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CCCAAARRRCCCAAAÇÇÇAAASSS OOOVVVIIINNNAAASSS EEE CCCAAAPPPRRRIIINNNAAASSS OOOBBBTTTEEENNNÇÇÇÃÃÃOOO ––– AAAVVVAAALLLIIIAAAÇÇÇÃÃÃOOO --- TTTIIIPPPIIIFFFIIICCCAAAÇÇÇÃÃÃOOO MMMAAARRRCCCIIILLLIIIOOO FFFOOONNNTTTEEESSS CCCEEEZZZAAARRR WWWAAANNNDDDRRRIIICCCKKK HHHAAAUUUSSSSSS DDDEEE SSSOOOUUUSSSAAA EEEDDDIIITTTOOORRRAAA DDDAAA UUUFFFCCCGGG 2 CARCAÇAS OVINAS E CAPRINAS OBTENÇÃO – AVALIAÇÃO - TIPIFICAÇÃO EDITORES MARCILIO FONTES CEZAR Unidade Acadêmica de Medicina Veterinária Universidade Federal de Campina Grande Patos-Paraíba-Brasil WANDRICK HAUSS DE SOUSA Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba S.A Secretaria de Estado do Desenvolvimento da Agropecuária e da Pesca João Pessoa-Paraíba-Brasil Editora da UFCG 2007 3 Editora Universidade Federal de Campina Grande Campina Grande-PB 1ª Edição: Novembro de 2007 Direitos: Todos os direitos autorais são reservados aos autores/editores. Os direitos de distribuição são exclusivos da Editora Universitária da UFCG Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. É proibida a reprodução desta obra, mesmo parcial, por qualquer processo, sem prévia autorização, por escrito, dos autores e da editora. Ficha catalográfica preparada pela seção de catalogação e classificação da biblioteca central da UFCG Capa: Marcilio Fontes Cezar Fotos: Wandrick Hauss de Sousa e Marcilio Fontes Cézar Ilustração: Marcilio Fontes Cezar Editoração eletrônica: ? Revisão lingüística: Profª Cezar, Marcilio Fontes Sousa, Wandrick Hauss de Manual técnico-científico de avaliação da carcaça ovina e caprina/Editado por Marcilio Fontes Cezar e Wandrcik Hauss de Sousa – João Pessoa,PB: Editora............, 2007. 120p. il. ISBN: 85-7269-216-9 Bibliografia: p.110-120 CDD 664.902 G633t 2007 AGRADECIMENTOS EMEPA FUNAP/APLCAPRI ETC. 2 PREFÁCIO Este manual....... João Pessoa-PB, 08 de novembro de 2007 Os editores 3 SUMÁRIO CAPÍTULO I - GENERALIDADES SOBRE CARCAÇA 1. DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA DA CARCAÇA................................... 6 2. ANATOMIA DA CARCAÇA........................................................... 6 CAPÍTULO II - OBTENÇÃO DA CARCAÇA 1. BEM-ESTAR DOS ANIMAIS ANTES DO ABATE............................... 11 2. ABATE HUMANITÁRIO............................................................... 13 3. CARCAÇA E OS NÃO CONSTITUINTES DA CARCAÇA...................... 18 CAPÍTULO III – AVALIAÇÃO DA CARCAÇA 1. INTRODUÇÃO.......................................................................... 21 2. AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO DE CARCAÇA................................. 21 2.1. PREDIÇÃO DE RENDIMENTO................................................. 22 2.2. DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO........................................ 22 2.3. FATORES QUE INFLUEM NOS RENDIMENTOS.......................... 23 3. AVALIAÇÃO DA COMPOSIÇÃO REGIONAL DA CARCAÇA................. 28 3.1. DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA DA COMPOSIÇÃO REGIONAL....... 28 3.2. OBTENÇÃO DE CORTES COMERCIAIS................................... 28 3.3. DETERMINAÇÃO DA COMPOSIÇÃO REGIONAL........................ 34 3.4. VALOR COMERCIAL DOS CORTES E DA CARCAÇA................... 37 4. AVALIAÇÃO DA COMPOSIÇÃO TECIDUAL DA CARCAÇA.................. 44 4.1. TECIDOS CONSTITUINTES DA CARCAÇA............................... 44 4.1.1. TECIDO ÓSSEO........................................................ 44 4.1.2. TECIDO MUSCULAR.................................................. 45 4.1.3. TECIDO ADIPOSO..................................................... 48 4.1.4. OUTROS TECIDOS.................................................... 51 4.2. DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA DA COMPOSIÇÃO TECIDUAL........ 52 4.3. DETERMINAÇÃO DA COMPOSIÇÃO TECIDUAL........................ 52 4.4. PREDIÇÃO DA COMPOSIÇÃO TECIDUAL................................ 59 4.4.1.AVALIAÇÃO DA MUSCULOSIDADE DA CARCAÇA............. 60 A. AVALIAÇÃO DA CONFORMAÇÃO............................... 60 B. DETERMINAÇÃO DE ÍNDICES................................... 73 C. DETERMINAÇÃO DA AOL......................................... 74 4.4.2. AVALIAÇÃO DO ENGORDURAMENTO DA CARCAÇA......... 82 A. AVALIAÇÃO DO ACABAMENTO................................ 82 B. AVALIAÇÃO DA GORDURA PELVICORRENAL.............. 90 5. AVALIAÇÃO DA CARNE NA CARCAÇA........................................... 93 5.1. AVALIAÇÃO DA ESTRUTURA MUSCULAR DA CARCAÇA................ 93 5.1.1. AVALIAÇÃO DO pH DA CARNE NA CARCAÇA........................... 94 5.1.2. AVALIAÇÃO DA COR DA CARNE NA CARCAÇA......................... 96 4 5.1.3. AVALIAÇÃO DO MARMOREIO DA CARNE NA CARCAÇA............. 103 5.1.4. AVALIAÇÃO DA TEXTURA DA CARNE NA CARCAÇA.................. 106 5.2. AVALIAÇÃO DA ESTRUTURA ÓSSEA DA CARCAÇA...................... 109 CAPÍTULO IV – CLASSIFICAÇÃO E TIPIFICAÇÃO DE CARCAÇA OVINA E CAPRINA 1. CLASSIFICAÇÃO DE CARCAÇA.................................................... 113 1.1. ESPÉCIE............................................................................... 114 1.2. SEXO................................................................................... 115 1.3. IDADE.................................................................................. 115 1.4. PESO................................................................................... 115 2. TIPIFICAÇÃO DE CARCAÇA........................................................ 116 2.1. TIPIFICAÇÃO QUALITATIVA..................................................... 116 A. CONFORMAÇÃO....................................................................... 117 B. ACABAMENTO.......................................................................... 118 2.2. TIPIFICAÇÃO QUALITATIVA..................................................... 122 A. MARMOREIO............................................................................ 125 B. COR....................................................................................... 125 C. TEXTURA................................................................................. 126 2.3. TIPIFICAÇÃO FINAL DAS CARCAÇAS OVINAS E CAPRINAS.......... 126 5 CAPÍTULO I GENERALIDADES SOBRE CARCAÇA GENERALIDADES SOBRE CARCAÇA 6 1. DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA DA CARCAÇA Biologicamente, carcaça é o corpo do animal abatido, sangrado, esfolado, eviscerado, decapitado e amputado das patas, da cauda, da verga e testículos nos machos e da glândula mamária nas fêmeas. Comercialmente, a carcaça é a unidade básica de transação entre os setores de produção e de comercialização da carne ovina e caprina. A carcaça por ser o elemento intermediário do processo de transformação de um ser vivo, que é o animal, em um alimento, que é a carne; ela se constitui no elemento antecessor e gerador mais imediato da carne, de forma que tudoque a afete terá efeito imediato na qualidade e, por conseguinte, na aceitação da carne pelo consumidor final. Biologicamente, carcaça é o corpo do animal abatido, sangrado, esfolado, eviscerado, decapitado e amputado das patas, da verga e testículos no macho e da glândula mamária na fêmea. Comercialmente, a carcaça é a unidade básica de transação entre os setores de produção e de comercialização da carne ovina e caprina. 2. ANATOMIA DA CARCAÇA O conhecimento anatômico dos animais de abate é de suma importância ao estudo da carcaça animal, desde a sua obtenção, através do sacrifício do animal, até a avaliação da carne na carcaça, passando pelas características quantitativas e qualitativas da própria carcaça. No sacrifício dos animais para a obtenção da carcaça, faz-se necessários conhecimentos na área de angiologia, ramo da anatomia que estuda os vasos sangüíneos, e de topografia do animal, uma vez que a sangria se dá pela cisão da veia jugular e artéria parótida, em sua porção mais aparente na região cervical, à altura da entrada do peito do animal. Na separação dos constituintes e não constituintes da carcaça no animal abatido, é necessário o conhecimento de diversos sistemas anatômicos, a exemplo do digestivo, respiratório, circulatório e reprodutivo durante o processo de retirada (evisceração), separação e pesagem das diversas vísceras que compõem esses sistemas. O conhecimento dos ossos e suas articulações são importantes, por exemplo, no momento da amputação das extremidades corporais, como a cabeça, a cauda e as quatro patas. A osteologia e a artrologia são essenciais na divisão da carcaça em suas duas meias-carcaça e, principalmente, na retalhação da carcaça em seus diversos cortes, de forma que sem o devido conhecimento do esqueleto animal, não será possível obter uniformemente os cortes e, por conseguinte, determinar adequadamente a composição regional da carcaça. 7 Durante o processo de determinação da composição tecidual da carcaça, para que a separação, por meio de dissecação, dos distintos tecidos que compõem a carcaça, como o ósseo, muscular, adiposo e outros tecidos (tendões, nervos, vasos e linfonodos), ocorra satisfatoriamente, é necessário um bom grau de conhecimento de miologia (estudo dos músculos), osteologia, angiologia (estudo dos vasos) e nevrologia (estudos do sistema nervoso), dentre outros ramos da anatomia. Embora quase todos os ramos da anatomia animal sejam essenciais ao estudo das carcaças, a osteologia (estudo dos ossos) e a miologia (estudo dos músculos) são, provavelmente, os mais importantes. Neste sentido é que se fará, a seguir, uma abordagem mais detalhada do sistema esquelético e muscular. Os ossos são estruturas duras e resistentes, cujo conjunto forma o esqueleto, espécie de arcabouço interior que dá ao animal e, posteriormente, a carcaça sua forma e suas dimensões (Figura 1). Além disso, o esqueleto serve como base de ligação e sustentação dos músculos, principal tecido constituinte da carcaça. O esqueleto da carcaça ovina e caprina pode ser dividido em esqueleto axial e apendicular. O axial inclui todos os ossos da carcaça, exceto aqueles dos cortes constituídos pelos membros ou apêndices do animal. Como a carcaça é desprovida de cabeça, o esqueleto axial da carcaça é composto apenas pela coluna vertebral e tórax, diferentemente do animal vivo que, além disso, tem os ossos do crânio. A coluna vertebral, chamada também de raquis ou espinha dorsal, é um eixo sólido, flexível e constituído por ossos irregulares medianos e ímpares chamados de vértebras. As vértebras, quase todas constituídas sob um tipo uniforme, não apresentam, entretanto, a mesma configuração; esta característica permite agrupa-las, dividindo-se então a coluna vertebral em: (1) região cervical, com 7 vértebras cervicais, sendo a 1ª denominada de Atlas e a 2ª de axis; (2) região torácica ou dorsal, com 13 vértebras dorsais; (3) região lombar, com 6 vértebras lombares; (4) região sacral ou pélvica, com 4 vértebras sacrais, que se fundem no animal adulto, formando uma única peça, o osso sacro; (5) região coccigiana ou caudal, com 12-24 vértebras coccígeas nos ovinos e 12 nos caprinos. O tórax é uma espécie de caixa formada pela região dorsal da coluna vertebral, as costelas e o esterno. As costelas formam as paredes laterais do tórax e, geralmente, o número de pares de costelas é o mesmo do número de vértebras torácicas. As costelas esternais vão de suas respectivas vértebras torácicas até o esterno, onde se ligam neste através das cartilagens costais e por isso são tidas com verdadeiras. Assim, o número de costelas verdadeiras corresponde ao número de esternébras, segmentos que constituem o esterno. As costelas asternais por não estarem conectadas ao esterno são chamadas de falsas. A maioria das costelas asternais possui em sua extremidade ventral cartilagens costais que se justapõem e, deste modo, indiretamente ficam conectadas ao esterno. Algumas vezes, o último ou os 2 últimos pares de costelas asternais não apresentam essa conexão e por isso são chamadas de costelas flutuantes. Figura 1.1 – Esqueleto e base óssea da carcaça caprina 6 4 5 6 7 8 9 8 O esterno forma o assoalho do tórax e proporciona fixação às cavidades costais das costelas esternais, bem como permite a ligação dos músculos peitorais. O esterno é formado por um conjunto de segmentos denominados esternébras, em número de 6 nos ovinos e de 7 nos caprinos, que tendem a se fusionarem à medida que a idade do animal avança. A extremidade cranial do esterno é o manúbrio, a porção média é o corpo e a extremidade caudal é o metasterno. No estilo de retalhação da carcaça proposto neste trabalho, a região cervical da coluna vertebral serve de base óssea ao corte do pescoço; a região torácica da coluna e a porção proximal das costelas são as bases ósseas do corte costilhar; o esterno e a parte distal das costelas se constituem na base óosea do corte serrote; a região lombar da coluna é a base do corte denominado lombo; enquanto a região sacral da coluna juntamente com os ossos do membro posterior servirão de base óssea ao corte conhecido como perna. O esqueleto apendicular é formado pelos ossos dos membros anteriores (peitorais ou torácicos) e posteriores (pélvicos). Os ossos do membro anterior que fazem parte da carcaça são a escápula (forma a espádua), o úmero (braço), o rádio, a ulna (antebraço) e o carpo. Todos esses ossos do membro torácico normalmente dão origem a um único corte de carcaça denominado 9 paleta. A parte de cada um dos membros posteriores que vai fazer parte da carcaça é constituído pelo osso coxal (ílio, ísquio e púbis), fêmur (coxa), tíbia, fíbula e tarso (perna). Todos esses ossos do membro posterior e mais o osso sacro da coluna vertebral vão constituir a base óssea do corte comercial denominado perna. O sistema muscular é muito mais complexo do que o sistema esquelético, de forma que a descrição minuciosa e sistemática dos músculos que servem de base muscular a carcaça dos pequenos ruminantes não se enquadra no âmbito deste trabalho. A mera citação de sua nomenclatura, por si só já é exaustiva, seria aqui pouco prática. Para esse tipo de estudo, pois, devem ser consultados os tratados de anatomia dos animais. Não obstante, com o intuito de facilitar o conhecimento de certos músculos, que se destacam por usa importância ou facilidade de identificação nos diversos cortes da carcaça, serão enumerados aqueles mais importantes quando da avaliação das carcaças como um todo, conforme se evidenciam na Figura 2 abaixo. Além disso, uma descrição mais detalhada dos músculos que compõe as carcaças será enfocada posteriormente quando da descriçãodos diversos cortes comerciais. Figura 1.2 – Estrutura muscular caprina CAPÍTULO II OBTENÇÃO DA CARCAÇA 11 OBTENÇÃO DA CARCAÇA O mercado consumidor de carne atual não está preocupado apenas com a qualidade e preço do produto, mas também está exigindo que toda a cadeia produtiva da carne, desde a criação até o abate, adote normas de bem-estar animal. A definição mais difundida de bem-estar animal é a de um completo estado de saúde física e mental, onde o animal encontra-se em harmonia com seu ambiente. Para que a condição de bem-estar seja alcançada em toda sua plenitude, tem-se que garantir aos animais cinco liberdades: (1) Nutricional, os animais devem estar livres de sede, fome e desnutrição; (2) Sanitária, os animais devem estar livres de ferimentos; (3) Comportamental, os animais devem ter liberdade para expressar o comportamento natural de sua espécie; (4) Psicológica, os animais devem estar livres de sensações de medo e ansiedade; e (5) Ambiental, os animais devem ter liberdade de movimento, em instalações adequadas à sua espécie. Essa nova ética social voltada para os animais exerce pressão para que a carne seja produzida da maneira mais humanitária possível, de forma que os animais durante a sua criação e abate gozem de bem-estar, não sofrendo nenhum tipo de estresse ou angústia. Para a produção de “carne ética”, o ponto que merece mais atenção diz respeito ao “abate humanitário” dos animais. Para que seja considerado humanitário, é necessário que todo o processo de abate, desde o embarque no transporte até a sangria, garanta bem-estar aos animais, pois a matéria-prima que vai ser processada está viva. 1. BEM-ESTAR DOS ANIMAIS ANTES DO ABATE Durante o período de pré-abate, desde o ambiente criatório até o momento do sacrifício, os animais são submetidos a uma série de atividades estressantes, como o processo de escolha dos animais, o embarque, o transporte, as pesagens, o jejum, o banho e etc. O nível com que ocorre o estresse dependerá do clima, da distância e do tempo percorrido, dos equipamentos e instalações utilizadas, da mão-de-obra empregada e de muitos outros fatores ambientais. O manejo dos animais nas etapas prévias ao abate é de fundamental importância, já que práticas inadequadas na lida com os animais podem provocar redução de peso e da qualidade da carcaça e, por conseguinte, perdas econômicas importantes. Neste contexto, algumas medidas podem ajudar a diminuir o estresse dos animais antes do abate: 12 1.1. Seleção dos animais. Selecionar para o abate apenas animais em bom estádio nutricional e sanitário. Para animais criados extensivamente, acostuma-los com a presença humana através de contatos prévios. Manter os animais dentro de seus grupos sociais, evitando misturar animais de idades, categorias e raças diferentes; 1.2. Manejo dos animais A escolha, a separação, a junção e embarque dos animais devem ocorrer da forma mais tranqüila possível. Nas instalações utilizadas no pré-abate, tais como os currais de espera, corredores de abate, brete e sala de atordoamento, devem ser desprovidas de superfícies pontiagudas ou ásperas para evitarem pancadas e arranhões nos animais e com isso danifiquem a carne e a pele dos animais que serão abatidos. A manipulação dos animais deve ser cuidadosa, com o mínimo de excitação e desconforto, evitando correrias, gritarias, cachorros mal treinados e uso de quaisquer instrumentos agressivos a integridade física dos animais, tais como paus e estimuladores elétricos. Certificar-se que os animais têm livre acesso a água antes do embarque. Evitar o embarque nos horários mais quentes do dia. Não permitir a superlotação do veículo transportador. Permitir o transporte de animais apenas por empresas ou pessoas habilitadas. Encurtar ao máximo o tempo de transporte, evitando rotas em más condições de tráfego e paradas não necessárias durante o percurso. 1.3. Jejum pré-abate O jejum pré-abate facilita a evisceração e reduz os riscos de contaminação microbiana da carcaça a partir do trato gastrointestinal (TGI). O conteúdo do TGI dos animais de abate é uma importante fonte de contaminação da carcaça, podendo inclusive conter microorganismos potencialmente patogênicos ao homem como é o caso da salmonela. Grandes quantidades de conteúdo no TGI, além de subestimar o cálculo do rendimento de carcaça, dificultam a remoção e aumenta a possibilidade de perfuração do estômago, induzindo ao derramamento acidental de seu conteúdo sobre a carcaça e, dessa forma, contaminá-la durante a evisceração. Tanto a quantidade como a qualidade do conteúdo estomacal é importante, de modo que quanto maior e mais fluido se apresentar a ingesta, maior a facilidade de contaminação da carcaça. Para tanto, deve-se deixar os animais, por um período de 16 e 24hs antes do abate, em jejum hídrico e alimentar, respectivamente. 13 1.4. Banho pré-abate Sabe-se que a condição higiênica dos animais antes do abate tem um importante efeito no nível de contaminação da carcaça. Seria interessante, portanto, que os animais fossem banhados antes do abate. Assim, o banho, por aspersão, além de diminuir a contaminação da carcaça, tranqüiliza e resfria os animais, o que permiti não só uma sangria mais eficiente, mas também promove vasoconstricção periférica e, por conseguinte, evita o veiamento da pele, impedindo a desvalorização desse tão importante subproduto. Além disso, a excitação dos animais, assim como qualquer outro processo estressante, resulta na redução ou até mesmo no esgotamento das reservas de glicogênio muscular no pré-abate. Tal fato leva a diminuição da glicogenólise pós-abate e, por conseguinte, a diminuição na produção de ácido lático. Essa redução, por sua vez, conduz a elevação do pH muscular e, conseqüentemente, a produção de uma carne escura, firme e seca, conhecida internacionalmente como DFD (dark, firm e dry). Devido a grande quantidade de água que pode ficar retida na lã ou nos pelos longos dos animais, é necessário que os animais sequem por algumas horas antes do abate, evitando a super-estimação do peso vivo de abate dos animais molhados. 2. ABATE HUMANITÁRIO O abate dos animais requer uma estrutura de base física compatível às normas previstas na legislação sanitária, de forma que a sala de abate deve ser construída em paredes de alvenaria, impermeabilizadas e pintadas com tinta látex branca. O piso será revestido em Korodur pox ou similar, com declive de 1,5% em direção à canaleta central, para perfeita drenagem. Os vãos das janelas serão sempre providos de tela à prova de insetos e os parapeitos das mesmas serão chanfrados para facilitar a limpeza. O processo de abate deve ocorrer de forma ordenada (Figura 2.2), cujas principais fases são descritas a seguir. 2.1. Insensibilização Para que a insensibilização seja eficaz é necessário um adequado método de contenção de forma que os movimentos dos animais fiquem limitados. Insensibilização ou atordoamento é o processo aplicado ao animal, levando-o rapidamente ao estado de insensibilidade ou de inconsciência, insensibilização essa que mantém as funções vitais até a sangria, embora o animal fique incapaz de responder aos estímulos externos. A insensibilização por meio de marretas comuns pode não ter efeito no primeiro golpe, exigindo um segundo ou terceiro golpe, fazendo com que o animal se excite e provoque a vasodilatação e, com isso, o veiamento da pele. Assim, o atordoamento dos animais de abate deve realizar-se mediante 14 métodos permitidos pelas normas legais vigentes e sempre, dentro do possível, buscaro máximo de bem-estar animal. Embora não exista ainda processo de atordoamento sem nenhum tipo de estresse, provavelmente a sangria sem insensibilização é mais estressante. O atordoamento deve ser cuidadoso e adequado de forma que os animais devem perder a consciência sem que ocorra paralisia cardíaca. São dois os métodos básicos e aceitáveis de insensibilização, os métodos físicos, que podem ser mecânicos e elétricos, e métodos químicos, como a exposição ao CO2, embora para ovinos e caprinos comumente se usem os métodos físicos. A. Métodos elétricos A eletronarcose consiste na passagem, por meio de eletrodos em contato com o animal, de corrente elétrica de alta voltagem, mas de baixa amperagem, através do cérebro, levando o animal ao estado epiléptico. A corrente elétrica para induzir o estado de epilepsia em ovinos e caprinos é de no mínimo160 volts e 0,7 amperes (0,7 a 0,9A), para os cabritos ou cordeiros, e não menos de 200 volts e 1,0 ampere (1,0 a 1,5A) para animais adultos. O tempo de aplicação da corrente elétrica é de 3 a 5 segundos. Para evitar a insensibilização incorreta e, por conseguinte, o sacrifício cruel e danos aos músculos, são necessários alguns cuidados com o equipamento elétrico e com o processo de aplicação do choque. Os equipamentos devem dispor de um dispositivo regulador da tensão e da intensidade da corrente elétrica e um dispositivo indicador, visual ou sonoro, do tempo de aplicação da corrente elétrica. Os eletrodos devem ser dispostos de modo a permitir que a corrente elétrica atravesse o cérebro, para tanto, os eletrodos deves ser mantidos sempre limpos e o excesso de lã ou de pêlo deve ser removido e, assim, permitir um melhor contato dos eletrodos com a pele do animal. Os eletrodos devem ser pressionados contra o animal antes de apertar o botão que dispara a corrente e, uma vez iniciada, não interromper o circuito elétrico, evitando a contração dos músculos mais de uma vez, o que poderia aumentar a formação de coágulos. Os equipamentos elétricos usados em caprinos e ovinos podem ser dotados de dois eletrodos, onde ambos podem ser dispostos apenas na cabeça (entre as duas orelhas) ou um na cabeça e outro na região dorsal ou peitoral. Na primeira situação, na cabeça, ocorre apenas epilepsia, enquanto na segunda, há tanto epilepsia como parada cardíaca. Como em ovinos e caprinos a eletronarcose causa espasmos musculares muito severos, deve-se dar preferência aos métodos mecânicos, principalmente o penetrante, mas se a aplicação do método elétrico for necessária, opta-se pelo sistema elétrico que causa epilepsia e parada cardíaca. 