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John Gilissen - Formacao do Common Law

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O COMMON LAW
Generalidades
Dá-se o nome de common law ao sistema jurídico que foi elaborado em Inglaterra a partir do século XII pelas decisões das jurisdições reais. Manteve-se e desenvolveu-se até aos nossos dias, e além disso impôs-se na maior parte dos países de língua inglesa, designadamente nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, etc..
A expressão common law é utilizada desde o século XIII para designar o direito comum da Inglaterra, por oposição aos costumes locais, próprios de cada região; chamaram-lhe, aliás, durante vários séculos comume ley (lei comum), porque os juristas ingleses continuaram a servir-se do francês, o law French, até ao século XVIII.
O sentido de common law é, pois, muito diferente do sentido da expressão «direito comum», ius commune, utilizada no continente para designar, sobretudo a partir do século XVI, o direito erudito, elaborado com base no direito romano e servindo de direito supletivo às leis e costumes de cada país.
O common law ""é um judge-made-law, um direito jurisprudencial, elaborado pêlos juizes reais e mantido graças à autoridade reconhecida aos precedentes judiciários. Salvo na época da sua formação, a lei não desempenha qualquer papel na sua evolução.
Mas, em conseqüência, o common law não é todo o direito inglês; o statute law (direito dos estatutos, isto é, das leis promulgados pelo legislador) desenvolveu-se à margem do common law e retomou, sobretudo no século XX, uma importância primordial.
Anteriormente aos séculos XV e XVI, tinha-se desenvolvido ao lado do common law, considerado então demasiado arcaico, um outro conjunto de regras jurídicas, as de equity, aplicadas pelas jurisdições do Chanceler; o common law conseguiu no entanto resistir à influência da equity e mesmo dominá-la no século XVII; mas o direito inglês conservou uma estrutura dualista até 1875, quando os dois sistemas foram mais ou menos fundidos por uma reforma da organização judiciária.
O direito inglês moderno é por conseqüência muito mais «histórico» que os direitos dos países da Europa Continental; não houve ruptura entre o passado e o presente, como a que a Revolução de 1789 provocou em França e noutros países. Os juristas ingleses do século XX invocam ainda leis e decisões judiciárias dos séculos XIII e XIV.
O common law sofreu pouca influência direta do direito romano ou do direito erudito medieval, sobretudo porque é um direito judiciário, no sentido de que resultou do processo das ações em justiça; o recurso ao direito romano como direito supletivo tornou-se assim difícil, quase impossível.
Em resumo, o common law difere de maneira fundamental dos direitos romanistas do continente (a que os Ingleses chamam civil law):
— o common law é um judge-made-law; enquanto a jurisprudência apenas desem​penhou um papel secundário na formação e evolução dos direitos romanistas;
— o common law é um direito judiciário, enquanto o processo é só acessório nas concepções fundamentais dos direitos romanistas;
— o common law não foi muito romanizado, enquanto os direitos da Europa Continental sofreram uma influência mais ou menos forte do direito erudito elaborado no fim da Idade Média com base no direito romano;
— os costumes locais não desempenham qualquer papel na evolução do common law, enquanto na Europa Continental a sua influência permanece considerável até ao século XVIII; o costume do reino é, pelo contrário, uma fonte importante do common law.
— a legislação tem apenas uma função secundária ao lado do common law, enquanto se torna progressivamente, do século XIII ao XIX, a principal fonte de direito no continente;
— os direitos romanistas são direitos codificados, enquanto a codificação é quase desconhecida em Inglaterra.
2. A formação do «common law» (séculos XII-XV)
a. O direito em Inglaterra até ao século XII
A história do direito em Inglaterra assemelha-se à dos países do continente até aos séculos XII e XIII.
A Inglaterra fez parte do Império Romano, do século I ao V; a romanização foi aí quase tão pouco extensa como, por exemplo, no Norte da Gália; mas não deixou muitos vestígios no direito e nas instituições dos períodos posteriores.
