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PORTOS E HIDROVIAS AULA 1 O estudo de um porto nos remete à tentativa de entendimento de uma dinâmica que não se restringe ao sítio no qual ele está assentado. Pelo contrário, como elos da cadeia de circulação referente ao transporte aquaviário, especialmente marítimo, aproximando os espaços de produção e consumo, os portos qualificam-se como objeto de interesses de diversos agentes, demonstrando assim, seu lugar altamente estratégico em um mundo onde a Globalização impera como um verdadeiro paradigma. Muito mais que simples estruturas que servem aos imperativos da circulação no território e entre territórios, vistos por muitos como a chave para o desenvolvimento econômico dos povos, os portos contribuem também para a transformação do espaço, visto que demandam uma série de infraestruturas que viabilizem o seu funcionamento. É preciso lembrar que o navio antecedeu o veículo ferroviário e rodoviário; ele possibilitou sempre uma ligação fácil entre as cidades marítimas, fluviais ou lacustres, principalmente nos períodos históricos nos quais as comunicações internas contavam com grandes empecilhos. Desde o seu surgimento, os portos, como objetos indispensáveis à navegação, sempre desempenharam uma função importante na história da humanidade, possibilitando, dentre outras coisas, a expansão do ecúmeno a partir da conquista de novas terras, bem como o alargamento do comércio. Muitos são os exemplos, contudo talvez o mais emblemático seja o das Grandes Navegações, período no qual desencadeou-se uma verdadeira revolução, tanto no que se refere às relações econômicas mundiais, quanto à maneira como as pessoas passaram a ver o mundo novo que lhes era apresentado. Podemos citar, também, o fato de muitas das grandes cidades mundiais, ou mesmo das maiores cidades brasileiras, haverem se desenvolvido e evoluído a partir dos primitivos espaços portuários em que se inseriam. No decorrer da história do desenvolvimento dos portos, eles sofreram significativas mudanças, tanto em sua estrutura física quanto funcional, com o objetivo de responder aos imperativos que, em cada momento histórico, lhes eram impostos, bem como ao consequente desenvolvimento técnico que se seguia. Neste sentido, se no início eram totalmente dependentes de sítios e condições geográficas favoráveis, em tempos mais recentes passaram também a exigir uma série de estruturas que agilizassem o transporte entre a terra e o mar, tanto de pessoas como de mercadorias. No que diz respeito a suas funções, não foi diferente, ou seja, elas também acompanharam tais mudanças. Na Antiguidade Clássica, os portos às margens do Mediterrâneo dedicavam-se principalmente às trocas. Remonta a esta época o início da utilização das rotas que ligavam a Bacia do Mediterrâneo à Índia, aproveitando-se principalmente dos ventos das monções. O principal trajeto envolvia a chegada de embarcações com mercadorias até a cidade de Berenice (Egito), às margens do Mar Vermelho, de onde se seguia por terra até o rio Nilo (com destino à cidade de Alexandria), para então serem comercializadas por todo o Império Romano. Com o surgimento, no século IX, das rotas marítimas controladas pelos comerciantes árabes, os caminhos terrestres (as chamadas ―caravanas‖) perderiam sua hegemonia. O principal motivo residia no fato de os percursos por caravanas terem sido substituídos por percursos de navios, os quais eram capazes de transportar quantidades e volumes muito maiores de mercadorias. Seguindo-se pela Idade Média, os portos atendiam a demandas como proteção militar e combate à pirataria. No entanto, o comércio também fez-se presente neste período, especialmente por meio da atuação dos venezianos, os quais controlavam o comércio do Mediterrâneo junto aos mais importantes centros comerciais da época (Constantinopla, Alexandria e Antioquia). Como dominavam os avanços no campo do transporte marítimo, naquele período (representados pelo aumento da velocidade e capacidade dos navios, e a consequente diminuição no preço do transporte de mercadorias a partir do século XV), eles conseguiram derrubar o controle árabe de importantes rotas comerciais, impondo, então, o seu controle 1 . Com a queda de Constantinopla, em 1453, os europeus foram forçados a encontrar rotas marítimas alternativas para o comércio com a Ásia. É neste contexto que surgiriam as Grandes Navegações e, com elas importantes acontecimentos: chegada dos europeus ao continente americano (Cristóvão Colombo, 1492) e a descoberta de uma nova rota para as Índias através do Cabo da Boa Esperança (Vasco da Gama, 1497). Estes eventos foram rapidamente seguidos por uma onda europeia de exploração e colonização, iniciada por Espanha e Portugal (as potências de vanguarda) e depois pela Grã-Bretanha, França e Países Baixos‖ . As novas rotas priorizavam os portos marítimos, como o de Lisboa, e o crescente avanço do conhecimento europeu e melhorias nas técnicas de navegação, bem como nos navios, foram determinantes para que as principais potências europeias da época pudessem controlar o comercio internacional e efetivar o domínio colonial. Não precisamos ir muito longe para verificar a importância das navegações e dos portos na configuração do espaço. A história da formação sócio-espacial brasileira é exemplificadora deste fato, visto que também somos o resultado do projeto ultramarino português dos séculos XV e XVI. Nossas áreas litorâneas foram os centros dispersores do processo de povoamento e colonização, a partir do estabelecimento de núcleos urbanos em sua faixa, especialmente quando associadas a sítios portuários favoráveis. Também eram vistas por muitos, como áreas que proporcionaram a entrada dos interesses econômicos dos colonizadores, e em contrapartida, a saída das riquezas que impulsionaram os diferentes ciclos econômicos que aqui se desenvolveram (pau- brasil, ouro, açúcar, café e etc.). Isto nos leva a concluir que os portos possuem um papel histórico relevante na conformação do espaço brasileiro, tal como o conhecemos hoje. De fato, no Brasil, colonizado a partir do litoral, a navegação possibilitou o reconhecimento da costa e a escolha de numerosos sítios urbanos e portuários. Nesta fase, quando não se conhecia o interior das terras, a posição do porto oferecia meios para facilitar a ocupação militar do litoral, sua posse econômica e sua vigilância‖. É a partir do século XIX, que veremos os portos inserirem-se de maneira mais incisiva no jogo das trocas comerciais, o que depois tornar-se-ia o cerne da atividade portuária contemporânea. É neste período, especialmente a partir da Revolução Industrial, que os meios de transportes em geral, e o transporte marítimo em específico, terão seus avanços mais significativos. A invenção da máquina a vapor marcaria este período e tornar-se-ia a força motriz dos navios de então, possibilitando aos mesmos um grande aumento em suas velocidades de deslocamento. No começo do século XIX estabelecer-se-iam as primeiras rotas de navios regulares, ligando os principais portos do mundo, especialmente no Atlântico Norte. Outro importante avanço deu-se no campo da cartografia, visto que neste período começaram a ser produzidas cartas mais precisas para a navegação, com maior detalhamento das correntes marítimas e padrões de circulação dos ventos. Ademais novos materiais, como o aço, começaram a ser utilizados para a construção dos navios, proporcionando um aumento no tamanho das embarcações. Contudo, as inovações não pararam por aí. A partir da segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento dos motores à combustão e a consequenteutilização do petróleo em substituição ao carvão como matriz energética, a navegação marítima conhece nova fase de expansão, representada principalmente pela redução no consumo de energia (a partir da já citada substituição do carvão), bem como o aumento da capacidade e da velocidade dos navios, culminando na redução dos tempos de deslocamento. Outro aspecto importante para o melhoramento da circulação marítima global neste período foi a construção do Canal de Suez (1859- 1869) e do Canal do Panamá (1880-1914), contribuindo para a consequente diminuição das distâncias intercontinentais (figura 1). Figura 1: O impacto geográfico da construção dos canais de Suez e do Panamá sobre as rotas marítimas. Fonte: http://people.hofstra.edu/geotrans/eng/ch2en/conc2en/img/Map_Panama-Suez%20Shortcuts.pdf O motor a combustão interna e a linha de montagem, impulsores do desenvolvimento na era fordista, também desempenharam um importante papel para o avanço da indústria dos transportes. A popularização da produção de veículos acarretou um aumento na demanda por derivados do petróleo e matérias-primas. As consequências para a indústria do transporte marítimo traduziram-se na necessidade do aumento da capacidade dos navios, de maneira a transportar grandes quantidades de cargas (minerais e grãos), por longas distâncias e a um baixo custo. O