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Van Dijk Multidisciplinaridade da ACD (trad. Leo Moz)

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1 
A MULTIDISCIPLINARIDADE DA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO: 
 UM APELO EM FAVOR DA DIVERSIDADE
*
 
Teun A. van Dijk 
 
 
Em favor da diversidade 
 Neste capítulo, formulo os princípios e as diretrizes práticas para realizar uma análise 
crítica do discurso (ACD). Isso não significa, contudo, que ofereço um ‘método van Dijk’ já 
pronto de fazer ACD. Não disponho de tal método. Tampouco encabeço ou represento uma 
‘abordagem’, ‘escola’ ou outra seita acadêmica que aparentam ser tão atraentes para muitos 
estudiosos. Sou contra os cultos à personalidade. Não quero que colegas ou alunos me ‘sigam’ 
– uma forma de subserviência acadêmica que considero incompatível com uma atitude crítica. 
 Além disso, em meus muitos anos de experiência como editor de várias revistas 
científicas internacionais, constatei que contribuições que imitam e seguem algum grande 
mestre raramente são originais. Sem ser eclético, o bom saber acadêmico – e especialmente a 
boa ACD – deve integrar os melhores esforços de muitas pessoas, famosas ou não, 
procedentes de diferentes disciplinas, países, culturas e orientações de pesquisa. Em outras 
palavras, a ACD deve ser essencialmente diversificada e multidisciplinar. 
 
O que é ACD? 
 Deixem-me começar explicando o que a ACD não é. A ACD não é uma orientação de 
pesquisa entre outras, tais como a gramática gerativo-transformacional ou a linguística 
sistêmica, nem tampouco uma subdisciplina da análise do discurso, tais como a psicologia do 
discurso ou a análise da conversação. Não é um método, nem uma teoria que simplesmente 
pode ser aplicada a problemas sociais. A ACD pode ser direcionada a – e ser combinada com 
– qualquer abordagem e subdisciplina nas ciências humanas e sociais. 
 Antes, a ACD é uma perspectiva – crítica – sobre a produção do saber acadêmico: ela 
é, digamos assim, uma análise do discurso ‘com atitude’. Ela se concentra nos problemas 
sociais e, em especial, no papel do discurso na produção e reprodução do abuso de poder e da 
dominação. Sempre que possível, ela se ocupa dessas questões partindo de uma perspectiva 
que seja coerente com o que é melhor para os interesses dos grupos dominados. Ela leva a 
 
*
 Tradução de Leonardo Mozdzenski, para fins didáticos, de: VAN DIJK, T. Multidisciplinary CDA: A Plea for 
Diversity. In: WODAK, R.; MEYER, M. Methods of Critical Discourse Analysis. London: SAGE, 2001. p. 95-
120. 
 2 
sério as experiências e opiniões dos membros desses grupos, apoiando sua luta contra a 
desigualdade. Isto é, a investigação realizada mediante a ACD combina o que costumava ser 
chamado talvez um tanto pomposamente de ‘solidariedade com o oprimido’, com uma atitude 
de oposição e divergência contra aqueles que usam de forma imprópria o texto e a fala com o 
propósito de estabelecer, confirmar ou legitimar seu abuso de poder. Diferentemente de 
muitos outros saberes, a ACD não nega, mas explicitamente define e defende seu próprio 
posicionamento político. Isto é, a ACD é parcial – e tem orgulho disso. 
 Como em qualquer tipo de pesquisa, também há um mau conhecimento acadêmico na 
ACD, mas não porque ela é parcial. Um conhecimento parcial não é inerentemente um mau 
conhecimento. Ao contrário, tal como muitos estudiosos – especialmente entre mulheres e 
minorias – sabem, a pesquisa crítica não pode ser apenas boa, tem que ser o melhor 
conhecimento acadêmico produzido para que possa ser aceita. Nenhum outro conhecimento 
científico é atacado tão ferozmente em razão da sua suposta ausência ou deficiência 
metodológica quanto o conhecimento crítico. Especializada também na análise crítica (e 
autocrítica) do discurso acadêmico, a ACD evidentemente reconhece a natureza estratégica de 
tais acusações como parte dos complexos mecanismos de dominação, especificamente como 
uma tentativa de marginalizar e problematizar as diferenças de opinião. 
 Precisamente por causa de suas responsabilidades acadêmicas e sociais combinadas, a 
ACD deve ser um conhecimento científico rigoroso. Suas teorias multidisciplinares devem 
levar em conta as complexidades das relações entre estruturas discursivas e estruturas sociais. 
Sem métodos explícitos e sistemáticos, não podem ser produzidas quaisquer observações e 
descrições socialmente úteis ou academicamente confiáveis. Na ACD, a formação da teoria, a 
descrição, a formulação do problema e as aplicações estão intimamente interligadas e 
mutuamente inspiradas. Isso significa que na ACD as teorias e as análises não só devem ser 
elegantes e sofisticadas, além de empiricamente fundamentadas, mas também devem 
enfrentar o teste mais árduo de todos – a relevância. Elas devem funcionar. 
 E, finalmente, a ACD deve ser acessível. O estilo esotérico é incompatível com os 
objetivos fundamentais da pesquisa crítica, tendo em vista que ela pode ser compartilhada 
com outros, especialmente pelos grupos dominados. O obscurantismo promove a imitação 
cega em vez do discernimento. A ACD deve ser ensinável e, portanto, compreensível. Se os 
alunos não nos entendem, não podem tampouco aprender conosco nem nos criticar. A 
teorização e a análise complexas não requerem jargões abstrusos e o profundo discernimento 
não precisa de formulações arcanas. 
 
 3 
 
O triângulo discurso-cognição-sociedade 
 Seguindo esses princípios metateóricos, proponho formular e ilustrar algumas das 
diretrizes que tento observar ao fazer ACD. Dada a minha orientação multidisciplinar, o 
rótulo global que às vezes utilizo para o meu modo de fazer ACD é o da análise do discurso 
‘sociocognitiva’. Embora não goste de rótulos (porque são reducionistas e porque já mudei 
muitas vezes a minha área de pesquisa), tenho poucos problemas com esse, especialmente 
tendo em vista que ele enfatiza aquilo – ao contrário de muitos dos meus colegas em ACD – 
que avalio como de fundamental importância no estudo da cognição (e não apenas no estudo 
da sociedade) na análise crítica do discurso, na comunicação e na interação. 
 A adoção desse rótulo, contudo, não significa que eu considero que a ACD deve se 
limitar à análise social e cognitiva do discurso ou a alguma combinação dessas dimensões. 
Apenas significa que (no momento presente) estou pessoalmente mais interessado na 
fascinante interface sociocognitiva da análise do discurso. Por exemplo, em meus primeiros 
trabalhos sobre racismo (van Dijk, 1984, 1987, 1991, 1993) e nas minhas pesquisas atuais 
sobre ideologia (van Dijk, 1998), tenho mostrado que esses fenômenos são ambos sociais e 
cognitivos. Não é preciso dizer, no entanto, que os complexos problemas do ‘mundo real’ 
com os quais a ACD lida também requerem um enfoque histórico, cultural, socioeconômico, 
filosófico, lógico ou neurológico, dependendo do que se deseja saber (ver, por exemplo, as 
várias abordagens representadas em van Dijk, 1997). 
 Não é preciso tecer maiores argumentos para afirmar que, dada a natureza 
fundamentalmente verbal do discurso, uma ACD explícita também necessita de uma sólida 
base ‘linguística’, entendendo-se o termo ‘linguística’ em um amplo sentido ‘estrutural-
funcional’. Em outras palavras, quaisquer que sejam as outras dimensões do discurso com as 
quais lida a ACD, esta – na medida em que constitui uma forma específica e prática de análise 
do discurso – sempre precisa obviamente dar conta ao menos de algumas das detalhas 
estruturas, estratégias e funções do texto e da fala, incluindo as formas gramaticais, 
pragmáticas, interacionais, estilísticas, retóricas, semióticas, narrativas ou similares de 
organização verbal e paraverbal dos eventos comunicativos. 
 Tendo enfatizado a necessidade de uma ACD ampla, diversa, multidisciplinar e 
orientada aos problemas,limito meus próprios esforços ao domínio definido pelo triângulo 
teórico discurso-cognição-sociedade. Haja vista que isso é tão-somente um rótulo útil e, por 
conseguinte, passível de sofrer uma má interpretação reducionista, deve-se ressaltar que 
‘discurso’ é aqui compreendido no sentido amplo de ‘evento comunicativo’, o que inclui a 
 4 
interação conversacional, os textos escritos, assim como os gestos associados, os desenhos 
das fachadas, o layout tipográfico, as imagens e qualquer outra dimensão de significação 
‘semiótica’ ou de multimídia. De modo semelhante, aqui ‘cognição’ implica tanto a cognição 
pessoal quanto a cognição social, as crenças e os objetivos, assim como as valorações e as 
emoções, e quaisquer outras estruturas, representações e processos ‘mentais’ ou ‘memoriais’ 
envolvidos no discurso e na interação. E, por fim, ‘sociedade’ é entendida de forma a incluir 
tanto as microestruturas locais das interações face a face situadas quanto as estruturas mais 
globais, sociais e políticas diversamente definidas em termos de grupos, de relações de grupo 
(como as de dominação e desigualdade), de movimentos, de instituições, de organizações, de 
processos sociais, de sistemas políticos, juntamente com outras propriedades mais abstratas de 
sociedades e culturas. 
 De uma maneira mais ou menos informal, podemos considerar que a combinação das 
dimensões cognitiva e social do triângulo define o contexto relevante (local e global) do 
discurso. De fato, com seus objetivos sociopolíticos e orientados aos problemas, a ACD 
necessita particularmente de uma sofisticada teorização acerca das intricadas relações texto-
contexto. Uma simples análise do texto ou da fala unida a algum estudo social e/ou cognitivo 
não é suficiente. Veremos que uma análise do discurso adequada requer simultaneamente uma 
detalhada análise cognitiva e social, e vice-versa, e que apenas a integração dessas 
explicações pode alcançar uma adequação descritiva, explicativa e especialmente crítica no 
estudo dos problemas sociais. 
 Dever ser enfatizado que a ACD, assim como a análise do discurso em geral, não 
constitui um ‘método’ que pode simplesmente ser aplicado no estudo dos problemas sociais. 
Os estudos discursivos são uma disciplina transversal, com muitas subdisciplinas e áreas, cada 
uma delas com suas próprias teorias, instrumentos descritivos e métodos de investigação. A 
ACD não apresenta um enfoque já pronto, que nos indique como fazer análise social; antes, 
ressalta que para cada estudo deve ser realizada uma completa análise teórica de um assunto 
social, de forma que sejamos capazes de selecionar que discurso e que estruturas sociais 
temos que analisar e relacionar. Além disso, os métodos concretos de investigação dependem 
das propriedades do contexto da investigação acadêmica: objetivos, participantes, localização 
e usuários, o que inclui suas crenças e interesses. 
 
