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ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO ab ord agen s Sirio Possenti Rosana Paulillo Egon de Oliveira Rangel J.A. Guilhon Albuquerque Maria Tereza Aina Sadek Bolívar Lamounier Vera Chaia Paulo-Edgar Resende Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida (Organizadores) edwe ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO a b o rd a g e n s Esta obra foi publicada com o apoio da FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO - FAPESP (Processo 94/2950-3) ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO ab o rd a g e n s EDUC - Editora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Reitor. Antonio Carlos Caruso Ronca Vice-Reitor Acadêmico: Fernando José de Almeida Conselho Editorial: Ana Maria Rapassi, Fernando José de Almeida (Presidente), Bemardette A. Gatti, Lúcia Santaella, Sylvia Helena Souza da Silva, Maria do Carmo Guedes, Maura Pardini Bicudo Veras, Onésimo de Oliveira Cardoso, Ricardo Augusto de Miranda Cadaval, Scipione de Pierro Neto, Teresa Celina de Arruda Alvim Pinto. Sirio Possenti Rosana Paulillo Egon de O liveira Rangel J.A. Gu ilhon d e A lbuque rque M aria Tereza A ina sadek Bolívar Lam ounier ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO: a b o rd ag en s São Paulo 1993 Catalogação na Fonte - Biblioteca Central/PUC-SP Análise do discurso político: abordagens/orgs. Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, Paulo Resende, Vera C haia.- São Paulo: EDUC, 1993. 110p.; 23 cm. - (Coleção Eventos) ISBN 85-283-0060-9 I. Análise do discurso. I. Almeida, Lúcio Flávio Rodrigues de. II. Resende, Paulo-Edgar Almeida. III. Chaia, Vera. IV. Série. V. Título. CDD 415 Série Eventos Produção F.veline BouteiUer Kavakama Composição F.laine Cristine Fernandes da Silva Revisão Berenice Haddad Aguerre Capa Luiz Orlando Caracciolo EDUC - Editora da PUC-SP Diretora Maria do Carmo Guedes Rua Monte Alegre, 984 05014-001 - São Paulo — SP Fone: (011) 873-3359 Fax: (011) 62-4920 SUMÁRIO 7 APRESENTAÇÃO 11 ANÁLISE DO DISCURSO: UMA COMPLICAÇÃO DO ÓBVIO? Sirio Possenti 25 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DO DISCURSO REFERIDO Rosana Paulillo 49 A ANÁLISE DE DISCURSO: ENTRE AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO E A SUPERFÍCIE DISCURSIVA Egon de Oliveira Rangel 71 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA ANÁLISE DE DISCURSO José Augusto Guilhon de Albuquerque 81 DISCURSO POLÍTICO: NOTAS PARA UM DEBATE Maria Tereza Aina Sadek 93 NOVAS FORMAS DO DEBATE DEMOCRÁTICO Bolívar Lamounier APRESENTAÇÃO O Departamento de Política da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP implantou, em 1989, o Núcleo de Memória Política Bra sileira. A prioridade inicial do Núcleo foi contribuir, ao lado de ou tras instituições de pesquisa, para o estudo ampliado do Poder Le gislativo no Brasil, no nível do Congresso Nacional, das Assem bléias Legislativas e das Câmaras Municipais. Como primeira atividade do Núcleo, realizamos um ciclo de conferências no qual foram debatidas questões referentes aos proce dimentos metodológicos de análise de discurso e pesquisas que fize ram uso dessas metodologias. Ao organizarmos esse ciclo de conferências tivemos a preocu pação de convidar especialistas nas áreas de Lingüística e Ciência Política. Os textos desta coletânea expressam a importância da análi se de discurso feita de modo interdisciplinar, visando a compreensão do fenômeno social de maneira mais abrangente. Em “Análise do Discurso: Uma Complicação do Óbvio?”, Sirio Possenti procura eliminar, de forma segura e bem humorada, lugares comuns que produzem a ilusão de uma extrema facilidade dos pro blemas que se colocam para esta “disciplina”. A análise do discurso não é um campo perfeitamente delimitado de cientifícidade, nem possui a chave para a solução de todos os problemas que permane cem insolúveis no interior do universo caótico das ciências humanas. Ao contrário, insistindo em que se trata de um campo vago e complexo, Possenti expõe alguns supostos consensuais, assim como as distinções entre as principais vertentes que se constituem neste elenco de procedimentos de análise, aos quais o autor, longe de contemplar com um pleno estatuto de cientifícidade, prefere reservar um “lugar de crítica” , similar, sob vários aspectos, aos que Foucault atribui à psicanálise e à etnologia. 