Na sequência de invasões de povos tais como os Anglos, os Saxões, os Dinamarqueses, desenvolvem-se aí reinos germânicos a partir do século VI; tal como no continente, redigem-se «leis bárbaras», de fato textos de direito consuetudinário anglo-saxónico; mas, enquanto as do continente são redigidas em latim, as da Inglaterra são-no em língua germânica.
Em 1066, Guilherme, duque da Normandia, conquista a Inglaterra com a sua vitória na batalha de Hastings. Declarando querer manter os direitos anglo-saxónicos, importa o feudalismo; mas de fato, os seus sucessores conseguem manter e desenvolver a sua autoridade real, tanto face aos seus vassalos de origem normanda como aos antigos chefes anglo-saxónicos.
No século XII, o costume permanece a única fonte do direito em Inglaterra: costumes locais anglo-saxónicos, costumes das cidades nascentes (borough customs), costumes dos mercadores (sobretudo os de Londres, os pie powder, os pés poeirentos), chamados a lex mercatoria (mais tarde: ley merchant, merchant law).
b. Organização das jurisdições reais: os writs ou breves
Os reis de Inglaterra conseguem desde o século XII, ou seja, sensivelmente mais cedo que os reis de França, impor a sua autoridade sobre o conjunto do território do seu reino. Conseguem desenvolver a competência das suas próprias jurisdições com prejuízo das jurisdições senhoriais e locais que perdem progressivamente, nos séculos XII e XIII, a maior parte das suas atribuições.
A princípio, o rei julgava no seu Tribunal, a Curta regis. Mas muito cedo, foram destacadas secções especializadas da Cúria para se ocuparem de certas matérias: o Tribunal do Tesouro (Scaccarium, Court of Exchequer) desde o século XII para as finanças e os litígios fiscais, o Tribunal das Queixas Comuns (Court of Common Pleas) a partir de 1215 para os processos entre particulares relativos à posse da terra, o Tribunal do Banco do Rei (King's Bench) para julgar os crimes contra a paz do reino. O Scaccarium e os Common Pleas tinham assento em Westminster, perto de Londres; o King's Bench (bench coram rege) era um tribunal ambulante que seguia o rei nas suas deslocações; foi somente no século XV que passou a ter sede em Westminster.
A extensão da competência destes Tribunais tornou-se possível pelo processo técnico utilizado para requerer as jurisdições reais de Westminster. Qualquer pessoa que quisesse pedir justiça ao rei, podia endereçar-lhe um pedido; o Chanceler, um dos principais colaboradores do rei, examinava o pedido e, se o considerasse fundamentado, enviava uma ordem, chamada writ (em latim: breve; em francês bref) a um xerife (agente local do rei) ou a um senhor para ordenar ao réu que desse satisfação ao queixoso; o fato de não dar esta satisfação era uma desobediência a uma ordem real; mas o réu podia vir explicar a um dos Tribunais reais por que razão considerava não dever obedecer à injunção recebida (v. documento n.° l, 218).
O sistema dos writs data do século XII, sobretudo do reinado de Henrique II (1154-1189) (72). Se, na origem, os writs eram adaptados a cada caso, tornam-se rapidamente fórmulas estereotipadas que o Chanceler passa após pagamento, sem exame aprofundado prévio (de cursa); encontra aí sobretudo, o meio de atrair o maior número de litígios para as jurisdições reais. Os senhores feudais bem tentam lutar contra o desenvolvimento dos writs; pela Magna Carta de 1215, conseguem pôr freio às limitações das jurisdições reais sobre as dos barões ou grandes vassalos; pelas Provisões de Oxford, em 1258, obtêm a proibição de criar novos tipos de writs; mas o Statu te of Westminster II (12 8 5), documento capital na história do common law, concilia os interesses do rei com os dos barões impondo o statu quo: o Chanceler não pode criar novos writs, mas pode passar writs em casos similares (in consimili casu).
Estas disposições permaneceram em vigor até aoséculo XIX (pelo menos até 1832). A lista dos writs ficou limitada à que existia em meados do século XIII, mas introduziram-se numerosos casos novos no quadro tradicional dos writs existentes, por aplicação do princípio da semelhança admitido pelo Statute of Westminster II.