Que estruturas discursivas devemos analisar? 
 Embora tenhamos argumentado que uma teoria texto-contexto seja crucial 
especialmente na ACD, temos que fazer algumas breves considerações sobre as estruturas 
 5 
discursivas per se. Décadas de especialização nessa área acabaram ‘descobrindo’ muitas 
centenas, quando não milhares, de unidades, níveis, dimensões, movimentos, estratégias, tipos 
de atos e dispositivos relevantes, além de outras estruturas do discurso. Podemos ter estruturas 
e níveis paraverbais, visuais, fonológicos, sintáticos, semânticos, estilísticos, retóricos, 
pragmáticos e interacionais. Isso significa que, em qualquer sentido prático, não há nada 
semelhante a uma análise do discurso ‘completa’: uma análise ‘plena’ de uma breve passagem 
pode levar meses e preencher centenas de páginas. A análise do discurso completa de um 
corpus extenso de texto ou fala está, portanto, totalmente fora de questão. 
 Dessa maneira, também na ACD, devemos fazer escolhas e selecionar para uma 
análise mais pormenorizada aquelas estruturas que sejam relevantes para o estudo de uma 
questão social. Isso requer ao menos algumas ideias informais acerca dos vínculos entre o 
texto e o contexto – ideias que nos indiquem que propriedades do discurso podem variar em 
função de que estruturas sociais. Assim, se queremos estudar – como seria típico na ACD – os 
modos como alguns falantes e escritores exercem o poder em seu discurso ou por meio deste, 
só faz sentido estudarmos aquelas propriedades que podem variar em função do poder social. 
Dessa forma, a ênfase e a entonação, a ordem das palavras, o estilo lexical, a coerência, os 
movimentos semânticos locais (tal como as retificações), a seleção de temas, os atos de fala, a 
organização esquemática, as figuras retóricas e a maioria das formas de interação são, em 
princípio, suscetíveis de controle pelo falante. Já outras estruturas, tais como a forma das 
palavras e muitas das estruturas das sentenças, são gramaticalmente obrigatórias e 
contextualmente invariáveis; sendo assim, normalmente não estão sujeitas ao controle do 
falante e são, portanto, irrelevantes para um estudo do poder social. 
 No entanto, mesmo entre aquelas estruturas discursivas contextualmente variáveis e, 
por conseguinte, possivelmente relevantes para um estudo crítico do discurso, há algumas que 
são apenas marginalmente relevantes e outras que são significativamente relevantes, 
dependendo naturalmente do tipo de questões que decidimos investigar. Por exemplo, um 
estudo perfeitamente legítimo e interessante acerca da conversação informal ou institucional 
entre homens e mulheres pode decidir examinar que papel desempenha a entonação ou o 
volume da voz masculina no controle da interação, incluindo os gritos e outras formas de 
intimidação. 
 Entretanto, se estamos interessados em um estudo crítico acerca do papel do discurso 
na reprodução do sexismo ou do machismo na sociedade, normalmente não podemos nos 
limitar a examinar as estruturas bastante específicas da entonação e do volume de voz. É mais 
provável que comecemos, por um lado, com um estudo sobre o controle da interação e, por 
 6 
outro, com uma análise do ‘conteúdo’, tal como a seleção de temas, proposições e elementos 
lexicais. O motivo é que essas formas de sentido parecem estar mais diretamente relacionadas 
com as crenças e, por consequência, com as atitudes e com as ideologias sexistas que os 
homens adotam ou expressam quando conversam com (ou sobre) as mulheres. Note, contudo, 
que não estamos afirmando obviamente que seja isso que se sucede, mas sim que estamos 
aqui diante de uma conclusão estabelecida por uma teoria das relações entre texto e contexto, 
uma teoria em que as estruturas específicas do discurso estão relacionadas com as estruturas 
específicas do contexto, tais como as crenças sociais compartilhadas pelos falantes. 
 
Níveis e dimensões da ACD: um exemplo 
 A título de exemplo, podemos ilustrar nosso construto teórico e nossas categorias 
analíticas mediante uma breve descrição de um texto do Centro para a Defesa Moral do 
Capitalismo, “uma petição contra a perseguição da Microsoft”, disponibilizada na Internet 
(www.moraldefense.com). Essa petição critica o governo dos Estados Unidos por sua batalha 
legal contra a Microsoft e solicita que os leitores assinem o documento: 
 
 
UMA PETIÇÃO CONTRA A PERSEGUIÇÃO DA MICROSOFT 
 
Assine a petição – versão internacional (para pessoas não residentes nos Estados Unidos) 
 
Para: os Membros do Congresso, a Procuradora-Geral Janet Reno e o Presidente Bill Clinton 
 
Colegas americanos, 
 
A Declaração da Independência proclama que o objetivo fundamental do governo é 
proteger os direitos do indivíduo e que cada indivíduo possui o direito inalienável da busca 
da felicidade.Ao longo da história dos Estados Unidos, essa nobre ideia tem protegido o 
direito do indivíduo de procurar sua própria felicidade através da utilização de sua energia 
em um trabalho produtivo, comercializando os produtos de seus esforços em um mercado 
livre e chegando tão longe quanto seu talento permitir. 
No entanto, ao longo do século passado, essa liberdade tem sido atacada e uma das 
manifestações mais notórias desse ataque tem sido as leis antitruste. Sob o pretexto de 
‘proteger o público’, essas leis têm permitido que competidores invejosos e funcionários 
públicos ávidos por poder ataquem homens de negócio bem-sucedidos, pelo crime de 
terem obtido sucesso. Isso tem levado ao feio espetáculo de ver como os gênios criativos 
 7 
do mundo empresarial – os homens que têm tornado grande este país – vêm sendo 
tachados de tiranos opressores, cujos impérios empresariais arduamente edificados devem 
ser reduzidos a escombros, ficando sujeitos ao controle dos agentes reguladores do 
governo. 
O atual pleito do Departamento de Justiça contra a Microsoft é o último exemplo 
dessa tendência. Fundamenta-se na inveja provocada pela capacidade produtiva da 
Microsoft e de seu fundador, Bill Gates. O resultado desse pleito, caso obtenha êxito, será 
não só privar o Sr. Gates do seu direito de controlar a sua própria companhia, mas também 
privar a companhia de sua propriedade e controle sobre seus próprios produtos. 
O argumento do Departamento de Justiça – e, na realidade, de toda legislação 
antitruste – está baseado na noção estranhamente invertida de que as ações produtivas 
dos indivíduos no mercado livre podem, de alguma forma, constituir uma ‘força’, enquanto 
as ações coercitivas dos agentes reguladores do governo podem, de algum modo, 
assegurar a ‘liberdade’. 
A verdade é que o único tipo de ‘monopólio’ que pode constituir-se em um mercado 
livre é aquele baseado na oferta de melhores produtos a preços mais baixos, uma vez que, 
em um mercado livre, até os monopólios têm que obedecer às leis de oferta e demanda. 
Os monopólios prejudiciais e coercitivos são resultado não da atividade do mercado livre, e 
sim das regulamentações, dos subsídios e dos privilégios estabelecidos pelo governo, que 
bloqueiam a entrada de concorrentes. Nenhuma empresa pode vetar suas concorrentes – 
só o governo pode. 
Nós defendemos que a Microsoft tem direito ao que lhe pertence; que está, portanto, 
autorizada a lançar seus produtos no mercado – incluindo o Windows 95 e o Internet 
Explorer –, em qualquer combinação desejada, sem necessidade de pedir permissão a 
ninguém e com direito integral. Nós defendemos que privar esse direito é atacar o direito 
que todos os inovadores possuem sobre os produtos de seu esforço, destruindo as 
fundações de um mercado livre e de uma sociedade livre. 
Nós não queremos viver em um país onde as realizações gerem rancor e sejam 
atacadas, onde todo inovador e empreendedor tenha que temer a perseguição de 
agentes reguladores e juízes ditatoriais, infligindo leis ambíguas segundo a ordem de 
competidores invejosos. Nós entendemos que as nossas vidas e o nosso bem-estar 
dependem da existência de um mercado livre, no qual inovadores e empreendedores são 
livres para chegar tão longe quanto seu talento lhes permitir, sem serem freados pela 
arbitrariedade e injustiça das regulações governamentais. 
Como cidadãos preocupados, pedimos que os argumentos do Departamento de 
Justiça contra a Microsoft sejam rejeitados. Solicitamos um debate nacional acerca das 
disposições arbitrárias e injustas das leis antitruste, dando um fim à prática de perseguir 
homens de negócio que têm sucesso. 
 8 
 
(Em seguida, encontra-se o espaço para escrever o endereço.) 
 