15 B. Métodos mecânicos Os métodos mecânicos podem ser classificados em penetrante e não penetrante (concussão). No método mecânico penetrante, um dardo metálico, emitido por pistola de dardo cativo acionada por cartucho de explosão ou pistola pneumática, ao atravessar o crânio do animal, com força e velocidade, dilacera o sistema nervoso central e derruba o animal inconsciente, com as pernas flexionadas, respiração ofegante, espasmos musculares dos mebros e ausência de quaisquer vocalização e reflexos, principalmente dos olhos (não devem se abrir ou fechar e nem reagir, mesmo que tocados), além da língua que deve está fora da boca e relaxada. Diferentemente dos demais animais de abate, nos ovinos e caprinos, a pistola de dardo cativo deve ser posicionada na parte superior da cabeça, ao invés do meio da testa, tendo em vista a estrutura óssea muito espessa nessa região craniana (Figura 2.1). No método não penetrante, ou seja, na concussão cerebral, a pistola de dardo de percussão tem um êmbolo rombudo que o impede de penetrar no crânio e, por conseguinte, no cérebro, mas o impacto súbito e forte é capaz de alterar a pressão intracraniana e provocar disfunção da atividade elétrica normal do cérebro. Todavia, dada a ossatura craniana frontal muito forte, esse método não deve ser aplicado em pequenos ruminantes, principalmente em animais de idades avançadas. Além disso, em qualquer tipo de animal, o método penetrante é mais eficiente do que o não penetrante. Figura 2.1. – Esquema de instalações e equipamentos para a insensibilização mecânica de ovinos e uma pistola pneumática, no detalhe 16 2.2. Sangria A sangria, fase seguinte à insensibilização, deve ser realizada com o animal suspenso pelas patas traseiras, já que a posição vertical drena o sangue mais rapidamente que a posição horizontal dada ao efeito da gravidade. O processo consiste na extração, tanto quanto possível, de sangue do corpo animal por meio de cisão da veia jugular e artéria parótida, em sua porção mais aparente na região cervical, à altura da entrada do peito do animal. O sangue deve ser recolhido em um recipiente próprio e posteriormente pesado. A quantidade de sangue nos ovinos é de 3 a 5% de seu peso vivo e sangria total leva cerca de 6 a 10 minutos. De fato, apenas se extrai do organismo, através da sangria, cerca de metade do volume sangüíneo total, ficando o restante nos órgãos vitais, vasos e músculos. Com a insensibilização, há aumento transitório dos batimentos cardíacos e conseqüente incremento da pressão sangüínea, o que favorece a sangria. Neste sentido é que, provavelmente, animais que foram insensibilizados com subseqüente parada cardíaca, apresentam sangria menos intensa que aqueles não acometidos de parada cardíaca, embora estes últimos animais possam apresentar sangria satisfatória se o tempo decorrido entre ela e a insensibilização for curto. O sangue, em virtude do seu elevado pH (7,35 a 7,45) e alto teor de umidade e de proteínas, é um excelente meio de multiplicação de micróbios patogênicos e/ou deletérios dos músculos e gorduras. Assim, a capacidade de conservação da carne de animais mal sangrado é limitada e seu excesso nos cortes de carne se torna repulsivo para o consumidor, de modo que uma sangria completa e higiênica constitui-se em um bom começo para o processo de obtenção da carne. Com a sangria, a pressão sangüínea cai e para manter um aporte de sangue adequado para os órgãos vitais, o sistema circulatório tenta ajustar essa pressão por meio do aumento do bombeamento cardíaco e da contração da circulação periférica. A sangria deve se processar, portanto, de forma rápida e imediatamente após a insensibilização do animal, no máximo 15 segundos em ovinos e caprinos, para evitar que o animal recupere a consciência e diminua sua pressão sangüínea evitando, assim, a formação de pontos hemorrágicos na carne. Além disso, durante a sangria, todo o troco vascular braquiocefálico, ou seja, tanto as artérias carótidas como as veias jugulares devem ser totalmente seccionadas para uma adequada sangria, pois do contrário, existe o risco de o animal recobrar a consciência antes de sua morte. 2.3. Esfola Para a realização do processo de esfola, ou seja, para a remoção da pele, o animal deve permanecer suspenso pelas pernas traseiras de modo que o seu corpo fique a uma altura cômoda para o operador, além de evitar o contado do animal com piso que é uma grande fonte de contaminação, aumentar a velocidade de operação, reduzir o consumo de água e maximizar a mão-de- obra. A esfola pode ser manual ou mecânica. No processo manual são 17 utilizadas facas comuns e, quando disponível, usam-se facas elétricas ou pneumáticas. Inicialmente faz-se a coreação das patas e cabeça, utilizando somente facas retas, enquanto no restante da operação, principalmente no grupão, parte mais nobre da pele, as facas indicadas são as pneumáticas ou facas curvas, pois estas permitem uma melhor tiragem da pele e menor risco de manuseio para o usuário. Facas inadequadas produzem cortes, riscos, furos e picos, danificam a pele, diminuindo seu valor e às vezes atéinutilizando-as. Por outro lado, para a obtenção de carcaças higiênicas, há a necessidade da manutenção de mãos limpas por parte do esfolador. Inicia-se a retirada da pele fazendo-se um corte longitudinal pelo lado interno dos membros dianteiros e traseiros, partindo da extremidade distal dos membros para o centro do tronco do animal até a altura de sua linha média ventral. Feito isso, dá-se um corte longitudinal na linha média ventral que parte do ânus e vai até o queixo. Um outro corte transversal deve circundar ou rolar toda a articulação carpo-metacarpiana, dos membros anteriores, e toda a articulação tarso-metatarsiana, dos membros posteriores. Desprendida a pele dos membros e da barriga por meio de uma faca sem ponta, continua-se essa operação pelas paredes laterais do corpo, no sentido ventro-dorsal, até a altura média das costelas. Daí por diante, pode-se dispensar o uso da faca e extrair a pele unicamente com o auxílio das mãos e punhos do operador. A mão esquerda segura a porção da pele já desprendida e puxa-a fortemente para fora enquanto a mão direita fechada faz pressão para baixo nos pontos de encontro entre a pele e a carcaça. Continuando dessa forma, passa-se pelo pescoço e chega-se à parte da cabeça que pode ser desprendida com o auxílio de facas. Após a esfola e pesagem, a pele deve passar por um adequado processo de conservação, cuja descrição não é objeto de discussão neste trabalho. 2.4. Evisceração Completada a remoção da pele e a lavagem externa do animal esfolado, segue-se a evisceração, que consiste na retirada de vísceras e órgão abdominais e torácicos. Inicialmente, após soltar o anus do posterior do animal, um corte é feito do ponto de encontro dos dois membros posteriores, em sua porção mais caudal, até o peito do animal, em sua porção mais cranial, evitando a penetração profunda e, por conseguinte, a perfuração ou corte do estômago e dos intestinos. Posteriormente, remove-se da cavidade pélvica e abdominal o aparelho urogenital, o rúmen-retículo-omaso-abomaso (pré- estômagos e estômago), os intestinos, o fígado, o baço e o pâncreas. O segundo passo envolve o corte do diafragma e a posterior remoção de órgãos torácicos, como o coração, os pulmões, o esôfago e a traquéia. Tradicionalmente, os rins são as únicas vísceras mantidas na carcaça. Experimentalmente, a sua manutenção se justifica no caso da determinação do estádio de engorduramento da carcaça, por meio do grau de cobertura dos rins pela gordura perirrenal. Todavia, atentar para o fato de que o peso da carcaça quente e fria, após a retirada dos rins, deverá ser reconstituído (sem o peso dos rins) para a determinação da composição regional e tecidual da carcaça. O 18 conjunto de vísceras brancas e vermelhas é pesado, obtendo-se o peso total de vísceras. O TGI após ter suas extremidades amarradas para evitar a saída de seu conteúdo, é pesado cheio da mesma forma que a bexiga e a vesícula biliar. Após seu total esvaziamento, elas são lavadas e novamente pesadas separadamente. As demais vísceras são também pesadas individualmente. 2.5. Amputação As patas dianteiras e traseiras são separadas da carcaça em nível da articulação do carpo-metacarpiana e do tarso-metatarsiana, respectivamente. As quatro patas podem ser pesadas em conjunto ou individualmente. Para maior precisão, a pele das patas deve ser extraída e seu peso somado ao peso da pele inteira. As patas esfoladas devem ser novamente pesadas. A cabeça após ser seccionada da carcaça em nível da articulação atlanto-occiptal, deve ser pesada. Das fêmeas o úbere é amputado e pesado, assim como o pênis e os testículos nos machos. 3. CARCAÇA E OS NÃO CONSTITUINTES DA CARCAÇA O corpo do animal após passar por todas as etapas descritas anteriormente, resulta em duas porções bióticas, uma composta por estruturas isoladas extraídas do corpo, denominada de “não constituintes da carcaça” ou “despojos”, e outra, que resta dessas extrações, chamada de “carcaça”. Os não constituintes da carcaça são normalmente classificados em despojos e subprodutos, onde os primeiros são utilizados na alimentação humana, enquanto os últimos não são comestíveis. Os despojos podem ser vermelhos (sangue, cabeça, lingua, coração, pulmão, fígado, baço e rins) ou brancos (timo, pâncreas, testículos, mamas, patas, rúmen-retículo, omaso e abomaso). 19 Figura 2.2. Fluxograma do abate de ovinos e caprinos. Fases Resíduos Pesagem do animal ↓ → Água, fezes, urina e impurezas Insensibilização ↓ → Água Sangria ↓ → Sangue Esfola ↓ → Pele Amputações ↓ → Cabeça, patas, cauda, testículos, mama. Evisceração ↓ → Vísceras Carcaça (pesagem e identificação) ↓ → Água Resfriamento 20 CAPÍTULO III AVALIAÇÃO DE CARCAÇA 21 AVALIAÇÃO DA CARCAÇA 1. INTRODUÇÃO Uma correta avaliação da carcaça é imprescindível para o estabelecimento de um sistema de classificação e tipificação de carcaça que atenda a demanda de um mercado consumidor de carne cada vez mais exigente. Diversos são os métodos de avaliações de carcaças e as diferenças existentes entre eles são notáveis, trazendo dificuldades quando se tenta comparar os resultados obtidos em diferentes regiões do Brasil e do mundo. O conhecimento das características quantitativas e qualitativas das carcaças comercializadas para a indústria da carne é de fundamental importância para o aumento da oferta e para a melhoria do produto final, que é a carne. A avaliação das características quantitativas da carcaça, por meio da predição ou determinação do rendimento, da composição regional e da composição tecidual é essencial ao processo produtivo, além de trazer benefícios a toda a cadeia produtiva da carne ovina e caprina. A avaliação das características qualitativas da carcaça, ou seja, a predição da qualidade da porção comestível presente na carcaça, por meio do exame da cor, marmoreio e textura da carne presente na carcaça é tão importante quanto as características quantitativas, pois o mercado consumidor atual é muito mais exigente e busca muito mais qualidade que quantidade. Este capítulo tem por objetivo principal sugerir um método normatizado e prático de descrição e avaliação das principais características quantitativas e qualitativas de carcaças ovinas e caprinas do ponto de vista técnico-científico. 2. AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO DE CARCAÇA Provavelmente a pergunta mais importante para quem está vendendo ou comprando um animal vivo para o abate é: “Quanto esse animal em negociação vai render em carcaça após ser abatido?”. O animal após abate e processamento resulta basicamente em dois grupos de constituintes corporais: a carcaça e os não constituintes da carcaça. O que se busca no animal de corte é o máximo de carcaça e o mínimo de não constituintes da carcaça, ou seja, busca-se o máximo de rendimento em carcaça. Assim, a característica produtiva mais importante do animal de corte é o seu rendimento de carcaça. Entende-se por rendimento a quantidade de carcaça gerada pelo animal vivo após seu abate, ou seja, o rendimento é o quanto do animal, em termos relativos, é constituído de carcaça. Embora o máximo de rendimento seja o que mais se busca em todos os animais de abate, uma vez que é na carcaça que se encontra a porção comestível mais importante dos animais, a carne, os não constituintes da carcaça nos pequenos ruminantes têm, em relação aos 22 demais animais domésticos de abate, uma importância muito maior, haja vistao grande número de pratos culinários oriundos dos não constituintes da carcaça. 2.1. PREDIÇÃO DE RENDIMENTO O rendimento de carcaça é uma característica diretamente relacionada à produção de carne e pode variar de acordo com fatores intrínsecos (genótipo, sexo, peso e idade do cordeiro) e/ou extrínsecos (alimentação, tipo de jejum e transporte) ao animal. Alguns fatores inerentes aos animais vivos podem ser utilizados na predição do rendimento de carcaça, com maior destaque para a idade, peso vivo, tipo zootécnico e frame size. O simples exame visual desses parâmetros realizados por avaliadores treinados pode predizer, com certo grau de precisão, o rendimento de carcaça dos animais vivos. Qualquer fator, como raça, idade, sexo e nutrição, que aumente a gordura total do animal, incrementa também o rendimento devido a: (1) uma maior taxa de crescimento dos tecidos da carcaça, particularmente gordura, quando comparado ao crescimento dos componentes não constituintes da carcaça, e (2) à maior capacidade do animal em armazenar gordura na carcaça mais do que em outras partes do organismo animal. 2.2. DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO Quando uma precisão maior for necessária, como no caso da avaliação científica ou econômica de carcaças, a predição subjetiva visual do animal vivo necessita, senão ser substituída, pelo menos acrescida com o método mais preciso, que é a determinação do rendimento de carcaça do animal abatido por meio de equações matemáticas. O peso que se toma do animal na balança se denomina peso vivo (PV) e é formado por uma fração abiótica e outra biótica. Este último é o verdadeiro peso dos tecidos que compõem o animal, enquanto o primeiro não é constituinte tecidual do animal, consistindo de conteúdo gastrintestinal (água, ingesta, digesta e fezes) e de líquido da bexiga e vesícula biliar. Neste sentido é que o animal antes de ser abatido deve passar por um período de jejum hídrico e alimentar. Após o abate, o trato gastrintestinal (TGI), a bexiga (B) e a vesícula biliar (VB) devem ser esvaziados e lavados para a obtenção do peso corporal vazio (PCV), que será estimado subtraindo- se do peso vivo ao abate em jejum (PVAJ), os pesos referentes ao conteúdo gastrintestinal, da bexiga e da vesícula biliar. PCV = PVAJ – (conteúdo do TGI + B + VB) 23 Após ser obtida, lavada e escorrida, a carcaça é pesada para se obter o peso da carcaça quente (PCQ). A partir daí, se determina o rendimento verdadeiro-RV (razão entre o PCQ e o PVAJ x 100) e o rendimento biológico-RB (razão entre o PCQ e o PCV x 100). Posteriormente, as carcaças deverão ser acondicionadas em sacos plásticos e, finalmente, transportadas para uma câmara frigorífica a 4ºC, onde permanecem penduradas pelo tendão calcâneo ou de aquiles do jarrete em ganchos por um período de 24 horas, quando o centro térmico da perna atinge 4°C. Decorrido esse período, a carcaça é pesada para se determinar o peso da carcaça fria (PCF) e, em seguida, será determinada a perda de peso por resfriamento (PPR=razão entre a diferença do PCQ e PCF e o PCQ) da carcaça e o rendimento comercial-RC da carcaça (razão entre o PCF e PVAJ x 100). RENDIMENTOS E PERDA RV = (PCQ/PVAJ) x 100 RB = (PCQ/PCV) x 100 RC = (PCF/PVAJ) x 100 PPR = (PCQ-PCF/PCQ) x 100 Embora o rendimento biológico seja o que melhor representa os componentes da carcaça ao eliminar as variações influenciadas pelo conteúdo abiótico, o rendimento verdadeiro é o mais utilizado pelos produtores, enquanto o comercial é o mais praticado pelos frigoríficos e mais importante para a cadeia produtiva da carne ovina e caprina. Na comparação de rendimentos, é necessário saber o que foi considerado como carcaça ou não, pois a gordura perirrenal e pélvica, os rins, a cauda, a cabeça e a pele, por exemplo, podem ser ou não, em função das tradições de mercados, considerados como constituintes da carcaça. Por exemplo, a pele e a cabeça fazem parte da carcaça dos caprinos em Guadalupe e Malásia, respectivamente. Portanto, para um mesmo animal, o rendimento de carcaça determinado nesses países seria muito superior do que se fosse estimado no Brasil, já que aqui a pele e a cabeça são componentes não constituintes da carcaça. 2.3. FATORES QUE INFLUEM NOS RENDIMENTOS Vários fatores, ligados ao animal e ao meio ambiente, podem afetar o rendimento de carcaça dos animais, com destaque para: 24 A) Tempo de jejum alimentar O jejum líquido deve ser de 16hs e o sólido de 24hs. Tempos muito superiores a estes resultam em desidratação e perda de tecido do animal, principalmente o adiposo, podendo alterar o rendimento de carcaça e causar efeitos prejudiciais à qualidade das carcaças. Contrariamente, tempos muito curtos podem super-estimar o PVAJ e, por conseguinte, diminuir o rendimento da carcaça. Estudos australianos demonstraram que cordeiros com jejum de 2, 4, 6, 8, 12, 24, 48 e 72hs, a perda de PV foi de 2,0, 2,5, 3,0, 4,0, 5,0, 7,0, 10,0 e 12,0%, respectivamente. O efeito do jejum sobre a perda de peso vivo e, portanto, sobre o rendimento de carcaça depende do tipo de alimento previamente consumido pelo animal a ser abatido. Animais alimentados com alimentos fibrosos e de baixa digestibilidade, como os volumosos, normalmente apresentam um rendimento de carcaça menor que aqueles alimentados com menos fibras e de maior digestibilidade, a exemplo dos concentrados, porque há perda de conteúdo do TGI mais lento e consequentemente maior PVAJ, mesmo que submetidos a igual tempo de jejum. B) Idade e peso vivo do animal O peso vivo associado à idade tem sido usado com muita freqüência como indicador do rendimento de carcaça. A cria recém-nascida tem relativamente mais cabeça e membros, mas à medida que cresce, surgem ondas de crescimento progressivas das extremidades do corpo para o tronco e particularmente para a região dorso-lombar (crescimento centrípto) de forma que com o aumento do peso vivo, as regiões corporais de crescimento muito precoce, como os membros e cabeça, diminuem, enquanto que regiões mais tardias, como aquelas do tronco, aumentam proporcionalmente. Como a cabeça e as extremidades não são constituintes da carcaça e elas são, em termos proporcionais, maiores em animais mais jovens, espera-se que estes tenham menor rendimento de carcaça que aqueles mais velhos, com maior proporção de regiões do tronco, que são constituintes da carcaça. Por outro lado, quanto mais jovem for o animal, menor é a proporção do TGI e de seu conteúdo, de modo que dois animais de mesmo peso, o mais jovem terá provavelmente maior rendimento de carcaça. O mesmo princípio serve para os animais lactentes, de menor TGI e com alimentação mais digerível, em relação aos animais desmamados, de maior TGI e alimentação menos digerível. Da mesma forma que ocorre com a composição regional, a composição tecidual da carcaça sofre efeito do peso vivo. A ordem de prioridade de deposição de tecidos no corpo e, por conseguinte, na carcaça, é em primeiro lugar o tecido ósseo, seguido pelo muscular e por último o adiposo. O tecido ósseo para de crescer no animal ainda jovem, o muscular encerra seu crescimento quando atinge a maturidade, enquanto o gorduroso continua a ser depositada continuamente durante toda a vida do animal. Assim, animais de mais idade e/ou de maior peso, por possuírem uma maior quantidade de gordura que 25 animais mais jovens e/ou menos pesados, deverão apresentar maior rendimento de carcaça. c) Sexo do animal Em geral, a proporção de gordura nos pequenos ruminantes é menor nos machos inteiros, intermediária nos castrados e maior nas fêmeas, enquanto que a proporção de músculos é maior nos machos inteiros, intermediária nos castradose menor nas fêmeas, provavelmente porque a ação do hormônio masculino, testosterona, promove um crescimento muscular e esquelético mais acentuado, resultando em carcaças mais magras e com maior musculatura nos machos inteiros em relação aos machos castrados e fêmeas. Assim, como o crescimento muscular é temporário e o da gordura é contínuo, o rendimento de carcaça na fêmea é maior que no macho castrado e no macho inteiro é menor que no castrado, provavelmente pela maior proporção de tecido adiposo para uma mesma idade e peso vivo. D) Frame size Animais com o tamanho da estrutura corporal menor, por serem mais precoces no crescimento e terminação, terão relativamente mais gordura corporal e, assim, apresentam normalmente maior rendimento que animais com biótipos maiores. E) Condição corporal Em geral, animais bem condicionados nutricionalmente, com elevado escore de condição corporal, tem rendimento mais elevado que animais mais magros, haja vista que a condição é determinada pela quantidade de gordura depositada no animal. F) Apêndices corporais Animais lanados, os pernaltas, os chifrudos, os com caudas e os inteiros em relação aos tosquiados, aos não-pernaltas, aos mochos, aos sem cauda e aos castrados, com mesma idade e peso, geralmente apresentam menor rendimento de carcaça. 26 G) Tipo zootécnico ou econômico Animais tipo corte, quando comparados a animais tipo leiteiro e mistos, quando bem alimentados apresentam, como é típico para esse tipo, uma massa muscular e um acabamento superior, que os levam a apresentarem um maior rendimento de carcaça. H) Distribuição das carcaças na câmara de refrigeração Esse é um importante fator a ser considerado na PPR e RC. A distribuição deverá ser realizada ao acaso e blocada, de forma que dentro de cada fileira de carcaça deve haver carcaça de todos os tratamentos experimentais e em igual quantidade, evitando que carcaças de alguns tratamentos não sejam mais refrigeradas do que outras, caso haja, o que é normal, locais dentro da câmara com diferentes temperaturas. Por exemplo, a distribuição de carcaças de um experimento com 4 tratamentos (1, 2, 3 e 4), 4 blocos (A, B, C e D) e 4 repetições, a distribuição da carcaça, considerando o tamanho e a forma da câmara de refrigeração abaixo, deveria ser conforme Figura 3.1. Figura 3.1. Diagrama demonstrativo de distribuição de carcaças em uma câmara de refrigeração. 2 4 3 1 4 3 1 2 Evaporador (gerador de frio) 1 2 4 3 3 1 2 4 Blocos : ▲ A ▲ B ▲ C ▲ D FRIO 27 FICHA DE AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO DE CARCAÇA Local:_________________ DATA:_____/_____/_____ ANIMAL: Espécie:_________________ Genótipo:________________ Sexo:__________ Idade___________ Nº identificação:____________ Tratamento:___________ PESOS: Peso vivo (PV):__________ Peso vivo ao abate em jejum (PVAJ):__________ Peso do trato gastrintestinal (TGI): Cheio:____________ Vazio:___________ Peso da Bexiga (B): Cheia:________________ Vazia:___________________ Peso da Vesícula biliar (VB): Cheia:______________ Vazia:______________ Peso corporal vazio (PCV):________Peso carcaça quente (PCQ):__________ Peso da carcaça fria (PCF):______ Perda peso resfriamento (PPR):______ RENDIMENTOS: Rendimento verdadeiro (RV):__________ Rendimento biológico (RB): ___________ Rendimento comercial (RC):___________ Obs:____________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ 28 3. AVALIAÇÃO DA COMPOSIÇÃO ANATÔMICA OU REGIONAL DA CARCAÇA 3.1. DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA DA COMPOSIÇÃO REGIONAL Entende-se por composição regional, as proporções em que se encontram, na carcaça, os diversos cortes obtidos por meio de sua retalhação. Os cortes apresentam variações quanto a sua composição tecidual e quanto a qualidade desses tecidos que a compõem. Em função da quantidade e qualidade de cada tecido, os cortes podem ser classificados em três categorias qualitativas: cortes de primeira (cortes nobres), de segunda e de terceira. Assim, a indagação mais importante para quem está vendendo ou comprando uma carcaça é, provavelmente: “Quanto essa carcaça vai render em cortes nobres depois de retalhada?”. O que se busca, portanto, em uma carcaça, é o máximo de rendimento em cortes de primeira categoria e o mínimo de cortes de terceira categoria. A composição da carcaça, medida pela proporção dos cortes, é determinada por fatores genéticos e ambientais, sendo que a idade, o peso vivo, a raça e a dieta são fatores que mais influenciam a composição da carcaça de ovinos e caprinos. 