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1 Mírian Santos 7° semestre @medbymins Problema 04 – Falta de ar. Objetivos: 1. Compreender a Insuficiência Cardíaca; Definição; Classificação (fração de ejeção preservada e reduzida; Epidemiologia; Fatores de risco; Etiologia; Fisiopatologia; Quadro clínico; Diagnóstico; Diagnóstico diferencial; Tratamento; Prognóstico. Insuficiência Cardíaca Definição; Apesar de tentativas repetidas de desenvolver uma definição mecanicista que englobasse a heterogeneidade e a complexidade da insuficiência cardíaca (IC), nenhum paradigma conceitual isoladamente conseguiu vencer a prova do tempo. As diretrizes atuais do American College of Cardiology Foundation (ACCF) / American Heart Association (AHA) definem IC como uma síndrome clínica complexa que resulta do comprometimento estrutural ou funcional do enchimento ventricular ou da ejeção sanguínea que, por sua vez, causa os sintomas clínicos cardinais de dispneia e cansaço e os sinais de IC, especificamente edema e estertores. Porém, como muitos pacientes não apresentam sinais ou sintomas de sobrecarga de volume, o termo “ insuficiência cardíaca”passou a ser preferido em vez do antigo “insuficiência cardíaca congestiva”. Segundo as últimas diretrizes, europeia e brasileira, pacientes com IC podem ter fração de ejeção preservada (ICFEP); fração de ejeção reduzida (ICFER) ou fração de ejeção intermediária (ICFEI). Atualmente, pacientes com IC que apresentem fração de ejeção ventricular esquerda (FEVE) menor do que 40% são denominados ICFER; enquanto pacientes com FEVE maior do que 50% associados a 2 Mírian Santos 7° semestre @medbymins sintomas de IC, elevação de biomarcadores e/ou reposta alterada em testes de exercício hemodinâmico são considerados ICFEP e aqueles, também sintomáticos, com FEVE entre 40-49% são denominados ICFEI. Tal diferenciação pode ter impacto clínico, uma vez que as evidências científicas para o tratamento de ICFER são mais robustas, enquanto o tratamento para ICFEP ainda não está bem estabelecido. Classificação; Essa síndrome tem caráter progressivo e por esse motivo pode ser classificada em estágios, sendo considerados: Estágio A: pacientes com fatores de risco para desenvolver IC. Estágio B: pacientes com doença estrutural, porém sem sintomas de IC. Estágio C: pacientes com sinais ou sintomas de IC. Estágio D: aqueles com sintomas refratários ao tratamento clínico que necessitem de suporte avançado como transplante cardíaco, dispositivos de assistência ventricular ou ainda cuidados paliativos. Até pouco tempo atrás, considerava-se que a evolução da doença era completamente unidirecional e, uma vez atingido estágio C, o paciente nunca poderia retornar a estágios iniciais da doença. Porém com as terapias modernas para prevenir ou retardar a progressão da doença, muitos pacientes podem permanecer nos estágios B e C por longos períodos e podem até apresentar recuperação da fração de ejeção após a instituição do tratamento clínico otimizado. Esse conceito de IC com fração de ejeção melhorada tem sido motivo de estudo recente, embora ainda sejam escassas as evidências de quanto tempo esses pacientes permanecem assintomáticos sem retornar ao estágio C. Em relação aos sintomas, pode-se classificar a IC, de acordo com a classe funcional da New York Heart Association (Quadro 1), em: NYHA I: ausência de sintomas. NYHA II: atividades habituais causam sintomas (limitação leve). NYHA III: atividades menos intensas que as habituais causam sintomas (limitação importante). NYHA IV: incapacidade para realizar qualquer atividade sem apresentar desconforto. Em pacientes com IC aguda (ICA), diferentes classificações têm sido propostas para orientar o manejo, a partir de parâmetros principalmente clínicos e/ou laboratoriais. A classificação proposta por GHEORGHIADE é feita com base em níveis pressóricos: ICA com PA (pressão arterial) elevada (sintomas abruptos, mais frequente em 3 Mírian Santos 7° semestre @medbymins mulheres, volemia normal ou pouco elevada, com resposta rápida ao tratamento). ICA com PA normal (início gradual dos sintomas, queda da fração de ejeção). ICA com PA baixa (também com início gradual dos sintomas e sinais de baixa perfusão tecidual, tendo difícil resposta terapêutica). Já a classificação de Stevenson propõe a avaliação a partir do perfil hemodinâmico. De acordo com essa classificação, os pacientes que apresentam congestão são denominados “úmidos”, enquanto os sem congestão, “secos”. Os que apresentam sinais de perfusão periférica inadequada são denominados “frios”, e os sem sinais de baixa perfusão, “quentes”. Segundo essas denominações, os pacientes são divididos entre quatro perfis, como mostrado na Figura 1. São considerados pacientes congestos aqueles que apresentam ortopneia, estase jugular, hepatomegalia, edema ou crepitações, enquanto se considera baixo débito a presença de pulso filiforme, rebaixamento do nível de consciência, hiponatremia, extremidades frias, hipotensão em uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) ou disfunção renal. Considerando os limites inerentes a quaisquer classificações, elas são necessárias para que se tenham propostas de avaliações mais eficientes, tentando minimizar as diferenças de nomenclaturas/condutas entre os vários serviços de cardiologia, resultando na condução e tratamento da síndrome. Epidemiologia; A IC tem alta prevalência e grande impacto na morbidade e mortalidade em todo o mundo, sendo hoje um grave problema de saúde pública. A incidência de IC vem aumentando nas últimas décadas, atingindo uma prevalência em torno de 2% da população geral; esse aumento é justificado por 03 fatores principais: (1) envelhecimento populacional (até 10% nos pacientes > 80 anos têm IC); (2) maior prevalência das doenças precursoras (HAS, obesidade, DM); e (3) melhora no tratamento de doenças associadas que antes limitavam a sobrevida do paciente. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9786555761009/epub/OEBPS/xhtml/chapter36.xhtml?brand=vitalsource&create=true&favre=brett#fig36-1 4 Mírian Santos 7° semestre @medbymins Essa prevalência segue um padrão exponencial, aumentando com a idade, chegando a afetar 6 a 10% dos indivíduos com > 65 anos. Embora a incidência relativa seja menor nas mulheres do que nos homens, as mulheres constituem pelo menos metade dos casos de IC em razão de sua maior expectativa de vida. Acredita-se que a prevalência total da IC esteja aumentando, em parte porque as terapêuticas atuais para as doenças cardíacas, como infarto agudo do miocárdio (IAM), cardiopatia valvar e arritmias, têm permitido que os pacientes sobrevivam por mais tempo. Fatores de risco; Doença coronariana; Hipertensão; Diabetes Mellito; Obesidade; Tabagismo Etiologia; No Brasil, a principal etiologia de IC é a cardiopatia isquêmica crônica, com frequência associada à HAS. Qualquer doença que cause necrose miocárdica ou produza sobrecarga de pressão ou de volume pode induzir disfunção