 Tendo em vista que um texto curto obviamente não é capaz de exemplificar as 
centenas de estruturas discursivas possíveis, e uma vez que, por outro lado, mesmo uma 
análise mais ou menos completa desse texto curto iria requerer dezenas – quando não 
centenas – de páginas, não seria nem preciso enfatizar que não podemos oferecer mais do que 
uma análise bastante parcial. E assim o fazemos apresentando uma breve discussão de 
algumas das estruturas discursivas que têm demonstrado ser relevantes em grande parte da 
minha própria investigação em ACD (assim como na de outros investigadores). Além de 
mostrar a utilidade prática que essas categorias parecem possuir para a análise, também 
explicarei brevemente por que isso acontece, descrevendo o marco teórico no qual essas 
categorias estruturais se relacionam com as estruturas sociais. Em outras palavras, a escolha 
de categorias discursivas em ACD é guiada tanto pela teoria quanto pelos principais objetivos 
da ACD, ou seja, pelo estudo crítico da reprodução discursiva da dominação na sociedade. 
 
Tópicos: macroestruturas semânticas 
 Por razões discursivas, cognitivas e sociais, os tópicos ou temas do discurso 
desempenham um papel fundamental na comunicação e na interação. Definidos como 
‘macroestruturas semânticas’ derivadas das (micro) estruturas locais de sentido, os tópicos 
representam o assunto ‘de que trata’ o discurso em termos globais, agregando a informação 
mais importante de um discurso e explicando a coerência geral do texto e da fala (van Dijk, 
1980). Os tópicos são o sentido global que os usuários de uma língua estabelecem mediante a 
produção e compreensão de discursos, e constituem a ‘essência’ daquilo que é posteriormente 
relembrado de forma mais marcante. Os usuários de uma língua não são capazes de 
memorizar e administrar todos os detalhes do sentido de um discurso, e assim organizam 
mentalmente esses sentidos por meio de tópicos ou sentidos globais. Disso também decorre a 
relevância social dos tópicos no discurso, na interação e na estrutura social: eles definem não 
só aquilo que orienta os falantes, as organizações e os grupos, mas também aquilo que exerce 
maior impacto sobre as ações e os discursos futuros. 
 Definidos como sentidos globais, os tópicos não podem, em si, ser diretamente 
observados; antes, são inferidos a partir do discurso – ou atribuídos a ele – pelos usuários de 
uma língua. Contudo, expressam-se com frequência no discurso, por exemplo, nos títulos, 
manchetes, sumários, resumos, sentenças temáticas ou conclusões. Esses elementos podem 
 9 
ser utilizados pelos usuários de uma língua como dispositivos estratégicos com os quais se 
pode inferir ou atribuir tópicos – tal como pretendido pelo falante ou escritor (van Dijk e 
Kintsch, 1983). Isso também dá margem à influência e à manipulação. Desse modo, falantes e 
escritores podem enfatizar o sentido, controlar a compreensão e influenciar a formação dos 
chamados ‘modelos mentais’ do evento abordado pelo discurso. Mais abaixo explicarei em 
maiores detalhes esses papéis cognitivos e sociais desempenhados pelos tópicos. 
 Uma vez que os tópicos possuem um papel tão importante e tendo em vista que a 
análise (macroestrutural) dos tópicos também pode ser aplicada a um conjunto de dados mais 
amplo, normalmente recomendo que se comece por tal análise. Com ela, obteremos uma 
primeira ideia geral do assunto de que trata o discurso ou um corpus de textos, e também 
controlaremos muitos outros aspectos do discurso e de sua análise. Dado que, por definição, 
os resumos expressam macroestruturas, podemos (para todos os fins práticos) simplesmente 
‘listar’ os tópicos de um texto mediante o expediente de resumi-lo – um método que pode ser 
repetido com diversos níveis de abstração. 
 No texto que tomamos como exemplo, o título “Uma petição contra a perseguição da 
Microsoft” expressa não apenas parte do tópico (“a perseguição da Microsoft”), mas também 
a autocategorização do gênerotextual (“petição”). Assim, podemos resumir esse texto através, 
por exemplo, das seguintes ‘macroproposições’: 
 
M1. As leis antitruste ameaçam a liberdade da empresa. 
M2. Os homens de negócio bem-sucedidos estão sendo representados como tiranos. 
M3. O processo contra a Microsoft é um exemplo dessa tendência. 
M4. O governo não deve limitar a liberdade de mercado. 
M5. A Microsoft tem o direito de fazer com seus produtos o que quiser. 
M6. Os inventores não devem ser punidos. 
M7. Solicitamos que os argumentos contra a Microsoft sejam rejeitados. 
 
Em uma redução posterior, pode-se resumir essas macroproposições na seguinte 
macroproposição geral de nível superior (tópico): 
Pede-se que governo dos Estados Unidos interrompa a sua perseguição judicial da 
inovadora Microsoft. 
 
 Observamos que esses diversos tópicos/macroproposições representam, na verdade, 
princípios de nível muito elevado, às vezes até abstratos. Nesse caso, essas proposições são 
uma expressão mais ou menos direta de alguns dos dogmas da ideologia capitalista clássica 
 10 
sobre a liberdade da empresa. Em outras palavras, as macroproposições expressam os 
princípios gerais neoliberais da liberdade de mercado, e depois a sua aplicação ao caso 
especial da Microsoft. Mais adiante veremos que essa distinção reflete a diferença entre as 
representações socialmente compartilhadas, por um lado, e os modelos mentais mais pessoais, 
por outro. 
 
Sentidos locais 
 Minha próxima escolha analítica consistirá em um estudo dos sentidos locais, tais 
como o sentido das palavras (um estudo que também pode ser chamado de lexical, 
dependendo da perspectiva adotada), a estrutura das proposições, bem como a coerência e 
outras relações entre proposições. Mais uma vez, a razão para essa escolha é principalmente 
contextual. Os sentidos locais são o resultado da seleção feita pelos falantes ou escritores em 
função de seus modelos mentais acerca dos eventos ou ainda das suas crenças de caráter mais 
geral, socialmente compartilhadas. Ao mesmo tempo, os sentidos locais são o tipo de 
informação que (sob o controle geral dos tópicos globais) influencia mais diretamente os 
modelos mentais e, portanto, as opiniões e atitudes dos destinatários. Junto com os tópicos, 
esses sentidos locais são mais bem recordados e mais facilmente reproduzidos pelos 
destinatários e, dessa forma, podem compreender as mais óbvias consequências sociais. 
 Embora haja muitas maneiras de estudar o sentido, apenas algumas delas serão aqui 
mencionadas. Com frequência, a investigação em ACD encontra-se interessada nos discursos 
ideologicamente preconceituosos e nos modos como polarizam a representação do ‘nós’ 
(grupos internos) e do ‘eles’ (grupos externos). Por conseguinte, tanto no plano global quanto 
no plano local da análise do sentido, testemunhamos normalmente uma estratégia geral de 
‘autoapresentação positiva e apresentação negativa do outro’, na qual são enfatizadas as 
nossas coisas boas e as coisas ruins dos outros, ou então são atenuadas as nossas coisas ruins e 
as coisas boas dos outros. 
 
Nesse plano semântico local, podemos, por exemplo, examinar a escolha da palavra 
“perseguição” no título do texto anterior – uma escolha que possui várias implicações as 
quais expressam a perspectiva ideológica do autor (o Centro para a Defesa Moral do 
Capitalismo). A ação do governo é definida em termos negativos, sugerindo a utilização de 
alguma forma de assédio, coerção ou abuso de poder moral ou legalmente repreensível. 
Ao mesmo tempo, a escolha dessa palavra indica que a Microsoft está representada como 
a vítima dessa agressão. Em termos mais gerais, a seleção lexical mostra aqui a forma 
 11 
familiar de apresentação negativa do outro e de autoapresentação positiva. Como parte 
da macroproposição principal, a escolha do conceito de “perseguição” também contribui 
para a organização dos sentidos locais no resto do texto. Em termos mais cognitivos, isso 
significa que a escolha dessa palavra pode influenciar a formação de macronódulos do 
modelo mental dos leitores desse texto. 
De similar relevância é o repetido uso da palavra “direitos” no primeiro parágrafo, 
tipicamente associado com “indivíduo” e “liberdade”, conceitos esses profundamente 
ideológicos e relacionados com a constituição dos Estados Unidos e com a ideologia 
predominante nesse país. Com o propósito de poder qualificar a ação legal do governo 
com o termo absolutamente negativo de “perseguição”, é preciso mostrar que os direitos 
dos indivíduos estão sendo violados e quais são esses direitos. A ênfase nos direitos possui 
outras várias funções, como a de associarmos algo bom e legítimo a nós mesmos e à nossa 
posição, predispondo-nos assim à avaliação negativa do governo norte-americano pela 
suposta violação desses direitos. Além de polarizar o modelo mental que está sendo 
construído aqui, esse parágrafo ao mesmo tempo funciona como uma importante premissa 
na argumentação geral desse texto. 
 