3.2. OBTENÇÃO DE CORTES COMERCIAIS A retalhação é o processo pelo qual a carcaça é seccionada em diversas peças de diferentes tamanhos e qualidades culinárias, através de incisões predefinidas, de acordo com a finalidade a que se destina, seja ela comercial ou experimental. O processo de retalhação além de proporcionar a obtenção de preços diferenciados entre as diversas partes da carcaça, permite aproveitamento mais racional, evitando desperdícios. Para o estudo da composição regional de carcaça, utiliza-se a meia- carcaça esquerda. Inicialmente, essa meia-carcaça é retalhada em cortes maiores, com limites bem definidos e de fácil identificação anatômica, os denominados cortes primários ou básicos. A retalhação difere de um país a outro e inclusive dentro de um mesmo país ou região, conforme as características de suas carcaças, os hábitos de cada localidade e as tradições de mercado. Dada essa gama de possibilidades de retalhação, deve-se considerar, em nível experimental, um único sistema para caracterizar a composição regional das carcaças, com normas precisas e com nomenclatura de referência, de forma que se permita, pelo menos no país, comparar os resultados obtidos entre diferentes equipes de pesquisadores brasileiros. Neste sentido, a meia-carcaça esquerda resfriada deve ser seccionada em seis regiões anatômicas (Figura 3.2), denominadas de cortes, peças ou retalhos comerciais primários, quais sejam: 29 (1) PERNA BASE ÓSSEA: Sacro, ilíaco, fêmur, patela, tíbia, fíbula e tarso. COMPONENTES: Adutor, extensor digital comum, fibular terceiro, fibular longo, flexor digital profundo, flexor digital superficial, gastrocnêmio, gêmeos, glúteo acessório, glúteo bíceps, glúteo médio, glúteo profundo, isquicavernosos (no macho), obturador externo, obturador interno, pectínio, poplíteo, quadrado femural, Quadríceps femural, grácil, sartório, semimembranoso, semitendinoso, sóleo, tensor da fáscia lata e tibial cranial. OBTENÇÃO: peça separada da carcaça em sua extremidade superior por meio de um corte que separa a última vértebra lombar (sétima vértebra lombar) da primeira vértebra sacral, bem como secciona o flanco da perna (Figura 3.3.a). (2) LOMBO BASE ÓSSEA: seis vértebras lombares (metade) COMPONENTES: cutâneo toraco-abdominal, grande dorsal, ilíaco, iliocostal lombar, interespinhais lombares, intertransversos lombares, Longíssimo lombar, multífido lombar, oblíquo abdominal externo, oblíquo abdominal interno, psoas maior, psoas menor, quadrado lombar, serrátil dorsal caudal e transverso abdominal. OBTENÇÃO: retalho obtido através de três cortes.O primeiro, resultante da obtenção do serrote, é um corte em linha reta, iniciando-se no flanco e terminando na extremidade cranial do manúbrio do esterno. O segundo, corresponde a um dos cortes de obtenção do costado, é dado entre a última vértebra torácica (décima terceira vértebra torácica) e a primeira vértebra lombar, em sua porção superior, continuando entre o flanco e o costado, em sua porção média. O segundo corte separa a última vértebra lombar (sétima vértebra lombar) da primeira vértebra sacral, bem como secciona o flanco da perna (Figura 3.3.b). (3) COSTILHAR BASE ÓSSEA: treze vértebras torácicas (metade), treze costelas (porção proximal e média) e esterno (metade) COMPONENTES: cutâneo tóraco-abdominal, escaleno, elevadores de costelas, grande dorsal, intercostais externos, intercostais internos, iliocostal torácico, interespinhal torácico, longo do pescoço, longíssimo torácico, multifídio 30 torácico, oblíquo abdominal externo, retrator da costela, rombóide (porção torácica), semi-espinhal torácico, serrátil dorsal cranial, serrátil ventral (porção torácica), transverso abdominal e trapézio (porção torácica). OBTENÇÃO: peça que resulta de três cortes. O primeiro, aplicado na obtenção do pescoço, constitui-se em um corte oblíquo e paralelo a apófise espinhosa da primeira vértebra torácica e a primeira costela, efetuado entre a última vértebra cervical (7ª vértebra cervical) e a primeira torácica. O segundo corte é dado entre a última vértebra torácica (décima terceira vértebra torácica) e a primeira vértebra lombar, em sua porção superior, continuando entre o flanco e o costado, em sua porção média. O terceiro, efetuado na obtenção do serrote, é um corte em linha reta, iniciando-se no flanco e terminando na extremidade cranial do manúbrio do esterno (Figura 3.3.c). (4) SERROTE BASE ÓSSEA: o esterno (metade), as cartilagens costais e a porção distal das costelas centrais. COMPONENTES MUSCULRAES: cutâneo tóraco-abdominal, intercostais externos, intercostais internos, oblíquo abdominal externo, obliquo abdominal interno, transverso abdominal, peitoral ascendente, peitoral descendente, peitoral transverso, reto abdominal, reto torácico, serrátil ventral (porção torácica) e transverso torácico. OBTENÇÃO: peça obtida por meio de um corte em linha reta, iniciando-se no flanco e terminando na extremidade cranial do manúbrio do esterno (Figura 3.3.d). (5) PESCOÇO BASE ÓSSEA: sete vértebras cervicais (metade) COMPONENTES MUSCULARES: Braquiocefálico, Esplênio, Intertransversais do pescoço, longíssimo cervical, longo da cabeça, longo do atlas, multifídio do pescoço, oblíquo caudal da cabeça, oblíquo cranial da cabeça, omotransversário, reto lateral da cabeça, reto dorsal maior da cabeça, reto dorsal menor da cabeça., rombóide (porção cervical), semi-espinhal cervical, serrátil ventral (porção cervical) e trapézio (porção cervical). OBTENÇÃO: peça separada da carcaça em sua extremidade inferior por meio de um corte oblíquo e paralelo a apófise espinhosa da primeira vértebra torácica e a primeira costela, efetuado entre a última vértebra cervical (7ª vértebra cervical) e a primeira torácica (Figura 3.3.e). 31 (6) PALETA BASE ÓSSEA: Escápula, úmero, rádio, ulna e carpo. COMPONENTES MUSCULARES: ancôneo, antebraquial, bíceps braquial, braquial, coracobraquial, cutâneo omobraquial, deltóide, estensor carpo-radial, extensor digital comum, extensor digital lateral, flexor digital profundo, flexor digital superficial, Extensor ulnar do carpo, flexor cubital lateral, flexor radial do carpo, Infra-espinhoso, pronador redondo, redondo maior, redondo menor, subescapular, supra-espinhoso, tensor da fáscia do antebraço e tríceps braquial. OBTENÇÃO: corte obtido por intermédio da secção da região axilar, através da incisão dos tecidos que unem a escápula e o úmero à região torácica formada pelas seis primeiras vértebras torácicas e a porção superior das seis primeiras costelas (Figura 3.3.f). 32 Figura 3.2. Principais linhas de retalhação da meia-carcaça esquerda ovina. 1 2 3 4 5 6 1 2 3 4 5 6 33 Figura 3.3. Representação esquemática e fotográfica dos cortes regionais ou comerciais de uma carcaça ovina Figura 3.3.b - Lombo Figura 3.3.a - Perna 34 Figura 3.3.c - Costado Figura 3.3.d - Serrote 35 Figura 3.3.e - Pescoço Figura 3.3.f - Paleta 36 Comercialmente, quando os ovinos abatidos não são caudectomisados, a cauda é deixada em uma das meias carcaças. Todavia, experimentalmente isso não deve ocorrer, já que cada meia-carcaça deve corresponder a 50% da carcaça e dada a dificuldade de seccioná-la ao meio para compor cada uma das meias-carcaça, é prudente, considerar a cauda como um não constituinte da carcaça, como na maioria das técnicas experimentais com ovinos lanados. Quando se tratar de ovinos deslanados de rabo largo, onde a cauda se constitui em uma região anatômica proporcionalmente grande, uma vez que ela pode corresponder até 20% da carcaça de algumas raças, a sua retirada da carcaça vai provocar uma importante redução no rendimento de carcaça nesse tipo de animal (Figura 3.4). Figura 3.4. Cauda de ovinos delanados de rabo largo e normais À medida que os cortes são retirados da carcaça, devem ser imediatamente pesados, envasados à vácuo em sacos de polietileno, identificados e congelados, para posterior utilização, se for o caso. O processo de retalhação da carcaça requer habilidade porque as peças que se extrai da carcaça são de pequeno tamanho e um mínimo de distração durante a operação pode levar a obtenção de cortes não padronizados. Comercialmente, cada um dos cortes primários pode ser dividido em uma variedade de cortes secundários, com base em decisões estabelecidas por interesses comerciais. Normalmente, o número de cortes aumenta à medida que se incrementa o peso da carcaça. 37 3.3. DETERMINAÇÃO DA COMPOSIÇÃO REGIONAL Antes de determinar a composição regional da carcaça, alguns cuidados devem ser considerados. Os rins, gordura interna da carcaça (perirrenal, inguinal e pélvica) e o colar do diafragma são partes mantidas tradicionalmente nas carcaças e, portanto, consideradas constituintes das carcaças quentes e frias, de forma que seus pesos entram na determinação dos rendimentos de carcaças. Todavia, na obtenção da composição regional e tecidual, esses constituintes são retirados para proceder a retalhação da carcaça em cortes comerciais e a dissecação das carcaças ou dos cortes em seus tecidos constituintes. Neste sentido, na determinação da composição regional e tecidual da carcaça, será necessário subtrair do peso da carcaça fria obtido anteriormente, os pesos desses constituintes. Durante o processo de obtenção dos cortes nas meias-carcaças ou na carcaça, há considerável perda de peso, devido aos processos de evaporação e exsudação que as peças passam durante a retalhação. Assim, faz-se necessário, somar o peso de todos os cortes da meia-carcaça ou da carcaça para se constituir em novo peso. Este novo peso, o peso reconstituído, como seria esperado, é inferior ao peso da meia-carcaça ou da carcaçainteira. Dessa forma, na determinação da composição regional, o peso relativo de cada corte deverá ser calculado em relação ao peso reconstituído da meia-carcaça ou carcaça e não mais ao peso da meia-carcaça ou carcaça inteira, conforme demonstrado na Tabela 3.1. Tabela 3.1. Composição regional absoluta (peso) e relativa (rendimento) de meia-carcaça. Parâmetros Peso (kg) Rendimento (%) Meia carcaça não reconstituída 7,65 100,00 Meia carcaça reconstituída 7,50 98,00 Perda de peso 0,15 2,00 Pescoço 0,84 11,20 Serrote 1,00 13,33 Costilhar 1,45 19,33 Paleta 1,25 16,67 Lombo 0,83 11,07 Perna 2,13 28,40 Total dos cortes reconstituído 7,50 100% 38 Na avaliação científica, para efeito de comparação, o peso absoluto de cada peça, em kg, é menos importante que o peso relativo, em %, o qual é determinado através da relação entre o peso individual do corte e o peso total de todos os cortes da meia-carcaça reconstituída, conforme exemplo abaixo: As proporções dos cortes de desenvolvimento precoce, como perna e paleta, diminuem com o aumento do peso da carcaça. O contrário ocorre com os cortes de desenvolvimento tardio, como no costilhar, lombo e pescoço, que tem seus pesos incrementados à medida que o peso da carcaça aumenta (Figura 3.5) animal se aproxima da maturidade. Figura 3.5. Composição regional da carcaça de caprinos em função do peso da carcaça (Adaptado de Colomer-rocher et al, 1992, v.7, p.161-173) Corte (%) = (Peso do corte / peso da meia-carcaça reconstituída) x 100 Perna (%) = (2,13kg / 7,50kg) x 100 = 28,40 % do peso total da meia- % d a c a rc a ça Peso da carcaça (kg) 10 20 30 40 50 25 10 15 20 5 35 30 costilhar perna paleta pescoço lombo 28,40% 11,07% 19,33% 13,33% 16,67% 28,40% 39 3.4. VALOR COMERCIAL DOS CORTES E DA CARCAÇA No processo de retalhação, a carcaça é dividida em cortes, segundo suas características anatômicas, perfil muscular, quantidade e distribuição de gordura, maciez, cor, etc, de modo que a aparência e qualidade facilitem a sua comercialização. Embora todos esses fatores sirvam para qualificar o corte, a composição tecidual, em especial a musculosidade (alta relação músculo/osso e músculo/gordura), e as características sensoriais, com destaque a maciez da carne, são os principais fatores de valorização dos cortes comerciais, de modo que os cortes com maciez e carnosidade baixa, média e alta recebem escore 1, 2 e 3, respectivamente. De forma geral, os cortes menos macios situam-se no anterior da carcaça, que por possuírem músculos muito solicitados para o trabalho de tração, principalmente na locomoção e sustentação de estruturas pesadas do animal vivo, como a cabeça, órgãos torácicos e abdominais, possuem alto conteúdo de tecido conectivo. Seguindo o mesmo raciocínio, os cortes do posterior e da região intermediária e superior da carcaça, por serem usados basicamente como suporte e, portanto, poucos exigidos para o trabalho, possuem baixo teor de tecido conectivo, tornando-os mais macios. Com base nas características de composição e maciez dos tecidos que compõem os cortes e que, por conseguinte, determina a sua qualidade comercial, sugere-se agrupar os cortes primários ou cortes deles gerados (secundários), em três categorias qualitativas: cortes de primeira, segunda e terceira categoria. Os cortes de primeira categoria tem alta relação músculo/osso e músculo/gordura, ou seja, tem alto rendimento muscular. Sua carne é de boa palatabilidade, isto é, macia e saborosa. Os cortes de segunda categoria podem até ter características qualitativas da carne similares ou superiores as anteriores, segundo o gosto de cada um. Porém, estes cortes se caracterizam por seu menor rendimiento muscular e maior proporção de osso e/ou gordura. Os cortes de terceira categoria apresentam, proporcionalmente, maior quantidade de osso, gordura e, principalmente, tendões ou “nervos”. Por isso são mais baratos, se utilizam para elaborar produtos cárneos manufaturados e requerem uma cocção úmida e lenta, sendo melhores para a produção de guisados, paneladas, etc. Com base nas característcas de musculosidade e maciez, os cortes da perna e lombo são classificados como de 1ª categoria, o costilhar e a paleta como de 2ª categoria, enquanto o serrote e o pescoço como de 3ª categoria. Como os cortes obtidos da carcaça variam de qualidade em função da região da carcaça de onde ele foi extraído, eles guardam estreita relação com o seu valor comercial, ou seja, os diferentes cortes que compõem a carcaça possuem diferentes valores econômicos e a proporção dos mesmos se constitui em um importante fator na determinação do valor comercial da carcaça. Tomando-se por base os preços praticados no mercado, os cortes de segunda e de terceira correspondem a cerca de 70,0 e 40,0% do valor dos cortes de primeira, de forma que o fator de ponderação entre os três corte 40 seria de 1,0, 0,7 e 0,4 para cortes de primeira, segunda e terceira categorias, respectivamente. Assim, após a ponderação, quanto maior o peso absoluto dos cortes de primeira e menor o peso absoluto dos cortes de terceira, maior é o valor comercial final da carcaça (Tabela 3.2) Tabela 3.2. Fatores de ponderação comercial, peso absoluto e peso ponderado comercial. Corte Peso (kg) Fator de ponderação Peso ponderado Pescoço 0,84 0,4 0,34 Serrote 1,00 0,4 0,40 Costilhar 1,45 0,7 1,01 Paleta 1,25 0,7 0,88 Lombo 0,83 1,0 0,83 Perna 2,13 1,0 2,13 Total 7,50 - 5,59 Na avaliação científica, para efeito de comparação, a proporção do peso absoluto de cada corte, é menos importante que a proporção do valor comercial de cada corte, o qual é determinado através da relação entre o valor individual do corte e o valor total de todos os cortes da meia-carcaça, conforme exemplo abaixo: Por fim, na avaliação científica, o que mais importa é saber quanto de peso e de valor comercial, a carcaça possui, em termos relativos, de cada um dos cortes ou de cada categoria de corte, de forma que as carcaças com maior proporção do peso e, principalmente, de valor comercial advindos de cortes de primeira e menor de cortes de terceira, seriam as melhores carcaças (Tabela 3.3). Valor relativo do corte (%) = (valor absoluto do corte / valor absoluto da meia-carcaça) x 100 Perna (%) = (2,13kg / 5,59kg) x 100 = 38,10% do valor total da meia- carcaça% 41 Tabela 3.3. Valor relativo do peso e do valor comercial dos cortes. Valor do corte Valor da categoria Corte % do peso % do valor Categoria % do peso % do valor Pescoço 11,20 6,08 Serrote 13,33 7,15 1ª 24,53 13,23 Costilhar 19,33 18,07 Paleta 16,67 15,74 2ª 36,00 33,81 Lombo 11,07 14,85 Perna 28,40 38,10 3ª 39,47 52,95 Total 100,00 100,00 Total 100,00 100,00 Por outro lado, tão importante quanto reconhecer e diferenciar os tipos de cortes quanto à sua qualidade, é saber trabalhar e proporcionar um aproveitamento culinário adequado para cada tipo de corte. Os métodos de cozimento podem ser classificados em calor úmido e calor seco. No primeiro, o corte é cozido imerso em água ou vapor, sendo usados nos guisados, cozidos, refogados, etc. O segundo, o corte é cozido sem o uso de água ou vapor, apenas pelo calor por contato em chapas ou óleo quente (assar, fritar) ou em ambiente com ar quente seco (forno, grill, grelha, etc). Um fator importante a ser considerado ao método de cozimento é o tempo deprocessamento. Os métodos de cozimento a seco são mais rápidos do que os de cozimento úmido. Temperaturas elevadas, do cozimento a seco, causam enrijecimento miofibrilar e, por conseguinte, endurecimento dos músculos, daí seu uso não ser indicado para cortes de baixa maciez. Já longos períodos de cozimento úmido à baixa temperatura favorecem a gelatinização do colágeno, sendo sua utilização indicada, portanto, para cortes ricos em tecido conjuntivo. Os cortes primários lombo e costado originam em sua porção dorsal dois cortes secundários, o lombinho e o dorso (carré), respectivamente, que são considerados cortes de primeira em virtude da maior maciez de sua carne. Os cortes da costela são ligeiramente mais gordos e têm um pouco mais de sabor, mas muitos consumidores preferem os cortes mais magros do lombo. Ambos os cortes devem ser cozidos a seco e de forma rápida, porque o cozimento prolongado torna-os secos e de pouco sabor. O lombinho e o dorso proporcionam assados pequenos, macios e caros. Tomando como base o peso e a proporção de ossos, estes cortes são os mais caros da carcaça. Pelo fato da carne muito macia estar associada a um tipo de osso que lhe permite grande plasticidade de manipulação, estes cortes possuem grande versatilidade culinária, originando pratos belos, requintados, caros e mundialmente reconhecidos, a exemplo de assados como o “carré” simples, a “guarda de honra” e a “coroa de cordeiro”, cujos processos de obtenção são mostrados a seguir (FiguraX e Y). O serrote tem pequena proporção de músculo e grande 42 de osso e gordura, tornando-se bom para os assados e guisados. A parte inferior do lombo, o flanco ou vazio, é desprovido de osso, mas é pobre em músculo e rico em gordura e tecido conjuntivo, sendo indicado para a produção de charque ou enrolado para ser assado no forno. A perna é o corte primário que apresenta maior proporção muscular e, portanto, maior rendimento em carne magra, embora seja intermediário em termos de maciez. Assim, os cortes originados pela perna são maiores, mais carnosos e menos tenros do que aqueles provenientes da porção superior do lombo e do costilhar. Em relação à paleta, a perna é mais seca, porém mais musculosa. A porção média e superior da perna deve ser preparada em calor seco, embora sua porção inferior, a canela posterior, devido a sua menor maciez, deve ser submetido à cocção úmida e lenta ou amaciada mecanicamente. Os cortes da paleta são menos tenros e mais gordos que os da perna, com sua porção superior, a lâmina ou raquete, servindo à cocção seca, embora sua porção inferior, a canela anterior, seja indicada mais à cocção úmida, com baixo calor e processada de forma lenta. O pescoço é uma peça com muito osso e com músculos de pouca maciez, cujo principal destino culinário é a cocção úmida e lenta de suas postas, o que dá excelentes guisados, juntamente com as canelas. Coroa / guarda 43 FICHA DE AVALIAÇÃO DA COMPOSIÇÃO E VALORIZAÇÃO REGIONAL DA CARCAÇA Local:________________ Data:_____/_____/______ ANIMAL: Nº:______________ Espécie:______________Genótipo:_____________ Sexo:______________ Idade:__________ Tratamento:_______________ PARÂMETRO PESOS ABSOLUTOS Normal (kg) Reconstituído (kg) Perdido (kg) Pescoço Serrote Costilhar Paleta Lombo Perna Meia-carcaça esquerda PARÂMETRO PESOS VALOR DO CORTE VALOR DA CATEGORIA Absoluto (kg) Relativo (%) Ponderado % do peso % do valor % do peso % do valor Pescoço Serrote Costilhar Paleta Lombo Perna Meia-carcaça 44 4. AVALIAÇÃO DA COMPOSIÇÃO TECIDUAL DA CARCAÇA 4.1. TECIDOS CONSTITUINTES DA CARCAÇA Na organização do corpo do animal há quatro níveis estruturais básicos: (1) células; (2) tecidos [epitelial (pele e pelos), conjuntivo (ossos, cartilagens, tendões, ligamentos e fascias), muscular (músculos esqueléticos, cardíaco e liso ou visceral), nervoso (encéfalo, medula espinhal e nervos) e adiposo]; (3) órgãos (união de dois ou mais tecidos) e (4) sistemas (tegumentar, esquelético, nervoso, muscular, circulatório, endócrino, respiratório, digestivo, urinário e reprodutor). Do ponto de vista histológico, a carcaça é constituída por um grande número de tecidos (ósseo, muscular, adiposo, conjuntivo, epitelial, nervoso, etc), porém do ponto de vista da produção zootécnica, são considerados como constituintes teciduais apenas os tecidos ósseo, muscular e adiposo, sendo os demais tecidos denominados de “outros tecidos”. 4.1.1. Tecido ósseo O osso é o tecido vivo que constitui o esqueleto animal, cujas principais funções são dar forma e suporte ao corpo, proteger órgãos vitais (cérebro, coração e pulmões), atuar como sítio de armazenamento de minerais e proporcionar por meio da medula óssea a formação e armazenamento de células sangüíneas. A estrutura do tecido ósseo está formada por material extracelular e células. A porção extracelular é formada pela matriz orgânica (fibras de colágeno rodeadas por substância fundamental que dá elasticidade ao osso) e sais inorgânicos (cristais de cálcio e fósforo que se deposita na matriz orgânica e proporciona dureza ao osso). A porção celular é composta de três tipos de células: osteoblasto (células capazes de gerar matriz orgânica), osteoclastos (células que absorvem e eliminam tecidos não desejados) e osteocitos (células que mantém vivo o tecido ósseo). Existem tres tipos de tecido ósseo: (1) tecido compacto (tecido externo e mais duro dos ossos), (2) tecido esponjoso (tecido interno e de consistência esponjosa) e (3) tecido subcondral (tecido liso das extremidades dos ossos, coberto por tecido cartilaginoso). O tecido compacto junto com o espojoso se denomina periostio, dentro do qual existem túneis e canais através dos quais os vasos sangüíneos e linfáticos nutrem os ossos. Aderidos externamente ao periostio pode haver músculos, ligamentos e tendões. Para efeito de composição tecidual da carcaça, considera-se que o tecido ósseo é formado não só pelos ossos, mas também por cartilagens e articulações. Como o esqueleto tem a finalidade de sustentar os tecidos e órgãos vitais do organismo animal, o osso é o componente tecidual de desenvolvimento mais precoce da carcaça, para tanto terá de está funcional para suportar o 45 desenvolvimento do restante dos tecidos que compõe a carcaça. Sua proporção na carcaça, portanto, diminui com o aumento do peso da mesma. Por ser o mais precoce, torna-se também o de período de desenvolvimento mais curto, além de se constituir no tecido de menor variação, quantitativa e qualitativa, na carcaça. Os ossos desenvolvem-se de forma diferenciada, de modo que o modelo de desenvolvimento do esqueleto é caracterizado por ondas que se desenvolvem no sentido antero-posterior e disto-proximal. Dessa forma, os ossos das extremidades se desenvolvem mais precocemente que os ossos do esqueleto axial, assim como os dos membros anteriores em relação aos dos posteriores. Independente de sua localização, os ossos crescem de diâmetro após cessar o crescimento de longitude. 