miocárdica e insuficiência cardíaca. Ainda que a etiologia da IC nos pacientes com FE preservada seja diferente daquela encontrada nos casos com diminuição da FE, há considerável sobreposição de etiologias para essas duas condições.Nos países desenvolvidos, as causas de insuficiência modificaram-se ao longo de várias décadas. Nos países industrializados, a doença arterial coronariana (DAC) tornou-se a principal causa em homens e mulheres, sendo responsável por 60 a 75% dos casos de IC. A doença cardíaca valvar, com exceção da estenose aórtica por calcificação, declinou acentuadamente. A hipertensão, apesar de, hoje, ser menos frequente como causa primária de insuficiência cardíaca do que no passado, ainda representa um fator importante em 75% dos casos, incluindo a maioria dos pacientes com doença coronariana. Em 20 a 30% dos casos de IC com redução da FE, a etiologia exata não é conhecida. Quando a causa é desconhecida, os pacientes são referidos como portadores de miocardiopatia dilatada, não isquêmica ou idiopática. Infecção viral prévia e exposição a toxinas (álcool ou quimioterápicos) também podem levar à miocardiopatia dilatada. Além disso, está se tornando cada vez mais evidente que muitos casos de 5 Mírian Santos 7° semestre @medbymins miocardiopatia dilatada são secundários a problemas genéticos específicos, em particular aqueles no citoesqueleto. A maioria das formas de miocardiopatia dilatada familiar é herdada de forma autossômica dominante. IMAGEM Exemplos de cardiomiopatias que merecem atenção: CARDIOMIOPATIA PERIPARTO (CMP) - é uma das formas de cardiomiopatia dilatada que ocorre associada à gestação. Os principais fatores de risco são idade e múltiplas gestações. Felizmente, o prognóstico dessa CMP é benigno, havendo relatos de aproximadamente 50% de recuperação da função ventricular com tratamento clínico e raros casos de indicação para transplante cardíaco. Os sintomas em geral aparecem ao final da gestação ou após o parto (até 6 meses após parto). CARDIOMIOPATIA DE TAKOTSUBO – ocorre disfunção transitória do ventrículo esquerdo (VE), em geral após estresse emocional/físico. Ocorre mais frequentemente em mulheres após a menopausa. Caracteriza-se por alteração de motilidade de VE ou ventrículo direito (VD), havendo balonamento da ponta do VE com hipercinesia da base, o que leva à obstrução da via de saída do VE. Tal fenômeno ocorre na ausência de doença coronariana que possa justificar alteração de motilidade segmentar. CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA (CMH) – é a mais comum das doenças cardiovasculares genéticas, causada por diferentes mutações em genes que codificam proteínas do sarcômero cardíaco. Trata-se de herança autossômica dominante. É a principal causa de morte súbita em jovens, incluindo atletas competitivos. Caracteriza-se por espessamento do VE na ausência de outra condição que possa gerar hipertrofia ventricular. A CMH pode ser obstrutiva (cerca de 70% dos pacientes) ou não obstrutiva (cerca de 30%), a depender da presença de gradiente na via de saída de VE (> 30 mmHg) no repouso ou após exercício. Fisiopatologia; A insuficiência cardíaca se inicia quando um evento-índice produz o declínio inicial na capacidade de bombear do coração. Após esse declínio inicial na capacidade de bombeamento, diversos mecanismos compensatórios são ativados, como o sistema nervoso adrenérgico, o sistema renina-angiotensina-aldosterona e o sistema das citocinas. Em curto prazo, esses sistemas são capazes de restaurar a função cardiovascular para o limite da homeostase normal, fazendo o paciente se manter assintomático. 6 Mírian Santos 7° semestre @medbymins Entretanto, com o passar do tempo, a ativação mantida de tais sistemas causa dano secundário no órgão-alvo dentro do ventrículo, com agravamento do remodelamento ventricular e descompensação cardíaca. Esse evento-índice pode ter instalação súbita, como no caso de IAM; início gradual ou insidioso, como nos casos de sobrecarga hemodinâmica de pressão ou de volume; ou ser hereditário, como nos casos das diversas miocardiopatias genéticas. Os pacientes com disfunção de VE podem ficar assintomáticos por meses ou anos, porque os mecanismos compensatórios fazem com que haja um remodelamento da função cardíaca, como por exemplo através da (1) ativação do sistema renina- angiotensina-aldosterona e ativação do sistema adrenérgico, responsáveis, respectivamente por manter o debito cardíaco através do aumento da retenção de agua e sal e aumento da (2) contratilidade miocárdica. Além disso, há ativação de uma família de moléculas vasodilatadoras compensatórias, incluindo os peptídeos natriuréticos atrial e cerebral (ANP e BNP), a bradicinina, as prostaglandinas (PGE2 e PGI2) e o óxido nítrico (NO), os quais compensam a vasoconstrição vascular periférica excessiva. Esses mecanismos compensatórios são capazes de modular a função do VE de forma a mantê-la dentro dos limites fisiológicos/homeostáticos, preservando a capacidade funcional do paciente ou permitindo que a perda seja mínima. Remodelamento ventricular esquerdo - A expressão remodelamento ventricular refere- se às alterações na massa, no volume, na forma do VE e na composição do coração que ocorrem após lesão cardíaca e/ou em condições com sobrecarga hemodinâmica. O remodelamento do VE pode contribuir de forma independente para a evolução da IC. Além do aumento do volume diastólico final do VE, observa-se afinamento da parede conforme o ventrículo se dilata. O afinamento crescente da parede, somado ao aumento da pós-carga produzido pela dilatação do VE, leva a um descompasso funcional na pós-carga, que pode diminuir ainda mais o volume de ejeção sistólica. Além disso, a tensão elevada na parede ao final da diástole pode causar (1) 7 Mírian Santos 7° semestre @medbymins hipoperfusão do subendocárdio com a consequente piora da função do VE; (2) aumento do estresse oxidativo com ativação resultante das famílias de genes sensíveis à geração dos radicais livres (p. ex., TNF e interleucina 1β); e (3) expressão sustentada da ativação por estiramento das vias de sinalização hipertrófica. A dilatação crescente do VE também resulta em travamento dos músculos papilares e insuficiência do aparelho valvar mitral e regurgitação funcional por essa valva, que, por sua vez, agrava a sobrecarga hemodinâmica sobre o ventrículo. Em seu conjunto, as cargas mecânicas produzidas pelo remodelamento do VE contribuem para a progressão da IC. Ativação dos sistemas neuro-hormonais na insuficiência cardíaca: A diminuição do débito cardíaco nos pacientes com IC produz uma “descarga” dos barorreceptores de alta pressão (círculos) localizados no ventrículo esquerdo, seio carotídeo e arco aórtico. Essa descarga dos barorreceptores periféricos leva à perda do tônus parassimpático inibitório para o sistema nervoso central (SNC), resultando em aumento generalizado no tônus simpático eferente e em liberação não osmótica de arginina-vasopressina (AVP) pela