 Especialmente interessante para a investigação em ACD é o estudo das muitas formas 
de sentidos implícitos ou indiretos, tais como as implicações, as pressuposições, as alusões, as 
ambiguidades, etc. Denominamos informação implícita quando a informação pode ser 
inferida a partir (do sentido) de um texto, sem ter sido explicitamente expressa pelo texto. Em 
termos teóricos (ver mais adiante), isso significa que a informação implícita é parte de um 
modelo mental (dos usuários) de um texto, e não do texto em si. Isto é, os sentidos implícitos 
estão relacionados com as crenças subjacentes, mas não são afirmados de forma aberta, direta, 
completa ou precisa, por várias razões contextuais, incluindo o bem conhecido objetivo 
ideológico de atenuar nossas coisas ruins e as coisas boas dos outros. 
 
Em nosso texto exemplificativo, existem várias proposições implícitas ou pressupostas, que 
não foram afirmadas de maneira explícita. Quando os autores dizem que a legislação 
antitruste se apresenta “sob o pretexto de ‘proteger o público’”, a expressão “sob o 
pretexto” e as aspas (em ‘proteger o público’) indicam que não é verdade que as leis 
antitruste protejam o público. Note também que aqui no segundo parágrafo, bem como 
ao longo do texto, muitas expressões possuem pressupostos ideológicos, como as seguintes: 
- os competidores têm inveja dos homens de negócio bem-sucedidos 
- os agentes oficiais são ávidos pelo poder 
- o mundo dos negócios possui gênios criativos 
 12 
- os impérios empresariais são erguidos com trabalho árduo 
Além de enfatizar ainda mais a polarização entre o governo e as empresas, os 
sentidos locais do texto criam desse modo outra polarização entre os competidores 
invejosos e os brilhantes criadores do mundo empresarial. Observe ainda que a escolha 
lexical e as metáforas também destacam as seguintes polarizações: invejosos, ávidos pelo 
poder, arduamente erguidos, controladores, reguladores, reduzidos a escombros – todos 
esses são conceitos negativos associados aos ‘outros’, ao governo (e a certos homens de 
negócio), enquanto que ‘nós’ e aquilo que nós protegemos aparecem associados com 
sucesso, gênios criativos e, por negação (lítotes), com ‘crime’ e ‘tirano’. De novo, tais 
palavras contribuem não apenas para a polarização geral da estrutura conceptual do 
texto, mas também para a formação de um modelo de eventos preconceituoso e 
polarizado, no qual os atores são nitidamente diferenciados em bons e maus. 
Os dois primeiros parágrafos estão formulados em termos gerais e dizem respeito aos 
direitos e à sua violação, bem como às leis antitruste. O terceiro parágrafo começa com o 
movimento funcional de especificação ou exemplo: tudo oque foi dito até então se aplica 
especificamente ao caso da Microsoft. Do ponto de vista teórico, isso significa que os 
primeiros parágrafos são mais propriamente expressões de representações sociais (gerais), 
tais como atitudes e ideologias, enquanto que o terceiro parágrafo descreve o caso em 
curso (da Microsoft) e, assim, estabelece um modelo mental mais específico baseado 
nessas representações sociais gerais (ver mais adiante). Dado o viés ideológico dos 
primeiros parágrafos, resta pouca dúvida de que esse modelo, tal como expresso pelo 
Centro para a Defesa Moral do Capitalismo, é também ideologicamente tendencioso, e 
podemos esperar que a polarização geral anteriormente construída seja aplicada aqui – 
como de fato ocorreu. Note também que a polarização conceitual é frequentemente 
implementada no texto através de várias formas de hipérboles, como já havíamos 
constatado na seleção lexical de termos como “crime”, “tiranos”, “gênios”. Essas hipérboles 
podem inclusive se aproximar de mentiras absurdas, por exemplo, quando se afirma que Bill 
Gates se vê privado do direito de controlar sua própria empresa. 
O uso de “dele”, “homens de negócio” e “os homens que têm tornado grande este 
país” sugerem que especial ou exclusivamente homens, e não mulheres, estão envolvidos 
no mundo dos negócios e podem daí obter sucesso. Desse modo, além de expressar uma 
rígida ideologia conservadora neoliberal, o Centro para a Defesa Moral do Capitalismo 
também professa uma ideologia sexista ao excluir verbalmente as mulheres, contribuindo, 
portanto, para uma metaideologia conservadora ainda mais global que também controla 
a ideologia nacionalista expressa de forma característica na autoglorificação dos Estados 
Unidos (a “grandeza” deste país). 
Finalmente, entre as muitas outras propriedades semânticas desse texto, podemos 
também mencionar a importância do que se omite no texto. Dessa forma, sugere-se que o 
 13 
sucesso da Microsoft está baseado no princípio de melhores produtos por um preço 
inferiores, mas obviamente não se menciona a conhecida prática de associação forçosa 
de produtos (como Windows e seu navegador de Internet). De forma quase trivial, 
podemos então formular a regra geral de que as nossas propriedades negativas (ou as 
daqueles que defendemos) são omitidas ou atenuadas no texto. Observe que, do ponto 
de vista teórico, a omissão só é uma propriedade relevante do discurso quando é possível 
mostrar que a informação omitida é parte do modelo mental (o Centro para a Defesa 
Moral do Capitalismo sem dúvida tem conhecimento das práticas ilegais da Microsoft) ou é 
parte integrante de um conhecimento mais geral e compartilhado, que é necessário ou 
que pode ser utilizado para a produção ou compreensão de um texto. Nesse caso, o 
modelo mental de um leitor crítico pode evidentemente ser diferente daquele que é 
expresso de modo persuasivo pelo Centro. 
 
 Agora já temos uma primeira impressão de algumas das diretrizes práticas de base 
teórica que podem ser utilizadas para decidir que estruturas discursivas devemos estudar entre 
as centenas existentes. Obviamente isso é apenas um exemplo. A questão é que essa escolha 
está duplamente vinculada ao contexto: em primeiro lugar, por nossos próprios objetivos 
(acadêmicos), nossos problemas de investigação e as expectativas de nossos leitores, assim 
como pela relevância social do nosso projeto de pesquisa; e, em segundo lugar, pela 
relevância das específicas estruturas discursivas estudadas em seu próprio contexto, tais como 
os propósitos e as crenças do falante ou dos destinatários, os papéis sociais, as posições e 
relações entre os participantes, as limitações institucionais e assim por diante. 
 
A relevância das estruturas ‘formais’ sutis 
 Além das estruturas semânticas que acabamos de mencionar, os analistas críticos do 
discurso podem estar mais interessados naquelas estruturas do texto ou da fala que são muito 
menos conscientemente controladas ou controláveis pelos falantes, como a entonação, as 
estruturas sintáticas, as estruturas proposicionais, as figuras retóricas, assim como muitas das 
propriedades da fala espontânea, como a troca de turnos, as retificações, as pausas, a 
hesitação, etc. De modo geral, essas várias ‘formas’ não expressam diretamente sentidos 
subjacentes e, portanto, também não expressam crenças; antes, assinalam as propriedades 
‘pragmáticas’ de um evento comunicativo, tais como a intenção, o ânimo ou as emoções em 
curso dos falantes, a sua perspectiva sobre os eventos sobre os quais estão falando, as opiniões 
sobre os coparticipantes da conversa e, em especial, as preocupações interacionais como a 
autoapresentação positiva e a formação de uma determinada impressão. Dessa maneira, os 
 14 
homens podem muito bem ser capazes de ocultar opiniões negativas sobre as mulheres, ou os 
brancos podem dissimular suas impressões negativas sobre os negros, mas indiretamente suas 
avaliações, sua posição ou sua face e, portanto, sua identidade podem ser indicadas por sutis 
características estruturais de sua fala. 
 Do mesmo modo como distingui os sentidos locais dos sentidos globais, também faço 
a distinção entre as formas ou formatos discursivos globais e locais. As formas globais ou 
superestruturas são esquemas gerais, canônicos e convencionais que consistem em típicas 
categorias de gênero, como no caso dos argumentos, das histórias e dos artigos jornalísticos. 
As formas locais são as de (sintaxe dos) períodos e das relações formais entre períodos ou 
orações ordenados em sequências: ordem, primazia, relações pronominais, voz ativa ou 
passiva, nominalizações e uma grande quantidade de distintas propriedades formais das 
orações e das sequências. 
 
Das muitas propriedades formais do nosso texto exemplificativo, podemos assim observar o 
reiterado uso de construções passivas – que tipicamente ocultam os agentes –, como “essa 
liberdade tem sido atacada” e “os gênios criativos do mundo empresarial (...) vêm sendo 
tachados de tiranos opressores”. A óbvia função desse uso é que o Centro para a Defesa 
Moral do Capitalismo pode ser vago em suas acusações através da omissão dos agentes 
das ações negativas ou por meio da imprecisa identificação desses agentes em termos de 
‘leis’. Além dessas e de outras estruturas sintáticas que produzem representações 
semânticas subjacentes, a mais óbvia estrutura formal que merece a atenção no enfoque 
da ACD é provavelmente a complexa construção argumentativa na qual as normas e 
valores gerais, assim como os princípios ideológicos, operam como argumentos de caráter 
geral, junto com sua aplicação ao caso da Microsoft, levando-nos à conclusão de que a 
Microsoft deveria ser capaz de fazer o que quisesse com seus produtos. Naturalmente, esse 
argumento se encontra desfigurado por falácias e omite uma informação vital, a saber: 
que a Microsoft abusou do seu poder ao impor seus produtos, violando assim o princípio 
básico da ‘liberdade’ que constitui a ideologia desse texto. Existem muitas outras falácias, 
tais como o uso ‘autorizado’ da (importância compartilhada da) Constituição dos Estados 
Unidos para fundamentar argumentos de um pleito empresarial. 
Do mesmo modo como a polarização semântica e retórica desse texto expressa e 
contribui para a construção de modelos tendenciosos do caso contra a Microsoft, seu estilo 
formal é um indicador do seu gênero: uma petição oficial. Esse estilo formal começa com a 
paráfrase da Declaração da Independência norte-americana, mas também é 
lexicalmente expressa na própria petição do Centro para a Defesa Moral do Capitalismo, 
tal como no repetido “Nós defendemos que...”, “sem necessidade de pedir permissão a 
 15 
ninguéme com direito integral” e outras expressões semelhantes, assinalando que se trata 
de algo parecido com um manifesto sobre o livre mercado. 
 