4.1.2. Tecido muscular Existem três tipos de tecido muscular: o tecido muscular estriado esquelético, o tecido muscular estriado cardíaco e o tecido muscular liso. A quase totalidade do tecido muscular da carcaça é constituída de músculo esquelético, enquanto que o músculo liso aparece em pequena quantidade e principalmente nas paredes dos vasos sanguíneos. Como os vasos sangüíneos fazem parte de outros tecidos da carcaça e o coração é um órgão não constituinte da carcaça, o músculo liso e cardíaco não serão abordados. Os músculos esquelético e cardíaco, por apresentarem bandas claras e escurasao microscópio, são chamados de estriados. O músculo esquelético age sob controle voluntário, enquanto o liso e o cardíaco atuam sob controle involuntário. Os múculos esqueléticos normalmente estão ligados diretamente aos ossos, mas em alguns casos podem também se ligar às cartilagens, fáscias e pele. O organismo animal possui mais que 600 músculos que variam em tamanho, forma e função. A unidade de organização estrutural do músculo esquelético é a fibra muscular ou fibrocélula estriada, uma célula altamente especializada, longa, cilíndrica e polinucleada. As fibras musculares podem atingir até vários centímetros de comprimento, mas de modo geral não alcançam o comprimento total do músculo. Uma fibra muscular estriada típica mede entre 1 e 40mm de comprimento e tem de 10 a 100mm de diâmetro, dependendo da espécie e do músculo considerado. Até 92% do volume total do tecido muscular é constituido pelas fibras musculares, sendo que a matriz extracelular, tecido conjuntivo, fibras nervosas e vasos sanguíneos constituem o volume restante. No músculo, as fibras são agrupadas paralelamente formando feixes de fibras ou fascículos, os quais estão associados de vários modos para formar os diversos tipos de músculos. As fibras musculares individuais, os feixes e o músculo como um todo são recobertos por tecido conjuntivo que forma uma rede contínua, mas que recebe diferentes nomes de acordo com sua localização. Assim, os músculos são envoltos por uma bainha de tecido conjuntivo (colágeno) denominado epimísio, a qual é relativamente espessa e rígida, que se prolonga para formar 46 as aponeuroses e os tendões, por onde o músculo se fixa ao tecido ósseo. O epimísio também se prolonga até o interior do músculo, dividindo-o em feixes de fibras musculares e circundando cada feixe ou fascículo muscular através de uma bainha menor de tecido conjuntivo denominada de perimísio. O tamanho dos fascículos musculares determina a textura do músculo, onde quanto maior os fascículos, mais fibrosa a textura. Bainhas de tecido conjuntivo muito delgadas e delicadas, denominadas endomísio (colágeno, elastina e reticulina), expandem-se a partir do perimísio e circunda cada fibra muscular individualmente (Figura 3.6). Existem várias classificações dos músculos, entre as quais destacamos as seguintes: 1. Quanto a cor: 1.1. Músculos vermelhos (R), ricos em mitocôndrias e mioglobina, detentores de grande irrigação sangüínea, de metabolismo aeróbio oxidativo e de contração lenta (ou β: queimam, na presença de oxigênio, os ácidos graxos e os glicídios conduzidos pelo sangue através de rica irrigação sangüínea) ou rápida (ou α: degradam anaerobicamente e rapidamente os açúcares). 1.2. Músculos brancos (W), pobres em mitocôdrias e mioglobina, de escassa irrigação sangüínea, de metabolismo anaeróbio e, normalmente, de contração rápida (α). 2. Quanto a velocidad de contração e sua cor: 2.1. Músculos vermelhos e de contração lenta (Rβ), generalmente de pequeno diâmetro. 2.2. Músculos vermelhos e de contração rápida (Rα), de diâmetro intermediário. 2.3. Músculos brancos de contração rápida (Wα), de grande diâmetro. 3. Quanto a sua inervação: 3.1. Músculos lisos de contração involuntária (por exemplo: no tubo digestivo). 3.2. Músculos estriados de contração involuntária (cardíaco). 3.3. Músculos estriados de contração voluntária (esqueléticos), que devem seu nome ao aspecto que apresentam sob o microscópio óptico e que dão lugar, após a morte do animal, ao que se conhece como carne. Os músculos apresentam um desenvolvimento similar ao do resto do corpo, ou seja, no sentido disto-proximal, onde cresce primeiro as extremidades e posteriormente a região lombar e totácica. 47 Figura 3.6. Anatomia macro e micro-estrutural do músculo esquelético da carcaça Músculo esquelético Osso Tendão Perimísio Epimísio Endomísio Perimísio Endomísio Sarcoplasma + Miofibrila = Fibra muscular Retículo endoplasmático Miofibrila Mitocôndria Núcleo Mitocôndria Sarcolema Núcleo Miofibrila 48 4.1.3. Tecido adiposo O tecido adiposo está constituído pelos adipócitos e tecido intercelular ou estroma. Os primeros, os principais constituintes, são células vesiculosas cujo citoplasma está adaptado para armazenar (e liberar) principalmente ácidos graxos sob a forma de triglicéridos, além de fosfolipídios e colesterol, todos reunidos em gotículas citoplasmáticas. O estroma consiste em uma matriz de tecido conjuntivo (fibras colágenas e reticulares), tecido nervoso, células do estroma vascular, nódulos linfáticos, células imunes (leucócitos, macrófagos), fibroblastos e pré-adipócitos (células adiposas indiferenciadas). A capilarização e inervação do tecido adiposo estão adaptadas as mudanças no metabolismo dos ácidos graxos e por estes motivos estão generosamente irrigados. O aumento do tamanho do adipócito muda com mais rapidez que seu número, indicando um predominio do mecanismo de hipertrofia (aumento no tamanho dos adipócitoa) sobre o de hiperplasia (aumento do número de adipócitos). Só quando a condição corporal está muito elevada é que começa o proceso de hiperplasia. Assim, quando os adipócitos alcançam seu tamanho máximo, eles entram no processo de hiperplasia. Este processo proliferativo também poderá partir dos outros tecidos, onde as células do suporte fibroblástico-vascular do tecido adiposo se diferenciam a adipoblasto, que ao adquirir enzimas e receptores de ácidos graxos se transformam em preadipócitos. Posteriormente se incorporam novos receptores e enzimas para a síntese de ácidos graxos e de triglicéridos, até alcançar finalmente o estado de adipócito maduro. O processo de desenvolvimento e diferenciação tem controle humoral e hormonal que depende de fatores genéticos e do meio, onde o superávit energético do organismo animal é obrigatório para que o processo ocorra. O tecido adiposo se classifica com base na função, na sua localização e principalmente pela organização e pigmentação dos grânulos de gordura intracitoplasmáticos. Assim sendo, encontramos dois tipos principais de tecido adiposo: (1) Tecido adiposo pardo ou multilocular: Constituído de células menores, de forma poligonal e que contém múltiplas e pequenas gotículas lipídicas individualizadas e distribuídas por todo o citoplasma, além de possuir uma coloração parda em conseqüência de grande concentração do pigmento respiratório denominado citocromo. O tecido multilocular é especializado na produção de calor, tendo um papel importante na fisiologia dos animais que hibernam e animais recém-nascidos, auxiliando a termo-regulação, ou seja, produzindo calor e protegendo do frio intenso as crias ruminantes, por exemplo. Ele é de distribuição limitada, concentrando-se principalmente em nível escapular e cervical e entre as vísceras torácicas, principalmente. (2) Tecido adiposo branco ou unilocular: Formado por células de forma esférica ou poliédrica, cujo interior da célula é ocupada por uma única e grande gotícula de gordura, de forma que seu citoplasma fica reduzido a uma fina camada, enquanto seu núcleo achatado fica localizado perifericamente. Devido a uma grande concentração de carotenóides dissolvidos na gordura, ele se apresenta de cor que varia entre o branco e o amarelo escuro. Este tecido adiposo é de distribuição generalizada pelo corpo do animal e exerce um 49 garnde número de funções, tais como: isolamento térmico, proteção física contra choques mecânicos, armazenamento energético e secreção de proteínas e péptidos bioactivos com acção local e à distância. Assim, quando se refere à localização, distribuição,extensão e espessura do tecido adiposo da carcaça, trata-se de tecido adiposo branco. Nas espécies de ruminantes, essa gordura se acumula em depósitos graxos cuja denominação particular guarda relação com sua localização anatômica. Os depósitos de gordura corporal (Figura 3.7) são classificados em externos (gordura subcutânea ou de cobertura), intermediários (gordura inter e intramuscular) e internos ou cavitários [gorduras torácicas (gordura pleural e pericárdica), a gordura abdominal [gordura mesentérica (em torno dos intestinos), a gordura omental ou epiplóica (ao redor dos pré-estômagos) e a gordura perirrenal] e a gordura pélvica (gordura que reveste a cavidade pélvica). Figura 3.7. Depósitos de gordura corporal e da carcaça (em destaque) G. externa G. subcutânea G. intermuscular G. intermediária G. intramuscular G. pleural G. torácica G. pericárdica G. corporal G. Interna G. omental (G. cavitária) G. abdominal G. mesentérica G. Perirrenal G. pélvica Assim, os depósitos externos (gordura subctânea), intermediários (gordura intermuscular e intramuscular) e parte dos internos, torácico (gordura perirrenal) e pélvico, constituem o tecido adiposo das carcaças dos pequenos ruminantes. A gordura subcutânea ou superficial é aquela localizada entre a pele e as massas de tecido muscular esquelético. A gordura 50 intermuscular, por sua vez, consiste na gordura que ocupa os espaços entre os músculos esqueléticos, ou seja, se deposita junto ao epimísio, estando em maior quantidade ao longo das rotas tomadas pelos grandes vasos sangüíneos e os nervos. Já a gordura intramuscular, interfascicular ou de marmoreio, se localiza entre os feixes musculares, sendo portanto deposita junto ao perimísio. A gordura intramuscular, também denominada de gordura química, é a única que não pode ser separada do músculo por meio de dissecação, sendo extraída apenas por processo químico. A gordura, ao contrário do que ocorre com os ossos e músculos, apresenta desenvolvimento contínuo durante toda a vida do animal sendo depositada intracavitariamente, principalmente em torno das vísceras e dos rins, e entre os músculos, no início da vida. À medida que os animais crescem e se aproximam da maturidade, quantidades crescentes de gordura passam a ser depositada externamente sob a pele. Quando essa camada atinge certo nível, a gordura começa a se infiltrar dentro dos músculos, num processo conhecido como marmorização. Há, portanto, uma ordem preferencial de deposição de gordura na carcaça, sendo a gordura renal e pélvica a mais precoce de todas, e a da marmorização a mais tardia delas, com a gordura subcutânea e intermuscular de deposição intermediária. O tecido adiposo é de desenvolvimento tardio, apresentando uma alometria positiva em relação ao organismo (coeficiente de alometria superior a 1), a qual se acentua com a idade dos animais (Figura 3.8). O desenvolvimento, como o resto dos tecidos, com ondas de crescimento que vão das regiões mais distais para a região lombar. Figura 3.8 – Proporção dos tecidos constituintes da carcaça em função da maturidade do ovino (Com base nos dados de Thompson, 1983) 0 10 20 30 40 50 60 70 4 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 1,1 2,9 6,1 9,6 13,5 17,6 22,1 27,0 32,1 37,6 43,3 Peso da carcaça quente (kg) Proporção do peso vivo maduro (%) P ro p o rç ã o d o p e so t o ta l d a c a rc a ça ( % ) Músculo Osso Gordura 51 Pelo exposto, conclui-se que entre os tecidos que compõem a carcaça dos pequenos ruminantes, a gordura é o tecido mais variável, tanto em quantidade quanto em distribuição. A proporção e a distribuição de gordura na carcaça são, portanto, determinadas por fatores extrínsecos e intrínsecos ao animal, sendo que entre os intrínsecos a CC é um dos mais importantes. O padrão de deposição de gordura na carcaça dos ruminantes varia em função da espécie animal. Segundo Boggs et al. (1998), de toda a gordura depositada na carcaça de bovinos e ovinos, cerca de 30 e 44% são de gordura subcutânea, 42 e 34% são de gordura intermuscular, 15 e 9 % são de gordura intramuscular (marmoreio) e 13 e 13% são de gordura interna (renal e pélvica), respectivamente. Quanto às diferenças entre as espécies de pequenos ruminantes, a mais marcante é que o tecido adiposo subcutâneo na espécie caprina é pouco desenvolvido ou escasso, sendo quase todo ele depositado nas cavidades corporais. Por exemplo, Casey e Naude (1982), citado por Van Niekerk e Casey (1988), avaliando caprinos Boer e ovinos Dorper de 23 a 41kg de peso vivo ao abate, encontraram um teor e uma espessura média de gordura subcutânea na carcaça de 6,4 e 12,2% e 2,1 e 6,0mm para as duas espécies, respectivamente. Dentro de uma mesma espécie de ruminante, há também diferenças de deposição entre os diversos tipos econômicos e as diferentes raças. Por exemplo, os animais do tipo leiteiro tendem a acumular mais gordura nos depósitos internos do que nos depósitos externos, ocorrendo o inverso com os animais de raças para corte. Isto ocorre porque os depósitos internos por serem mais fortemente vascularizados permitem aos animais leiteiros mobilizarem mais rapidamente lipídeos para manterem elevados seus níveis de produção de leite. Em relação às diferenças raciais, há uma menor deposição de gordura subcutânea e maior de gordura interna nos ovinos tropicais quando comparados aos ovinos de clima temperado. Como a gordura é um tecido mal condutor de calor, animais de clima tropical, que necessitam constantemente de perder calor corporal para manter sua homeotermia, deverá ter, assim, o mínimo de gordura de cobertura possível. Além disso, como a gordura interna é mais vascularizada do que a externa, os animais de climas adversos, como a região semi-árida nordestina, ao passarem por grandes e freqüentes períodos de escassez alimentar, necessitam mobilizar mais rapidamente e em maior quantidade energia de reserva, para tanto depositam mais gordura interna do que externa. 4.1.4. Outros tecidos Os outros tecidos constituintes da carcaça são os vasos sangüíneos e linfáticos, nervos, tendões e gânglios linfáticos. As fibras nervosas e os vasos sanguíneos que irrigam os músculos esqueléticos acompanham os septos de tecido conjuntivo a partir do epimísio e vão se ramificando até atingir cada fibra muscular. As arteríolas e vênulas são orientadas transversalmente em relação às fibras musculares e a maioria dos capilares é disposta 52 paralelamente ao eixo longitudinal das fibras. Este arranjo permite uma extensa cobertura da superfície da célula para a troca de nutrientes e produtos do metabolismo celular. Cada fibra nervosa pode se ramificar e enervar numerosas fibras musculares. O contato entre os axônios terminais e as fibras musculares acontece através das placas motoras terminais. 4.2. DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA DA COMPOSIÇÃO TECIDUAL Entende-se por composição tecidual, as proporções em que se encontram esses três ou quatro grupos de tecidos na carcaça. A carcaça e seus diversos cortes apresentam porções comestíveis e não comestíveis, sendo que dentre às não comestíveis, os ossos perfazem a maior parte. Da porção comestível, os músculos se constituem no tecido mais nobre e a gordura em excesso é de pequeno valor comercial e em determinados casos indesejável. Assim, o que se deseja da carcaça como um todo ou em cada um dos seus cortes comerciais, é o mínimo de osso, o máximo de músculo e uma adequada quantidade de gordura. Carcaças e cortes bem constituídos tecidualmente, predispõem os consumidores a pagarempreços mais elevados por elas. A qualidade da carcaça ou dos cortes para o mercado consumidor e para a pesquisa depende fundamentalmente das quantidades relativas de osso, músculo, gordura e outros tecidos na carcaça. A composição da carcaça, medida pela proporção de músculo, ossos e gordura, é determinada por fatores genéticos e ambientais, sendo que a idade, o peso vivo, a raça e a dieta são fatores que influenciam a composição da carcaça de ovinos. Muito tempo e enormes quantidades de recursos financeiros têm sido utilizados na tentativa de gerar técnicas que possam estimar acuradamente a composição tecidual das carcaças. Como conseqüência, inúmeras são as técnicas já disponíveis, embora a maioria não seja prática o suficiente para ser utilizada na rotina de avaliação de carcaças. Serão discutidos a seguir as técnicas (medições, pesagens, comparações subjetivas, etc) mais consagradas na predição e na determinação da composição tecidual da carcaça, onde podem ser utilizados individualmente ou combinado. Muitos métodos foram desenvolvidos para estimar a composição da carcaça. Embora a separação física completa da carcaça, ou seja, a dissecação de toda a carcaça em seus diversos tecidos constituintes seja o mais preciso, a dissecação de apenas um dos lados da carcaça ou de um corte representativo da carcaça pode ser utilizada. Além desse método, alguns outros métodos mais simples tem resultado em boas predições da composição tecidual das carcaças em pequenos ruminantes. 4.3. DETERMINAÇÃO DA COMPOSIÇÃO TECIDUAL O método mais seguro para se determinar a composição tecidual da carcaça, desde que corretamente executado, é a dissecação. 53 A dissecação consiste na separação dos músculos, ossos, gorduras e outros tecidos da carcaça, mediante o uso de bisturis, pinças e tesouras. A dissecação pode ser total, quando se disseca toda a carcaça, ou parcial, quando se disseca uma das meias-carcaças ou até mesmo um corte representativo da carcaça. Na dissecação da meia-carcaça, a coluna vertebral deve ser simetricamente dividida ao meio. Embora a dissecação completa da carcaça para determinar sua composição tecidual seja o método mais preciso e indicado, cientificamente, ele é trabalhoso, lento e caro, de forma que a dissecação de meia-carcaça, adequadamente obtida, pode substituir a dissecação total. Também é interessante e importante a identificação de cortes que melhor represente a carcaça quanto às proporções de osso, músculo e gordura. Diversas pesquisas com ovinos, principalmente lanados, têm demonstrado que, pelos altos coeficientes de correlação encontrados, a dissecação e pesagem do músculo, osso e gordura da perna e da paleta, constituem-se num bom indicador da proporção destes tecidos na carcaça inteira. Por outro lado, a paleta e a perna representam mais de 50% da carcaça e por isso são os cortes mais utilizados para predizer o conteúdo dos tecidos na carcaça. Na Figura 3.9 observa-se, por meio de um corte transversal, os principais tecidos constituintes da perna, enquanto na Figura 3.10 demonstra-se através de uma visão lateral os constituintes, mas com destaque para os “outros tecidos”. Todavia, mais estudos que envolvam a dissecação de carcaças de ovinos deslanados e caprinos necessitam ser executados para que se possa determinar com segurança que corte ou quais cortes são os mais representativos da carcaça, em termos de composição tecidual. Antes da carcaça, da meia-carcaça ou do corte congelado ser dissecado, ele tem que passar por um processo de descongelamento, o qual deve ocorrer sob refrigeração. A dissecação deve ser processada em um ambiente com temperatura não superior 12ºC e com umidade relativa do ar não inferior a 70%, a fim de reduzir as perdas por evaporação. A dissecação da perna (Figura 3.11a) tem início com a retirada da gordura superficial, ou seja, a gordura subcutânea (Figura 3.11b). Depois se remove a gordura que ocupa os espaços entre os músculos e entre estes e os ossos, a chamada gordura intermuscular (Figura 3.11c), à medida que os músculos (Figura 3.11d), isolados ou em grupos, são retirados. Os demais tecidos, ou seja, os “outros tecidos” que incluem vasos, nervos, tendões e gânglios linfáticos, são extraídos quando forem surgindo com a retirada dos músculos e gorduras (Figura 3.11e). O que sobra após a separação de músculos, gorduras e demais tecidos, são os ossos (Figura.11f). Após a separação, todos os tecidos da perna (Figura 3.12) devem ser pesados. A gordura subcutânea é fácil de ser removida de grandes músculos, mas sobre alguns pequenos músculos, especialmente do pescoço, ela é de difícil remoção. A maioria dos métodos de dissecação indica que o músculo da pele, o cutaneus trunci, não é removido separadamente da gordura superficial, de forma que o mesmo é contabilizado como gordura subcutânea. O tecido conectivo que envolve superficialmente os músculos deve ser incluído como gordura superficial e as cartilagens como osso. Os ligamentos e tendões se seccionam o mais próximo possível do músculo. As fáscias musculares são 54 partes integrantes dos músculos. Apenas os grandes vasos e nervos são passíveis de remoção. Dos ossos são raspados todos os restos de músculos, gorduras e tendões. Figura 3.9. Corte transversal da perna mostrando os constituintes teciduais 1Constituem o M. quadríceps Figura 3.10 – Constituintes teciduais da perna, com destaque (em negrito) para “outros tecidos”. M. tensor fáscia lata M. reto femural1 M. vasto medial1 M. sartório M. pectíneus M. adutor M. gracil M. semimembranoso M. vasto intermédio1 M. glúteo biceps M. semitendinoso M. vasto lateral1 Gordura intermuscular popliteal Osso do fêmur Vasos sangüíneos e nervos Gordura subcutânea Artéria femural Veia femural Osso do fêmur Nervo isquiático Ducto linfático isquiático Linfonodo popliteal Depósito popliteal de gordura intermuscuçlar Músculo gastrocnêmio Tendão calcâneo Osso da tíbia Osso calcâneo Osso do traso Osso coxal Ossos do sacro 55 Figura 3.11. Processo de dissecação da perna Perna intacta Gordura intermuscular Gordura intermuscular Gordura subcutânea Linfonodo Nervo Vaso Ossos coxais Fêmur Músculos a b c d e f 56 Figura 3.12 – Todos os tecidos constituintes da perna ovina 1.a 1.b 2.a 2.b 2.c 3.a 3.b 3.c 3.d 3.e 3.g 4.a 4.d 4.c 4.b 1. Gorduras: 1.a (g. subcutânea), 1.b (g. intermuscular) – 2. Ossos: 2.a (coxais – isquio, ílio, púbis e sacro), 2.b (fêmur), 2.c (tíbia, fíbula, calcâneo e metatarso) – 3.músculos: 3.a (M.quadríceps), 3.b (M. glúteo bíceps), 3.c (M. semitendinoso), 3. d (M. semimembranoso), 3.e (adutor), 3.f (M da garupa), 3.g (M. da canela) – 4. outros tecidos: 4.a (tendões), 4.b (nervos), 4.c (vasos sangüíneos), 4.d (linfonodo), e 4.e (cartilagens). 3.f 4.e 57 Durante o processo de separação dos tecidos para se determinar a composição tecidual da carcaça, das meias-carcaças ou dos cortes comerciais, há considerável perda de peso, devido aos processos de evaporação e exsudação (gotejamento) que as peças passam antes e durante ao processo de dissecação. Perdas de peso até 2-3% são consideradas normais. Assim, faz-se necessário, somar o peso de todos os tecidos (ósseo, muscular, adiposo e outros tecidos) dissecados de cada corte, de cada meia-carcaça e de cada carcaça para se constituir em novo peso. Este novo peso, o peso reconstituído, como seria esperado, é inferior ao peso da peçainteira, diferença essa que se acentua quando o processo de descongelamento é feito de forma incorreta (descongelamento à temperatura ambiente) e quando a dissecação não se processa de forma adequada (dissecação demasiadamente lenta e com excesso de manipulação dos tecidos, por exemplo). Dessa forma, na determinação da composição tecidual relativa ou percentual dos tecidos, por exemplo, o peso de cada corte a ser considerado não seria mais aquele obtido imediatamente após a retalhação da carcaça e sim o peso reconstituído total do corte. Apesar da dissecação resulta em uma diversidade muito grande de tecidos, na prática a composição tecidual ou histológica da carcaça fica reduzida apenas à quantidade de músculo, gordura, osso e outros tecidos, ou apenas, a músculo, gordura e osso. No último caso, em que os demais tecidos não são considerados, o peso da peça, da meia-carcaça ou da carcaça inteira dissecada deve ser novamente reconstituído. Assim, a composição tecidual da carcaça, ou seja, as quantidades de músculo, gordura e osso, podem ser expressa em termos percentuais e através de relações entre esses tecidos constituintes (Tabela 3.4). Tabela 3.4. Composição tecidual, expressada na forma absoluta e relativa individual de cada tecido, bem como através de relações proporcionais entre os tecidos. Parâmetro Peso (kg) Proporção (%) Perna antes da dissecação 1,698 100,00 Perna depois da dissecação 1,648 97,00 Perda de peso 0,050 3,00 Músculos 1,115 67,62 Ossos 0,283 17,16 Gordura 0,199 12,07 Outros tecidos 0,052 3,16 Total de tecidos reconstituídos 1,648 100,00 Relação músculo/osso (g/g) 1,115/0,282 = 3,95 Relação músculo/gordura (g/g) 1,115/0,199 = 5,60 58 As relações entre os tecidos constituintes, nos proporcionam uma boa informação da composição tissular da carcaça. Na prática, para estabelecer esta composição por meio de relações teciduais, há que está presente necessariamente três variáveis: músculos, ossos e gordura. Se existir maior proporção de uma delas, existirá menos de uma ou das duas variáveis restantes. As proporções relativas destes três constituintes teciduais em carcaças de pesos similares são as que determinam em grande parte o valor da carcaça. Dado que o músculo é o componente mais importante, das relações possíveis entre os três tecidos, a relação entre músculo e osso (relação músculo/osso) e entre músculo e gordura (relação músculo/gordura) são as mais importantes, uma vez que a primeira estima a musculosidade da carcaça, enquanto a segunda indica o seu estado de engorduramento. Assim, quanto maior o percentual de músculo, menor o de osso e intermediário o de gordura, melhor a composição. Em suma, quanto maior for a relação músculo/osso e músculo/gordura, maior é o rendimento muscular e, portanto, maior é a proporção de tecidos comestíveis na carcaça. Todavia, a última relação deve está em uma proporção adequada para que a carne oriunda da carcaça apresente uma palatabilidade que o consumidor demanda. A proporção dos tecidos pode ser determinada não só na carcaça inteira, como também nos cortes individual, o que nos dá uma idéia melhor da distribuição dos tecidos na carcaça (Tabela 3.5 e Figura 3.12) Tabela 3.5. Composição tecidual, em % de M (músculo), O (osso) e G (gordura) dos corte e da carcaça quente com 30kg de caprinos machos da raça saanen (Adaptado de Colomer-rocher et al, 1992- Small Ruminat Research,v7, p.161-173). % dos cortes % da carcaça Cortes M O G M O G % da Carcaça Pescoço 68,3 22,9 8,8 8,7 2,9 1,2 12,8 Costilhar 58,3 22,1 19,6 16,1 6,1 5,4 27,6 Lombo 51,3 18,4 30,3 5,6 2,0 3,3 11,0 Perna 66,9 21,9 11,2 17,8 5,8 3,0 26,6 Paleta 65,1 20,1 14,8 14,3 4,4 3,3 22,0 Carcaça - - - 62,5 21,2 16,2 100,0 59 Figura 3.12. Representação gráfica da composição tecidual relativa (%) dos cortes comerciais da carcaça ovina, conforme Tabela 3.5. 