hipófise. A AVP (ou hormônio antidiurético [ADH]) é um vasoconstritor potente que aumenta a permeabilidade dos ductos coletores renais, levando à reabsorção de água. Esses sinais aferentes ao SNC também ativam vias eferentes do sistema nervoso simpático que inervam o coração, os rins, a vasculatura periférica e os músculos esqueléticos. A estimulação simpática dos rins leva à liberação de renina, produzindo aumento nos níveis circulantes de angiotensina II e aldosterona. A ativação do sistema renina-angiotensina- aldosterona promove retenção de água e sal e leva à vasoconstrição da vasculatura periférica, hipertrofiados miócitos, morte celular de miócitos e fibrose miocárdica. Embora os mecanismos neuro-hormonais facilitem a adaptação em curto prazo por meio da manutenção da pressão arterial, esses mesmos mecanismos neuro-hormonais resultam em alterações nos órgãos-alvo, no coração e na circulação, bem como em retenção excessiva de água e sal nos casos avançados de IC. 8 Mírian Santos 7° semestre @medbymins Congestão venosa e disfunção endotelial - A congestão venosa tem um papel central na fisiopatologia da descompensação, associando-se à própria ativação neuro- hormonal, disfunção endotelial e disfunção renal. Em boa parte dos pacientes, associa-se a disfunção ventricular direita, com consequente sobrecarga no sistema cava (alterações hepáticas e intestinais, ascite) e congestão venosa renal, além do próprio edema periférico. O agravamento da congestão e a disfunção renal modificam a resposta a diuréticos de alça, com necessidade de doses mais altas para um efeito mais adequado na diurese. Essa síndrome cardiorrenal está associada a desequilíbrio nos níveis de NO (endotelite aguda) e a aumento no estresse oxidativo, (prostaglandinas e citocinas) e por conseguinte a progressão da IC. Quadro clínico; Pulmões Aumentos na pressão hidrostática do átrio esquerdo (AE) e regurgitação mitral repercutem com aumento da pressão capilar pulmonar, aumentando a transudação de fluido para o interstício, consequentemente rigidez pulmonar e dispneia. O sistema linfático drena regularmente fluido intersticial, mas quando a pressão intersticial excede a pressão pleural o fluido se move para os espaços pleural e intra-alveolar. O metabolismo do óxido nítrico parece ter papel importante no modelo de apresentação clínica da congestão pulmonar. Descompensações recorrentes ou graves podem resultar em remodelamento pulmonar e consequentemente elevação fixa das pressões pulmonares (hipertensão pulmonar). Rins A síndrome cardiorrenal tipo 1 refere-se à interação fisiopatológica entre o coração, afetando o rim, especialmente na ICA. Dependendo da definição de disfunção renal, sua incidência varia entre 20-30%. A progressão clínica da disfunção renal em pacientes com ICA é complexa. Pacientes com insuficiência renal prévia subjacente têm pior dano agudo por conta da reduzida reserva renal. No entanto, pacientes que apresentam piora transitória da função renal associada a melhora clínica da IC podem ter o chamado “pseudoagravamento da função renal”, o qual resulta em geral da alteração da hemodinâmica intraglomerular e da hemoconcentração, e na se associa a risco aumentado de eventos adversos. Fígado A disfunção hepática está presente em 20- 30% dos pacientes com ICA, estando intimamente associada a disfunção renal 9 Mírian Santos 7° semestre @medbymins (síndrome cardiorrenal-hepática), sugerindo prognóstico sinergicamente pior. A colestase é um achado mais comum, porém o mais grave é a necrose centro- lobular e elevação de transaminases decorrente de hipoperfusão (hepatite hipóxica), a qual costuma ocorrer em 5-10% dos pacientes em choque cardiogênico e associa-se a maior mortalidade. Intestino A morfologia intestinal, a permeabilidade e a absorção são alteradas na ICA. Por um lado, o aumento da permeabilidade intestinal e da flora bacteriana contribui para inflamação crônica e desabsorção. Por outro, a congestão venosa sistêmica/vasoconstrição e a redução do débito cardíaco contribuem para a redução do fluxo na microcirculação esplâncnica e o aumento do fenômeno de isquemia intestinal. GERAL Os principais sintomas de IC são fadiga e dispneia. Ainda que a fadiga seja atribuída ao baixo débito cardíaco da IC, é provável que anormalidades musculares esqueléticas e outras comorbidades não cardíacas (p. ex., anemia) contribuam para esse sintoma. Nos primeiros estágios da IC, a dispneia é observada apenas durante o exercício; entretanto, à medida que a doença evolui, esse sintoma passa a ser provocado por atividades cada vez menores até, por fim, ocorrer inclusive durante o repouso. A dispneia da IC provavelmente é multifatorial. O mecanismo mais importante é a congestão pulmonar com acúmulo de líquido no interstício ou dentro dos alvéolos, o que ativa os receptores J justacapilares, estimulando a respiração rápida e superficial característica da dispneia cardíaca. Outros fatores podem contribuir para a dispneia aos esforços, incluindo redução na complacência pulmonar, aumento da resistência nas vias aéreas, fadiga dos músculos ventilatórios e/ou do diafragma e anemia. A dispneia pode tornar-se menos frequente com o surgimento de insuficiência ventricular direita (VD) e de insuficiência tricúspide. ORTOPNEIA - A ortopneia, definida como dispneia que ocorre em posição deitada, em geral é uma manifestação mais tardia de IC em comparação com a dispneia aos esforços. Ela é causada pela redistribuição de volume da circulação esplâncnica e dos membros inferiores para a circulação central quando o paciente permanece deitado, com o consequente aumento da pressão capilar pulmonar. A tosse noturna é uma manifestação comum desse processo, sendo um sintoma muitas vezes negligenciado da IC. A ortopneia costuma ser aliviada quando o paciente senta ou quando dorme recostado sobre muitos travesseiros. 10 Mírian Santos 7° semestre @medbymins DISPNEIA PAROXÍSTICA NOTURNA (DPN) - Essa expressão refere-se a episódios agudos de dispneia e tosse que costumam ocorrer à noite e despertam o paciente, em geral 1 a 3 horas após deitar. A DPN pode se manifestar na forma de tosse ou de sibilos, possivelmente em razão de aumento da pressão nas artérias brônquicas, levando à compressão das vias aéreas junto com edema intersticial pulmonar, o que produz aumento da resistência nas vias aéreas. Enquanto a ortopneia pode ser aliviada com o paciente sentado ereto na lateral da cama com as pernas pendentes, nos casos de DPN, a tosse e os sibilos se mantêm mesmo com os pacientes em posição ereta. RESPIRAÇÃO DE CHEYNE-STOKES - Também conhecida como respiração periódica ou cíclica, a respiração de Cheyne- Stokes está presente em 40% dos pacientes com IC avançada e em geral está associada a baixo débito cardíaco. A respiração de Cheyne-Stokes é causada pela redução da sensibilidade do centro respiratório à pressão parcial arterial de dióxido de carbono (PCO2) e um tempo circulatório prolongado. Observa-se uma fase de