 O estudo global e local do sentido e da forma do discurso, que brevemente ilustramos 
acima, pode ainda ser muito mais detalhado e sofisticado, e apenas as limitações de espaço me 
impedem de delongar-me neste ponto. No entanto, a relevância de um estudo desse tipo 
(também) nos projetos de ACD já deveria atualmente ser clara, em especial como parte de 
uma explicação sistemática de como o discurso ideológico representa ‘nós’ versus ‘eles’. 
Dessa maneira, os falantes ou escritores podem enfatizar nossas coisas boas topicalizando os 
sentidos positivos, usando itens lexicais positivos nas autodescrições, proporcionando muitos 
detalhes sobre as boas ações e poucos detalhes sobre as más ações, valendo-se de hipérboles e 
metáforas positivas, deixando implícitas nossas propriedades negativas ou atenuando nossa 
agência de atos negativos através de orações passivas e nominalizações. Como veremos a 
seguir, esses aspectos formais e semânticos do discurso dominante não apenas expressam e 
exercem poder, mas também são adaptados para a construção dos desejados modelos mentais 
e representações sociais, isto é, propõem-se a influenciar, manipular e controlar a mente. 
 
Modelos contextuais 
 Tal como argumentado anteriormente, os objetivos críticos da ACD apenas podem ser 
realizados se as estruturas do discurso estiverem relacionadas às estruturas dos contextos 
locais e globais. Na minha análise acima descrita, elaborei algumas observações informais 
acerca dos modelos mentais, das ideologias, das situações, dos propósitos e dos grupos sociais 
e instituições, mas obviamente essas noções necessitam ser definidas mediante teorias 
explícitas. O restante deste capítulo apresenta alguns breves fragmentos dessas teorias e 
ilustra seus princípios através de uma análise mais ampla e mais relevante acerca de alguns 
trechos do nosso texto exemplificativo. 
 Embora tenhamos muitas teorias sobre fala e texto, não existe nada semelhante a uma 
teoria explícita sobre contexto. De fato, não há sequer uma monografia sobre contexto. Estou 
trabalhando em alguns fragmentos dessa teoria, da qual apresento aqui um breve resumo. 
 Uma vez que já estabeleci a distinção entre estruturas locais e globais dentro do 
discurso, também posso distinguir contextos locais de contextos globais. Os contextos globais 
são definidos pelas estruturas sociais, políticas, culturais e históricas nas quais tem lugar um 
evento comunicativo. Na ACD, os contextos globais constituem com frequência a derradeira 
lógica crítica e explicativa do discurso e de sua análise. 
 16 
 O contexto local é normalmente definido em termos das propriedades da situação 
imediata e interacional na qual tem lugar o evento comunicativo. Algumas propriedades dessa 
situação são o seu domínio geral (política, empresa), a sua ação geral (legislação, 
propaganda), os participantes em diversos papéis sociais e comunicativos (como ocorre, em 
nosso exemplo, com o Centro para a Defesa Moral do Capitalismo), assim como as suas 
intenções, objetivos, conhecimentos, normas e outras crenças. Considera-se que tais contextos 
limitam as propriedades do texto e da fala. Isto é, tudo o que dizemos e como dizemos 
depende de quem está falando com quem, quando, onde e com que propósitos. 
 Minha teoria do contexto reconhece que essa análise das propriedades cognitivas e 
sociais dos eventos comunicativos é relevante, mas define os contextos (locais) em termos 
cognitivos, ou seja, como uma forma de modelo mental de uma situação comunicativa, isto é, 
como um modelo contextual. Isso possibilita a existência não só de interpretações subjetivas 
das situações sociais, mas também de diferenças entre os usuários da língua em uma mesma 
situação, permitindo também que existam modelos estrategicamente incompletos e, em geral, 
uma flexível adaptação do discurso à situação social. Em outras palavras, minha teoria de 
contexto não define as diversas propriedades da situação local que controlam e restringem a 
fala e o texto; antes, dedica-se a analisar os modos como os usuários da língua interpretam ou 
definem essas propriedades em seus modelos contextuais mentais. Por exemplo, a idade, o 
gênero social ou a profissão, assim como os objetivos ou os conhecimentos dos participantes 
com frequência influenciam a fala e o texto, mas tão-somente se tais elementos estiverem 
definidos – e ainda segundo o modo como estejam definidos – no modelo contextual do 
falante ou do escritor. Os modelos contextuais nos permitem explicar o que é relevante à 
situação social para os participantes da conversação. Em outras palavras, uma teoria do 
contexto estabelece uma teoria da relevância. 
 Os modelos contextuais também podem ser vistos como casos específicos do tipo de 
modelos mentais pessoais e subjetivos que as pessoas constroem a partir de suas diversas 
experiências diárias, desde o momento em que levantam de manhã até a hora de irem para a 
cama à noite. Os eventos comunicativos são apenas um tipo mais evidente desses ‘modelos de 
experiência cotidiana’. 
 Os modelos contextuais possuem o mesmo status cognitivo e a mesma estrutura 
esquemática de outros modelos mentais, aos quais iremos voltar mais adiante. Por ora, é 
importante salientar apenas que os modelos contextuais são as representações mentais que 
controlam muitas das propriedades de produção e compreensão dos discursos, tais como o 
gênero textual, a escolha de tópicos, os sentidos locais e a coerência, por um lado, como 
 17 
também os atos de fala, o estilo e a retórica, por outro. De fato, o estilo pode ser definido 
como o conjunto de propriedades formais do discurso que são uma função dos modelos 
contextuais, como a lexicalização, a ordem das palavras e a entonação. 
 
No nosso exemplo de petição, o contexto que define o evento comunicativo é bastante 
óbvio. O domínio social geral desse texto é o da empresa ou do mercado, e as ações 
gerais são as que defendem a liberdade da empresa e a proteção da atividade 
empresarial contra a interferência do governo. O cenário local do evento comunicativo é a 
Internet. O papel comunicativo do participante é o de falante/escritor, autor ou criador. 
Seu papel interacional é o de defensor da Microsoft e de opositor do governo, enquanto 
que o seu papel societário e econômico é o de uma organização advogando a liberdade 
de mercado. O outro participante – o destinatário – é explicitamente mencionado no início 
do texto com a expressão “Colegas americanos”, procurando salientar pragmaticamente 
a unidade dos países do Ocidente dos quais o Centro afirma ser o defensor. É interessante 
observar que, embora o conteúdo da petição seja dirigido aos “colegas americanos”, a 
proposta da petição em si está endereçada a importantes destinatários finais: o juiz, os 
membros do Congresso, a Procuradora-Geral e o Presidente dos Estados Unidos. 
A ação comunicativa concreta é a de publicar um texto na Internet convencendo os 
leitores a assinar a petição. Essa ação está sendo realizada por meio de atos de fala que 
acusam o governo e defendem a Microsoft. As (complexas) estruturas mentais que definem 
a dimensão cognitiva do contexto são constituídas pelas diversas ideologias analisadas 
acima, bem como pelas atitudes e opiniões mais específicas (sobre a ação legal do 
governo contra a Microsoft) que vemos explicitadas ao longo do texto. Embora expresse a 
coparticipação do grupo ao se dirigir aos “colegas americanos”, a estrutura persuasiva do 
texto pressupõe ser possível que nem todos os americanos tenham a mesma opinião sobre 
as práticas da Microsoft. Por fim,o texto só é significativo para os seus leitores porque não 
apenas pressupõe uma grande quantidade de senso comum e de conhecimento geral 
partilhado acerca, por exemplo, da Declaração da Independência dos Estados Unidos, da 
Microsoft, das leis antitruste e assim por diante, mas pressupõe também um conhecimento 
específico (baseado em modelos) acerca do atual pleito judicial contra a Microsoft. 
A aspecto importante a destacar é que, do começo ao fim, o texto se adapta a esse 
modelo contextual subjetivamente construído da situação comunicativa em curso, por 
exemplo, tal como se segue: 
 É possível compreender todos os sentidos do texto dentro do conjunto mais amplo de 
três domínios: a empresa, a justiça e o governo. 
 O gênero e o ato de fala da petição constituem uma forma de implementar a defesa 
geral do livre mercado, que é o objetivo global do Centro para a Defesa Moral do 
 18 
Capitalismo. 
 A ação do governo é definida como uma violação aos nossos direitos e, portanto, 
apresenta-se como condição suficiente para o sucesso do gênero e do ato de fala de 
uma petição. 
 O tema geral expressa semanticamente a razão para o ato de fala e o gênero dessa 
específica petição: os direitos da Microsoft foram violados. 
 A estrutura argumentativa está organizada de maneira que possa sustentar do melhor 
modo possível a função comunicativa desse texto como forma de persuasão. 
 A polarização das opiniões em todos os níveis desse texto expressa as atitudes e a 
ideologia do Centro, e tenta influenciar as dos leitores – que são seus destinatários finais. 
 A seleção lexical é adequada para o gênero de uma petição formal e pública. 
 O texto pressupõe a existência não só de um conhecimento geral do que são as 
empresas, as leis, os governos, etc., mas também de um conhecimento específico do 
pleito contra a Microsoft. No entanto, o texto não expressa nem pressupõe um 
conhecimento capaz de contradizer o que foi argumentado (por exemplo, o 
conhecimento das práticas ilegais da Microsoft). 
 