O direito desenvolveu-se em Inglaterra desde o séc. XIII, com base nesta lista de writs, isto é, das ações judiciais sob a forma de ordens do rei. Em caso de litígio, era (e continua a ser) essencial encontrar o writ aplicável ao caso concreto; o processo é assim aqui mais importante que as regras do direito positivo: remedies precede rights. O common law elaborou-se com base num número limitado de formas processuais e não sobre regras relativas ao fundo do direito. E por isso que a estrutura do common law é fundamentalmente diferente da dos direitos dos países do continente europeu.
c. As fontes do common law
Esta estrutura do common law, ligada aos tipos de writs, tornou quase impossível o recurso ao direito romano como direito supletivo: apesar de algumas semelhanças entre a formação do direito romano com base nas ações judiciais e a do common law baseada nos writs, havia diferenças fundamentais, sobretudo quanto ao carácter de direito público dos writs, isto é, ao fato de estes serem ordens do rei. Os conceitos do direito privado romano não podiam ser utilizados na interpretação dos actos do processo inglês. Houve no entanto uma certa influência do direito romano no século XIII, pelo menos através da obra de Bracton (infra) que utilizou largamente a Summa do jurista romanista italiano Azo.
O common law foi realmente criado pêlos juizes dos Tribunais reais de Westminster. Estes tornam-se muito cedo, pelo menos desde o século XIV, juizes profissionais, no sentido em que se consagram quase exclusivamente ao estudo do direito; mas não são, como mais tarde nas grandes jurisdições do continente, legistas formados nas universidades na disciplina do direito romano. Os common lawyers são antes de mais, práticos, formados como litigantes (barristers, advogados); não era necessário ser licenciado em direito por uma universidade para vir a ser solicitor (solicitador), barrister ou judge.
Para os práticos, os precedentes judiciários (os cases = casos julgados) foram sempre duma grande utilidade para a defesa dos interesses que lhes eram confiados: o facto de poder lembrar ao tribunal que já decidiu um litígio em tal sentido, dá ao advogado os melhores meios para ganhar o seu processo. Foi assim sobretudo no domínio da interpretação extensiva, por semelhança, dos writs. Desde 1290, as principais decisões judiciárias dos Tribunais de Westminster eram registadas e conservadas nos Year Books, escritos em law French, provavelmente por advogados. A partir do século XVI, as compilações impressas de jurisprudência, os Law Reports, constituem a documentação mais importante dos juizes e advogados; ainda é assim no século XX. Uma boa biblioteca de common lawyer, compreende mais de 2000 volumes de Law Reports!
Se o common law é sobretudo um direito jurisprudencial, a obrigação para o juiz de decidir segundo as regras estabelecidas pêlos precedentes judiciários — o que se designa por princípio de stare decisis — não foi no entanto imposta por via legislativa senão em 1875. Mas é inegável que a autoridade do precedente foi sempre mais considerável em Inglaterra que na Europa Continental (v. documento n.° 6, p. 220).
O precedente judiciário não é no entanto uma verdadeira fonte de direito porque o juiz que proferiu a primeira decisão numa dada matéria teve de encontrar algures os elementos da sua solução, sobretudo no domínio das regras de fundo, chamadas substantive law. Segundo a concepção dominante na história jurídica da Inglaterra, cabe ao juiz «dizer o direito» (73), declarar o que é direito; é a declaratory theory of the common law: o juiz não cria o direito, constata o que existe; é o seu oráculo vivo, julgando em consciência, segundo a razão.
Na realidade, os juizes referiam-se a princípio (séc. XIII-XIV) sobretudo ao costume, designadamente ao «costume geral imemorial do reino» (general immemorial custom of the Realm) em seguida, pretendeu-se que um costume só era «imemorial» se existisse já antes de 1189 (data fixada por uma lei de 1275; mas o princípio não foi admitido senão no século XVIII).
Os juizes deviam também aplicar as leis (statutes), sobretudo aquelas, muito numerosas, dos séculos XIII e XIV. A autoridade da lei em relação ao common law foi posteriormente contestada; pretendeu-se mesmo que uma lei apenas era obrigatória se o juiz a considerasse conforme ao common law.