apneia durante a qual a pressão parcial de oxigênio (PO2) arterial cai e a PCO2 arterial aumenta. Essas alterações nos gases arteriais estimulam o centro respiratório, resultando em hiperventilação e hipocapnia, seguidas de apneia recorrente. EDEMA PULMONAR AGUDO O edema pulmonar resulta de uma transudação do líquido para dentro dos espaços alveolares devido a elevações agudas nas pressões hidrostáticas capilares decorrentes de uma depressão aguda da função cardíaca ou de uma elevação aguda no volume intravascular. Os sintomas iniciais podem ser tosse ou dispneia progressiva. Como o edema alveolar pode precipitar o broncoespasmo, os sibilos são comuns. Se não for tratado, o paciente passa escarrar um líquido róseo (ou tinto de sangue), espumoso, tornando-se cianótico e acidótico. EDEMA E RETENÇÃO DE LÍQUIDOS As pressões atriais direitas elevadas aumentam as pressões hidrostáticas capilares na circulação sistêmica, com uma resultante transudação. A localização do líquidodo edema é determinada pela posição (gravidade dependente) e por doenças associadas. Mais comumente, o edema acumula-se nas extremidades e resolve-se durante a noite, quando as pernas não estão na posição horizontal. O edema pode ocorrer apenas nos pés e tornozelos, mas, se for mais grave, pode acumular-se em coxas, escroto e parede abdominal. O edema é mais provável e mais grave em pacientes com doença venosa 11 Mírian Santos 7° semestre @medbymins associada (ou que tiveram suas veias retiradas para cirurgia de revascularização miocárdica) e em pacientes em tratamento com bloqueadores do canal do cálcio, que, por si só, já causam edemas. A retenção de líquidos associada a tiazolidinedionas e anti-inflamatórios não esteroides pode precipitar a insuficiência cardíaca ou imitá-la. O líquido também pode acumular-se na cavidade peritoneal e nos espaços pleural e pericárdico. A ascite ocorre como resultado de pressões elevadas nas veias hepáticas, portais e sistêmicas que drenam o peritônio. A ascite, atípica na insuficiência cardíaca, quase sempre está associada a edema periférico. Mais comumente, ocorre uma insuficiência tricúspide grave, com danos potenciais ao fígado. Por outro lado, deve ser investigada a presença de doença hepática primária significativa como um fator exacerbante ou como causa de ascite. Os derrames pleurais são razoavelmente comuns na insuficiência cardíaca crônica, especialmente quando acompanhados por manifestações de cardiopatia do coração esquerdo e direito. Os derrames resultam de um aumento na transudação do líquido para dentro do espaço pleural e uma drenagem linfática prejudicada devido a pressões venosas sistêmicas elevadas. Os derrames pericárdicos são muito menos frequentes, mas podem ocorrer. SINTOMAS ABDOMINAIS E GASTROINTESTINAIS A congestão passiva do fígado pode levar à dor no quadrante superior direito e a uma discreta icterícia. Em geral, apenas modestas elevações nos níveis das transaminases e pequenos aumentos nos níveis das bilirrubinas são observados. Com elevações graves e agudas nas pressões venosas centrais, especialmente quando associadas à hipotensão sistêmica, pode ocorrer uma grave hepatopatia congestiva e isquêmica com elevações marcantes nos testes de função hepática e hipoglicemia. A recuperação normalmente é rápida e completa se as anormalidades hemodinâmicas forem corrigidas. O edema da parede intestinal pode levar a uma saciedade precoce (sintoma comum na insuficiência cardíaca), náusea, desconforto abdominal difuso, má absorção e uma forma rara de enteropatia perdedora de proteínas. O papel potencial da insuficiência cardíaca na produção destes sintomas gastrointestinais inespecíficos frequentemente deixa de ser percebido, levando a testes diagnósticos complicados ou suspensão desnecessária de medicamentos. 12 Mírian Santos 7° semestre @medbymins DISTÚRBIOS DO SONO E MANIFESTAÇÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Os períodos de dessaturação noturna de oxigênio menores que 80% a 85% são relativamente comuns em pacientes com insuficiência cardíaca, coincidem com episódios de apneia e frequentemente são precedidos ou seguidos por episódios de hiperventilação. Por serem similares, podem representar formas truncadas da respiração de Cheyne-Stokes. Estes episódios refletem um controle ventilatório alterado do sistema nervoso central e foram associados a uma variabilidade diminuída da frequência cardíaca. CAQUEXIA CARDÍACA Na insuficiência cardíaca crônica grave, pode ocorrer uma perda de peso crônica, não intencional, levando a uma síndrome de caquexia cardíaca. A causa desta síndrome é obscura, mas pode resultar de muitos fatores, como níveis elevados de citosinas próinflamatórias (p. ex., fator de necrose tumoral), taxas elevadas no metabolismo, perda do apetite e má absorção. A caquexia cardíaca implica um péssimo prognóstico. Diagnóstico; História clínica A avaliação clínica de pacientes com ICA geralmente envolve uma história focada e exame físico, juntamente com dados auxiliares de testes laboratoriais e diagnósticos. A maioria dos pacientes hospitalizados com ICA apresenta história prévia de IC; no entanto os pacientes que desenvolvem episódios “de novo” requerem avaliação etiológica, além dos exames habituais. Dados históricos agravantes adicionais incluem hospitalizações recorrentes por IC e incapacidade progressiva de tolerar a terapia medicamentosa orientada por diretrizes. Os possíveis fatores que contribuem para o agravamento dos sintomas de IC devem ser elucidados a partir da história clínica do paciente. CRITÉRIOS DE FRAMINGHAM A IC aguda é classificada de acordo com quatro aspectos: síndrome clínica de apresentação (insuficiência ventricular esquerda, IC congestiva, choque cardiogênico e edema agudo de pulmão); tempo de evolução da doença (IC aguda nova ou crônica agudizada); tipo de disfunção ventricular (ICFEp – (FEVE > 50%); ICFEi (FEVE 40-50%) e ICFEr (FEVE < 40%); e modelo clínico-hemodinâmico. Estratégia essencial para o manejo é a categorização, por meio de dados de 13 Mírian Santos 7° semestre @medbymins perfusão e de volemia, dos pacientes em perfis clínico-hemodinâmicos. Os pacientes podem ser agrupados em uma das quatro categorias, integrando dados do exame das veias do pescoço, pulmões, abdome e extremidades. Aproximadamente 2/3 dos pacientes ICA pertencem ao perfil clínico B (quente e úmido), e mais de 1/4 têm características do perfil C (úmido e frio), enquanto apenas uma minoria exibe características do perfil L (seco e frio). Exame físico Os objetivos principais do exame físico são confirmar o diagnóstico, identificar possíveis fatores de exacerbação e determinar padrão hemodinâmico para manejo. A pressão venosa jugular elevada e a presença de um galope S3 estão associadas ao aumento da morbidade e da mortalidade na IC. Estado geral e sinais vitais - Na IC leve a moderada, o paciente não aparenta dor em repouso, exceto quando estiver deitado em posição supina por alguns minutos. Nos casos