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Anotações sobre “O romance como epopeia burguesa” (György Lukács, 1935). 1. As vicissitudes da teoria do romance a) Esboço biográfico A partir do texto “Lukács e a sociologia”, de José Paulo Netto, sugiro fazer uma leitura biográfica sobre a evolução intelectual de Lukács, situando o estágio em que foi escrito o artigo “O romance como epopeia burguesa”, de 1935. b) Gênero típico, traços típicos e contradições típicas Procurem compreender por que razão, para Lukács, “o romance literário é gênero mais típico da sociedade burguesa”. Observem como essa tipicidade ou o caráter típico do gênero romance tem relação com os “traços típicos” deste gênero (que só aparecem na sociedade burguesa) e com “as contradições específicas da sociedade burguesa”. Desta forma, logo no primeiro parágrafo (p. 193), Lukács fala do “típico” em três aspectos: 1) o romance como forma típica da sociedade burguesa; 2) a forma típica ou os traços típicos do romance (que o distinguem de outros subgêneros da épica, como o conto ou a novela) e 3) as contradições típicas ou específicas da sociedade burguesa (que são as contradições essências, as mais fundamentais, aquelas que distinguem a sociedade burguesa de todas as outras formas sociais anteriores e que estão sempre presentes nessa forma de sociedade). Que contradições são essas? Para ser breve, pode-se dizer o seguinte: o romance é o gênero típico da sociedade burguesa porque, por meio de seus traços típicos (principalmente por meio da narrativa que apreende a totalidade das relações sociais) ele consegue expressar as contradições típicas da sociedade burguesa, que são as contradições entre os interesses pessoais e os valores sociais, entre o eu e o mundo, os indivíduos e a sociedade. É o romance que, como forma épica, diferente da epopeia, consegue dar voz aos múltiplos personagens e destinos possíveis, colocando em questão a ação central do protagonista (que pode ser um narrador-personagem) a partir das ações secundárias e paralelas com as quais essa ação central entra em conflito. c) O romance como gênero burguês e a insuficiência da teoria burguesa do romance Lukács observa que o gênero romance se desenvolveu a partir das obras literárias, do esforço dos autores, independente da reflexão teórica sobre as suas características, já que a teoria literária dos séculos XVII e XVIII não trata deste gênero e, por isso, não influencia as criações literárias deste período. Os próprios romancistas é que, de forma inteiramente consciente, elaboraram e esboçaram as reflexões sobre os traços característicos do romance. Mas, se o romance é o gênero típico da sociedade burguesa, como diz Lukács, por que não há uma teoria burguesa do romance elaborada de modo completo? O que isso tem a ver com a “lei universal da desigualdade do desenvolvimento espiritual em relação ao progresso material” (p. 193), estabelecida por Marx a partir da apreensão materialista da evolução histórica? Há duas respostas possíveis para essas questões levantadas por Lukács: a primeira diz respeito ao fato de que as contradições sociais – que aparecem como conflitos entre interesses pessoais antagônicos – ainda não estão suficientemente desenvolvidas a ponto de fazer surgir uma teoria do romance, uma teorização sobre o que o romance é e sobre como ele deveria ser escrito; a segunda corresponde ao fato de que a burguesia se reporta à poética clássica, aristotélica, para afirmar seus valores enquanto classe em ascensão, e na poética clássica o romance é um subgênero menor em comparação com a epopeia. d) A luta cultural da burguesia e os modelos antigos A ausência de uma teoria burguesa do romance, suficientemente desenvolvida, tem relação com o uso do modelo antigo (epopeia homérica) como arma ideológica da burguesia contra a cultura medieval, em sua luta pela afirmação de seus ideais e valores de classe. Isso fica evidente na recusa inicial dos dramas de Shakespeare, considerados não-artísticos, populares, plebeus, pois não seguiam as disposições normativas dos modelos antigos. O reconhecimento de Shakespeare como grande autor - e mesmo como marco insuperável do drama moderno – só ocorrerá no classicismo alemão com Lessing, em sua Dramaturgia de Hamburgo (1768) e, depois, com Goethe. e) A filosofia clássica alemã e os avanços e limites da teoria burguesa do romance No quarto parágrafo, Lukács afirma que “somente na filosofia clássica alemã é que surgem as primeiras tentativas de criar uma teoria estética geral do romance” (p. 194). Aqui o autor está se referindo a Schelling e Hegel, Goethe e Schiller, mas isso será tratado apenas no segundo tópico (“Epopeia e romance”). f) O desenvolvimento desigual entre o romance e a teoria do romance As discussões sobre o romance se tornaram mais abundantes somente na segunda metade do século XIX, por meio de textos jornalísticos polêmicos, que serviram de fundamentação teórica para o naturalismo, no momento em que o romance está se dissolvendo por efeito da explicitação dos conflitos entre classes sociais e da decadência geral da ideologia burguesa, incapaz de sustentar seus ideais de “igualdade, liberdade e fraternidade” em um mundo cada vez mais desigual, dominado por relações de exploração e formas diversas de opressão e injustiça sociais. Ou seja, essa teoria do romance só aparece muito tarde, no momento em que a forma romance não consegue mais expressar adequadamente os conflitos da modernidade, da sociedade burguesa, pois esses conflitos, depois das revoluções de 1848 na Europa, opõem não apenas os indivíduos entre si e a sociedade, mas fundamentalmente as classes sociais politicamente organizadas, a burguesia e o proletariado. Isso faz com que a teoria do romance, tal como ela é ocasionalmente formulada no final do século XIX por autores como Émile Zola em seu ensaio O romance experimental (1880), constitua-se como uma defesa do romance exatamente quando este gênero não consegue mais expressar adequadamente as contradições da sociedade burguesa em sua fase decadente, os antagonismos político-econômicos entre indivíduos que pertencem a classes sociais distintas e entre os indivíduos da mesma classe. g) Os dois problemas fundamentais da forma romance As teorias do romance que procuram compreender as aspirações artísticas da burguesia depois da metade do século XIX não conseguem resolver dois problemas fundamentais do romance: a) a diferença entre epopeia e romance (isso deve ser apresentado pela equipe 2) e b) os traços característicos do romance (isso deve ser apresentado pela equipe 3). No entanto, o que vocês se pode apreender deste primeiro tópico é por que Lukács caracteriza o romance como uma forma de narrativa épica, ou seja, quais são as características do gênero épico mantidas pelo romance?
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