apresentação: aos esforços, ortopnéia, dispnéia
paroxística noturna, dispnéia de repouso até edema
agudo de pulmão, sendo a expressão clínica da
hipertensão venocapilar pulmonar. Fadiga e astenia
são sintomas também freqüentes. Alguns sintomas
estão relacionados especificamente a falência do
ventrículo direito determinada pelo acúmulo
generalizado de fluidos. Desconforto em hipocôndrio
e flanco direito (hepatomegalia e distensão da cápsula
de Glisson) e sintomas gastrointestinais, náuseas,
vômitos, plenitude pós-prandial, obstipação ou
diarréia e dor abdominal difusa, são os mais
freqüentes. Alguns outros sintomas, como oligúria,
noctúria, confusão mental, prejuízo da memória e
insônia, estes últimos especialmente nos idosos, são
também observados com certa freqüência.
Ao exame físico, são encontrados sinais clínicos
que variam com o grau e a cronicidade da doença.
Desta forma, o estado geral de pacientes com IC de
recente início pode ser relativamente bom, enquanto
aqueles crônicos, geralmente, apresentam-se
malnutridos e até caquéticos.
À semelhança dos sintomas, dependendo da
câmara acometida, teremos diferentes sinais. Nos
casos de falência direita: estase jugular,
hepatomegalia, edema de membros inferiores e, nas
formas mais avançadas, anasarca com derrame pleural
e ascite. Nos casos com falência esquerda,
poderemos encontrar estertores finos em bases
pulmonares.
Achados cardíacos denotando disfunção
ventricular incluem ritmo de galope com terceira bulha
patológica. Outras alterações, como pulso alternante,
sopros sistólicos em áreas mitral e tricúspide,
Antonio Carlos Pereira Barretto1
José Antonio Franchini Ramires1
1Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
294
Atenção ao Adulto
Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina
secundários à dilatação ventricular e hiperfonese do
componente pulmonar da segunda bulha podem ser
observados, especialmente, nas fases tardias da
doença.
Diagnóstico
Uma vez diagnosticada a IC, ponto importante é
a identificação da sua causa, pois tanto o tratamento
como o prognóstico diferem conforme o principal fator
causal do quadro de descompensação. É importante
lembrar que a correção da valvopatia, da cardiopatia
congênita ou a revascularização miocárdica podem
fazer desaparecer ou reduzir os quadros de IC. Na
grande maioria dos casos, a história e o exame físico
fornecem os principais dados para o diagnóstico
diferencial e orientação dos pacientes (por exemplo,
cianose, sopro etc.).
Os exames complementares são importantes
auxiliares na caracterização da IC. Embora não
substituam uma boa anamnese e o exame físico, cada
vez mais agregam informações que permitem o
médico orientar melhor cada caso e com menos
dúvidas. Naqueles com disfunção ventricular, é
importante diferenciar se predomina o
comprometimento da função sistólica ou diastólica.
Os sintomas são semelhantes, mas a conduta
terapêutica e o prognóstico diferem.
Embora pouco específico, o eletrocardiograma
identificando sobrecarga de câmaras cardíacas, sinais
de isquemia miocárdica etc., sinaliza a presença de
comprometimento cardíaco e estes achados auxiliam
no diagnóstico diferencial das causas dos sintomas.
O eletrocardiograma tem um papel fundamental na
caracterização das arritmias, indispensável para a boa
orientação dos casos. A radiografia de tórax por meio
da detecção da cardiomegalia, do aumento da trama
vasobrônquica, perda da demarcação das sombras
hilares e espessamento do septo interlobular, linhas
B de Kerley, permite caracterizar os sinais de
congestão pulmonar e, assim, caracterizar a
insuficiência cardíaca descompensada.
O ecocardiograma é hoje o principal exame para o
diagnóstico da disfunção ventricular. O estudo
ecocardiográfico, além de identificar a disfunção
ventricular e seu tipo, permite avaliar sua magnitude.
Como exame não-invasivo, pode ser repetido,
tornando possível avaliar a evolução da doença ou
os efeitos da terapêutica empregada. Sua importância
é ainda maior na análise da causa do
comprometimento cardíaco, identificando, por
exemplo, lesões valvares, alterações anatômicas que
muito auxiliam na caracterização da cardiopatia e,
portanto, na orientação do tratamento. Todo paciente
com insuficiência cardíaca deveria ter um
ecocardiograma para caracterizar a cardiopatia.
Tratamento
O primeiro passo após o diagnóstico da
insuficiência cardíaca, antes da prescrição do
tratamento medicamentoso, é pesquisar e tratar
possíveis fatores precipitantes ou de agravamento
da IC (Quadro 1). O seu controle pode levar à
compensação em muitos pacientes.
Quadro 1. Fatores precipitantes da insuficiência cardíaca
1. falta de aderência ao tratamento (dieta, drogas)
2. arritmia
(fibrilação ou flutter atrial, taquicardia ventricular)
3. terapêutica inadequada
4. infeção sistêmica ou pulmonar
5. embolia pulmonar
6. estresse
7. doença sistêmica
8. doenças cardíacas associadas
9. situação geradora de alto débito cardíaco
(anemia, febre, hipertiroidismo)
O diagnóstico da cardiopatia é também
fundamental, pois não podemos esquecer que muitas
das cardiopatias (valvopatia e, coronariopatia) são
passíveis de correção, com conseqüente controle da
IC, o que resulta em enorme modificação na sua
evolução e prognóstico.