4.4. PREDIÇÃO DA COMPOSIÇÃO TECIDUAL Embora a composição tecidual seja melhor determinada através da dissecação, esse processo tem, além das limitações já comentadas anteriormente, a inconveniência de não poder ser aplicado no momento de avaliação da carcaça na plataforma ou linha de abate comercial, de modo que vários métodos, mais simples, mais rápido e mais barato, são utilizados na estimativa da composição tecidual da carcaça. As vantagens da aplicação desses métodos fazem com que eles sejam também utilizados na avaliação científica da composição tecidual das carcaças. 68,3 22,9 8,8 Músculos (%) Gorduras (%) Ossos (%) 19,6 22,1 58,3 51,3 30,3 18,4 65,1 20,1 14,8 66,9 21,9 11,2 60 4.4.1. AVALIAÇÃO DO ESTADO DE MUSCULOSIDADE DA CARCAÇA A avaliação da quantidade de músculo na carcaça pode ser feita através do exame da conformação, de forma objetiva (morfometria) e subjetiva (avaliação visual) e por determinação de índices e da área de olho de lombo (AOL). A) AVALIAÇÃO DA CONFORMAÇÃO Conformação é a forma que a carcaça toma como resultado da quantidade e distribuição de sua massa muscular sobre a base óssea, o esqueleto, a qual pode ser descrita subjetivamente por meio de perfis ou contornos externos e objetivamente através de medições lineares e circulares, cujos tipos de perfis e proporções das medidas dependem das relações teciduais existentes na carcaça. Algumas pesquisas sim, outras não, têm demonstrado haver correlação alta e significativa entre a medida subjetiva de escores de conformação da carcaça e a proporção de carne magra produzida e determinada objetivamente. Embora haja ainda muitas controvérsias em relação a importância da conformação na estimativa da composição tecidual da carcaça, o que se tem hoje de concreto é que, embora os resultados da maioria das pesquisas tenham demonstrado que esse característica qualitativa não é um indicador seguro do rendimento de carne magra da carcaça, ela tem uma efeito positivo sobre a aceitação dos cortes pelo consumidor e, portanto, desempenha um importante papel do ponto de vista comercial das carcaças. Uma carcaça bem conformada causa ao consumidor uma expectativa de que há maior proporção de cortes e tecidos nobres, levando-as a alcançarem preços mais elevados. Como a conformação da carcaça ainda é um dos fatores que mais incide sobre o valor de comercialização da carcaça, ela é uma das características cuja avaliação é tida como indispensável em qualquer esquema de classificação de carcaça. A avaliação da conformação pode ser realizada de forma objetiva e subjetiva, como será abordado a seguir. a) AVALIAÇÃO SUBJETIVA (EXAME VISUAL) Um ponto muito importante a ser considerado antes do início do exame visual da conformação é a disposição das carcaças. Para a avaliação da conformação, assim como para a avaliação do acabamento e para a obtenção das medidas lineares e circulares morfométricas, as carcaças devem ser suspensas pelo tendão calcâneo do jarrete por meio de ganchos de tamanho padrão que, por 61 sua vez, ficam fixados em uma barra metálica a uma altura tal que permita ao avaliador uma adequada visão da carcaça e com isso possibilite uma correta avaliação. Há basicamente dois métodos de apresentação da carcaça para avaliação no que diz respeito ao posicionamento das pernas suspensas pelo jarrete através de seu tendão (Figura 3.13). O método mais utilizado é aquele no qual as pernas suspensas ficam com as tíbias paralelas de modo que quanto mais larga for a carcaça mais distantes devem ficar os ganchos para manter esse paralelismo entre os membros posteriores e quanto mais estreita a carcaça mais próximos devem ficar os ganchos para atingir o almejado paralelismo.Não parece prudente adotar um espaço fixo entre os ganchos igual para carcaças de diferentes tamanhos e pesos, a exemplo da proposta de 10cm para carcaça pesadas e de 12cm para carcaças leves. Há uma grande variação de tamanho e peso entre as carcaças tidas como pesadas ou leves, de forma que se os ganchos ficarem, um do outro, a uma distância menor que o necessário para as pernas permanecerem paralelas, as pernas se fecham em nível dos jarretes, se ao contrário os ganhos ficarem distanciados além do necessário, as pernas se abrem em nível dos jarretes (Figura 3.14), prejudicando a avaliação, principalmente em relação ao espaço da entre-pernas, região mais importância na avaliação da conformação. Diferentemente, o outro método consiste em suspender as pernas por um único gancho de forma que os jarretes fiquem unidos ou cruzados. 62 Figura 3.13. Métodos de apresentação da carcaça para avaliação subjetiva Normal Aberto Fechado a. Perna paralelas b. Perna cruzadas c. Aberturas das pernas paralelas 63 A técnica de avaliar e classificar carcaça é uma combinação de ciência e arte, que fica condicionada ao conhecimento de uma conformação padrão, tida como ideal. Logra-se, portanto, uma avaliação com êxito quando se conhece cabalmente cada detalhe da conformação ideal. Diante um grande número de carcaças, um bom avaliador deve ser capaz de efetuar comparações e classificar as carcaças nas diversas categorias com base nos padrões memorizados ou em padrões fotográficos de todas as categorias de carcaça do sistema em uso. Durante o exame visual da conformação da carcaça se objetiva estimar a quantidade, proporção e distribuição da massa muscular depositada sobre o esqueleto do animal. Músculos e ossos devem formar uma unidade adequadamente funcional, assim, a estrutura óssea deve ser suficiente para suportar e distribuir bem uma elevada quantidade de massa muscular. Avaliada a estrutura de sustentação óssea, passa-se a avaliar os planos musculares da carcaça. Para tanto, deve-se dividir, mentalmente, a carcaça em três regiões, o terço anterior ou cranial, o terço médio e o terço posterior ou caudal. Dada a maior valorização comercial dos cortes do posterior, o terço caudal deve ser o mais minuciosamente examinado, seguido pelo médio e finalmente pelo anterior. Todavia, para a carcaça ser harmônica e receber uma boa nota no conjunto, ela deve ter um adequado equilíbrio entre as partes que a compõe. Durante o processo de avaliação visual da conformação, surgem ao avaliador perfis ou contornos externos da carcaça que vão desde o côncavo, em carcaças mal conformadas, até o hiperconvexo, para carcaças extraordinariamente bem conformadas. Neste último caso, a carcaça transmite ao avaliador uma sensação de ser compacta, uma vez que ao se relacionar o comprimento, largura e profundidade de suas partes e dela como um todo, mostra-se compacta. A percepção desse tipo de conformação leva ao consumidor a impressão de que a quantidade da porção comestível nesse tipo de carcaça é mais elevada, levando-o a pagar um preço mais alto aos cortes por ela originados. O melhor ponto para se avaliar a conformação é o espaço entre as pernas. Quanto mais mal conformada for a carcaça disposta com pernas paralelas, mais o espaço entre-pernas ou os perfis internos das pernas tomam forma de “V” e quanto mais bem conformada for a carcaça o espaço entre-pernas apresenta-se na forma de “U”. Nas carcaças dispostas com pernas cruzadas, o espaço entre-pernas torna-se alongado nas carcaças mal conformadas, enquanto nas bem conformadas o espaço fica mais arredondado. Com base no exposto, a carcaça ovina pode ser classificada, quanto à conformação, em cinco categorias, conforme Tabela 3.6 a seguir. 64 Tabela 3.6. Descrições e padrões das categorias de conformação das carcaças CONFORMAÇÃO RUIM CONFORMAÇÃO (ESCORE) DESCRIÇÃO PADRÃO ILUSTRATIVO PADRÃO FOTOGRÁFICO RUIM (1) A carcaça tem desenvolvimento muscular escasso. Os planos musculares têm pequena profundidade e ficam abaixo das protuberâncias ósseas, de modo que a carcaça se torna muito angulosa, com depressões musculares e elevações esqueléticas. A carência muscular permite que a estrutura esquelética se torne muito palpável e seja de percepção visual muito fácil. Os perfis da carcaça são côncavos a muito côncavos. As carcaças são longilíneas, onde as medidas de comprimento se sobrepõem as de largura e profundidade, ou seja, as carcaças são compridas, estreitas e de pouca profundidade. As pernas são longas, estreitas e com o espaço da entre-pernas em forma de V. A percepção que se tem da região da garupa, lombo, dorso, cinturão escapular e do pescoço, é que todas são retangulares com comprimento maior que a largura, quando observadas pelo plano dorsal da carcaça. 65 CONFORMAÇÃO RAZOÁVEL CONFORMAÇÃO (ESCORE) DESCRIÇÃO PADRÃO ILUSTRATIVO PADRÃO FOTOGRÁFICO RAZOÁVEL (2) A carcaça tem moderado desenvolvimento muscular. Os planos musculares têm razoável profundidade, só ultrapassando e encobrindo um pouco às protuberâncias ósseas, de modo que são percebidas mais facilmente pela palpação do que pela visão. Os perfis da carcaça são retilíneos. As carcaças estão mais para longilíneas do que para mediolíneas, onde as medidas de comprimento são um pouco maiores que as de largura e profundidade. As pernas são um tanto longas e o espaço entre elas tendem mais para a forma de V do que de U. A percepção que se tem da região da garupa, lombo, dorso, cinturão escapular e do pescoço, é que todas são retangulares, com comprimento ainda maior que a largura quando observadas pelo plano dorsal da carcaça. 66 CONFORMAÇÃO BOA CONFORMAÇÃO (ESCORE) DESCRIÇÃO PADRÃO ILUSTRATIVO PADRÃO FOTOGRÁFICO BOA (3) A carcaça tem bom desenvolvimento muscular. Os planos musculares têm boa profundidade, ultrapassando e encobrindo bem às protuberâncias ósseas, de modo que só são percebidas por palpação. Os perfis da carcaça são subconvexos. As carcaças são mediolíneas, onde as medidas de comprimento se igualam as de largura e profundidade, ou seja, as carcaças são de comprimento, largura e de profundidade medianas. As pernas são médias e o espaço entre elas tem forma intermediária entre V e U. A percepção que se tem da região da garupa, lombo, dorso, cinturão escapular e do pescoço, é que todas são quadradas, com comprimento e largura são mais ou menos iguais, quando observadas pelo plano dorsal da carcaça. 67 CONFORMAÇÃO MUITO BOA CONFORMAÇÃO (ESCORE) DESCRIÇÃO PADRÃO ILUSTRATIVO PADRÃO FOTOGRÁFICO MUITO BOA (4) A carcaça tem desenvolvimento muscular muito bom. Os planos musculares têm profundidade muito boa, ultrapassando e encobrindo muito bem às protuberâncias ósseas, de modo que são difíceis de serem percebidas até por palpação. Os perfis da carcaça são convexos. As carcaças estão mais para brevilíneas do que para mediolíneas, onde as medidas de comprimento são um pouco menores que as de largura e profundidade. As pernas são um tanto curtas e o espaço entre elas tendem mais para a forma de U do que de V. A percepção que se tem da região da garupa, lombo, dorso, cinturão escapular e do pescoço, é que todas são retangulares, com comprimento já menor que a largura quando observadaspelo plano dorsal da carcaça. 68 CONFORMAÇÃO EXCELENTE CONFORMAÇÃO (ESCORE) DESCRIÇÃO PADRÃO ILUSTRATIVO PADRÃO FOTOGRÁFICO EXCELENTE (5) A carcaça tem desenvolvimento muscular excepcional. Os planos musculares têm enorme profundidade, ultrapassam e cobrem muito às protuberâncias ósseas, de modo que a carcaça se torna superficialmente lisa, sem depressões musculares e nem elevações esqueléticas. A hipertrofia muscular torna a estrutura esquelética imperceptível até mesmo por palpação. Os perfis da carcaça são ultraconvexos. As carcaças são brevilíneas, onde as medidas de largura e profundidade se sobrepõem as de comprimento, ou seja, as carcaças são curtas, largas e profunda, ou seja, são muito compactas. As pernas aparentam ser curtas, largas e com o espaço da entre-pernas em forma de U. A percepção que se tem da região da garupa, lombo, dorso, cinturão escapular e do pescoço, é que todas são retangulares, com o comprimento de cada regional menor que a largura, quando observadas pelo plano dorsal da carcaça. São carcaças de animais com musculatura dupla. L G D CE P 69 b) AVALIAÇÃO OBJETIVA (MORFOMETRIA) Na avaliação objetiva da conformação de carcaça, por meio da morfometria, são tomadas medidas lineares (comprimento e profundidade) e circulares (perímetros) da carcaça como um todo e de algumas regiões específicas da carcaça e meia-carcaça. Meia-carcaça é cada uma das duas partes resultantes do corte longitudinal ao longo da linha média dorsal da carcaça que passa dividindo ao meio a coluna vertebral, a sínfise ísquiopubiana e o esterno. A obtenção correta das meias-carcaças é observada quando o corte secciona ao meio a medula espinhal em toda sua extensão, ficando metade da medula na meia-carcaça esquerda e a outra metade na meia-carcaça direita. Normalmente, o corte através de serra elétrica se faz no sentido posterior-anterior, ou seja, iniciando- se com a separação das duas pernas e terminando com a divisão do pescoço ao meio. Durante a obtenção das meias carcaças, dada a maior flexibilidade da cauda e pescoço, tornam-se difícil a sua divisão ao meio pela serra elétrica quando ainda presa a carcaça. Assim, é prudente secciona-las da carcaça, pesa-las inteiras e dividir o peso obtido por dois e o peso de cada meia porção desta será somada ao peso das meias-carcaças. Para a obtenção das medidas morfométricas das carcaças e meias-carcaças, elas devem está suspensas pelo tendão da perna, ao invés de dispô-las sobre uma superfície plana, haja vista que se torna muito difícil dispor as carcaças sempre em uma mesma posição, podendo ocorrer, durante a disposição das carcaças e meias-carcaças sobre a mesa, diferentes formas de distensões de uma carcaça ou meia-carcaça em relação às outras. As medições da conformação da carcaça são realizadas mediante o uso de fita métrica, para medidas circulares e de réguas, compassos e hipômetros, para as medidas lineares. As medidas morfométricas podem ser divididas em medidas externas (morfometria externa) e internas (morfometria interna) da carcaça. As medidas de conformação externa são tomadas na carcaça inteira resfriada (Figura 3.14), sendo as mais representativas as seguintes: a) Comprimento externo da carcaça (CEC): é a distancia entre a base do pescoço e a base da cauda. b) Largura da garupa (LG): é a distancia máxima entre os dois trocânteres de ambos os fêmures. c) Largura do tórax (LT): é a distância máxima entre as costelas. 70 d) Perímetro da garupa (PG): é o perímetro tomado em torno da garupa, tendo como referência a passagem da fita métrica sobre os dois trocânteres de ambos os fêmures. As medidas internas da carcaça são obtidas na meia-carcaça esquerda resfriada suspensa pelo tendão calcâneo do jarrete (Figura 3.15), quais sejam: a) Comprimento interno da carcaça (CIC): é a distância máxima entre o bordo anterior da sínfise ísquio-pubiana e o bordo anterior da primeira costela em seu ponto médio. b) Comprimento da perna (CP): é a distância entre o perínio, em sua borda mais distal, e o bordo interior da superfície articular tarso- metatarsiana, pela face interna da perna ou é a distância entre o bordo anterior da sínfise isquiopubiana e o bordo interior da superfície articular tarso-metatarsiana, pela face interna da perna. Dado que os pontos de referência da segunda medição são melhores que o da segunda, tornando-o menos vulneráveis a erro e de maior facilidade de medição, sugere-se utilizar a segunda opção de medida. c) Profundidade do tórax (PT): é a distância máxima entre o esterno e o dorso da carcaça em nível da sexta vértebra torácica. 71 Figura 3.14. Morfometria externa da carcaça ovina CEC CEC LT LT LG LG PG PP PG PG CEC PT 72 Figura 3.15 – Morfometria interna da carcaça ovina PT CIC CP b a PT CIC CP-b CP-a 73 B) Determinação de índices A partir do estabelecimento de relações entre algumas medidas de conformação ou entre estas e algumas medidas que não de conformação, como peso, por exemplo, geram índices que podem até permitir uma melhor avaliação da composição tecidual da carcaça, do que as medidas tomadas isoladamente. Os índices mais utilizados nos trabalhos de investigação são os seguintes: a) Índice de compacidade da perna: é o cociente entre a largura da garupa (LG) e o comprimento da perna (CP). E Peso da perna/comprimento da perna ?? Citar exemplo b) Índice de compacidade da carcaça: é o cociente entre o peso da carcaça fria (PCF) e o comprimento interno da carcaça (CIC). Ex c) Índice de musculosidade da perna (IMP): Relacionando-se o peso (em g) dos cinco músculos (P5M) que envolvem o osso do fêmur, ou seja, o peso somado dos músculos Biceps femoris, Semimembranosus, Semitendinosus, Quadriceps femoris e Adductor (Figura 3.16), com o comprimento (em cm) do fêmur (CF), segundo a fórmula abaixo, obtêm-se o índice de musculosidade da perna (IMP). O IMP reflete bem a relação músculo/osso da carcaça, de modo que quanto maior o IMP maior é a proporção de carne na carcaça. Exemplo. Figura 3.16. Osso do fêmur e os cinco músculos que o envolvem na perna de um ovino. 1 2 3 4 5 6 1- M. quadríceps, 2- M. glúteo bíceps, 3 - M. semitendinoso 4 – M. semimembranoso, 5 – M. adutor, 6 - Osso do Fêmur 74 C) Determinação da aérea de olho de lombo (AOL) O músculo Longissimus dorsi, constitui-se em um músculo longo que se estende, no plano dorso-medial do corpo, desde a porção posterior da cabeça do animal até a região anterior do ílio (osso coxal). Dependendo da região em que se encontra, ele passa a receber denominações relativas a cada uma das regiões, de forma que a porção do Longissimus dorsi situada no lombo, tórax, pescoço, atlas (1ª vértebra cervical) e cabeça, passam a se denominarem de músculos Longissimus lumborum, Longissimus thoracis, Longissimus cervicis, Longissimus atlantis e Longissimus capitis, respectivamente (figura 3.17). Figura 3.17. Localização topográfica do músculo Longissimus dorsi e suas respectivas denominações regionais Fórmula de cálculo: CF CFMPIMP /5= IMP: índice de musculosidade da perna (g/cm) P5M: peso dos 5 músculos (g) CF: comprimento do fêmur (cm) M. Longissimus lumborum M. Longissimus thoracis M. Longissimus cervicis M. Longissimus atlantis M. Longissimus capitis M. Longissimus dorsi 75 Para expor a superfície transversal do músculoLongissimus dorsi e, por conseguinte, avaliar a carne ainda na carcaça, realiza-se um corte transversal entre a 13ª vértebra torácica e a 1ª vértebra lombar ou, preferencialmente, entre a 12ª e 13ª vértebras torácicas da meia-carcaça esquerda resfriada. Essa incisão separa o músculo Longissimus dorsi em duas porções, uma cranial e outra caudal, onde a primeira por ficar situada na região torácica passa a receber o nome de Longissimus thoracis, enquanto a segunda por ficar no lombo, passa a ser denominar de Longissimus lumborum. A secção transversal do músculo Longissimus lomborum exposta pelo referido corte, é convencionalmente denominada de “área de olho de lombo” ou simplesmente de AOL, na forma abreviada (Figura 3.18). Para se registrar e arquivar a AOL, coloca-se sobre a superfície da referida secção uma película transparente, de papel vegetal ou de plástico, na qual se traça, com caneta própria, o contorno do músculo Longissimus lomborum (Figura 3.19), que será arquivado para posterior medição da AOL através de quaisquer dos métodos abaixo descritos. Especial atenção deve ser dada a operação de contornar a AOL, onde a falta de cuidado ou a inexperiência do operador pode incluir, além do músculo Longissimus dorsi, outros músculos menores que estão em seu entorno, principalmente os músculos espinhal, semi-espinhal, multifídio, elevador de costelas, intercostais e os iliocostais (Figura 3.20). A AOL tem sido utilizada tradicionalmente como uma boa estimativa da musculosidade de carcaças e está diretamente correlacionada com a relação músculo/osso nos cortes mais valiosos da carcaça. Figura 3.18. Secção transversal dorsal de exposição da AOL M. longissimus dorsi (AOL) 76 Figura 3.19. Tracejado da AOL em película transparente. Figura 3.20. Localização topográfica do músculo L. dorsi e demais músculos circunvizinhos M. oblíquo abdominal M. serrátil dorsal M. iliocostal M. intercostal M. elevador de costelas M. multifídio M. espinhal e semi-espinhal 13ª costela 12ª vértebra torácica M. longissimus lumborum (AOL) Gordura subcutânea 77 a) Medidas A e B Através de régua se traça duas retas sobre a imagem da AOL obtida (Figura 3.21), uma que mede a distância máxima do músculo Longissimus dorsi no sentido médio-lateral (medida A) e outra perpendicular a anterior, que mede é a distância máxima do músculo Longissimus dorsi no sentido dorso-ventral (medida B). Terminada as medições, inserem-se as medidas na fórmula abaixo, para determinar a AOL em cm2. π : 3,1416 Figura 3.21. Medidas A, B e C da secção transversal entre a 12ª e 13ª costelas. AOL = (A/2 x B/2) x π Medida C Medida A Medida B 78 b) Grade plástica A AOL também pode ser mensurada através de grade plástica quadriculada (Figura 3.22). Cada quadrado da grade mede 10mm x 10mm, tem uma área de 1cm2 e possui um ponto em seu centro. Posto a grade diretamente sobre a AOL exposta na carcaça ou sobre a imagem da AOL registrada na película plástica ou de papel, conforme demonstra a figura abaixo, conta-se o número de pontos que caem dentro da AOL e o seu total é a medida da AOL em cm2. Figura 3.22. Mensuração da AOL por meio de grade quadriculada c) Papel milimetrado O papel milimetrado consiste de uma folha de papel com uma grade impressa, onde cada quadrículo da grade mede 1mm x 1mm e, portanto, tem uma área de 1mm2 (Figura 3.23). Transferindo-se a imagem da AOL da película para o papel milimetrado, por meio de carbono ou por fotocópia, por exemplo, conta-se a quantidade de quadrículos de 1mm2 dentro da AOL impressa no papel milimetrado, de forma que o total de quadrículos dividido por 10, corresponde a AOL em cm2. Figura 3.23. Mensuração da AOL através de papel milimetrado 79 d) Planímetro O planímetro é um instrumento para desenho técnico usado para medir a área de uma superfície plana arbitrária. O planímero contém uma roda de medição que gira a medida que o operador traça o contorno da superfície plana desejada. Um outro componente do aparelho, o contador, registra o número de voltas dada pela roda. A área da superfície é porporcional ao número de voltas registradas pelo contador. A imagem da AOL obtida da carcaça e tracejada sobre a película, deve ser cuidadosamente contornada pelo planímetro e assim determinada a AOL em cm2 (Figura 3.24). Figura 3.24. Mensuração da AOL por meio de planímetro. e) Software Existem no mercado de informática inúmeros softwares de elaboração de desenhos técnicos aplicados nas mais diversas áreas, como arquitetura, engenharia e cosntruções, que podem ser usadas na determinação da AOL. Atualmente, o software mais utilizado para esse fim é o AutoCAD®, um software do tipo CAD — computer aided design ou projeto assistido por computador — criado e comercializado pela Autodesk, Inc. desde 1982 (Figura 3.25) Transferindo-se a imagem da AOL tracejada sobre a película para o computador, o Autocad® processa a imagem e determina a AOL em cm2. 