O juiz utilizava também as grandes compilações de direito, primeiro as dos séculos XII e XIII, sobretudo o De legibus de Bracton (cerca de 1256), mais tarde as de Littleton, Fortescue, Coke, Blackstone e outros.
Uma primeira compilação De legibus et consuetudinibus regni Angliae data de 1187; desempenhou um grande papel na formação do common law inglês. E atribuída, parece que erradamente, a Glanvill, familiar do rei Henrique II. O autor indica aí ó modo necessário para obter um writ bem como a maneira de o combater. Obra bastante reduzida, simplificando muitas vezes os problemas excessivamente.
Bracton, juiz real no reinado de Henrique III, escreveu cerca de 1256 outro De legibus et consuetudinibus Ang/iae, uma das obras jurídicas mais notáveis da Idade Média. A primeira parte (Líberprimas) é uma exposição de princípios gerais relativos ao direito das pessoas, dos bens e das obrigações; o autor segue o plano das Instituições e sofre a influência do direito romano, sobretudo da Summa de Azo. A segunda parte (Líber secundas) é um tratado de processo baseado na análise dos diferentes writs emitidos nos tribunais reais. Bracton teve o mérito de centrar o estudo do direito consuetudinário sobre cases, casos julgados, que analisa nos seus diversos aspectos jurídicos; dum caso concreto tira uma lição de direito. A obra de Bracton teve um grande sucesso em Inglaterra; é uma das bases do common law.
Entre os principais autores de livros de direito inglês depois de Bracton, referiremos Fleta (Commentarius Juris Anglicani, fins do século XIII), Sir John Fortescue (De laudibus legum Angliae, escrito cerca de 1470; contém sobretudo direito constitucional), Sir Thomas Littleton (Of Tenures, cerca de 1470), Sir Edward Coke, (Reports, 1628-1644; exposição sistemática do direito inglês, sob a forma de decisões judiciárias comentadas) e sobretudo Sir William Blackstone (Commentaries of the Laws of England, 1765-1768) cuja influência foi considerável em Inglaterra e sobretudo nos Estados Unidos; a obra apresentava uma análise do common law que ele procura consolidar mostrando os seus princípios gerais e o carácter conforme à razão, no estilo próprio do século XVIII; Blackstone escreveu a sua obra em inglês, numa linguagem elegante, compreensível por todos, enquanto os seus predecessores tinham, durante séculos, utilizado o latim ou o Law French que se tinha tornado um jargão muito complicado.
3. A «Equity» face ao «common law» (séculos XV-XVIII)
O common law tornou-se cada vez mais técnico no decurso dos séculos XIV e XV; limitado no quadro estrito e rígido do processo dos writs e pela rotina dos juizes, não podia dar solução satisfatória a numerosos litígios, sobretudo em novos domínios nascidos da evolução económica e social. Os juizes dos tribunais do common law, embora nomeados pelo rei, tinham-se tornado relativamente independentes. A idéia de recorrer de novo, como nos séculos XII-XIII, diretamente ao rei (e ao seu Chanceler), fonte de toda a justiça, fez nascer no século XV uma nova jurisdição e um novo processo: o Chanceler decidia em equidade sem ter em conta as regras de processo e mesmo de fundo do common law. Aplicando um processo escrito inspirado pelo do direito canônico, o Chanceler julgava segundo princípios muitas vezes extraídos do direito romano. Os reis de Inglaterra, no século XVI, alargaram as jurisdições de equity, mais favoráveis ao desenvolvimentodo seu poder no sentido do absolutismo, em detrimento das jurisdições de common law, consideradas arcaicas e obsoletas.
Nos conflitos entre o Rei e o Parlamento no século XVII, os common lawyers puderam contar com o apoio do Parlamento na sua resistência ao absolutismo, o que os salvou. De facto, realizou-se um compromisso que permitiu a subsistência de um sistema dualista de direito; common law e equity, dois tipos de jurisdições, de processos, e mesmo de regras de fundo.
A fusão dos dois tipos de jurisdições só foi realizada em 1873 e 1875 (Judicature Acts) por uma reforma profunda da organização judiciária; as regras de equity ficam desde então integradas no common law, que corrigiram e completaram .