Independentemente dos fatores precipitantes ou
do diagnóstico da cardiopatia, os pacientes devem
ser orientados a reduzir a ingestão de sal. Redução
da ingestão de líquidos só está indicada nas formasavançadas de insuficiência cardíaca. O exercício físico
não é mais contra-indicado nas formas iniciais da
doença, sendo, pelo contrário, prescrito com a
intenção de melhorar a qualidade de vida dos seus
portadores e, possivelmente, a sobrevida. Nas formas
muito sintomáticas, atividade física deve ser reduzida
com base nos sintomas dos pacientes.
Os pacientes com insuficiência cardíaca devem
ser tratados com associação de medicamentos. O
tratamento difere, um pouco, conforme a situação
funcional dos pacientes. Nos pacientes com disfunção
Atenção ao Adulto
295Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina
sistólica oligossintomáticos (CF I), os inibidores da
enzima conversora (ECA) devem ser prescritos, pois
previnem ou retardam o aparecimento da IC. Todos
os pacientes com fração de ejeção reduzida devem
receber os inibidores da ECA.
Nos pacientes sintomáticos a grandes e médios
esforços (CF II e III), o tratamento deve incluir
digitálicos, diuréticos, inibidores da ECA e
betabloqueadores. O benefício desta associação foi
amplamente demonstrado em inúmeros estudos. O
digitálico tem papel na estabilização dos pacientes,
reduzindo o número de descompensações. Os
diuréticos são indispensáveis para controlar a
retenção hídrica, transformando-se na principal droga
para controle dos sintomas. A dose correta dos
diuréticos torna os pacientes menos sintomáticos.
Os inibidores da ECA têm papel na estabilização da
doença, prevenindo a progressão para formas mais
avançadas e reduzindo a mortalidade dos pacientes.
A associação de betabloqueadores aumenta ainda
mais estes benefícios.
Nas formas mais sintomáticas (CF III e IV), o
tratamento deve incluir digital, diuréticos, inibidores
da ECA e espironolactona. Com esta associação, os
pacientes tornam-se mais estáveis, descompensam
menos, apresentando melhor qualidade de vida e
menor mortalidade. Os betabloqueadores devem ser
associados a este tratamento nos pacientes
compensados, aumentando ainda mais os benefícios
descritos.
A digoxina deve ser prescrita na dosagem de 0,25
mg ao dia, podendo ser diminuída nos pacientes
idosos ou com arritmias. Os diuréticos devem ser
prescritos na dosagem necessária para controlar os
sinais de congestão; em muitos, a associação de um
tiazídico à furosemida pode ser de grande utilidade. É
importante considerar que doses baixas de diuréticos,
na presença de sinais de congestão, mantêm os
pacientes sintomáticos. A espironolactona deve ser
empregada na dosagem de 25mg ao dia e sua
prescrição vai alem de seu efeito diurético, daí não
ser necessário utilizar doses maiores, com as quais
aumentamos os efeitos colaterais. Os inibidores da
ECA devem ser prescritos em dose denominada
plena. Doses muito baixas não tiveram sua eficácia
comprovada. Assim, captopril deve ser prescrito na
dosagem de 25 a 50mg três vezes ao dia, enalapril
10mg duas vezes ao dia, lisinopril 10mg duas vezes
ao dia ou ramipril 5 mg duas vezes ao dia. Dentre os
betabloqueadores, pela sua maior facilidade de
administração, utilizamos o carvedilol, que deve ser
prescrito na dosagem de 25 mg duas vezes ao dia.
Tanto o carvedilol como os inibidores da ECA devem
ser iniciados com doses pequenas e
progressivamente aumentados até atingir-se a dose
alvo. Se os pacientes não tolerarem aumentos de
dosagem, o tratamento deve ser mantido na maior
dosagem que foi possível administrar.
O tratamento cirúrgico deve ser cogitado para os
pacientes que continuam evoluindo sintomáticos
apesar do correto tratamento medicamentoso. Não
podemos nos esquecer que a correção da causa da
IC modifica sobremaneira a historia natural da doença.
Assim, a correção da valvopatia ou a revascularização
miocárdica podem ser salvadoras para muitos. Para
os pacientes com importante disfunção ventricular,
esgotados os procedimentos clínicos, o transplante
cardíaco deve ser cogitado.
Encaminhamento
Pacientes com graus leves de insuficiência
cardíaca podem ser acompanhados em unidades
básicas de saúde, desde que tenham realizadas
consultas iniciais com cardiologista. Pacientes com
graus avançados devem ser encaminhados para
serviços especializados. No entanto, será cada vez
mais comum atendimento domiciliar a indivíduos em
fase terminal da insuficiência cardíaca.
BIBLIOGRAFIA
Pereira-Barretto AC, Ramires JAF. O que aprendemos
com os estudos multicêntricos sobre o tratamento da
insuficiência cardíaca. In Sousa AGMR, Mansur AJ (eds)
SOCESP. Cardiologia. Segundo volume, São Paulo,
Atheneu, 1996; pg 714-23.
Velloso LGC, Oliveira Jr. Tratamento não
medicamentoso e medicamentoso da insuficiência
cardíaca. In: Sousa AGMR, Mansur AJ (eds). SOCESP.
Cardiologia Segundo volume. São Paulo, Atheneu, 1996;
pg 724-32.
Stocco R, Pereira-Barretto AC. Insuficiência cardíaca
- Critérios diagnósticos. In: Timerman A, César LAM (eds).
Manual de Cardiologia. SOCESP. São Paulo, Atheneu,
2000; pg 32-35.
Salemi VMC. Tratamento da insuficiência cardíaca.
In: Timerman A, César LAM (eds). Manual de Cardiologia.
SOCESP. São Paulo, Atheneu, 2000; pg 35-.40.

Continue navegando