80 Figura 3.25. Mensuração da AOL através de software AutoCAD® f) Ultrassom A ultrasonografia é uma ferramenta que prediz, de forma objetiva, a composição da carcaça em animais ainda vivos, sendo una técnica não destrutiva, não invasiva e econômica que estima a quantidade de tecido muscular e adiposo antes do abate dos animais. As ondas ultrasonicas podem ser geradas de diferentes formas, embora a mais usual seja aquela por cristais piezelétricos, ou seja, cristais que quando estimulados por corrente elétrica, são deformados e produzem uma onda sonora, cuja freqüência da onda produzida dependerá das dimensões e da natureza do cristal. Qualquer dispositivo que converte energia elétrica em energia mecânica ou vice-versa, se chama transdutor. Assim, o transdutor dos aparelhos de ultra-som, também denominado de sonda, é um gerador, mas também um detector de pulsos. As ondas sonoras apresentam freqüências que vão desde alguns Hertz (Hertz) até vários mega Hertz (MHz), embora as ondas sonoras percebidas pelo ouvido humano variam de 20 Hertz até 20 quilos hertz (kHz). Ondas Ultrasônicas ficam acima desse intervalo, onde os aparelhos de ultra-som utilizados para obter imagens de tecidos em animais vivos a freqüência típica fica entre 1MHz e 10MHz. Avaliação de carcaça usa geralmente uma freqüência de 3.5- 5,0 MHz e avaliações reprodutivas usa 5.0-7.5 MHz. Os aparelhos de ultra-som emitem ondas sonoras que se dirigem ao interior do corpo do animal, onde ao encontrar um obstáculo ou interface, como um tecido ou órgão, transforma-o em pontos de brilho na tela do monitor do ultra-som. Algumas destas ondas sonoras penetram os tecidos, enquanto que outras são refratadas até o transdutor. Cada tipo de tecido tem propriedades acústicas diferentes, onde a quantidade de reflexão depende da diferença entre as impedâncias acústicas dos materiais que os constituem. A impedância acústica pode ser definida como a capacidade que tem um corpo para impedir a passagem de energia, 81 na forma de onda sonora, através dele. Os tecidos animais têm diferentes densidades e, consequentemente, diferentes velocidades de propagação de ondas, velocidade essa que é de 1,476 metros/segundo no tecido adiposo, 1,545 e 1,592m/s no tecido muscular esquelético longitudinal e secção transversal, e de 3,406 a 4,030m/s para o tecido ósseo. As estruturas de natureza maisdensa se tornam mais brilhantes (brancos), enquanto os menos densos se mostram mais escuros (pretos), ou seja, há uma escala de cinzas, que vai desde o branco, como os ossos compactos, até o preto, como os líquidos límpidos. O transdutor deve ser de cômoda manipulação e que suas freqüências permitam obter boa relação de profundidade e qualidade de imagem. Sondas de aplicação externa de 17-18cm, com 128 cristais e lineares são utilizados em bovinos adultos e até em pequenos ruminantes. Acopladores acústicos podem ser utilizados como adaptadores do transdutor linear para melhorar o contato deste com a curvatura da superfície do animal. Os tipos de aparelhos de ultra-som mais utilizados na avaliação de animais vivos são o Aloka 500V (Corometrics Medical Systems, Inc., Wallingford, CT, USA) e o Classic Scanner 200 (Classic Medical Supply, Inc., Tequesta, FL, USA). Os principais parâmetros de carcaça que são determinados pela ultrasonografia são a espessura da gordura subcutânea, a área de olho de lombo e o marmoreio da referida área. As medições de profundidade de tecido adiposo e muscular são realizadas com a sonda disposta paralelamente à coluna vertebral entre a 12ª e 13ª costelas, já para medir e explorar a secção transversal do músculo Longissimus dorsi, a sonda deve ser colocada perpendicularmente à coluna vertebral, no mesmo sítio anatômico. Figura 3.26. 82 4.4.2. AVALIAÇÃO DO ESTADO DE ENGORDURAMENTO DA CARCAÇA O estado de engorduramernto da carcaça consiste na proporção de gordura presente na carcaça, a qual deve ser reduzida, porém suficiente para proporcionar uma correta coservação e uma qualidade sensorial adequada. O estado de engorduramento é um bom predictor da composição tecidual da carcaça, pois ele está associado a quantidade de carne na carcaça, uma vez que músculo e gordura estão inversamente relacionados na carcaça. Assim, quanto maior a proporção de gordura na carcaça, menor será a proporção de músculo na carcaça. O acabamento, juntamente com a musculosidade, se constitui numa das características qualitativas mais importantes para a maioria dos sistemas de classificação de carcaça do mundo. Diversos métodos de avaliação do engorduramento têm sido utilizados como predictoras da composição tissular da carcaça, algumas de natureza objetiva e outras subjetivas. A estimativa do teor de gordura na carcaça pode ser realizada através da avaliação do acabamento (ou terminação) da carcaça e pela avaliação da gordura pelvicorrenal na carcaça. A) Avaliação do acabamento A avaliação do acabamento ou terminação da carcaça pode ser realizada tanto de forma subjetiva, como de forma objetiva. a) Avaliação subjetiva (exame visual do acabamento) A avaliação do acabamento consiste no exame visual da quantidade e distribuição da gordura subcutânea na carcaça inteira resfriada. Por se tratar de um método de avaliação subjetiva, seu valor depende da experiência do avaliador e das condições ambientais de avaliação. Para sua determinação é essencial a utilização de padrões fotográficos, principalmente nos casos em que as carcaças presentam uma variação de acabamento muito pequena e/ou se o avaliador é pouco experiente. Durante o processo de avaliação visual do acabamento, surgem ao avaliador aspectos relativos à quantidade e distribuição de gordura subcutânea sobre a massa muscular da carcaça, que vão desde a ausência completa de gordura superficial, em carcaças mal acabadas, 83 até cobertura total e muito espessa, em carcaça excessivamente acabadas (Figura 3.27). Figura 3.27 – Carcaças sem acabamento e excessivamente acabada Na carcaça sem acabamento a musculatura se apresenta bem definida, distinguindo-se facilmente o músculo um do outro. À medida que a carcaça vai sendo acabada, as depressões ou vincos existentes nos encontros de dois ou mais músculos da superfície da carcaça começam a serem preenchidas por gordura subcutânea até o ponto em que desaparece e torna quase que indistinguível um músculo do outro. Em estágios mais avançados de acabamento, a maior cobertura de gordura, não só impossibilita a delimitação entre músculos, mas também impede a visualização da musculatura como um todo. Nas carcaças bem acabadas, sua superfície apresenta-se plana e lisa, sem depressões e nem elevações. Enquanto nas carcaças não acabadas as ondulações na superfície da carcaça são devidas às depressões por falta de deposição de gordura nos vincos e depressões musculares superficiais, nas excessivamente acabadas as ondulações são resultantes de elevações provenientes de acúmulo localizado e excessivo de gordura superficial em determinados pontos da carcaça. Com base no exposto, a carcaça ovina pode ser classificada, quanto à conformação, em cinco categorias, conforme Tabela 3.7 a seguir. O acabamento adequado da carcaça é essencial a diversos aspectos quantitativos e qualitativos da carcaça e da carne. Em relação às carcaças, pode-se citar como exemplo o aumento das 84 perdas de peso por resfriamento e, por conseguinte, redução de rendimento naquelas carcaças de pobre acabamento. Diferentemente, o excesso de gordura, embora comestível, é de pequeno valor comercial e em determinados casos indesejável. Assim, carcaças excessivamente acabadas resultam em aumento nas necessidades de aparas adiposas em seu toalete e, portanto, no incremento nos custos com a mão-de-obra, bem como pode se tornar um fator de menor aceitação da carcaça por parte de alguns mercados consumidores. Por outro lado, como a gordura é muito mais firme que o músculo quando resfriada, as carcaças com mais gordura são mais firmes. Embora firmeza não faça nenhuma contribuição direta a palatabilidade da carne, cortes comerciais firmes são mais atraentes que cortes flácidos porque eles seguram melhor a sua forma. Para se tornar harmônica na apresentação, a carcaça deve ser coberta por uma adequada camada de gordura subcutânea. Assim, por simples analogia, uma boa casa requer (carcaça), além de um bom alicerce (esqueleto) e de boas paredes (musculatura/musculosidade), um bom revestimento (acabamento de gordura). Em relação à carne, os efeitos da falta de acabamento são mais sérios. O resfriamento da carne na carcaça deve ocorrer de forma lenta, pois um choque térmico muito brusco durante a maturação da carne certamente irá ocasionar o chamado encurtamento das fibras musculares (“cold shortening”) e o escurecimento da carne através da queima pelo frio. Quando isso acontece, por falta de acabamento, a carne fica dura e escura de modo irreversível, independente de raça, sexo ou idade do animal. Portanto, uma correta cobertura de gordura na carcaça, serve de isolante térmico ou “agasalho” da carcaça, permitindo que as propriedades da carne fresca sejam preservadas nas carcaças resfriadas. Carcaças de cordeiros e cabritos são particularmente suscetíveis a esses efeitos resultantes do resfriamento muito rapidamente. Para evitar que a contração do músculo ocorra antes do rigor mortis (“encurtamento pelo frio”) e resulte no aumento na dureza da carne, deve-se evitar que a musculatura da carcaça atinja menos de 10°C antes das 10 primeiras horas após o abate, ou seja, não permitir que os músculos da carcaça cheguem a menos de 10°C antes do desenvolvimento do “rigor mortis”. A causa básica parece ser a capacidade do retículo sarcoplasmático para seqüestrar e unir o excesso de cálcio liberados pelo retículo sarcoplasmático e das mitocôndrias sob a influencia de baixas temperaturas e baixo valores de pH no músculo em rigor- mortis. O mínimo de encurtamento ocorre a 14-19ºC e ocorre sempre que exista uns 40% de ATP.85 Tabela 3.7. Categorias e descrição do acabamento de carcaças ovinas ACABAMENTO (ESCORE) DESCRIÇÃO PADRÃO FOTOGRÁFICO E ILUSTRATIVO MUITO MAGRO (1) Gordura superficial ou de cobertura ausente. Toda musculatura subjacente à gordura subcutânea está visível, onde as delimitações entre os diversos músculos são aparentes, de forma que a totalidade dos músculos é facilmente identificável. MAGRO (2) Gordura de cobertura escassa. Toda musculatura subjacente à cobertura está parcialmente visível devido a uma fina camada de gordura subcutânea. Todavia, uma parte muito pequena está invisível devido a uma cobertura mais espessa de gordura: (a) a região central e caudal da garupa, principalmente em torno da inserção da cauda e (b) o lombo e a região centro-medial do dorso. As duas regiões laterais adjacentes a região centro-medial do dorso estão parcialmente visíveis. Apenas uma pequena parte do cinturão escapular e do pescoço se apresenta coberta. A porção média e distal do membro torácico está completamente descoberta. 86 MÉDIO (3) Gordura de cobertura média. Pequena parte da musculatura subjacente à cobertura está invisível devido a uma camada mais espessa de gordura subcutânea. Apenas a parte perineal das pernas está coberta. Toda a garupa, com exceção das duas pontas de ancas, está totalmente coberta e invisível. A porção média da carcaça está totalmente coberta e invisível. Apenas a região centro-dorsal do cinturão escapular, ou seja, a região da cernelha, esta descoberto. A porção média e distal do membro torácico está em sua maior parte descoberta GORDO (4) Gordura de cobertura abundante. Grande parte da musculatura subjacente à cobertura está invisível devido a uma camada muito espessa de gordura subcutânea. Apenas as regiões lateral e distal da perna estão descobertas e visíveis. Toda a garupa, principalmente a base da cauda, está coberta com espessa camada de gordura subcutânea. A região centro-dorsal do cinturão escapular está quase que completamente coberto. A porção média do membro torácico está coberta e a porção distal está com boa parte ainda descoberta. 87 MUITO GORDO (5) Gordura de cobertura excessiva. A quase totalidade da musculatura subjacente à cobertura está invisível devido a uma camada muito espessa de gordura subcutânea. O terço posterior da carcaça está totalmente coberto por uma camada espessa de gordura, exceto a porção distal do membro pélvico que continua aparente. O terço médio da carcaça está totalmente encoberto por uma camada muito espessa de gordura. Já o terço anterior da carcaça encontra- se completamente coberto por um razoável manto de gordura, com exceção de pequena área da porção distal do membro torácico. 88 b) Avaliação objetiva O acabamento da carcaça pode ser avaliado de forma objetiva através de mensuração da espessura da gordura subcutânea (EGS), aproveitando-se do corte do lombo que expôs a AOL, mensuração essa que pode ser realizada por meio de duas medidas descritas a seguir. b.1) Determinação da medida C Através de régua se traça uma reta, denominada de medida C (em cm), no sentido dorso-ventral da gordura subcutânea exposta pelo corte de exposição da AOL, medida essa que é contínua a medida B usada na determinação da AOL (Figura 3.28). Essa medida também pode ser tomada antecipadamente através de ultrassom no animal vivo. Figura 3.28. Mensuração da medida C b.2) Determinação da medida GR A medida GR (“grade rule”) é determinada pela mensuração, na parede abdominal, da profundidade do tecido mole (músculo e gordura) depositada sobre a 12ª costela em um ponto a 11cm de distância da linha média do lombo (Figura 3.29). Em alguns sistemas de classificação de carcaça, a medida GR é determinada no animal vivo através da inserção de uma sonda milimetrada no mesmo ponto de medição da carcaça, antes do abate do animal. Essa mensuração objetiva predizer a quantidade de gordura subcutânea presente na carcaça. A espessura da GR considerada como ideal é de 7 a 12mm, onde baixo de 7 a carcaça é considerada de pobre acabamento e acima de 12mm é tida como excessivamente acabada. 89 Figura 3.29. Sítio anatômico de obtenção da medida GR na secção transversal entre a 12ª e 13ª costela 11cm Medida GR Medida C 12ª costela Parede abdominal Linha média 90 B) Avaliação da gordura pelvicorrenal A avaliação da gordura pelvicorrenal da carcaça pode ser realizada tanto de forma subjetiva, como de forma objetiva. a) Avaliação subjetiva (cobertura renal) A apreciação visual dea gordura pelvicorrenal também apresenta una correlação alta com a gordura total da carcaça. O método consiste no exame visual da quantidade de gordura existente na cavidade pélvica e na cavidade abdominal em torno dos rins. Normalmente o rim esquerdo é revestido de gordura perirrenal mais precocemente que o rim direito e em ambos a deposição tem início em sua extremidade caudal. Assim, enquanto o rim esquerdo não estiver totalmente coberto de gordura e a cavidade pélvica apresentar no máximo uma fina camada de gordura de revestimento, a carcaça é tida como de “pouca” gordura interna e recebe escore 1. Quando o rim esquerdo estiver totalmente coberto e o direiro sem nenhuma cobertura ou parcialmente coberto, enquanto a cavidade pélvica se apresentar revestida com uma camada de gordura mediana, a carcaça é classificada como “normal” e passa ao escore 2. Finalmente, quando ambos os rins estão totalmente recobertos de gordura perirrenal e a cavidade pélvica está revestida de uma grossa camada de gordura enrugada, a carcaça passa a classe de “muita” gordura interna e recebe escore 3 (Figura 3.30). Figura 3.30. Sítios anatômicos e padrões de deposição de gordura pélvica e perirrenal na carcaça Gordura pélvica Gordura perirrenal Rins 91 b) Avaliação objetiva (quantidade de gordura) Dado que se tem encontrado correlações positivas e muito altas entre quantidade de gordura pelvicorrenal e quantidade de gordura total da carcaça, a determinação do peso desse depósito de gordura tem sido utilizada para estimar o estado de engorduramento da carcaça. Para efeito investigativo, deve-se separar por meio de corte a gordura depositada no limite entre a cavidade pélvica e a cavidade abdominal, de modo que se possa extrair primeiro a gordura perirrenal e, posteriromente, a gordura perirrenal. A última pode ser removida apenas com a mão, enquanto a segunda, de extração mais difícil, deve ser realizada com o auxlio de facas. Após a remoção, ambas devem ter seus pesos registrados. Pouca Escore 1 Escore 2 Normal Escore 3 Muita 92 FICHA DE AVALIAÇÃO DA COMPOSIÇÃO TECIDUAL DA CARCAÇA Local:________________ Data:_____/_____/______ ANIMAL: Nº identificação:_________________ Espécie:_________________ Genótipo:_________________ Sexo:_________________ Idade:__________________Tratamento:________________________ DISSECAÇÃO: Corte:_____________ Peso normal:________ Peso corrigido:________ Perda de peso:__________ Tecidos (pesos): Gordura subcutânea:______________ Gordura intermuscular:________________ Gordura total:______________Músculos: _______________ Ossos:________________________ Outros tecidos:__________________ MUSCULOSIDADE: CONFORMAÇÃO: Exame visual: Categoria:_______________________________Escore:______________________ MORFOMETRIA: Externa: Comprimento externo da carcaça (CIC):__________ Largura da garupa (LG):__________ Largura do tórax (LT):____________________ Perímetro da garupa (PG):____________________ Interna: Comp. Interno carcaça (CIC):_______ Comp. Perna (CP):______ Prof. Tórax (PT):______ ÍNDICES: Índice compacidade carcaça (ICC):____________ Índice compacidade perna (ICP):_____________ Índice musculosidade perna (IMP): _____________ Músculos (pesos): bíceps:________________ semimembranoso:_________semitendinoso:__________quadríceps:__________adutor:_________ músculos totais:___________ Ossos (fêmur): comprimento:_____________ peso:______________ AOL: Medida A:_____________ Medida B:_____________ AOL:____________________________cm2 Métodos Outros: _____________________:________cm2, ____________________:________cm2 ENGORDURAMENTO: ACABAMENTO: Exame visual: Categoria:_______________________________ escore:______________________ Espessura de gordura subcutânea: Medida C:_______________ Medida GR:__________________ GORDURA PELVICORRENAL: Exame visual: Classe:__________________________________ escore:______________________ Peso: Gordura perirrenal:___________gordura pélvica:___________ gordura total:_____________ 93 5. AVALIAÇÃO DA CARNE NA CARCAÇA No segmento final da cadeia produtiva da carne ovina e caprina, provavelmente o ponto mais importante para o vendedor é saber o que o consumidor deseja da carne presente no corte que ele vai adquirir. Com certeza, o que mais se pretende como consumidor, além de preço baixo, é que a carne tenha boa palatabilidade. A palatabilidade refere-se a presença na carne de um conjunto de atributos perceptíveis pelos sentidos que torna este alimento de “gosto agradável” e, portanto, de grande aceitabilidade por parte do consumidor. Os atributos organolépticos ou sensoriais que tornam a carne cozida de apurado gosto ou paladar, são a maciez, a suculência e o flavor (sabor e odor), dentre os quais a maciez é o que mais influi na preferência do consumidor. Através da avaliação da carne ainda na carcaça, pode-se predizer, com razoável grau de segurança, as posteriores e prováveis características de palatabilidade da carne cozida gerada por uma determinada carcaça. A variação desses parâmetros de palatabilidade da carne cozida, sobretudo da maciez, pode ser predita avaliando-se, de forma subjetiva (exame visual) e objetiva (exame instrumental), alguns parâmetros da estrutura muscular (cor, textura, marmoreio, pH e temperatura) e óssea (maturidade fisiológica) da carcaça. Como este manual não se trata de avaliação da carne, apenas de carcaça, a abordagem dada às características sensoriais da carne que podem ser preditas através da avaliação da carcaça, será feita de forma superficial. Para uma avaliação mais pormenorizada, deve-se compulsar os livros de ciência da carne. 5.1. AVALIAÇÃO DA ESTRUTURA MUSCULAR DA CARCAÇA Normalmente o músculo mais utilizado para se fazer essa avaliação é o músculo Longissimus dorsi. A avaliação do pH e da temperatura da carne na carcaça se realiza ainda na carcaça inteira e de forma objetiva, por meio de instrumentos. Para tanto se faz uma incisão na porção torácica (Longissimus thoracis), em sua área mais caudal, para a introdução dos instrumentos, conforme descrição posterior. A avaliação da cor e da textura, bem como a quantificação do marmoreio da carne na carcaça se processa na AOL da meia-carcaça esquerda. 94 5.1.1. AVALIAÇÃO DO pH DA CARNE NA CARCAÇA Dada a boa relação existente entre o pH e o processo de transformação do músculo em carne, a determinação deste parâmetro constitui-se numa boa medida para avaliar a qualidade da carne como produto final desse processo. Tanto o valor final do pH, como a velocidade de sua queda durante a transformação do músculo em carne, afeta as características organolépticas (cor, suculência, flavor, etc) e tecnológicas da mesma (capacidade de retenção de água, capacidade de conservação). Dentre diferentes fatores que influem na redução do pH e no seu valor final alcançado na carne, o tipo de fibra muscular predominante e o conteúdo de glicogênio muscular no momento do sacrifício, são provavelmente os mais importantes. As características anatômicas do músculo, principalmente o tipo de fibra muscular dominante, influem, sobre tudo no pH final, ja que o pH tem relação inversa com o conteúdo de glicogênio acumulado no músculo do momento do abate, ou seja, quanto mais elevado o teor de glicogênio mais baixo será o nível de pH muscular. Como os músculos vermelhos são ricos em fibras musculares vermelhas, de contração lenta, se caracterizam pela presença abundante de mioglobina e lipídeos, mas baixa de glicogênio. Por conseguinte, seu metabolismo é preferencialmente oxidativo e com baixa produção de ácido lático, levando-os a apresentarem um pH final mais elevado, normalmente acima de 6,3. Já os músculos constituídos principamente por fibras musculares brancas, de contração rápida, possuem elevado conteúdo de glicogênio e um metabolismo tipicamente glicolítico, com degradação muita ativa de glicogênio a ácido lático, tornando-os detentores de níveis de pH final baixo, normalmente de 5,5. Em relação ao glicogênio, sabe-se que seu conteúdo na musculatura da carcaça varia em função do grau de depleção ocorrido antes do sacrifício do animal, redução essa decorrente do estresse do animal, a exemplo de atividade física intensa antes do abate. Nos animais vivos, o pH dos músculos fica entre 7,08 e 7,30, mas logo após o sacrifício esse valor cai para 7,0 e, posteriormente, continua a cair até atingir valores entre 5,4 e 5,6. Antes da morte, o animal “queima”, na presença de oxigênio, o glicogênio muscular, sua principal reserva energética, para gerar energia na forma de ATP. Com a sangria, a circulação é interrompida, o oxigênio não chega mais aos músculos e o glicogênio segue a via glicolítica anaeróbica para gerar energia, resultando como produto final o ATP e o ácido lático. Assim, a quantidade de lactato produzido depende do conteúdo de glicogênio muscular armazenado no momento do sacrifício e que, por sua vez, fica na dependência da 95 depleção provocada por agentes estressores antes do abate dos animais. Sem a corrente sanguínea o ácido lático não pode ser levado até o fígado para ser metabolizado e passa, então, a ser acumulado no tecido muscular provocando a queda de seu pH. Esta acidificação provoca a inativação de algumas enzimas glicolíticas com a conseqüente parada de glicólise anaeróbia e da produção de ATP, mesmo que na fibra muscular esquelética venha a existir glicogênio. A velocidade de queda do pH, bem como o pH final da carne após 24-48 horas, é muito variável. A queda do pH até o pH final é mais rápida nos suínos (4 a 8hs), intermediária nos ovinos (12 a 24hs) e mais lenta nos bovinos (15 a 36hs). A temperatura dos músculos também modula a velocidade da glicólise “post-mortem”, onde temperaturas elevadas, cerca de 40ºC, aceleram a queda do pH, alcançando-se o pH final em menos tempo. Níveis mais elevados de estresse antes do abate e/ou espécies animais mais susceptíveis aos agentes estressores, resultam em gastos mais intensos das reservas de glicogênio e, por conseguinte, há menor produção de ácido láctico, o que mantém o pH muscular em níveis elevados. Essa condição de baixa acidez muscular, acima de 6,20, dá lugar a carnes de coloração vermelha escura (dark, em inglês), de consistência firme (firm, em inglês), de aspecto superficial seca (dry, em inglês) e de difícil processo de conservação. Tal anomalia nas características sensoriais da carne é denominada de DFD, do inglês dark,firm e dry, e ocorre em bovinos, suínos e ovinos, mas com pequena importância econômica para os ovinos. Inversamente, níveis elevados das reservas musculares de glicogênio em animais estressados no momento do abate incrementam, após o sacrifício, a produção de ácido láctico e promovem a redução rápida do pH da musculatura da carcaça. Essa condição de elevada acidez, pode tornar a carne de aparência pálida (pale, em inglês), flácida (soft, em inglês) e exudativa (exudative, em inglês). Tal anomalia da carne, denominada de PSE, é mais comum em suinos, sendo incomum nos ruminantes. A determinação do pH se faz por meio de um pHmetro com eletrodo de penetração, introduzindo-o em um corte de 2 a 4cm de profundidade feito com bisturi no músculo Longissimus lumborum da carcaça inteira entre a 4ª e 5ª vértebras lombares, evitando-se dentro do possível o contato com gordura e/ou tecido conectivo. As medidas são tomadas às 0 horas (pH inicial), logo depois do abate do animal, após 45 minutos e às 24 horas de refrigeração (pH final), sempre acompanhadas com medições de temperatura, uma vez que o pH varia com a temperatura, fazendo-se necessário realizar os devidos ajustes. Além disso, o pH e a temperatura da carcaça são importantes para estabelecer a intensidade das contrações musculares durante o rigor mortis. Quanto mais intensa for a temperatura de resfriamento maior será o encurtamento do sarcômero e, por conseguinte, menor 96 a maciez e maior perda de água da carne na carcaça. A intensidade desta contração reflete maior ou menor maciez da carne, neste ponto é de extrema importância a sincronização da queda do pH e da temperatura da carcaça. 