 Por que os modelos contextuais são tão importantes? Os modelos contextuais revelam-
se cruciais porque constituem a interface entre a informação mental (o conhecimento, etc.) 
acerca de um evento e os sentidos efetivos que estão sendo construídos no discurso. Não é 
necessário expressar no discurso tudo o que sabemos ou acreditamos, seja sobre um 
acontecimento concreto, uma coisa ou uma pessoa, seja sobre algo de caráter mais geral, ou 
porque é algo irrelevante ou porque é algo redundante. Desse modo, os modelos contextuais 
nos apresentam as limitações as quais permitem que os usuários da língua realizem seleções 
situadamente mais relevantes das informações que os indivíduos possuem, construindo com 
elas os sentidos a serem expressos na conversação. Como já vimos, essas limitações 
‘pragmáticas’ de comunicação não se expressam tanto através dos sentidos, e sim, mais 
frequentemente, através de várias estruturas. Por exemplo, a diferença de status ou de posição 
entre os falantes, se representada no modelo contextual, pode controlar a seleção de pronomes 
e de diversos outros dispositivos estilísticos. Dessa forma, os modelos contextuais são aquelas 
representações da memória (episódica) que operam como um controle geral de um evento 
comunicativo. 
 Em qualquer tipo de investigação da ACD que vincule o texto a alguma situação 
social, é importante compreender que, por mais abrangente que seja a situação social ou 
política, é possível que tal situação não ‘alcance’ ou não exerça nenhum impacto sobre o 
 19 
discurso, simplesmente porque o falante pode considerá-la irrelevante ou mesmo ignorar a 
relevância da informação na construção do modelo contextual. Além disso, é preciso 
dispensar atenção especial às mudanças que os falantes introduzem em seus discursos em 
razão, por exemplo, das estratégias de polidez ou de outras formas de persuasão. 
 
Modelos de eventos 
 Os usuários da língua constroem modelos mentais não apenas da situação em que 
interagem, mas também dos eventos ou situações sobre os quais falam ou escrevem. 
 Nos parágrafos anteriores, tivemos que usar diversas vezes a noção de modelo mental 
para explicar as várias propriedades dos sentidos dos discursos. Dessa maneira, a coerência 
local e global do discurso é definida não só em termos das relações funcionais entre suas 
proposições (tais como a generalização, a especificação, o exemplo, a explicação), mas 
também, e de maneira especial, por meio das relações dos ‘fatos’ referidos através dessas 
proposições, tais como as relações de causa e consequência. Contudo, de um ponto de vista 
psicológico, não é esse o modo como a coerência deveria ser definida. Não são os fatos que 
definem a coerência; antes, a coerência se define pelas formas como os fatos são definidos ou 
interpretados pelos usuários da língua em seus modelos mentais acerca desses fatos. Essas 
interpretações são pessoais, subjetivas, tendenciosas, incompletas ou totalmente imaginárias. 
 Em outras palavras, os discursos são interpretados como sendo coerentes com relação 
aos modelos mentais que os usuários possuem acerca dos eventos ou dos fatos a que se faz 
referência. 
 
Assim, em nosso exemplo, não é o pleito contra a Microsoft nem as ações do governo que 
constituem a base (referencial) semântica do texto da petição, e sim as formas 
(obviamente tendenciosas) como o Centro representa tanto o seu pleito quanto o governo, 
em seu modelo mental acerca desses eventos. 
 
 É esse modelo mental dos eventos sobre os quais se fala ou se escreve que constitui a 
base para a produção e compreensão de um discurso, especialmente de seu sentido. Isto é, sob 
o controle do modelo contextual (veja acima), são selecionadas aquelas proposições do 
modelo de evento que sejam interessantes para o evento comunicativo em curso – por 
exemplo, aquelas proposições que os destinatários ainda não conhecem. Em outras palavras, o 
sentido de um discurso, comparado ao seu modelo mental, é por definição incompleto: os 
falantes ou escritores não precisam incluir todas aquelas proposições que os destinatários já 
 20 
conhecem ou que podem inferir por si mesmos. Os modelos mentais apresentam todas as 
crenças pessoalmente relevantes sobre um evento, ou seja, tanto o conhecimento quanto as 
opiniões (e provavelmente também as emoções). 
 
No caso de um óbvio discurso de opinião, como no caso do nosso exemplo, o que se 
expressa de maneira relevante são as opiniões dos escritores, por exemplo, sobre o pleito 
contra a Microsoft e sobre o governo. Ao mesmo tempo, a petição objetiva influenciar os 
(pontos de vista presentes nos) modelos mentais do Presidente ou dos políticos sobre o 
pleito contra a Microsoft. Desse modo, um dos aspectos da persuasão pode ser definido 
como o controle discursivo dos modelos mentais preferidos. Mais adiante, veremos que 
também existe um definição mais ampla de persuasão em termos de controle das 
representações sociais, como o conhecimento, as atitudes e as ideologias. 
 
 Os modelos contextuais e os modelos de eventos são representações mentais da 
memória episódica, isto é, da parte da memória de longo prazo na qual as pessoas armazenam 
seus conhecimentos e opiniões acerca dos episódios que vivenciaram ou sobre os quais leram 
ou ouviram. Os modelos mentais consistem provavelmente em uma representação 
esquemática das dimensões individual e socialmente relevantes dos eventos, tais como o 
cenário, os participantes (em vários papéis), as ações, e assim por diante. 
 Grosso modo, podemos dizer que os modelos contextuais controlam a parte 
‘pragmática’ do discurso e que os modelos de evento controlam a parte ‘semântica’. 
Compreenderum discurso significa basicamente ser capaz de construir um modelo para esse 
discurso. E, na produção, é o modelo mental de eventos e de situação que constitui o ponto de 
partida de todo texto e de toda fala. Dessa forma, o que normalmente recordamos de um 
discurso não é tanto o seu sentido, mas principalmente o modelo mental que construímos 
durante a compreensão. 
 No entanto, a teoria do modelo de discurso vai muito mais além do que a explicação 
do sentido e da variação contextualmente controlada do texto e da fala. Os modelos também 
constituem a interface crucial entre o discurso e a sociedade, entre o pessoal e o social. Sem 
esses modelos, somos incapazes de explicar e descrever como as estruturas sociais não só 
influenciam as estruturas discursivas, mas também são afetadas por essas estruturas do 
discurso. Isso ocorre em virtude de os modelos mentais representarem não apenas as crenças 
pessoais, como também as (versões normalmente pessoais das) representações sociais, tais 
como o conhecimento, as atitudes e as ideologias, que, por sua vez, estão relacionadas com a 
estrutura de grupos e organizações (veja a seguir). Assim, os modelos mentais dos usuários da 
 21 
língua são a principal interface que teoricamente permite o vínculo entre os grupos sociais, 
suas representações sociais, os modelos mentais de seus membros e, por fim, o discurso de 
seus membros. Os modelos mentais explicam como um discurso pode exibir propriedades 
tanto pessoais quanto sociais, e de fato explicam como é possível que, em uma mesma 
situação social, cada discurso seja diferente. Do ponto de vista teórico, uma adequada 
investigação de ACD se concentra nessa complexa série de vínculos. Não existe um vínculo 
direto entre discurso e sociedade. 
 
Cognição social 
 Uma vez que a ACD se interessa pelo poder, pela dominação e pela desigualdade 
social, os analistas críticos do discurso tendem a se concentrar no estudo de grupos, 
organizações e instituições. Isso significa que a ACD também necessita dar conta das várias 
formas de cognição social compartilhadas por essas coletividades sociais: conhecimento, 
atitudes, ideologias, normas e valores. Embora muitos livros já tenham sido escritos sobre 
essas ‘representações sociais’, de fato sabemos muito pouco sobre as suas concretas estruturas 
mentais e sobre o modo como tais estruturas controlam a produção e a compreensão do texto 
e da fala. Assumo que esse controle adota fundamentalmente duas formas: uma forma direta e 
uma indireta. Dessa maneira, os elementos ‘conhecimento’ ou ‘atitude’ podem ser expressos 
diretamente, em sua forma geral ou abstrata, como ocorre, por exemplo, nas orações de 
caráter genérico típicas do ensino e da propaganda. 
 
Assim, nosso texto sobre a Microsoft possui várias dessas orações genéricas que expressam 
formas gerais de conhecimento ou opiniões, tais como “cada indivíduo possui o direito 
inalienável da busca da felicidade”. 
 
 A segunda forma por meio da qual se expressam no discurso essas representações 
socialmente compartilhadas se dá através dos modelos mentais, isto é, através da sua 
aplicação a um evento ou situação específicos. 
 
Nosso texto é um exemplo clássico dessa ‘aplicação’ de proposições gerais a um caso 
particular, ou seja, a aplicação das normas, valores e ideologias neoliberais ao caso 
concreto da Microsoft. Quase todas as sentenças do texto são, portanto, ‘exemplos’ 
específicos das representações compartilhadas pelos neoliberais. 
 