caso dos navios-tanque é um exemplo elucidativo do acima exposto, dado que, após a Segunda Guerra, com o surgimento da demanda global por óleos e derivados, o transporte marítimo foi chamado a resolver o problema do transporte de grandes quantidades desses produtos a baixos preços. As rotas marítimas expandiram- se de maneira a incluir os petroleiros que zarpavam da principal região produtora (Oriente Médio). As longas distâncias a serem percorridas na cadeia comercial do petróleo acabaram por impulsionar a construção de navios cada vez maiores, o que é característica do setor até hoje. Contudo, talvez a inovação mais importante do transporte marítimo atual, e com consequências expressivas na organização dos espaços portuários de todo o mundo, tenha sido o surgimento dos chamados contêineres, estruturas que revolucionaram o transporte e o manuseio das cargas, especialmente as chamadas cargas gerais 5 , bem como atuaram como um elemento impulsionador da intermodalidade, reduzindo enormemente os custos de transbordo e os atrasos neste procedimento. Foram introduzidos pelo empresário americano, Malcolm McLean, primeiramente no transporte terrestre e, a partir de 1956, no transporte marítimo em uma viagem entre Nova Iorque e Houston. Nove anos depois, em 1965, a Sea-Land Company, empresa fundada pelo referido empresário, estabeleceria a primeira rota marítima regular de contêineres no Atlântico Norte, entre a América do Norte e a Europa. O potencial demonstrado pelos contêineres, especialmente no comércio marítimo mundial, fez com que em 1960, a Autoridade Portuária de Nova Iorque/Nova Jersey, construísse o primeiro terminal especializado em carga conteinerizada, o chamado ―Port Elizabeth Marine Terminal‖, antecipando o que atualmente é pré-requisito incontestável para qualquer grande porto. No que diz respeito às embarcações é interessante destacar que apesar da necessidade de expansão da capacidade de carga (tal como aconteceu com os navios-tanques), os navios que transportavam contêineres, tiveram seu tamanho limitado por cerca de 20 anos pelas características do Canal do Panamá. A partir de 1988, surgiriam os primeiros navios pós-Panamax, maiores que os anteriores e, portanto, melhor adaptados à carga conteinerizada (em crescente expansão), contribuindo também para o desenvolvimento e fortalecimento das economias de escala neste setor do transporte marítimo. Nesse contexto, com mais de 7 mil quilômetros de litoral e devido a seu lugar cada vez mais significativo no jogo das trocas comerciais internacionais, com a ressalva de estarmos falando principalmente da exportação de produtos não manufaturados, o Brasil insere-se em um espaço propício ao desenvolvimento deste tipo de infraestrutura de transporte. Segundo Faria, (1998), a inexistência de fronteiras terrestres entre o Brasil e os seus principais parceiros comerciais, bem como a inadequação do modo aeroviário para o transporte de cargas em grande escala determinam uma relação de forte dependência entre o comércio exterior e o sistema portuário nacional. Cabe ressaltar, no entanto, que a importância inicial dos portos para a ocupação do território brasileiro deu lugar, nos períodos mais recentes, à predominância do transporte rodoviário, especialmente no que diz respeito ao transporte interno. Diferentemente de outros países, como EUA, Canadá ou mesmo do continente europeu, as condições hidro- geográficas do Brasil, somadas às políticas governamentais que priorizaram o transporte rodoviário como motor do projeto de integração nacional, determinaram uma interligação entre o porto e a sua hinterlândia de base fundamentalmente terrestre, principalmente rodoviária, e em alguns poucos casos, ferroviária. A primeira acabou por monopolizar o transporte de pessoas e mercadorias no interior do território brasileiro, visto que, mesmo as poucas experiências de transporte hidroviário no Brasil, servem aos imperativos do comércio exterior (transporte de granéis sólidos como a soja, minérios e etc). Do mesmo modo, como já assinalado, o transporte marítimo no Brasil, tem por função essencial a realização das trocas comerciais em escala mundial, proporcionando, devido aos baixos custos no transporte de mercadorias, uma inserção mais competitiva destas no mercado internacional, e por outro lado, também possibilitam a realização do espaço nacional como mercado consumidor de produtos originados de outras regiões do planeta.
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