5.1.2. AVALIAÇÃO DA COR DA CARNE NA CARCAÇA Do ponto de vista meramente físico, a cor da carne é o resultado da distribuição espectral da luz que incide sobre ela e da intensidade da luz refletida por sua superfície. A cor da carne é uma sensação complexa, resultante de uma série de fenômenos percebidos simultaneamente e que depende da própria carne (tamanho, forma, cosntituição, etc), da luz (intensidade, ângulo de incidência, etc) e do observador (sistema visual, estímulos, experiência em situações de observação semelhantes ou relaciondas, etc) de forma que na sua percepção estão envolvidos aspectos subjetivos e psicológicos. A sua importância se deve, em parte, ao fato de que, normalmente, a quantidade de pigmentos e, consequentemente, a quantidade de ferro hemínico, aumenta com a idade dos animais, de forma que a quantidade de pigmentos durante o crescimento pode ser considerada como uma medida do desenvolvimento fisiológico dos animais. Nesse contexto é que o consumidor considera a cor como o atributo sensorial mais importante no momento de decidir a compra da carne. Geralmente o consumidor prefere uma carne de cor vermelho brilhante, enquanto rejeita aquelas de cor mais escura e sem brilho. Assim, embora vários fatores possam influenciar a qualidade da carne, no momento da compra, o consumidor observa principalmente a cor do músculo como sendo o fator de qualidade mais importante, constituindo o critério básico para sua seleção, discriminando a carne escura, pois associa a cor escura com carne de animais mais maduros e, portanto, com carne menos macia. Não obstante, na preferência da cor influi fatores geográficos, sociais e culturais, de forma que essa generalização nem sempre se torna correta. Mas no Brasil e em muitos países a cor clara está associada a carnes de animais jovens e, portanto, mais apreciadas, podendo incidir no preço da carne. Diversos são os métodos de avaliação da cor da carne, embora na carcaça, a maioria dos sistemas de classificação e tipificação de carcaças utiliza a avaliação subjetiva. Essa avaliação consiste no exame visual da cor na superfície da carne, onde a coloração detectada deve receber, por meio comparativo, um determinado escore ou nota, em função de uma escala previamente determinada, a qual pode ser memorizada pelos avaliadores ou está disposta em cartelas com os diferentes escores. 97 Nos sitemas em que a retalhação não expõem a AOL, a cor é determinada na superfície dos músculos primários ou músculos caudais (músculo oblíquo abdominal interno) e secundários ou músculos craniais (músculo transverso abdominal) do flanco ou vazio da meia-carcaça esquerda (Figura 3.31). Figura 3.31. Cor da superfície dos músculos primários e secundários do flanco Como no Brasil a retalhação tradicional, tanto comercial como científica, expõe a AOL, a avaliação subjetiva da cor se faz na superfície do músculo Longissimus lomborum, assim, como ocorre com a avaliação da textura e marmoreio. Assim, quanto ao marmoreio da carne, serão estabelecidos para as carcaças ovinas e caprinas cinco categorias, conforme Tabela-X. Tabela 3.8. Categorias e escores para a cor da carne na carcaça de ovinos e caprinos Categoria Rosa clara Rosa Vremelho claro Vermelho Vermelho escuro Escore 1 2 3 4 5 Cor m. secundários m. primários 98 A cor da carne pode também ser realizada de forma objetiva por meio da utilização de instrumentos, tais como reflectômetros, espectrofotômetros, espectrocolorímetros e colorímetros. Para a determinação da cor da carne na carcaça, estes últimos instrumentos ópticos são os mais corriqueiramente utilizados, com destaque para aqueles da marca Minolta da serie CR 100, 200, 300 e, mais recentemente, o CR 400 (Figura 3.32). Figura 3.32. Colorímetro Minolta CR 400 e CR 410. O sistema de representação de cor mais adecuado para a avaliação da cor da carne é o CIELAB, uma vez que se mostra como o mais uniforme na zona das cores vermelhas. A Commission Internationale de L'Eclairage (CIE), fundada para tentar padronizar a medição da cores, idealizou alguns modelos de cores baseados na maneira pela qual a cor é percebida pelo olho humano. Dentre eles, a CIE criou, em 1976, o sistema L*a*b*, conhecido como CIELAB, que estabeleceu as: (A) Coordenadas tricromáticas: são coordenadas uniformes do espaço tridimensional da cor, quais sejam: (a) Coordenada L*: corresponde a luminosidade ou claridade, que por variar em função do estado físico da superfície da carne, depende de fatores como pH, umidade, capacidade de retenção da água, tipo de fibra muscular, integridade da estrutura muscular e gordura intarmuscular, por exemplo. É a coordenada mais relacionada com a valorização visual do consumidor. As variações na claridade vão desde o preto, L*=0, até o branco, L*=100. A mioglobina exibe uma afinidade muito elevada pelo oxigênio, O grau de associação da mioglobina com o oxigênio é determinado pelo pH da carne, sendo que o pH baixo permite maior grau de 99 associação. Este menor pH está altamente correlacionado com a cor, principalmente com a luminosidade, gerando carnes mais brilhantes. Após o sacrifício, a carne é translúcida e escura, já que a luz incidente é débil. Com pH baixo (carnes PSE), o músculo fica pálido, refletindo uma grande parte da luz incidente, tornando-o mais opaco. Durante este período, ocorre a passagem da mioglobina reduzida para oximioglobina de cor vermelho vivo. Com pH alto (carnes DFD) aumenta a atividade da citocromo-oxidasa, reduzindo as possibilidades de captação do oxigênio, e portanto há um predomíneo da mioglobina de cor vermelha púrpura (Figura 3.33). Figura 3.33. Cor da carne em função do pH O tipo de tecido muscular é um dos fatores que mais influem na cor da carne, já que cada músculo possui diferentes características, como o tipo metabólico, conteúdo de pigmentos, quantidade de gordura infiltrada, microestruturado tecido, etc. As diferenças na cor da carne podem dever-se, também, aos diferentes tipos de fibras musculares. A mioglobina é uma proteína sarcoplasmática, relativamente pequena, cuja principal função é armazenar oxigênio e facilitar seu transporte às mitocôndrias das fibras musculares. Esse pigmento contém uma proteína, a globina, com um grupo hemo de ferroporfirina que é o responsável pela cor vermelho intenso da hemoglobina e da mioglobina. A mioglobina armazena e transporta o oxigênio que os músculos necessitam, de modo que se a concentração de mioglobina aumenta à medida que incrementa a demanda de oxigênio pelo músculo, os níveis desse pigmento são maiores nos músculos mais ativos. Os músculos que executam longos período de atividade física e têm curtos períodos de descanço possuem altos níveis de fibras vermelhas, já que necessitam muito oxigênio para o seu metabolismo. O metabolismo oxidativo requer um sistema circulatório bem desenvolvido e elevada concentração de mitocôndrias e mioglobina. Dada o elevado conteúdo em mioglobina, essas fibras são denominadas de fibras vermelhas. Contrariamente, aqueles músculos que executam movimentos ou contrações rápidas, necessitam de um pH da carne Cor da carne 100 período de descanço maior. Esses tecidos são ricos em fibras brancas, que por dependerem de um metabolismo anaeróbio para obter energia, necessitam de mais glicogênio muscular do que mioglobina e mitocôndrias. Como a concentração de mioblobina é menor, esses músculos são menos vermelhos e, assim, denominados de tecidos “brancos”. O tipo metabólico dos músculos tem cores diferentes não apenas por causa de concentrações diferentes de mioglobia, mas tabém devido a pH diferentes. Os músculos “brancos”, de metabolismo aneróbico, apresentam elevados níveis de glicogênio, sua principal fonte energética, que ao ser degradado até ácido lático, reduz o pH muscular e, por conseguinte, fica de coloração mais clara. Inversamente, os músculos “vermelhos”, de metabolismo aeróbico, resultam em pH mais elevado, devido aos baixos níveis de ácido lático, tornando-os mais escuros. Algumas pesquisas demostraram que os músculos de 1ª categoria, do tronco, do lombo e o Longissimus dorsi, em relação aos músculos de 3ª categoria, dos membros, do flanco e o semitendinoso, apresentaram, respectivamente, pH mais baixos, podendo assim resultar em carnes menos escuras e de maior aceitação. Dentro de cada músculo, pode-se encontrar maior ou menor proporção de fibras brancas e/ou vermelhas, daí a importancia de se medir o pH em diferentes pontos do mesmo músculo. Por exemplo, estudos já demonstraram que o pH do músculo Longissimus dorsi na secção torácica tem um pH mais baixo que na sua porção lombar. A gordura intramuscular é um dos fatores que afetam a trajetoria da luz na carne, de modo que seu conteúdo seria responsável em parte pelas diferenças na luminosidade da carne. O incremento da marmorização, associada a cor branca ou amarela, imprimiria maior claridade à carne, afetando assim a sua cor. (b) Coordenada a*: representa a intensidade de vermelho, onde os valores negativos dão idéia de verde (variando de 0 a -60) e os positivos de vermelho (variando de 0 a +60). Os valores alcançados na carne depende do conteúdo de oximioglobina, de forma que quanto maior for seu valor, mais vermelha será a carne. (c) Coordenada b*: corresponde a intensidade de amarelo, onde os valores negativos indicam a cor azul (variando de 0 a -60) e os valores positivos indicam a cor amarela (variando de 0 a +60). Seus valores na carne estão na dependencia do conteúdo de metamioglobina, de forma que quanto maior for seu valor, mais escura será a carne. Em suma, este sistema permite identificar uma cor com a ajuda das coordenadas L* (claridade), a* (índice de vermelho) e b* (índice de amarelo). 101 (B) Coordenadas colorimétricas: são coordenadas que surgem a partir das relações entre as coordenadas tricromáticas: (a) Coordenada C (de chroma em inglês): diz respeito a intensidade ou saturação da cor [C*=(a*2+b*2)1/2]. Esse parâmetro transmite a sensação de cores vivas/brilhantes ou apagadas/foscas. Na carne ela varia em função da quantidade de mioglobia, principal pigmento da carne. A intensidade da cor aumenta com o conteúdo de mioglobina no músculo. A concentração da mioglobina no músculo varia com a espécie, idade, distribuição da fibra (mais presente na fibra vermelha que na branca), sexo, músculo e atividade física, entre outros. (b) Coordenada H (de Hue em inglês): refere-se à tonalidade ou matiz da cor (H*=arctg b*/a*x57,49). Na carne ela é definida pelo estado químico da mioglobina. Na carne fresca a mioglobina pode se apresentar em três formas básicas que vivem em constante interconversão fazendo variar a cor da carne de acordo com a proporção relativa e distribuição desses pigmentos (Figura 3.34). As três formas químicas básicas da mioglobia que afetam a cor da carne são: - Mioglobina reduzida ou desoximioglobina (Mb): No músculo, o Fe se encontra na mioglobina na forma de ion ferroso (Fe+2), e assim se encontra também no interior da carne fresca. Como no interior da carne a pressão parcial de oxigênio é baixa, a mioglobina não se liga ao oxigênio, mantendo-se na forma reduzida, ou seja, fica na forma de desoximioglobina, que tem uma cor vermelho púrpura intensa. - Oximioglobina ou miglobina oxigenada (MbO2): Em contato com o ar, o grupo hemo da hemoglobina pode se ligar ao oxigênio, por conseguinte, a Mb sofre oxigenação, mas não oxidação, formando então a oximioglobina, de cor vermelho brilhante, cor característica da superfície exposta da carne fresca. - Metamioglobina ou mioglobina oxidada: As duas formas anteriores de mioglobina (Mb e MbO2) são interconversíveis e podem se transformar em Mb oxidada, dependendo da pressão parcial de oxigênio, e na práctica, da superfície de contacto. Em condições de uma atmosfera normal, o íon ferroso (Fe+2) é instável, passando a íon férrico (Fe+3), de forma que o grupo hemo da mioglobina sob tais condições pode se ligar ao oxigênio e através de oxidação se transformar em metamioglobina, que tem uma cor vermelha púrpura mais intensa e escura que a da oximioglobina. A oxidação se processa com certa rapidez na carne, especialmente si a superfície de contato é grande, como no caso da carne picada ou moída. 102 Figura 3.34. Inter-conversões dos pigmentos da carne M e t a m i o g l o b i n a ( M a r r o m ) 2- Oxidação 1- Oxigenação O x i m i o g l o b i n a ( v e r m e l h o b r i l h a n t e ) M e t a m i o g l o b i n a ( M a r r o m ) D e s o x i m i o g l o b i n a ( v e r m e l h o p ú r p u r a ) 1 2 4 3 3- Desoxigenação 4- Redução 2 4 Em circunstâncias casuais, a carne pode tomar uma coloração esverdeada. O peróxido de hidrogênio produzido por bactérias, principalmente em condições de pH entre 4,5 e 6,0, pode interagir com a mioglobina, resultando em cloromioglobina, de cor verde. Determinadas bactérias produzem compostos sulfurosos, onde o enxofre ao reagir com a mioglobina, originam a sulfomioglobina, que também imprime à carne uma coloração esverdeada. 5.1.3. AVALIAÇÃO DO MARMOREIO DA CARNE NA CARCAÇA O tecido adiposo intramuscularconstitui-se em um depósito de gordura que está localizado dentro do tecido conjuntivo perimisal, tecido esse que envolve os feixes de fibras musculares esqueléticas, os fascículos musculares, daí a gordura intramuscular ser chamada também de interfascicular (Figura 3.35). Figura 3.35 Aspectos microscópicos da gordura intramuscular Depósito de gordura intramuscular Perimísio Endomísio Fibra muscular 104 O crescimento pós-natal da gordura intramuscular envolve hipertrofia significativa dos adipócitos e também parece incluir um período de hiperplasia aparente de preadipócitos. A gordura intramuscular está formada pelo acúmulo de 1 a mais de 1000 células adiposas dentro dos feixes de tejido conjuntivo que separam os feixes de fibras musculares. Todavia, a gordura intramuscular só se torna visível ao olho nú quando há acúmulos de mais de 100 células adiposas juntas. Esta gordura intramuscular visível, sem auxilio de aparelhos, é que se denomina marmoreio, de modo que a gordura intramuscular microscópica não faz parte do marmoreio avaliado subjetivamente. Assim, normalmente, o músculo tem mais gordura intramuscular do que aquilo que supomos ter. Na maioria dos sistemas de classificação e tipificação de carcaças a avaliação do marmoreio se dá de forma subjetiva, através de exame visual da superfície transversal do músculo Longissimus dorsi exposta pela AOL, onde para a qualidade da carne na carcaça, não importa apenas o seu conteúdo, mas também sua distribuição no tecido muscular avaliado. O marmoreio percebido deve receber um dado escore ou nota, de acordo com uma escala previamente estabelecida, a qual pode está memorizada pelo avaliador ou está disponível em cartelas com os diferentes níveis de marmorização possíveis para a carcaça ovina ou caprina, níveis esses que variam desde ausencia total até excessiva. Assim, quanto a coloração da carne, serão estabelecidos cinco categorias para as carcaças ovinas e caprinas, conforme demonstra a Tabela 3.9. Tabela 3.9. Categorias e escores para o marmoreio da carne na carcaça Categoria Inexistente Pouco Médio Muito Excessivo Escore 1 2 3 4 5 Marmoreio Como veículo de compostos sápidos e aromáticos da carne, a gordura intramuscular influi de manera decisiva na sua palatabilidade, estando relacionada com a maciez, suculência, sabor e odor (flavor) da carne. A deposição de gordura dentro do perimísio (entre fascículos musculares) e do endomísio (dentro dos fascículos musculares) resulta em desorganização e relaxamento das fibras desses tecidos conjuntivos, tornando o perimísio e endomísio menos resistentes e coesos. Quanto maior a quantidade e melhor a 105 distribuição dessa gordura entre e dentro dos fascículos musculares, mais macia será a carne. Além desse efeito direto, a gordura intramuscular indiretamente torna a carne mais suculenta, haja vista sua baixa temperatura de liquefação quando cozida, além de diminuir a perda de suco muscular durante o cozimento e estimular a salivação, o que aumenta a sensação de suculência da carne. Por causa do efeito lubrificante exercido pela gordura, a carne se torna de mais fácil mastigação e deglutição. Por fim, para a maioria dos autores, o responsável pelo desenvolvimento do flavor característico da carne parece ser a gordura, pois esse atributo sensorial depende dos produtos da oxidação térmica dos lipídios presentes na carne. Em sistemas de classificação e tipificação de carcaça em que não se expõe a AOL, a avaliação da gordura intramuscular se dá na musculatura do flanco ou vazio da carcaça. O estriamento do flanco ou vazio consiste em um depósito visível de gordura dentro e sobre a superfície dos músculos primários ou caudais e secundários ou craniais, avaliado pela face interna da meia-carcaça. As estrias de gordura do flanco são mais precoces e extensas nos músculos secundários do que nos primários. O grau de estriamento varia de baixo a alto, tornando-se mais elevado com o incremento da idade e peso do animal abatido (Figura 3.36). Figura 3.36. Músculos primários e secundários do flanco, segundo o grau de estriamento de gordura do flanco. m. secundários m. primários Estriamento baixo Estriamento médio Estriamento alto 106 A avaliação subjetiva do marmoreio da carne na carcaça pode ser precedida por uma avaliação do animal vivo por meio de ultrassom(Figura 3.37). Figura 3.37. Avaliação do marmoreio através de ultrassom. 5.1.4. AVALIAÇÃO DA TEXTURA DA CARNE NA CARCAÇA Segundo diversos expertos da ciência alimentar, a textura dos alimentos envolve um conjunto de sensações distintas, cuja avaliação é multidimensional e, portanto, de difícil definição. Dentre inúmeras tentativas de definição de textura, provavelmente a mais coerente entre todas, é aquela de que a textura é a propriedade sensorial dos alimentos que é detectada pelos sentidos do tato, da visão e audição no momento em que o alimento sofre uma deformação. Assim, a textura da carne se percebe por meio da interação dos sentidos com determinadas propriedades físicas e químicas, com destaque para a densidade, a maciez, a plasticidade, a elasticidade, a consistência, a quantidade de gordura, a umidade e o tamanho de suas partículas. Dentre todas essas propriedades, a maciez é o atributo mais importante para o consumidor no momento de degustar a carne, enquanto a cor é o que mais importa no momento de adquiri-la. A dureza da carne se atribui, fundamentalmente, a duas frações protéicas: as proteínas do tecido conjuntivo e as miofibrilas. O tecido conjuntivo é constituído de colágeno, elastina e reticulina, sendo que 107 o primeiro é o responsável pela dureza da carne. Quanto maior a quantidade de colágeno e menos solúvel (polimeralisado) for esse colágeno, mais dura será a carne. A quantidade e o tipo de colágeno variam de músculo para músculo e dentro de um mesmo músculo, onde por exemplo, no Longissimus dorsi, a quantidade de colágeno aumenta gradualmente do centro para as suas duas extremidades. A concentração de colágeno é o fator mais determinante na percepção de dureza por meio da avaliação subjetiva (painel sensorial humano), enquanto que a solubilidade do colágeno é mais importante para percepção de dureza através de avaliação objetiva (força de corte ou de cesilhamento instrumental). Em relação a outra fração protéica, sabe-se que quanto maior for o tamanho dos feixes de fibras musculares (fascículos) e maior o número de fibras em cada fascículo muscular, mais dura será a carne, ou seja, quanto maior for o “grão” muscular, menos macia se tornará a carne. Assim, a estrutura do músculo perceptível pela visão, também denominada de “textura”, é observada quando se realiza um corte transversal das fibras e é descrita como sendo uma função da espessura do perimísio, tecido conjuntivo que divide o músculo longitudinalemnte em feixes de fibras musculares (Figura 3.38). O tamanho dos feixes é determinado não apenas pelo número de fibras, mas também pelo tamanho delas. A textura ou granulometria tende a ser mais grosseira nos animais mais velhos do que nos mais novos, ocorrendo o mesmo entre machos e fêmeas, na mesma ordem. Diante deste contexto, a avaliação da textura da carne na carcaça se faz por meio de exame visual da granulometria da secção transversal do músculo Longissimus dorsi na AOL, cujo grau granulmétrico depende da calibrosidade dos feixes de fibras musculares, ou seja, dos diâmetros dos fascículos musculares do referido músculo. Um outro fator importante a ser considerado é o grau de delimitação entre os fascículos musculares imposto pelaespessura do perimísio, bainha de tecido conjuntivo que envolve cada um desses fascículos musculares. Figura 3.38. Principais determinantes da textura da carne na carcaça Perimísio Fascículo muscular Gordura intramuscular 108 Assim, quanto a textura da carne, serão estabelecidos para as carcaças ovinas e caprinas cinco categorias de acordo com o demonstrado na Tabela 3.10. Tabela 3.10. Categorias e escores para a textura da carne na carcaça de ovinos e caprinos Categoria Muito fina Fina Média Grossa Muito grossa Escore 1 2 3 4 5 Textura A avaliação da textura da carne fora da carcaça pode ser feita subjetivamente, por meio de teste de consumidores ou painéis de degustação e, objetivamente, através de determinação química e físico-mecânica (corte, compressão, penetração, etc). Dentre os métodos objetivos utilizados para estimar a maciez da carne, a técnica de resistência ao corte ou cisão utilizando a célula de Warner Bratzler (Figura 3.39) é, atualmente, o mais utilizado. A idéia de utilizar a força de cisão de uma amostra de carne cozida como indicação da maciez da carne surgiu no final da década de 20 através de K.F. Warner. Na década seguinte (1930), L.J. Bratzler aperfeiçoou o instrumento e a técnica idealizada por Warner, daí a denominação de célula de Warner-Blazer. O método consiste em submeter filetes de carne (maturada em 4ºC por três dias, congelada no máximo por 90 dias a -24ºC e descongelada por 1 dia a 4ºC) cozida ao forno (até a porção mais interna alcançar 70ºC) ou em banho-maria (em bolsas plásticas por 30 minutos submersas em água a 70ºC) ao corte de uma lâmina larga da célula W-B. Dez filetes de carne são obtidos do músculo Longissimus thoracis, entre a 11 e 13ª vértebras torácicas dos ovinos e caprinos, medindo cada um cerca de 3-4cm de comprimento, 1cm de largura e 1cm de altura, dispostos na célula de W-B de forma que o corte ocorra 109 perpendicularmente a direção de suas fibras musculares. A velocidade da célula de W-B varia de 50 a 500mm/minuto, embora venha regulada para 229mm/minuto. A determinação da maciez os filetes que não resistirem ao corte sob uma pressão menor que 2,27kg, a carne será classificado como macia, se resistirem a 2,27- 3,63kg será de maciez mediana e se resistirem a pressão superior a 3,63kg é considerada dura, mas se essa passar de 5,44 é tida como extremamente dura. Figura 3.39. Célula de Warner Bratzler 5.2. AVALIAÇÃO DA ESTRUTURA ÓSSEA DA CARCAÇA Foi visto nos itens anteriores que um dos principais fatores que influi nos parâmetros de qualidade da carne é a idade dos animais. Em general, pode-se afirmar que a carne oriunda de carcaças de animais mais jovens apresentam características sensoriais que a torna mais agradável à avaliação do consumidor, induzindo-o a pagar até um preço mais elevado por ela. A maturidade ou a idade fisiológica do animal que dá origem à carcaça é um dos critérios mais utilizados nos sistemas de classificação e tipificação de carcaça atualmente em uso no mundo, principalmente porque a carne de animais jovens tende a ser mais macia e de melhor flavour (sabor e odor) do que aquela de animais adultos. Com base neste contexto, é que esses sistemas fazem uma avaliação subjetiva de algumas características da estrutura óssea que são próprias de animais jovens. Carne 110 As características ou critérios utilizados na avaliação da maturidade variam entre os diversos sistemas de classificação de carcaças dos pequenos ruminantes, podendo-se utilizar um ou mais critérios, no animal vivo ou na carcaça. No animal vivo, por exemplo, a Austrália usa a cronologia dentária dos animais antes do abate, enquanto a Nova Zelândia utiliza a estação de nascimento dos animais. Na carcaça, a Nova Zelândia faz uso dos aspectos morfológicos das costelas (Nova Zelândia), enquanto a ossificação ou calcificação das cartilagens da pélvis é utilizada pela Alemanha e do metacarpo pelos EUA e Canadá. Em relação ao estado de ossificação ou calcificação das cartilagens do metacarpo, os ovinos e caprinos são normalmente classificados, quanto à maturidade, em três categorias: cordeiros/cabritos (<12 meses), borregos/bodetes (12 a 24 meses) e carneiro/bode ou ovelha/cabra (>24 meses). Na primeira categoria, a linha epifisária é evidente e a matriz óssea da epífise é avermelhada e porosa, enquanto na segunda categoria, a linha epifisária é apenas aparente e a matriz óssea da epífise é amarelada e de aspecto esponjoso-compacto. Já na terceira categoria, a linha epifisária é ausente e a matriz óssea da epífise é esbranquiçada e compacta (Figura 3.40 e Tabela 3.10). Figura 3.40. Classificação da maturidade através da ossificação do metacarpo. Categoria Cordeiro Borrego Carneiro/ovelha Escore 1 2 3 Maturidade do metatarso Em relação às costelas, sua morfologia nos animais mais jovens é caracterizada pela presença no costilhar de costelas estreitas, no sentido antero-posterior, largas no sentido latero-medial, de forma Linha epifisária 111 que um corte transversal da costela expõe uma área de forma arredondada, enquanto nos animais mais velhos essa área é oval, em decorrência de uma maior largura no sentido antero-posterior e delgada no sentido latero-medial. Além disso, as costelas dos animais jovens são frágeis, flexíveis e de coloração avermelhada, enquanto àquelas dos animais velhos são rígidas, inflexíveis e de coloração esbranquiçada (Figura 3.41e Tabela 3.10). Figura 3.41. Aspectos morfológicos das costelas em função da maturidade da carcaça. Categoria Cordeiro Borrego Carneiro/ovelha Escore 1 2 3 Maturidade das costelas O sexo do animal influência a idade fisiológica. Machos inteiros são mais pesados, mais magros e fisiologicamente menos maduros do que machos castrados ou fêmeas, quando comparados numa mesma idade fisiológica. Fêmeas alcançam a maturidade mais cedo, mais leves e cronologicamente mais jovens do que os machos. Machos castrados alcançam a maturidade numa fase intermediária entre inteiros e fêmeas. Tabela 3.10. Classificação da maturidade em função da avaliação do metatarso e costelas MATURIDADE (A) Parâmetro Cordeiro Borrego Carneiro Metatarso (Linha epifisária) Evidente Presente Ausente Costelas (Largura,forma, flexibilidade e cor) Estreitas, arredondadas, flexíveis e avermelhadas Médias, ovaladas, pouco flexível e rosadas Largas, Achatadas, Rígidas e Brancas 112 CAPÍTULO IV CLASSIFICAÇÃO E TIPIFICAÇÃO DE CARCAÇA 113 CLASSIFICAÇÃO E TIPIFICAÇÃO DE CARCAÇA No atual mercado de carne, o elemento principal de transação comercial é a carcaça e não mais o animal vivo, “em pé”, como no passado. Devido ao grande número de raças e cruzas de caprinos e ovinos que geram animais destinados ao abate, depara-se com uma enorme variabilidade de carcaças. A avaliação de características de natureza quantitativa e qualitativa das carcaças é necessária para se fazer a devida diferenciação entre elas e é essencial para a determinação de seu valor no mercado. A identificação de origem da carcaça, por meio de classificação, e a predição da quantidade e da qualidade de carne gerada por uma dada carcaça, através da tipificação, são elementos essenciais à organização da comercialização, principalmente por que harmoniza a linguagem entre todos os elos da cadeia produtiva da carne ovina e caprina. Além disso, aadoção de um sistema de classificação e tipificação permite identificar as classes e os tipos de carcaças mais demandados pelo mercado, o que serviria de orientação aos produtores no sentido de produzir aquilo que realmente o mercado necessita e, ao mesmo tempo, incrementaria o consumo e, conseqüentemente, impulsionaria toda a cadeia produtiva da carne dos pequenos ruminantes. 