 22 
 Do ponto de vista teórico, isso significa que as representações sociais são 
‘particularizadas’ em modelos mentais, e que, com frequência, é através dos modelos mentais 
que essas representações sociais são expressas no texto e na fala. E, por outro lado, é através 
dos modelos mentais do discurso cotidiano – como as conversações, as notícias jornalísticas e 
os livros-texto – que adquirimos nosso conhecimento sobre o mundo, sobre nossas atitudes 
socialmente compartilhadas e, por fim, sobre nossas ideologias e nossas normas e valores 
fundamentais. Temos agora uma imagem bastante aproximada do modo como os grupos e os 
detentores de poder tornam-se capazes de exercer influência sobre o discurso e vice-versa, ou 
seja, através das representações sociais compartilhadas pelos grupos e dos modelos mentais 
que, por sua vez, constituem exemplos particulares dessas representações sociais. As teorias 
aqui implicadas são extraordinariamente complexas e muitos aspectos desse tema ainda 
permanecem obscuros, mas já possuímos uma imagem geral dos principais componentes e 
relações envolvidos. Vamos fazer apenas algumas observações gerais acerca das principais 
formas de representação social ora envolvidas: 
 
Conhecimento 
 É importante fazermos uma distinção entre os diferentes tipos de conhecimento, quais 
sejam: o conhecimento pessoal, o conhecimento grupal e o conhecimento cultural. O 
conhecimento pessoal é representado em modelos mentais acerca de eventos específicos, 
pessoais, como explicado anteriormente. O conhecimento grupal é aquele compartilhado por 
grupos sociais específicos, tais como profissionais, movimentos sociais ou empresas 
comerciais. Esse conhecimento pode ser tendencioso e ideológico, e não ser reconhecido em 
absoluto como ‘conhecimento’ por outros grupos, sendo então considerado como mera 
‘crença’. Evidentemente, as crenças de alguns grupos exercem maior influência, poder e 
legitimidade que as de outros grupos, como no caso do discurso científico. O conhecimento 
cultural é compartilhado por todos os membros competentes de uma sociedade ou cultura, e 
constitui a base ou o fundamento comum de todos os discursos e práticas sociais. De fato, em 
princípio todo conhecimento culturalmente compartilhado pode assim ser pressuposto no 
discurso público. É claro que esse fundamento de conhecimento comum muda 
constantemente, e o que era uma base comum ontem pode ser hoje uma crença ideológica de 
grupo (como é o caso da religião cristã), ou vice-versa, como ocorre com grande parte do 
conhecimento acadêmico. Os discursos são como icebergs em que são expressas apenas 
algumas formas específicas do conhecimento (contextualmente relevante), e uma grande 
porção do conhecimento pressuposto é parte da base sociocultural comum compartilhada. 
 23 
Muitas das propriedades do discurso – tais como os tópicos gerais, a coerência local, os 
pronomes, as metáforas e muitas outras – necessitam de uma definição em termos desse tipo 
de conhecimento cultural socialmente compartilhado. A organização do conhecimento na 
memória tem constituído um dos principais desafios teóricos, para os quais muitas propostas 
vêm sendo formuladas, como por exemplo, em termos de scripts, esquemas, cenários e muitas 
outras. Essas propostas são relevantes não apenas para a ciência cognitiva, mas também para a 
ACD, uma vez que essas estruturas de conhecimento (seja diretamente, seja através de 
modelos) também organizam as estruturas do discurso. 
 
Atitudes 
 As atitudes são opiniões socialmente compartilhadas, tais como as opiniões que as 
pessoas compartilham acerca da imigração, do aborto ou da energia nuclear. Essas atitudes 
são normalmente complexas, isto é, são compostas por um conjunto de proposições 
valorativas. Do mesmo modo como o conhecimento geral pode influenciar os modelos 
mentais, as proposições gerais das atitudes também podem ser ‘particularizadas’ como 
opiniões pessoais específicas presentes nos modelos mentais, tal como ocorre no caso das 
opiniões do Centro para a Defesa Moral do Capitalismo sobre o pleito contra a Microsoft. 
 
Ideologias 
 Por fim, defino ideologias como as representações sociais básicas dos grupos sociais. 
As ideologiasse encontram na base do conhecimento e das atitudes de grupos como os 
socialistas, os neoliberais, os ecologistas, as feministas e também as antifeministas. Todos 
eles provavelmente possuem uma estrutura esquemática que representa a autoimagem de cada 
grupo, o que inclui dispositivos de pertença grupal, objetivos, atividades, normas e recursos 
de cada grupo. As ideologias contêm os princípios básicos que organizam as atitudes 
compartilhadas pelos membros de um grupo. Dessa maneira, uma ideologia racista pode 
organizar as atitudes sobre a imigração, a educação e o mercado de trabalho. 
 
Em nosso texto, podemos falar que praticamente todas as atitudes gerais sobre a relação 
entre o Estado e as empresas, tal como exemplificado pelo caso da Microsoft, são 
organizadas por uma ideologia neoliberal. 
 
 
 
 24 
Discurso e sociedade 
 Serei breve no que diz respeito à terceira dimensão do marco teórico: a relação entre 
discurso e sociedade. Essa relação é trabalhada com maiores detalhes nos demais trabalhos 
deste livro. E muitos dos aspectos do discurso e da cognição abordados anteriormente (como 
o conhecimento e a ideologia) são, ao mesmo tempo, sociais. 
 Sugeri que a sociedade também pode ser analisada em termos mais locais e mais 
globais, primeiramente no plano da interação e das situações e, em segundo lugar, no plano 
dos grupos, das organizações sociais, das organizações e das instituições. Estas últimas, que 
configuram a estrutura social, podem se relacionar com o discurso apenas de duas maneiras: 
em primeiro lugar, através das representações sociais que os membros da sociedade possuem 
acerca dessas estruturas sociais; e, em segundo, através da materialização das estruturas 
sociais (tais como grupos e organizações) por meio dos atores sociais, das interações e das 
situações no plano local e micro. Em outras palavras, há uma forma cognitiva e uma forma 
social de relacionar os famosos planos de diferenciação na explicação sobre a estrutura social. 
Assim, a ACD pode estar interessada em macronoções como poder e dominação, mas seu 
efetivo objeto de estudo tem lugar no microplano do discurso e das práticas sociais. Deixem-
me fazer alguns comentários sobre alguns desses conceitos. 
 
Situações sociais 
 Como vimos anteriormente, a estrutura das situações sociais é especialmente relevante 
para uma teoria do contexto. O discurso é frequentemente definido como um evento 
comunicativo que ocorre em uma situação social, apresentando cenário, participantes 
desempenhando diferentes papéis, ações e assim por diante. Também já vimos que essas 
características situacionais apenas são relevantes para o discurso quando apresentadas através 
de representações mentais, ou seja, sob a forma de modelos contextuais. Em outras palavras, 
podemos até ter uma teoria das situações sociais para explicar os contextos, mas novamente 
precisamos da interface cognitiva para transformá-las em ‘estruturas de relevância’ a que 
chamamos contextos. 
 
Em nosso exemplo, para ser possível compreender o texto da petição, é também 
necessário compreender – e, por conseguinte, construir – a situação comunicativa, 
apresentando um site da Internet como meio de comunicação, e tanto o Centro quanto o 
usuário como participantes. Isto é, o ato de fala da petição só pode ser entendido como 
sendo algo dirigido ao (ou a algum) usuário da Internet que leia esse texto. Do mesmo 
 25 
modo, também só pode ser entendido considerando-se a linguagem e os argumentos 
persuasivos como sendo dirigidos àquele usuário, mas, ao mesmo tempo, dirigidos aos 
destinatários finais da petição: o Presidente e os políticos. 
 
Ação 
 A ACD está interessada não apenas pelos atos de fala, mas também por muitas outras 
ações, interações e práticas sociais que são observadas através do discurso ou que representam 
condições ou consequências do texto e da fala, constituindo uma parte relevante do que defini 
anteriormente como contexto. Desse modo, uma declaração no Congresso Nacional pode ser 
composta por afirmações ou acusações contra as políticas do governo, mas várias outras ações 
sociais e políticas também podem encontrar-se, em diversos planos, significativamente 
envolvidas, tais como as ações de criticar o governo, estar na oposição, representar os 
eleitores e legislar. Em outras palavras, para compreender o que está acontecendo no discurso, 
precisamos construí-lo como uma instância ou como parte de muitas outras formas de ação 
em diversos planos de análise social e política. 
 
Assim, no texto da petição, uma organização solicita que os usuários da Internet assinem a 
petição, mas o Centro está fazendo muito mais que isso – está defendendo a Microsoft, 
atacando o governo dos Estados Unidos, persuadindo os usuários da Internet e, por fim, 
advogando em favor dos princípios empresariais neoliberais. Compreender esse texto, 
tanto como usuário quanto como analista, significa compreender essas ações e o modo 
como se relacionam com as estruturas discursivas. Obviamente, como sugerido acima, 
essas interpretações sociopolíticas requerem a existência de crenças socialmente 
compartilhadas que não estão expressas de forma explícita, mas pressupostas nesse texto. 
 
Atores 
 É possível tecer acerca dos atores observações similares às que tecemos acerca das 
ações. Os atores são categorias constitutivas das situações sociais e, como partes das situações 
comunicativas, desempenham vários papéis comunicativos, tais como os vários tipos de 
falantes, escritores e produtores, bem como os vários tipos de destinatários. Os atores podem 
ser definidos tanto localmente, como indivíduos, quanto globalmente, em termos de grupos, 
organizações ou instituições. 
 