«Trial by jury»
Uma outra particularidade do direito inglês é a importância assumida pelo júri na organização judiciária. A origem remonta à mesma época que a do common law, a segunda metade do século XII.
É certo que a instituição não é inteiramente nova. Procuram-se-lhe as origens na prática do inquérito carolíngio — como para os escabinos — e no direito dos primeiros reis anglo-normandos. O célebre Domesday Book, livro de todos os detendores de bens imobiliários em Inglaterra estabelecido com finalidades fiscais, é o resultado dum grande inquérito no decurso do qual os enviados do reis interrogam em cada região ou aldeia alguns notáveis qualificados juratores para dizerem a verdade (veredictum) para este recenseamento.
Mas o júri em matéria judiciária não aparece senão com Henrique II, por um conjunto de medidas tendentes designadamente a lutar contra os ordálios. Por exemplo, em 1166 o rei institui o Writ chamado novel disseisin, pelo qual encarrega o sheriff de reunir doze homens da vizinhança para dizerem se o detentor de uma terra desapossou efetivamente o queixoso; assim eliminou o duelo judiciário praticado até aí. Pela mesma data, a acusação pública em matéria criminal já não é entregue a um funcionário, uma espécie de Ministério Público, mas à comunidade local; um júri, mais tarde chamado Grand Jury deve denunciar os crimes mais graves (assassínios, roubos, etc.) aos juizes (indictment); composto de 23 jurados em cada condado (county), de 12 jurados em cada centena (hundred), tornou-se o júri de acusações; os jurados deviam decidir segundo o que sabiam e segundo o que se dizia; não deviam ocupar-se com as provas. Esta tarefa era transferida para um segundo júri, chamado o Petty Jury, composto geralmente de 12 jurados, boni homines, recrutados entre os vizinhos. No início era perante eles que tinham lugar os julgamentos de Deus; mas quando no século XIII os ordálios desapareceram progressivamente, o júri devia decidir se o acusado era culpado ou não (guilty or innocent) conforme o que sabiam do caso, sem ouvirem testemunhas ou admitirem outras provas; o júri é que era a prova dizendo a verdade (fere dictum — veredicto). O acusado podia recusar o trial by jury; mas neste caso era detido numa prisão para aí sofrer peine forte et dure que consistia em dormir nu, sob um grande peso, alimentado apenas de pão bolorento e água suja (Statute of Westminster I, 1275). Foi somente nos séculos XV-XVI que o petty jury mudou de carácter: em vez de ser um júri de prova, torna-se a instituição que deve ouvir as testemunhas (oral evidence) e apenas pode julgar sobre o que tiver sido provado.
Muitas vezes criticado, o sistema do júri manteve-se em Inglaterra até ao século XX, tanto no civil como no penal. O Grand Jury foi suprimido em 1933 pelo Administration of Justice Act para a maior parte das infrações, e, definitivamente, em 1948, pelo Criminal Justice Act. O Petty Jury foi mantido em matéria criminal (assassínio e alguns outros crimes); no processo civil existe ainda teoricamente para numerosas matérias, mas de fato já não se recorre a ele.
Nos Estados Unidos, o recurso ao júri está previsto na Constituição de 1787. O Grand Jury subsiste nos tribunais federais e em cerca de vinte Estados; o Petty Jury existe quase por todo o lado, mas as partes podem abdicar dele, o que geralmente fazem.
5. Desenvolvimento do statute law
Segundo a concepção dominante nos séculos XVIII e XIX, a legislação não ocupa senão o segundo lugar entre as fontes do direito inglês, depois da jurisprudência; os acts ou statutes (leis) são apenas considerados como exceções em relação ao common law; os juizes interpretam-nos duma maneira restritiva respeitando mais a letra que o espírito.
Esta concepção é, todavia, cada vez mais posta em causa, em virtude da extensão crescente da actividade dos legisladores; o divórcio é crescente entre o tradicional common law, de espírito liberal, e a legislação cada vez mais abundante de inspiração social, ou mesmo socializante, tendente a assegurar a intervenção do Estado nos domínios econômicos e sociais no welfare-state.