mais graves de IC, o paciente senta-se ereto, pode apresentar dificuldade respiratória e, talvez, impossibilidade de terminar uma frase por estar ofegante. A pressão arterial sistólica pode estar normal ou elevada na IC inicial, mas geralmente encontra-se reduzida nos casos avançados com disfunção grave de VE. A pressão de pulso pode mostrar-se reduzida, refletindo redução do volume de ejeção sistólico. A taquicardia sinusal é um sinal inespecífico causado por aumento da atividade adrenérgica. A vasoconstrição periférica, que leva ao esfriamento das extremidades e cianose dos lábios e leitos ungueais, também é causada por atividade adrenérgica excessiva. Veias jugulares - O exame das veias jugulares permite estimar o valor da pressão atrial direita. A pressão venosa jugular é mais bem avaliada com o paciente deitado, com a cabeça inclinada a 45°. A pressão venosa jugular deve ser quantificada em centímetros de água (normal ≤ 8 cm), estimando-se a altura da coluna de sangue venoso acima do ângulo do esterno e adicionando 5 cm. Nos estágios iniciais da IC, a pressão venosa pode estar normal em repouso, mas elevar acima do normal com a pressão manual mantida (por aproximadamente 15 segundos) sobre o abdome (refluxo abdominojugular positivo). 14 Mírian Santos 7° semestre@medbymins A presença de onda v gigante indica insuficiência tricúspide. Exame pulmonar - Ruídos respiratórios adventícios (estertores ou crepitação) resultam de transudação de líquido do espaço intravascular para os alvéolos. Nos pacientes com edema pulmonar, os estertores podem ser amplamente auscultados em ambos os campos pulmonares, às vezes acompanhados por sibilos expiratórios (asma cardíaca). Quando presentes em pacientes sem doença pulmonar concomitante, os estertores são sinais específicos de IC. É importante ressaltar que os estertores com frequência estão ausentes nos pacientes com IC crônica, mesmo nos casos com pressões de enchimento de VE elevadas, em razão do aumento na drenagem linfática do líquido alveolar. O derrame pleural é causado por elevação da pressão capilar pleural que produz transudação de líquidos para a cavidade pleural. Exame cardiológico - Embora essencial, o exame do coração frequentemente não acrescenta informações úteis acerca da gravidade da IC. Se houver cardiomegalia, o ictus cordis em geral estará deslocado inferiormente para uma posição abaixo do quinto espaço intercostal e/ou lateralmente para a linha clavicular média, e o impulso passa a ser palpável sobre dois espaços. A hipertrofia grave de VE leva a um ictus sustentado. Em alguns pacientes, é possível ouvir e palpar uma terceira bulha (B3) no ápice cardíaco. Os pacientes com VD aumentado ou hipertrofiado podem apresentar um impulso sustentado e prolongado na linha paraesternal esquerda, estendendo-se durante toda a sístole. Uma B3 (ou galope protodiastólico) costuma estar presente nos pacientes com sobrecarga volumétrica que tenham taquicardia e taquipneia e em geral implica comprometimento hemodinâmico grave. A presença de uma quarta bulha (B4) não é um indicador específico de IC, mas geralmente está presente nos pacientes com disfunção diastólica. Os sopros característicos de insuficiência mitral e tricúspide com frequência se encontram presentes nos pacientes com IC avançada. Abdome e membros - A hepatomegalia é um sinal importante nos pacientes com IC. Quando presente, o fígado aumentado costuma ser doloroso, podendo pulsar durante a sístole nos casos em que haja insuficiência tricúspide. EXAMES COMPLEMENTARES Avaliação laboratorial no paciente com ICA pode fornecer informações importantes de diagnóstico e prognóstico. O teste deve incluir um hemograma completo, painel metabólico básico com teste de função renal, hepática, 15 Mírian Santos 7° semestre @medbymins troponina e nível de peptídeo natriurético cerebral (BNP). Anormalidades na função renal e hepática são encontradas em aproximadamente 75% dos pacientes com AHF e estão associadas a mais doença grave. O teste de troponina pode ajudar no prognóstico e na detecção de isquemia subjacente como um potencial evento desencadeante descompensação. A elevação da troponina é frequente, sendo encontrada em alguns estudos em até 98% dos pacientes. Outros estudos indicaram em torno de 30-50%, mas usualmente associada a maiores taxas de reinternação e mortalidade em 90 dias. Peptídeos natriuréticos (BNP e NT- proBNP) são especialmente úteis nos casos de dúvida diagnóstica. Eletrocardiograma (ECG) Recomenda-se a realização de ECG de 12 derivações. Seu principal objetivo é avaliar o ritmo cardíaco, determinar a presença de hipertrofia de VE ou de IAM prévio (presença ou ausência de ondas Q), assim como determinar a largura do QRS para avaliar se o paciente pode ser beneficiado com a terapia de ressincronização. O ECG normal praticamente exclui disfunção sistólica do VE. Radiografias de tórax A radiografia do tórax fornece informações úteis acerca das dimensões e da forma do coração, assim como sobre o estado da vasculatura pulmonar, podendo, ainda, identificar causas não cardíacas para os sintomas do paciente. Embora os pacientes com IC aguda apresentem evidências de hipertensão pulmonar, de edema intersticial e/ou de edema pulmonar, a maior parte dos pacientes com IC crônica não apresenta quaisquer desses sinais radiográficos. A ausência de tais achados nos pacientes com IC crônica reflete o aumento da capacidade dos linfáticos de remover o líquido intersticial e/ou o pulmonar. Avaliação da função do VE A imagem cardíaca não invasiva é essencial para diagnóstico, avaliação e condução dos casos de IC. O exame mais útil é o ecocardiograma bidimensional (2D) com Doppler, capaz de fornecer uma avaliação semiquantitativa das dimensões e função do VE, assim como sobre a presença ou ausência de anormalidades valvares e/ou na mobilidade da parede (indicativas de IAM prévio). A presença de dilatação atrial esquerda e hipertrofia de VE, junto com alterações no 16 Mírian Santos 7° semestre @medbymins enchimento diastólico do VE identificadas por ondas de pulso e Doppler tecidual, são úteis para avaliar os casos de ICFEP. O ecocardiograma 2D com Doppler também é inestimável na investigação das dimensões do VD e das pressões pulmonares, parâmetros fundamentais à avaliação e ao tratamento do cor pulmonale. A imagem por ressonância magnética (RM) também fornece uma análise abrangente da anatomia e da função cardíacas, sendo atualmente considerado o padrão-ouro para a avaliação da massa e do volume do VE. A RM também vem se tornando uma modalidade de imagem útil e precisa para a avaliação de pacientes com IC, tanto em termos de investigação da estrutura do VE quanto para a determinação das causas da IC (p. ex., amiloidose, miocardiopatia isquêmica, hemocromatose). O indicador mais utilizado da função de VE é a FE (volume de ejeção sistólico dividido pelo volume diastólico final). Como a FE é fácil de medir com exames não invasivos e fácil de conceituar, ela se