Em nosso texto ilustrativo, por exemplo, o escritor ou produtor global desse texto da Internet 
é o Centro para a Defesa Moral do Capitalismo, apesar de, localmente, o texto ter sido 
 26 
escrito provavelmente por um empregado do Centro. De maneira análoga, o texto é 
endereçado a (qualquer) usuário da Internet, ou seja, a um indivíduo não identificado e, 
indiretamente, a toda comunidade da Internet e a qualquer pessoa que tenha acesso ao 
texto. Esses e outros papéis organizam muitos dos aspectos do texto, tais como as formas de 
se dirigir ao destinatário e de lhe fazer uma solicitação (“Assine a petição”). Note não só 
que esses atores definem a situação comunicativa, mas também que o discurso ‘citado’ (a 
petição) possui seus próprios destinatários (o Presidente e assim por diante, e por fim o povo 
americano). Mais uma vez, um interessante estudo de ACD acerca desse texto deveria 
analisar as complexas estruturas participativas dos atores sociais e políticos envolvidos 
(tanto no plano individual quanto no coletivo), e observar, por um lado, como esses atores 
são situacional ou semanticamente representados ou, por outro lado, de que forma se 
encontram relacionados à estrutura do discurso. 
 
Estruturas sociais 
 Já vimos que as situações locais de interação produzem, manifestam ou materializam 
estruturas sociais globais. Os participantes falam e ouvem desempenhando o papel de 
mulheres, mães, advogados, membros de partido político ou executivos de uma empresa. Suas 
ações, incluindo suas ações discursivas, realizam atos e processos sociais mais amplos, tais 
como os de legislação, educação, discriminação e dominação, frequentemente no centro de 
marcos institucionais como os parlamentos, as escolas, as famílias ou os institutos de 
pesquisa. 
 A ACD está interessada principalmente pelo papel do discurso na constituição e 
reprodução do poder e do abuso de poder (dominação) e, portanto, está particularmente 
interessada no estudo detalhado da interfaceentre o local e o global, entre as estruturas do 
discurso e as estruturas da sociedade. Vimos anteriormente que esses vínculos não são diretos, 
uma vez que necessitam de uma interface cognitiva e interacional: as representações sociais – 
incluindo aqui as atitudes e as ideologias – normalmente necessitam ser mediadas por 
modelos mentais, com o propósito de se manifestarem claramente no discurso; por seu turno, 
esse discurso só possui efeitos e funções sociais quando contribui para a formação ou 
confirmação das atitudes sociais e das atitudes. Ademais, a dominação pelo grupo racial 
branco só pode ser ‘implementada’ quando os membros desse grupo efetivamente se engajam 
em tais discursos depreciativos que corporificam a discriminação. Desse modo, o racismo ou 
o sexismo não são meros sistemas abstratos de desigualdade social e dominação; antes, 
‘penetram’ profundamente nas formas da vida cotidiana, sobretudo através de crenças, ações e 
discursos dos membros do grupo. 
 27 
 
Temos feito observações similares na análise do nosso texto ilustrativo. Com o propósito de 
compreender e explicar plenamente esse texto (e suas estruturas), necessitamos não 
apenas detalhar suas condições e consequências cognitivas e contextuais, mas também 
estudar as estruturas sociais mais amplas nas quais se baseiam, no limite, tais cognições e 
contextos, e que contribuem, ao mesmo tempo, para a sua manutenção e reprodução. Já 
vimos acima como, ao longo de todo o texto e em todos os planos, a opinião negativa 
sobre o governo americano no caso da Microsoft encontra-se vinculada à ideologia 
neoliberal geral do livre mercado, segundo a qual os ‘empresários’ criativos são os heróis, 
enquanto o governo (e seu sistema judiciário) são os inimigos, contra cujos ataques o 
Centro desempenha seu papel específico de ‘defensor’ dos valores capitalistas. Isto é, a 
ideologia – tal como implementada nos modelos mentais construídos para o caso da 
Microsoft e tal como expressa mais ou menos diretamente no texto – necessita estar 
vinculada a grupos sociais, organizações, estruturas e relações de poder. De fato, o texto 
em questão é, quanto a esse aspecto, apenas uma dentre a miríade de ações (discursivas 
e de outros tipos) realizadas pela comunidade empresarial em sua luta de poder com o 
Estado. Só podemos compreender esse texto em sua essência, juntamente com suas 
estruturas e funções, se alcançarmos o mais alto nível de análise social. 
 
Observações finais 
 Esse permanente vínculo de sobe-e-desce e desce-e-sobe do discurso e da interação 
com as estruturas sociais é o que constitui uma das características mais típicas da ACD. Desse 
modo, a análise do discurso é, ao mesmo tempo, uma análise cognitiva, social e política, mas 
se concentra sobretudo no papel que os discursos desempenham, tanto no plano local quanto 
no global, na sociedade e em suas estruturas. 
 As relações relevantes atuam nos dois sentidos. As estruturas sociais (tais como os 
grupos e as instituições), do mesmo modo que as relações gerais (tais como o poder) ou que 
os atos sociais globais (tais como a legislação e a educação), definem as restrições gerais 
sobre os discursos e as ações locais. Essas restrições podem ser mais ou menos fortes, e vão 
de normas e obrigações estritas (por exemplo, as formuladas pelo Direito, tais como os atos de 
juízes ou de membros do Congresso Nacional) a normas mais flexíveis ou ‘brandas’, como as 
regras de cortesia. Além disso, essas restrições podem afetar propriedades do discurso tão 
diversas como aquelas relativas aos moves ou movimentos da interação, ao interlocutor que 
controla a troca de turnos ou inicia uma conversação, aos atos de fala, à seleção de temas, à 
coerência local, ao estilo lexical ou às figuras de retórica. E, por outro lado, essas estruturas 
discursivas podem ser interpretadas (ou consideradas) como ações que constituem instâncias 
 28 
ou elementos componentes de atos sociais ou políticos de tão ampla condição global como as 
políticas de imigração ou as reformas educacionais. 
 É precisamente nesses vínculos que encontramos o ponto crucial para uma análise 
crítica do discurso. A mera observação e análise da desigualdade social com elevados níveis 
de abstração é um exercício próprio das ciências sociais; já o mero estudo da gramática 
discursiva, da semântica, dos atos de fala ou dos movimentos da conversação é tarefa geral de 
linguistas e de analistas do discurso e da conversação. Os analistas do discurso social e 
político, por sua vez, estão interessados especificamente na explicação detalhada da relação 
entre as duas vertentes traçadas acima. 
 Como já observamos na análise parcial do nosso exemplo, a dimensão crítica crucial 
dessa dimensão sociopolítica é finalmente obtida através dos objetivos específicos dessa 
investigação, tais como o enfoque no modo como o discurso se encontra implicado na 
reprodução da dominação. Isso também significa que a ACD requer uma ética explícita. A 
dominação – definida como abuso de poder – pressupõe uma definição de abuso, como por 
exemplo, em termos de violação das normas e dos direitos humanos e sociais. Essas 
definições éticas são formuladas no macronível dos grupos, dos movimentos, das instituições 
e dos estados-nação, normalmente com relação a seus membros. A ACD está especificamente 
interessada na dimensão social desses abusos e, portanto, deve expressar em detalhes as 
condições em que se produzem as violações discursivas aos direitos humanos, que ocorrem, 
por exemplo, quando os jornais publicam reportagens preconceituosas sobre as minorias, 
quando os administradores se envolvem com (ou toleram) o sexismo dentro da empresa ou da 
organização, ou ainda quando os legisladores promulgam normas políticas neoliberais que 
fazem o rico se tornar cada vez mais rico, e o pobre, cada vez mais pobre. 
 
 
Leituras complementares 
 
CALDAS-COULTHARD, C.; COULTHARD, M. (Eds.). 1996. Texts and practices: readings 
in Critical Discourse Analysis. London, Routledge. 
Esta é provavelmente a primeira coletânea de artigos que foram publicados com o rótulo de 
ACD. Apresenta bons artigos que foram escritos por proeminentes acadêmicos de muitos 
países (incluindo os que se encontram fora da Europa ou da América do Norte) e que abordam 
tanto o discurso escrito quanto o discurso falado, em diferentes contextos. 
 
 29 
FOWLER, R.; HODGE, B.; KRESS, G.; TREW, T. 1979. Language and control. London, 
Routledge and Kegan Paulo. 
Este é o livro que difundiu o trabalho realizado pela linguística crítica e, assim, pela ACD. É 
considerado um obra clássica, em conjunto com o estudo de Tony Trew sobre os aspectos 
sintáticos da descrição negativa dos membros não pertencentes ao grupo (orações ativas 
versus orações passivas e assim por diante). 
 
VAN DIJK, T.A. 1993. Elite discourse and racism. London, Sage. 
Esta obra resume grande parte do meu trabalho sobre discurso e racismo, realizado na década 
anterior à publicação do livro, e observando como esse tema é abordado nos meios de 
comunicação e nos livros didáticos. Em seguida, são acrescentados os resultados de novas 
pesquisas acerca dos debates parlamentares, do discurso acadêmico e do discurso corporativo, 
chegando à conclusão de que a mais influente (e mais negada) forma de racismo é o das elites. 
 
VAN DIJK, T.A. 1998. Ideology. London, Sage. 
A primeira parte de um longo projeto sobre ideologia e discurso, no qual é traçado um marco 
fundamental de uma nova teoria multidisciplinar da ideologia, relacionando cognição, 
sociedade e discurso. São mostrados exemplos de ideologias racistas. Este livro também 
apresenta as bases do componente ideológico de uma teoria da ACD.

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