1. CLASSIFICAÇÃO DE CARCAÇA A classificação de carcaças ovinas e caprinas consiste em juntar as carcaças semelhantes em classes, separando-as de outras diferentes, segundo critérios ou características ligadas diretamente aos animais abatidos que lhes deram origem, tais como espécie, sexo, idade/maturidade e peso, por exemplo. Os sistemas de classificação são de natureza cardinal, onde as classes são identificadas por nomes ou símbolos neutros que não tem nenhum significado de hierarquização qualitativa para as carcaças, ou seja, a classificação não estabelece relações de superioridade ou inferioridade, em termos de qualidade, entre as diferentes classes de carcaças, sendo mais um processo de identificação das carcaças. Assim, quando se classifica as carcaças, quanto ao sexo, em machos inteiros, machos castrados e fêmeas, não há ordenação qualitativa entre as três classes, não significando, por exemplo, que as carcaças da classe de machos inteiros é superior as da classe de machos castrados, e estas por sua vez, superiores aquelas da classe de fêmeas. 114 Na maioria dos sistemas de classificação, diferentemente dos sistemas de tipificação, os critérios de diferenciação das carcaças são avaliados de forma mais objetiva do que subjetiva, ou seja, a classificação dos critérios não varia em função da pessoa que está avaliando, portanto, se uma carcaça pesar 8kg, por exemplo, ela de acordo com as classes aqui sugerida para o critério peso, é classificada como Leve, independente de quem esteja avaliando. Da mesma forma, se o animal abatido for um cordeiro lanado e não castrado, a carcaça é classificada quanto a Espécie como Ovina Lanada e quanto ao Sexo como Macho Inteiro. Neste contexto, a sugestão é que a classificação de carcaças ovinas e caprinas tenha como base os seguintes critérios: 1.1. Espécie Em praticamente todos os mercados tradicionais de carne do mundo, a espécie animal que deu origem a carcaça é tida como um dos principais critérios de classificação, principalmente em relação aos pequenos ruminantes, onde um certo grau de similaridade na aparência entre as espécies caprina e ovina e entre as raças ovinas lanadas e deslanadas, pode muitas vezes dificultar a identificação da carcaça e da carne por parte do consumidor. Embora os ovinos deslanados e lanados domésticos pertençam a mesma espécie animal (Ovis aries sp), assim como os caprinos domésticos tenham uma única espécie (Capra hircus sp), os ovinos serão considerados, para efeito de praticidade classificatória, como classes de espécies diferentes. Por outro lado, espera-se que carcaças caprinas e ovinas deslanadas em relação às lanadas, sejam mais magras e, portanto, de maior valorização para alguma fatia do mercado consumidor da carne ovina e caprina. Todavia, essa característica parece tornar a carne mais dura e menos saborosa, desvalorizando esse tipo de carne para consumidores que pensam mais na satisfação pessoal do que com a própria saúde. Por outro lado, a carne de caprinos inteiros e de idades mais avançadas, em relação a ovinos de mesmo sexo e faixa etária, apresenta problemas de palatabilidade e, portanto, de aceitação de alguns mercados consumidores. A distinção entre essas carcaças se torna mais importante ainda quando a diferença de preços entre elas é maior. Neste sentido, quanto ao critério espécie, a sugestão é por três classes de carcaças: caprina, ovina deslanada e ovina lanada. a) Ovina lanada b) Ovina deslanada c) Caprina 115 1.2. Sexo O sexo tem sido incluído como parâmetro em muitos sistemas de tipificação de carcaças tendo em vista que as diferenças não só no rendimento de carne, mas também na qualidade da carne produzida por essas três classes de animais. Normalmente, os animais machos produzem mais carne que as fêmeas, embora essa seja de qualidade inferior, sendo mais dura e menos saborosa, daí a sugestão de incluir também o sexo como uma característica de diferenciação nessa proposta de classificação de carcaça. a) Macho inteiro b) Macho castrado c) Fêmea 1.3. Idade Independente de espécie e de sexo, à medida que a idade ou maturidade do animal abatido aumenta, há aumento no rendimento de carne das carcaças, embora a qualidade desta, principalmente a maciez, tende a diminuir. Ambas características levam a uma maior ou menor valorização da carcaça, dependendo do mercado consumidor considerado. a) Cordeiro/cabrito b) Borrego/bodête c) Carneiro/bode e ovelha/cabra 1.4. Peso Como o peso é um dos parâmetros chaves na predição da quantidade de carne produzida pela carcaça, para muitos, ele é considerado o principal critério de classificação de carcaças. Além disso, dada a grande diferenciação que há na aceitação em função do peso, entre países e entre diversas regiões de um mesmo país, nada mais justo a inclusão do peso como critério de classificação de carcaça, principalmente para o momento de sua comercialização. Por exemplo, os dados da literatura indicam para o mercado europeu a preferência por carcaças que variam de 6-15kg na Itália até 20-24kg na Inglaterra, passando por 8-15kg na Espanha, 15- 21kg na França e 15-21kg na Bélgica. Na França, por sua vez, a região sul prefere carcaças mais leves, entre 15 e 18kg, enquanto no sudeste a aceitação maior é por carcaças com peso entre 17 e 21kg, por exemplo. No Brasil parece que a maior preferência é por carcaças com peso em torno de 15kg, de modo que a sugestão é classificar as 116 carcaças em três classes: Leve (<12kg), Média (12-18kg) e Pesada (>18kg) a) Leves b) Médias c) Pesadas 2. TIPIFICAÇÃO DE CARCAÇA A tipificação consiste em diferenciar as carcaças em tipos hierarquizados ou ordenados de acordo com aspectos quantitativos e qualitativos da carne presente na carcaça. A tipificação quantitativa se baseia em características que são indicadoras de produção (rendimento) de carne pela carcaça, enquanto a tipificação qualitativa se fundamenta em caracteres predictores da palatabilidade da carne originada por cada tipo de carcaça. Os sistemas de tipificação são de natureza ordinal, onde os tipos são identificados por nomes, símbolos ou números que denotam ordenação ou hierarquização das carcaças, ou seja, a tipificação estabelece relações de superioridade ou inferioridade, em termos de quantidade e qualidade, entre os diferentes tipos de carcaças. Assim, quando se tipifica, por exemplo, quanto à conformação, em ruim, razoável, boa, muito boa e excelente, há uma ordenação entre os cinco tipos de carcaças, indicando que as do tipo razoável têm maior musculosidade que a do tipo ruim, da mesma forma que a boa em relação a razoável, a muito boa em relação a boa e a excelente em relação a muito boa. 2.1. TIPIFICAÇÃO QUANTITATIVA As carcaças diferem quanto a quantidade de tecido comestível que as compõe. A predição da quantidade dessa porção e, conseqüentemente, a determinação dos tipos dentro da grade, devem ser baseados em métodos simples, prático e, dentro do possível, pouco invasivo ou destrutivo das carcaças. A maioria dos sistemas de tipificação utiliza apenas a conformação (muscularidade) e o acabamento (gordura externa ou de cobertura) para predizer a quantidade da porção comestível da carcaça, ou seja, estimar a carnosidade (relação músculo+gordura/osso) da carcaça. Espera-seque quanto maior a musculosidade (relação músculo/osso) e menor o estado de engorduramento (relação músculo/gordura), maior é o rendimento de porção comestível, devendo-se não esquecer, porém, da necessidade de um mínimo de gordura para uma boa qualidade organoléptica e conservativa da carne. 117 Em se tratando de ovinos deslanados e, principalmente, de caprinos, onde a escassez de acabamento é evidente, a predição da porção comestível está muito mais vinculada a avaliação da conformação do que do acabamento, diferentemente do que ocorre com os ovinos lanados, onde o excesso de acabamento eliminado pela toillete resulta em diminuição do rendimento da porção comestível da carcaça. A. CONFORMAÇÃO Conforme demonstrado do capítulo 3, as carcaças dos pequenos ruminantes apresentam perfis que variam de côncavo até hiper-convexo, em função da profundidade da massa muscular depositada sobre a base óssea, que é o esqueleto. Atualmente apenas os ovinos lanados apresentam raças (Beltex e Texel, por exemplo) com musculatura dupla e que, por conseguinte, são os únicos que geram carcaças com perfil hiper-convexo. Algumas raças de ovinos deslanados (Dorper, Santa Inês, etc) podem produzir até carcaças convexas, enquanto as raças caprinas de corte (Bôer, Savanna, etc) são capazes de originar, no máximo, carcaças subconvexas. Diante do exposto, a sugestão é que as carcaças sejam tipificadas para conformação em função do perfil que apresentam: Côncavo, retilíneo, sub-convexo, convexo e hiper-convexo. Cada um desses perfis recebe um escore ou nota em ordem crescente de acordo com esses perfis: escores 1, 2, 3, 4 e 5. Caso seja necessário ou se pretenda fazer comparações dos tipos de conformação entre as três classes de espécies, deve-se utilizar o Quadro 5.1, onde cada tipo corresponde a um único perfil. Por exemplo, uma carcaça retilínea é tipificada como Razoável, tanto para caprinos, como para ovinos deslanados e ovinos lanados, de modo que qualquer carcaça do tipo Razoável, independente da espécie, são equivalentes quanto a conformação, já que apresentam o mesmo perfil. Por outro lado, como as espécies atingem perfis máximos diferentes, as suas melhores conformações também devem ser diferentes, daí por que a melhor carcaça caprina é do tipo Bom (perfil sub-convexo), a melhor ovina deslanada é do tipo Muito Bom (perfil convexo) e a melhor ovina lanada é do tipo Excelente (perfil hiper- convexo). 118 Quadro 5.1 – Grade de tipificação da conformação comparativa entre as três classes de espécies Parâmetro Conformação Perfil Côncavo Retilíneo Sub-convexo Convexo Hiper-convexo Escore 1 2 3 4 5 Caprina Ruim Razoável Bom Deslanada Ruim Razoável Bom Muito bom Tipos Lanada Ruim Razoável Bom Muito bom Excelente Todavia, numa tipificação individualizada, para cada uma das três classes de espécies, deve haver carcaças desde o tipo Ruim, a pior de todas, até o tipo Excelente, a melhor de todas. Dessa forma, uma carcaça caprina tipificada como de conformação Excelente não equivale a uma conformação de carcaça ovina deslanada ou lanada do mesmo tipo, visto que a conformação Excelente caprina tem perfil sub-convexo, enquanto a do ovino deslanado e lanado apresenta perfil convexo e hiperconvexo, respectivamente (Quadro 5.2 e Figura 5.1). Quadro 5.2 – Grade de tipificação da conformação individualizada de cada uma das três classes de espécie Parâmetro Conformação Perfil Côncavo Retilíneo Sub-convexo Convexa Hiper-convexa Escore 1 2 3 4 5 Caprina Ruim Bom Excelente Deslanada Ruim Bom Muito Bom Excelente Tipos Lanada Ruim Razoável Bom Muito bom Excelente B. ACABAMENTO As carcaças dos pequenos ruminantes apresentam um acabamento que varia desde muito magro até muito gordo, de acordo com a quantidade e distribuição de gordura subcutânea depositada sobre a superfície da massa muscular, conforme discussão já realizada no capítulo 3. As raças lanadas, dependendo de sua origem e do nível de melhoramento a que chegaram para produzir carne, são capazes de depositarem uma quantidade tão grande de gordura superficial que as carcaças por elas originadas podem ser tipificadas como muito gordas, ao ponto de serem consideradas excessivamente acabadas. Algumas raças ovinas deslanadas, por sua vez, não por efeito do melhoramento, mas por evolução adaptativa às condições 119 Figura 5.1. Tipificação da conformação de ovinos deslanados e caprinos a. Tipos de conformação das carcaças de ovinos deslanados 120 b. Tipos de conformação da carcaça de caprinos 121 adversas de escassez alimentar, podem chegar a depositar uma excessiva quantidade de gordura de cobertura, para fins energéticos, em determinadas regiões corporais, como a cauda ( ) e garupa ( ), deixando as demais regiões totalmente desprovidas de acabamento. Todavia, algumas raças deslanadas de corte ( Dorper ? semi-lanada ou deslanada)) chegam a depositar uma quantidade abundante de gordura subcutânea em quase toda a superfície corporal, o que lhes permitem originar carcaças que podem ser tipificadas como gordas. Já os caprinos, por natureza, têm o corpo escassamente coberto por gordura subcutânea, embora as raças de corte (Bôer, Savanna, etc) têm conseguido, por meio de melhoramento, depositar uma razoável quantidade de gordura superficial, ao ponto de suas carcaças poderem ser tipificadas como de acabamento médio. Sugere-se, portanto, que as carcaças sejam tipificadas para acabamento, de acordo com a quantidade e distribuição de gordura superficial, em muito magro, magro, médio, gordo e muito gordo, tipos esses que recebem os escores 1, 2, 3, 4 e 5 respectivamente. Assim como a conformação, a tipificação de carcaças quanto ao acabamento pode ser analisada de forma individualizada ou comparada entre as três classes de espécies. Na análise comparativa, cada tipo de acabamento corresponde a uma única condição de gordura superficial, onde uma carcaça com deposição média de gordura superficial é tipificada como de acabamento Mediano para quaisquer das três espécies (Quadro 5.3). Como as espécies não alcançam os mesmo níveis de deposição de gordura superficial, a melhor carcaça caprina tem acabamento do tipo mediano (gordura subcutânea média), enquanto o melhor acabamento dos ovinos deslanados é do tipo Gordo (gordura subcutânea abundante) e dos ovinos lanados é do tipo Muito gordo (gordura subcutânea excessiva). Quadro 5.3 - Grade de tipificação do acabamento comparativa entre as três classes de espécies Parâmetro Acabamento Gordura superficial Ausente Escassa Média Abundante Excessiva Escore 1 2 3 4 5 Caprina Muito magro Médio Mediano Deslanada Muito magro Magro Mediano Gordo Tipos Lanada Muito magro Magro Mediano Gordo Muito gordo Para a análise individualizada da conformação, deve-se tipificar as carcaças das três espécies de modo que todas, da pior a melhor, sejam contempladas, embora a melhor de uma espécie não corresponda a melhor das outras espécies, tanto que para o melhor 122 acabamento caprino (gordo) a gordura superficial é apenas de deposição média, enquanto para o melhor dos ovinos deslanados (gordo) e dos ovinos lanados (muito gordo) a gordura de cobertura é abundante e excessiva, respectivamente (Quadro 5.4 e Figura 5.2) Quadro 5.4 – Grade de tipificação do acabamento individualizada de cada uma das três classes de espécie. Parâmetro Acabamento Gordura superficial Ausente Escassa Média Abundante Excessiva Escore 1 2 3 4 5 Caprina Muitomagro Médio Gordo Deslanada Muito magro Magro Mediano Gordo Tipos Lanada Muito magro Magro Mediano Gordo Muito gordo 2.2. TIPIFICAÇÃO QUALITATIVA As carcaças também diferem quanto a qualidade da sua porção comestível. A predição da qualidade dessa porção na carcaça e, conseqüentemente, a determinação dos tipos dentro da grade qualitativa, devem ser baseados em métodos que utilizem parâmetros indicadores que tenham uma boa correlação com os parâmetros de qualidade da carne determinados em laboratórios. A maioria dos sistemas de tipificação utiliza para indicar ou predizer a qualidade da carne gerada pelas carcaças, alguns aspectos de aparência visual, com destaque para a cor e textura no momento da aquisição, que tem relação direta com a maciez da carne, e para o marmoreio, que se relaciona bem com o flavor (sabor e odor), a suculência e a maciez da carne no momento do consumo. Com base no exposto, sugerimos como predictores da qualidade da porção comestível, os seguintes critérios: A. MARMOREIO Dentre os três parâmetros predictores da qualidade da carne gerada por uma dada carcaça, o marmoreio parece ser aquele que se comporta de forma mais diferente entre as três espécies. O comportamento do marmoreio entre as carcaças das três classes de pequenos ruminantes, em termos quantitativos e qualitativos, se assemelha aquele do acabamento e, provavelmente, os fatores 123 Figura 5.2. Tipificação do acabamento de ovinos deslanados e caprinos a. Tipos de acabamento das carcaças de ovinos deslanados 124 b.Tipos de acabamentos das carcaças de caprinos 125 determinantes destes provavelmente sejam os mesmos daqueles (Quadro 5.5). Quadro 5.5 - Grade de tipificação do marmoreio individualizada e comparativa das três classes de espécie Parâmetro Marmoreio Marmoreio Inexistente Escasso Médio Elevado Abundante Escore 1 2 3 4 5 Caprina Ausente Médio Farto Deslanada Ausente Ralo Médio Farto Tipificação individual Lanada Ausente Ralo Mediano Farto Muito farto Caprina Ausente Médio Muito farto Deslanada Ausente Ralo Médio Muito farto Tipificação comparativa Lanada Ausente Ralo Mediano Farto Muito farto B. COR Diferentemente do marmoreio, a cor é um parâmetro que parece ser menos dependente do genótipo, onde fatores não genéticos como alimentação, mas principalmente a idade do animal, são mais importantes na sua determinação. Talvez por esse motivo, não tenhamos encontrado diferenças marcantes da cor em função do genótipo avaliado, tanto que a sugestão para a tipificação desse critério é igual para as três classes de espécies, indo desde Rosa claro até o Vermelho escuro (Quadro 5.6). Espera-se que à medida que a cor se torna mais escura, a dureza da carne tende a aumentar e, por conseguinte, a aceitabilidade do produto pelo consumidor diminui. Quadro 5.6 – Grade de tipificação da cor individualizada e comparativa das três classes de espécie. Parâmetro Cor Cor Vermelho escuro Vermelho Vermelho claro Rosa Rosa claro Escore 1 2 3 4 5 Caprina Vermelho escuro Vermelho Vermelho claro Rosa Rosa claro Deslanada Vermelho escuro Vermelho Vermelho claro Rosa Rosa claro Tipos Lanada Vermelho escuro Vermelho Vermelho claro Rosa Rosa claro 126 C. TEXTURA O comportamento da textura da carne presente nas carcaças se assemelha muito aquele da cor, de forma que a sugestão de tipificação para as três classes de espécie não poderia ser diferente daquela sugerida para a coloração, ou seja, a textura independente da espécie ser caprina, ovina deslanada ou ovina lanada, apresentará tipos desde Muito fino até muito grosso, conforme Quadro 5.7. Quadro 5.7. Grade de tipificação da textura individualizada e comparativa das três classes de espécie Parâmetro Textura Textura Muito grossa Grossa Média Fina Muito fina Escore 1 2 3 4 5 Caprina Muito grosso Grosso Médio Fino Muito fino Deslanada Muito grosso Grosso Médio Fino Muito fino Tipos Lanada Muito grosso Grosso Médio Fino Muito fino 2.3. TIPIFICAÇÃO FINAL DAS CARCAÇAS OVINAS E CAPRINAS Através da soma dos escores alcançados pelos parâmetros de conformação e acabamento chega-se a uma pontuação final da tipificação quantitativa, que pode atingir o mínimo de 2 e o máximo de 10. Igualmente, somando-se os pontos obtidos pelo marmoreio, cor e textura, alcança-se um mínimo de 3 e um máximo de 15 pontos, que correspondem a pontuação final da tipificação qualitativa. O somatório da pontuação quantitativa e qualitativa resulta em um total que corresponde a pontuação final da tipificação das carcaças, a qual varia de 5 a 25 (Quadro 5.8). Quadro 5.8 - Pontuação final da tipificação quantitativa e qualitativa Escores Tipificação Parâmetros 1 2 3 4 5 Conformação 1 2 3 4 5 Acabamento 1 2 3 4 5 Quantitativa Sub-total 2 4 6 8 10 Marmoreio 1 2 3 4 5 Cor 1 2 3 4 5 Textura 1 2 3 4 5 Qualitativa Subtotal 3 6 9 12 15 Pontuação Total 5 10 15 20 25 127 Independente da espécie, as carcaças que alcançam de 5 a 10, de 11 a 15, de 16 a 20 e de 21 a 25 pontos finais, são tipificadas como de tipo Inferior, Médio, Superior e Extra, respectivamente (Quadro 5.9). Quadro 5.9 – Tipos finais de carcaças e suas respectivas pontuações Tipos e escores de carcaças Tipos Inferior Médio Superior Extra Carcaças Escores 5-10 11-15 16-20 21-25 Diante das pontuações possíveis que a classe caprina pode atingir, são três os tipos passíveis de ocorrência nessa espécie: Inferior, Médio e Superior (Quadro 5.10). Quadro 5.10 – Grade de tipificação final das carcaças caprinas Carcaças de caprinos Escore Características Parâmetros 1 2 3 4 5 Conformação 1 2 3 4 5 Acabamento 1 2 3 4 5 Carnosidade Subtotal máximo 2 4 6 8 10 Marmoreio 1 2 3 4 5 Cor 1 2 3 4 5 Textura 1 2 3 4 5 Palatabilidade Subtotal máximo 3 6 9 8 10 Total máximo 5 10 15 17 19 Carcaça Tipo Final Inferior Médio Superior Os ovinos deslanados (Quadro 5.11) e lanados (Quadro 5.12), por sua vez, alcançam pontuações finais que lhes facultam a ocorrência dos quatro tipos possíveis, o Inferior, o Médio, o Superior e o Extra, embora os lanados tenham, pelas pontuações mais altas que podem receber, maiores probabilidades de apresentarem carcaças do tipo Extra. 128 Quadro 5.11 – Grade da tipificação final de ovinos deslanados. Carcaças de ovinos deslanados Escore Características Parâmetros 1 2 3 4 5 Conformação 1 2 3 4 5 Acabamento 1 2 3 4 5 Carnosidade Sub-total máximo 2 4 6 8 10 Marmoreio 1 2 3 4 5 Cor 1 2 3 4 5 Textura 1 2 3 4 5 Palatabilidade Subtotal máximo 3 6 9 12 10 Total máximo 5 10 15 20 22 Carcaça Classe Inferior Média Superior Extra Quadro 5.12 – Grade da tipificação final de ovinos lanados. Carcaças de ovinos lanados Escore Características Parâmetros 1 2 3 4 5 Conformação 1 2 3 4 5 Acabamento 1 2 3 4 5 Carnosidade Sub-total máximo 2 4 6 8 10 Marmoreio 1 2 3 4 5 Cor 1 2 3 4 5 Textura 1 2 3 4 5 Palatabilidade Subtotal máximo 3 6 9 12 15 Total máximo 5 10 15 20 25 Carcaça Classe Inferior Média Superior Extra No Quadro 5.13 encontra-se de forma sumarizada a pontuação final, por conseguinte, a tipificação final possível das três classes de espécies. Quadro 5.13 – Grade da tipificação final das três classes de espécies Tipos de carcaças Inferior (5-10) Média (11-15) Superior (16-20) Extra (21-25) Espécie 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 1516 17 18 19 20 21 22 23 24 25 Caprina Deslanada Lanada