tornou muito popular na clínica diária. Infelizmente, a FE apresenta uma série de limitações para ser considerada um indicador confiável para avaliar a contratilidade, uma vez que é influenciada por alterações na pós-carga e/ou na pré- carga. De qualquer forma, com as exceções indicadas anteriormente, quando a FE é normal (≥ 50%), a função sistólica em geral está preservada, e, quando a FE está significativamente reduzida (< 30 a 40%), a contratilidade está reduzida. A imagem da velocidade de esforço miocárdico usando o rastreamento de pontos mostrou acrescentar valor incremental às medidas regulares da FEVE e ter valor prognóstico. Biomarcadores Os níveis circulantes dos peptídeos natriuréticos são ferramentas adjuntas úteis e importantes no diagnóstico dos pacientes com IC. Tanto o peptídeo natriurético do tipo B (BNP) como o fragmento N-terminal do precursor do peptídeo natriurético cerebral (NT-pro-BNP), liberados do coração insuficiente, são marcadores relativamente sensíveis para a presença de IC com redução da FE; ainda que em menor grau, também se encontram elevados nos pacientes que têm ICFER. Nos pacientes ambulatoriais com dispneia, a dosagem de BNP e de NT-pro-BNP é útil para corroborar a decisão clínica acerca do diagnóstico de IC, especialmente em quadro de incerteza clínica. Além disso, a dosagem de BNP ou de NT- pro-BNP é útil para definir o prognóstico ou a gravidade da doença em caso de IC crônica e pode ser útil para chegar na dose ideal da terapia medicamentosa em 17 Mírian Santos 7° semestre @medbymins pacientes euvolêmicos clinicamente selecionados. No entanto, é importante ressaltar que os níveis dospeptídeos natriuréticos aumentam com a idade e com a disfunção renal, são mais elevados nas mulheres e podem estar aumentados em IC de qualquer etiologia. Os níveis de BNP podem aumentar em pacientes em uso de IRANs. Os níveis podem estar falsamente baixos em pacientes obesos. Outros biomarcadores mais recentes, como ST-2 solúvel e galectina-3, podem ser usados para definir o prognóstico de pacientes com IC. Testes de esforço Testes feitos em esteira ou bicicleta ergométrica não são recomendados rotineiramente aos pacientes com IC, mas podem ser úteis na avaliação da necessidade de transplante cardíaco em pacientes com IC avançada. Níveis de consumo máximo de oxigênio (VO2) < 14 mL/kg/min estão associados a um prognóstico relativamente reservado. Os pacientes com VO2 < 14 mL/kg/min têm apresentado melhor sobrevida quando submetidos a transplante do que quando tratados clinicamente. Tratamento; O manejo da Ic aguda pode ser dividido em seis partes: 1. Identificar situações que trazem risco imediato de vida. 2. Suporte respiratório. 3. Correção dos fatores precipitantes/desencadeantes 4. Manejo de comorbidades descompensadas. 5. Manejo hemodinâmico. 6. Transição de cuidados (otimização das medicações e planejamento pós-alta). Temos vários tipos de tratamento para a IC, O espectro clínico inclui a insuficiência cardíaca crônica com fração de ejeção reduzida (ICFER) ou insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP), insuficiência cardíaca descompensada aguda (ICDA) e insuficiência cardíaca avançada. Com o surgimento de terapia dirigida ao sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), uso de antagonistas do receptor β , antagonistas do receptor de mineralocorticoide, terapia de ressincronização cardíaca e uso de desfibrilador cardíaco implantável, o manejo inicial evoluiu do controle dos sintomas para terapia modificadora do curso da doença nos casos de ICFER. Porém, não houve evolução semelhante nas síndromes de ICFEP e de ICDA, que se mantiveram sem avanços terapêuticos convincentes capazes de alterar sua história natural. Na insuficiência cardíaca avançada, um estágio da doença normalmente encontrado em casos com ICFER, o paciente permanece 18 Mírian Santos 7° semestre @medbymins bastante sintomático e refratário ou incapaz de tolerar o tratamento em dose plena com antagonistas neuro-hormonais, requerendo, com frequência, doses crescentes de diuréticos e apresentando hiponatremia persistente e insuficiência renal com episódios frequentes de descompensação cardíaca necessitando hospitalização. Esses indivíduos têm risco máximo de morte relacionada com falência súbita ou progressiva da bomba cardíaca. Por outro lado, a disfunção ventricular esquerda assintomática em estágio inicial é receptiva aos cuidados preventivos, e sua história natural pode ser modificada com o uso de antagonistas neuro-hormonais (não mais discutido). Tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada: Os alvos terapêuticos na ICFEP são o controle da congestão, a estabilização da frequência cardíaca e da pressão arterial e a tentativa de aumentar a tolerância aos exercícios. A abordagem de alvos alternativos, como regressão da hipertrofia ventricular nos casos de cardiopatia hipertensiva, e uso de agentes lusitrópicos, como os bloqueadores dos canais de cálcio e os antagonistas dos receptores β, foi decepcionante. A experiência demonstrou que a redução da pressão arterial melhora os sintomas de forma mais efetiva que o uso de terapia direcionada com agentes específicos. Controle das morbidades: hipertensão Controle das morbidades: obesidade Controle das morbidades: diabetes Controle das morbidades: fibrilação atrial A fibrilação atrial se associa à elevação das pressões atriais e à diminuição do volume sistólico. Nesse contexto, preconiza-se a tentativa de restauração do ritmo ou, se não factível, o controle da frequência com fármacos, conforme as diretrizes atuais sobre o tema. Controle das comorbidades: isquemia miocárdica Tratamento farmacológico específico O tratamento medicamentoso, usualmente utilizado para o manejo da ICFEr, não determina modificação no desfecho mortalidade. Alguns fármacos, no entanto, associam-se a redução das hospitalizações por IC, melhora dos sintomas e tolerância ao exercício, bem como da pontuação dos escores de qualidade de vida (QdV). Diuréticos O tratamento da congestão com diuréticos é inquestionável em qualquer fenótipo de IC, sendo os diuréticos de alça os mais efetivos. Para os pacientes com ICFEp, a terapia diurética tem sido considerada classe 19 Mírian Santos 7° semestre @medbymins de recomendação I pelas diretrizes contemporâneas para o tratamento de pacientes com ICFEp e evidências de congestão pulmonar e/ou sistêmica. Antagonistas dos receptores mineralocorticoides A modulação da ação da aldosterona, utilizando espironolactona e eplerenona, determina importante ação na retenção de sal e água, com consequente redução da pré e pós-carga ao VE. Além disso, o efeito antifibrose intersticial miocárdica colabora com a melhora dos desfechos clínicos de mortalidade em pacientes com ICFEr. Bloqueadores dos receptores da angiotensina II As recomendações para o uso de BRA na ICFEp, portanto, resumem-se a pacientes hipertensos, com níveis mais baixos de FEVE, tentando evitar internações hospitalares. Inibidores