Também esta concepção não é muito válida para o período da Baixa Idade Média e do início dos tempos modernos. Os reis de Inglaterra legislaram tanto como os reis de França nos séculos XIII e XIV e, em certas épocas, bastante mais que eles. O rei Eduardo I (1272-1307) foi chamado por alguns historiadores de direito inglês, o «Justiniano inglês» por causa do grande desenvolvimento da legislação no seu reinado�, alguns desses statutes permaneceram em vigor até aos nossos dias.
A actividade legislativa aumentou constantemente do século XIII ao XX, como nos países do continente e não obstante a posição adotada pêlos common lawym; Henrique VIII, no século XVI, fez sozinho tantas leis como todos os seus predecessores durante três séculos.
Uma diferença importante entre a Inglaterra e os outros países europeus, reside no papel reconhecido ao Parlamento, ou seja, aos órgãos representativos do povo, muito mais cedo na Inglaterra que nos outros países; a intervenção do Parlamento no domínio legislativo foi estabelecida progressivamente entre 1322 e 1415; depois de numerosos conflitos entre o rei e o Parlamento, este conseguiu a vitória em 1689: por efeito do Bill of Rights, nenhuma lei pode ser posta em vigor ou suspensa sem o acordo do Parlamento. O mesmo princípio só foi acolhido em França em conseqüência da Revolução de 1789.
Embora a legislação fosse considerada, na Inglaterra, secundária em relação à jurisprudência — apesar da composição cada vez mais democrática do Parlamento — ela conheceu no século XIX, e sobretudo no século XX, um desenvolvimento notável. Foi por via legislativa (statutes de 1832-1833 e de 1873-1875) que foram introduzidas reformas profundas na organização dos tribunais e, por conseqüência, no processo e nas relações entre common law e equity. Do mesmo modo, foi por statutes que foram introduzidos um direito social inteiramente novo e, em menor escala, um direito econômico novo, sobretudo depois de 1945, por pressão do Labour Party.
6. Constituição e codificação
Apesar da importância crescente da legislação, a Inglaterra permanece um país sem constituição escrita e sem códigos.
O constitutional law inglês baseia-se no costume e nos precedentes; invoca-se ainda a Magna Carta de 1215 e outros acts mais ou menos antigos, designadamente os Acts of Union da Inglaterra com a Escócia (1707), com a Irlanda (1800), etc. Mas não existe nenhum texto reunindo o conjunto das regras do direito constitucional, semelhante à Constituição dos Estados Unidos ou à dos países europeus e outros.
Também não existe em Inglaterra nenhum código contendo o conjunto das regras jurídicas relativas a um ramo do direito, semelhante aos códigos francês, alemão, etc. No entanto, a ideia de codificação aparece aí desde o século XVI e o maior defensor desta idéia é um inglês, Jeremy Bentham, que pouco antes e depois de 1800 tentou generalizar a sua aplicação�. No máximo, procedeu-se a compilações (chamadas em inglês consolidations) das leis existentes (designadamente em 1852-1863) e a codificações de algumas matérias bem limitadas (por exemplo o Sale of Goods Act de 1893, espécie de código da venda; o Bankruptcy Act de 1914).
7. Difusão do «common law» nomundo
Convencidos da excelência do seu sistema jurídico, os Ingleses impuseram-no, mais ou menos, em todos os países que dominaram ou colonizaram, aliás com resultados diversos.
Nas Ilhas Britânicas, o common law impôs-se no País de Gales e na Irlanda (mesmo ainda atualmente no Eire, a República da Irlanda); mas não foi admitido na Escócia que conservou um direito romanista, embora sofrendo uma pressão cada vez mais forte do direito da Inglaterra no decurso do último século�.