da enzima de conversão da angiotensina Não foi evidenciada redução significativa nos desfechos clínicos primários de morte ou internação por IC, mas uma redução dos sintomas de IC e melhora da capacidade funcional, possivelmente por redução da pós- carga. Betabloqueadores adrenérgicos Os betabloqueadores devem ser utilizados para tratamento da angina ou controle da frequência cardíaca em caso de fibrilação atrial nos indivíduos com ICFEp. Exercício físico em ICFEp Em metanálise englobando 6 ensaios clínicos randomizados, o treinamento físico combinado foi significativamente eficaz em aumentar a capacidade de exercício e os índices de QoL. A prescrição do exercício, após uma avaliação da condição física global, deve priorizar o exercício aeróbico, envolvendo grandes grupos musculares, durante 20-60 minutos por sessão e com frequência de 3-5 vezes por semana. A introdução do exercício resistido deve ser empregada quando os pacientes adquirem maior tolerância aos exercícios aeróbicos. O exercício inicialmente deve ser realizado em hospitais ou clínicas, sendo supervisionado nas primeiras semanas. Depois, o paciente pode desenvolver o treinamento em ambiente não controlado. Dispositivos em ICFEp Derivação interatrial esquerdo-direita determina uma transferência de pressão e volume através de um pertuito interatrial e pode descomprimir o átrio esquerdo. Estudos iniciais sugerem melhora da capacidade funcional e qualidade de vida. Ainda são aguardados estudos mais consistentes com essa técnica. Tratamento da insuficiência descompensada aguda: CONTROLE DO VOLUME Agentes diuréticos intravenosos - Os diuréticos intravenosos aliviam os sintomas 20 Mírian Santos 7° semestre @medbymins congestivos de forma rápida e efetiva e são essenciais quando a absorção oral estiver prejudicada. Os diuréticos promovem excreção de sódio e água e são a principal ferramenta no manejo da hipervolemia. Em pacientes com edema de alças intestinais, a mucosa pode lentificar aabsorção do medicamento, reduzindo o pico de ação e contribuindo para o desenvolvimento de resistência a diuréticos. Tiazídicos e poupadores de potássio têm menor poder diurético quando utilizados de maneira isolada, mas são de grande utilidade quando usados em conjunto com diuréticos de alça (bloqueio sequencial do néfron). A dose ideal de diurético vai depender da dose em uso prévio, da função renal e da magnitude da congestão. Vasodilatadores O racional do uso de vasodilatadores na IC consiste na redução da pós-carga, sabidamente elevada pela hiperativação do sistema adrenérgico e renina-angiotensina- aldosterona. Os vasodilatadores estão indicados nos pacientes com perfil hemodinâmico quente- congesto, na ausência de hipotensão arterial ou choque cardiogênico, hipovolemia ou comorbidades como sepse. Podem ser utilizados na sua forma parenteral ou oral. Os vasodilatadores parenterais apresentam meia-vida curta, o que pode ser interessante no manejo de pacientes com pressão arterial limítrofe. As doses dos vasodilatadores endovenosos podem ser tituladas a cada 5-10 minutos até o efeito hemodinâmico. Os vasodilatadores orais podem ser utilizados desde o início e podem auxiliar no desmame de vasodilatadores parenterais e inotrópicos. Inotrópicos e vasopressores A utilização do suporte terapêutico com agentes inotrópicos aplica-se para os pacientes com baixo débito cárdico com sinais de hipoperfusão (disfunção orgânica ou choque cardiogênico). Apesar do efeito benéfico de melhorar a hemodinâmica em curto prazo, devem ser iniciados em conjunto com um plano terapêutico que permita a compensação clínica e o desmame dos inotrópicos assim que possível. Existem três inotrópicos que podem ser utilizados: 1. Dobutamina – é a droga mais utilizada. Não tem efeito hipotensor significativo, tornando-se o inotrópico de escolha para choque cardiogênico com ou sem vasopressores associados. Pode ter sua ação reduzida em usuários crônicos de betabloqueadores, pois competem pelo mesmo sítio de ação (receptores beta-adrenérgicos). Aumenta o consumo de cálcio intracelular, o que gera potencial arritmogênico. Não precisa de ajuste de dose em disfunção renal. 2. Milrinona – efeito inodilatador (inotrópico e vasodilatador) por meio da inibição da fosfodiesterase III, 21 Mírian Santos 7° semestre @medbymins promovendo queda da resistência vascular pulmonar e sistêmica pela produção de óxido nítrico. Pode ser especialmente útil em pacientes com hipertensão pulmonar e/ou disfunção de ventrículo ou com uso prévio de betabloqueadores. Também apresenta potencial hipotensor e arritmogênico. 3. Levosimendana – age sensibilizando a troponina C ao cálcio e com isso apresenta efeito inotrópico positivo e vasodilatador. Não leva a sobrecarga adicional de cálcio nem ao aumento do consumo de oxigênio. É administrada em infusão única, contínua por 24 horas, e sua ação hemodinâmica pode durar até 2 semanas. Útil em pacientes com uso prévio de betabloqueadores. Pode causar hipotensão e arritmias. Após atingir a estabilidade hemodinâmica e resgatar as disfunções orgânicas, as drogas endovenosas devem ser retiradas de forma gradual, em um processo de “desmame”, e substituídas por vasodilatadores orais. É importante garantir a euvolemia antes e durante o desmame, pois congestão é causa importante de falência de desmame de inotrópicos. Heparinas Os pacientes sem indicação de anticoagulação devem receber profilaxia de trombose venosa profunda. Em pacientes com disfunção renal (clearance de creatinina < 30 mL/minuto), evitar o uso de heparina de baixo peso molecular e utilizar preferencialmente heparina não fracionada. CONTROLE DOS FATORES DESCOMPENSANTES Vacinação: infecções nas vias aéreas são importantes fatores de descompensação no portador de IC. Por este motivo, tais indivíduos devem receber, rotineiramente, vacinação antiinfluenza e anti-pneumocócica. Tabagismo: o tabagismo aumenta o risco de doença coronariana e infecções pulmonares; portanto, os pacientes com IC devem ser estimulados a abandonar o tabagismo (ativo e passivo). Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs): tanto os AINEs clássicos como os inibidores seletivos da COX-2 promovem retenção hidrossalina e elevação da pressão arterial. Portanto, tais medicamentos devem ser evitados. Outras drogas potencialmente associadas à descompensação da IC são os hipoglicemiantes orais tiazolidinedionas, que promovem retenção renal de sal e água, podendo causar congestão. Tratamento da insuficiente cardíaca com fração de ejeção reduzida: TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO Abordagem multidisciplinar em modelo de clínica de insuficiência cardíaca - Programas de manejo multidisciplinar de doença crônica, pautados na educação dos 22 Mírian Santos 7° semestre @medbymins pacientes e cuidadores, aliados à monitoração mais rigorosa, são uma estratégia reconhecida no tratamento da ICFEr, levando a resultados positivos em desfechos clínicos como hospitalizações, atendimentos em unidades de emergência e qualidade de vida. Nessa programação, além das orientações gerais relacionadas ao tratamento (não farmacológico e farmacológico) e prognóstico, deve ser reforçado o estímulo ao autocuidado (peso diário, atividade física, cuidados com dieta, uso regular dos medicamentos, observar sinais e sintomas de descompensação). Os profissionais que compõem o modelo de clínica de IC são médicos e enfermeiros treinados no tratamento dessa doença em todos os seus estágios, adicionando nutricionista, fisioterapeuta, farmacêutico, educador físico, psicólogo e assistente social. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO O tratamento farmacológico da ICFEr tem três objetivos primordiais: reduzir a mortalidade, reduzir a morbidade e melhorar a qualidade de vida. Os medicamentos que têm essas três características são: inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRA), inibidores da neprilisina e dos receptores da angiotensina (INRA), betabloqueadores, antagonistas dos receptores mineralocorticoides (ARM), inibidores do cotransportador sódio-glicose 2 (iSGLT2), hidralazina com nitrato e ivabradina. Os medicamentos que apenas reduzem a morbidade e melhoram a qualidade de vida são: digoxina e diuréticos de alça e tiazídicos. Inibidores da enzima conversora da angiotensina e bloqueadores dos receptores da angiotensina II São medicamentos utilizados desde a década de 1980 (IECA) e de 2000 (BRA) com comprovados benefícios em morbidade e mortalidade e na qualidade de vida. Os IECA devem ter preferência em relação aos BRA, pois estes mostraram ser não inferiores aos IECA; as evidências com os IECA são mais robustas. Os IECA e BRA devem ser usados em pacientes de quaisquer etiologias e em todas as classes funcionais da New York Heart Association (NYHA). Os BRA devem ser utilizados quando o paciente tiver intolerância aos IECA. Os principais achados relacionados a essa intolerância são tosse persistente e intensa (ocorre em cerca de 10-20% dos casos) e angioedema (menos de 1%). Os principais eventos adversos dos IECA e BRA são hipotensão arterial, hipercalemia e insuficiência renal. Betabloqueadores Entre os principais benefícios estão o efeito no remodelamento reverso ventricular associado ao aumento da fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Eles devem ser 23 Mírian Santos 7° semestre @medbymins usados em quaisqueretiologias e em todas as classes funcionais da NYHA. É importante destacar que, no início do tratamento, alguns pacientes podem piorar um pouco os sintomas, mas isso reverte após alguns dias, portanto o paciente deve ser orientado a manter o medicamento. Outro aspecto importante refere-se a pacientes com diabete melito (DM), doença pulmonar obstrutiva crônica ou asma, nos quais existe receio da utilização desses fármacos. Esses indivíduos têm os mesmos benefícios dos demais, e apenas os pneumopatas graves têm restrições ao uso, podendo ser amenizado pela utilização de betabloqueadores cardiosseletivos (bisoprolol e succinato de metoprolol). Constitui contraindicação ao seu uso a presença de bradicardia sintomática, bloqueio atrioventricular avançado (exceto se tratado com marca-passo), hipotensão (pressão arterial sistólica < 90 mmHg) e doença broncoespástica grave. Não deve também ser iniciado em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada, sobretudo aguda ou necessitando de tratamento com agente inotrópico positivo beta-agonista intravenoso. Antagonistas dos receptores mineralocorticoides As ARM devem ser usados em pacientes de quaisquer etiologias e em pacientes das classes funcionais II-IV da NYHA. Não existem evidências para a utilização em pacientes em classe funcional I da NYHA. Os principais eventos adversos dos ARM são hipotensão arterial, hipercalemia e insuficiência renal. Inibidores da neprilisina e dos receptores da angiotensina (sacubitril/valsartana) Até o momento, só existe um representante dessa classe terapêutica que atua simultaneamente no sistema renina- angiotensina-aldosterona (SRAA) e na endopeptidase neutra, que é o sacubitril/valsartana, utilizado desde 2015, com comprovados benefícios em morbimortalidade e qualidade de vida. O sacubitril/valsartana deve ser usado preferencialmente em pacientes já em uso de IECA ou BRA, mas que permanecem sintomáticos, porém pode ser utilizado também como primeira terapia. Pode ser utilizado em quaisquer etiologias e em pacientes das classes funcionais II, III e eventualmente na IV da NYHA. Os principais eventos adversos do INRA são hipotensão arterial, hipercalemia e insuficiência renal. É fundamental destacar que, ao iniciar um ARM ou um IECA ou um BRA ou um INRA, devem-se monitorar a função renal e o potássio, sendo necessários exames em cerca de 7-14 dias após o início e repetir a cada ajuste de dose e/ou piora clínica. Inibidores do cotransportador sódio- glicose 2 Os inibidores de SGLT2 levam a uma redução da glicose plasmática, inibindo a 24 Mírian Santos 7° semestre @medbymins reabsorção tubular renal de glicose, com a resultante glicosúria. Essas mudanças relacionadas à glicemia também estão associadas com natriurese, diurese osmótica, perda modesta de peso, aumento do hematócrito e redução da pressão arterial. Esses efeitos representam mudanças potencialmente favoráveis que podem levar a uma redução na incidência de IC em pacientes com diabete tipo 2, como inicialmente mostrado no estudo EMPA-REG. Digoxina Apenas melhora a qualidade de vida e reduz hospitalizações, sem impacto na redução de mortalidade. É um medicamento que pode ter muitos efeitos colaterais por intoxicação relacionados a níveis séricos maiores que 1,2 ng/mL, podendo inclusive causar morte. É recomendada a monitorização dos níveis séricos, procurando mantê-los entre 0,5-0,9 ng/mL. Os principais eventos adversos são bradicardia sintomática, bloqueio atrioventricular, extrassístoles ventriculares frequentes, náuseas e vômitos. Prognóstico. A despeito dos avanços recentes na avaliação e no controle da IC, o surgimento de sintomas ainda determina prognóstico reservado. Estudos baseados na comunidade indicam que 30 a 40% dos pacientes morrem 1 ano após o diagnóstico, e 60 a 70%, no prazo de 5 anos, principalmente pela piora da IC ou por um evento súbito (provavelmente devido a uma arritmia ventricular). Conquanto seja difícil estabelecer um prognóstico individual, os pacientes com sintomas em repouso (classe IV da New York Heart Association [NYHA]) apresentam taxa de mortalidade anual de 30 a 70%, enquanto aqueles com sintomas surgidos durante atividades moderadas (classe II da NYHA) têm taxa de mortalidade anual de 5 a 10%. Assim, o estado funcional é um preditor importante da evolução do paciente. 25 Mírian Santos 7° semestre @medbymins Etiologia 26 Mírian Santos 7° semestre @medbymins 27 Mírian Santos 7° semestre @medbymins 28 Mírian Santos 7° semestre @medbymins 29 Mírian Santos 7° semestre @medbymins
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