Os Estados Unidos da América são países de common law. A Inglaterra só tinha no entanto colonizado uma parte da costa atlântica; quando as 13 colônias inglesas se tornam, em 1776, os 13 primeiros Estados federados, estes conservam o common law como base do seu sistema jurídico; e impõem-no aos outros Estados à medida que se vão incorporando na federação. E isto apesar da longa influência do direito espanhol em algumas regiões (Florida, Califórnia, Texas), do direito francês noutras (região do Mississipi); só o Estado da Luisiana conservou um sistema mais ou menos romanista de direito. Separados da Inglaterra desde há dois séculos, os Estados Unidos conheceram uma evolução diferente do seu sistema jurídico nos séculos XIX e XX, sobretudo devido a um grande respeito pelas suas constituições escritas e as suas leis. Cada Estado tem uma constituição escrita, tal como a federação (Constituição de 1787, com 26 aditamentos desde essa data); cada Estado e a federação têm uma legislação abundante e numerosos Estados codificaram os grandes ramos do seu direito�.
O direito americano rompeu com as formas obsoletas do common law; conheceu uma evolução mais rápida que a Inglaterra para a liberdade e a igualdade. Mas permanece relativamente diversificado, possuindo cada um dos 50 Estados o seu direito próprio. Não têm faltado os esforços de unificação. A jurisprudência do Supreme Court dos Estados Unidos é essencial neste domínio. Uma exposição sistemática e tão clara quanto possível do direito em vigor nos diversos ramos do que chamamos direito privado (contratos, propriedades, garantias, etc.), foi realizada por uma instituição não estatal, o American Law Institute que publicou de 1932 a 1944 o seu Restatement of American Law; embora não fosse obrigatório, a sua força persuasiva junto dos juizes foi considerável e contribuiu para uma grande unificação do direito�. Por fim, de 1955 a 1970, foi redigido um Uniform Commercial Code (J.C.C.) com base no Código de Comércio de Nova Iorque e influenciado pelo direito alemão. Foi adotado pêlos diferentes Estados, unificando assim este importante ramo do direito.
O Canadá conheceu uma história do direito semelhante à dos Estados Unidos. Apenas a província do Quebeque conservou um direito romanista, inspirado pêlos costumes de Paris dos séculos XVI e XVII; as outras províncias são regiões de common law.
A Austrália, a Nova Zelândia, a Jamaica e as outras ilhas da América Central que foram colonizadas pêlos Ingleses são países de common law, ainda estreitamente ligados ao sistema inglês.
A África do Sul conservou o direito romano-holandês anterior a 1800; mas um século e meio de dependência da Inglaterra adicionou-lhe uma grande parte de common law.
As colônias britânicas da África Central que obtiveram a sua independência por volta de 1960 conservaram o common law como base do seu sistema jurídico, introduzindo-lhe modificações mais ou menos substanciais conforme o país (Nigéria, Quênia, Uganda, Tanzânia, Zâmbia, etc.). O mesmo acontece com a índia, a Birmânia, a Malásia.
Israel adotou o common law como direito supletivo.
� Por exemplo: Statute of Westminster l (1275), Statute of Jewry (1275), Statute of bigamy (1276), Statute of mortmain (1279), Statute of Merchants (1285), Statute of Westminster II (1285), compreendendo cerca de cinquenta disposições das quais as mais célebres são o De Donis (art.° 1.°) e o Nu, Prius (art.° 30); Statute of Westminster III (1290) chamado Quia emptons, conforme o início do texto, que introduz a alienabilidade das tenências e que permaneceu como base do land law (direito rural).
�J. VANDERUNDEN, «Code et codifïcation dans Ia pensée de Jeremy Bentham», Tijdschr. Rechtsgesch., t. 32, 1964, p. 45-78; W. TEUBNER, Kodifikation und Rubtsreform tn England. Ein Beitrag zur Untersuchung dês Einflusses von Natttrrecht und Utilitafismus aufdie Idee trner Kodifikation dês Englischen Rechts, Berlim 1974.
� The Stair Society, An Introduction to Scottish Legal Hiitory, de vários autores, Edimburgo 1958.
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� A. e S. TUNC, Lê droit dês Etats-Vnis. Sources et techniques, Paris 1955; Id., Lt système cmstitutionml dês Etats-Uais d'A.mérique, 2."ed., Paris 1954; E. GUTT, «te Restatement of American law au XXsiècIe», inj. GIL1SSEN (ed.,) La ridaction dês coutumes dans lê passe et dans deprésent, Bruxelas 1962, p. 185-196

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