8 Apresentação O artigo “Procedimentos de Análise do Discurso Referido” de Rosana Paulillo se defronta com o discurso que inclui outro discur so, isto é, todas as formas em que a citação se verifica. Não se trata do discurso que representa uma realidade exterior, mas que reporta: é a linguagem em relação à linguagem. Nos processos discursivos, a fala dificilmente é ato de sujeito isolado, que nomeia o real, mas re plica, fala a partir de outras falas, que se põe como complemento ou contraste em relação a outras falas. A temática do discurso referido se liga, portanto, ao campo do interdiscurso e da heterogeneidade do sujeito enunciador, atravessado pela multiplicidade de vozes. A autora apresenta, em primeiro lugar, como referência históri ca do trabalho atual de análise do discurso referido, a teoria da enunciação de Émile Benveniste e a teoria do dialogismo de Mikhail Bakhtin. Em segundo lugar, a autora apresenta procedimentos de análise de discurso nos quais se correlacionam formas de linguagem e efeitos de sentido. Ao longo das reflexões que desenvolve em seu “A Análise de Discurso: Entre as Condições de Produção e a Superfície Discursi va”, Egon Rangel revela a complexidade das teorizações acerca des ses dois aspectos do discurso, bem como das relações entre eles. Pa ra isso o autor se reporta ao exame que efetuou, em sua pesquisa, do Diário Completo, de Lúcio Cardoso, e de um manual de sexologia. Por outro lado, recorre a uma rica bibliografia teórica. Quando Egon Rangel, após examinar dois níveis das condições de produção do discurso (formação ideológica ou discursiva e con texto imediato de enunciação), recorre ao conceito de “ordem dis cursiva”, o resultado do cotejo daqueles materiais lingüísticos tão díspares toma-se, ao mesmo tempo, surpreendente e elucidativo. José Augusto Guilhon de Albuquerque, em “Pressupostos Teó ricos e Metodológicos da Análise de Discurso”, situa a análise do discurso na longa tradição de reflexão sobre o pensamento. Duas questões fundamentais se apresentam: a dinâmica interna do pensa mento e seus efeitos de conhecimento e convencimento. A preocupação é com as representações do sujeito, com o que ele diz, e não com o que ele quer dizer ou deveria dizer. O discurso Apresentação 9 representa e não retrata a realidade. Descarta-se qualquer hierarquia entre discursos para a verificação da verdade, ou sua interpretação. Conseqüência técnica desta concepção é a identificação do sujeito do discurso e de seu objeto. Ao ser eliminada a separação entre su jeito e discurso, este passa a ser a representação da realidade pelo sujeito. O artigo “Discurso Político: Notas Para Um Debate” , de Maria Tereza Aina Sadek, analisa os “... espaços ocupados pelo discurso político e seus conseqüentes desdobramentos nas concepções sobre a vida política” . A autora identifica três modelos que orientam e dão significado aos discursos políticos: o modelo idealista-ateniense, o ético-normativo e o realista. Após analisar esses modelos, conclui que apesar de ter ocorrido alterações sócio-economicas e políticas, o discurso dos anos 20 e 30 ainda é atual na sociedade brasileira con temporânea. Bolívar Lamounier, em “Novas Formas do Debate Democráti co” , aponta a revalorização de estudos sobre o pensamento político brasileiro, detectando três fases neste desenvolvimento: a construção do Estado, a questão da industrialização e autonomia nacional, e a terceira fase centrada na questão democrática. Conforme o autor, a preocupaçãocom a democracia se encon tra presente nas obras de Sérgio Buarque de Holanda e Victor Nunes Leal, porém, somente nos meados dos anos 70 é que a questão de mocrática aparecerá como um ‘arcabouço político-institucional’, ten do em vista consolidar a democracia no Brasil. Lembra, no entanto, que permanece a tensão entre os conceitos institucional e substanti vo da democracia e na sua avaliação a história dessa tensão deve ser analisada pela área do discurso político. A utilização pelos articulistas de instrumental teórico e meto dológico adequado para análise de discurso, com ênfase na interdis- ciplinaridade, é contribuição valiosa para a compreensão da dinâmi ca de momentos políticos específicos da sociedade brasileira. Os organizadores. ANÁLISE DO DISCURSO: UMA COMPLICAÇÃO DO ÓBVIO?1 SIRIO POSSENTI IE L -U N IC A M P Há dois grupos aos quais não é fácil tentar dizer o que seja análise do discurso, em pouco tempo. Um é o dos lingüistas, porque em princípio são eles que detêm as melhores e mais consistentes ex plicações de fenômenos da linguagem, e a análise do discurso lhes soa como, no mínimo, uma invasão de terreno. Mais do que isso, ela lhes aparece como reintroduzindo questões pertinentes, algumas das que mais claramente foram excluídas desta disciplina pelos seus mo dernos fundadores. Neste sentido, a análise do discurso parece um pouco uma nova filologia ou uma nova retórica, a depender da sa liência menor ou maior de certas questões em análise. É preciso que o analista do discurso se municie de bons argumentos e arranje uma boa estratégia (e às vezes refinadas táticas) para que consiga não criar um rival ou não ouça, em troca de sua laboriosa argumentação, alguma grosseira resposta do tipo “isto confunde campos” , “isto não tem objetividade” , “isto é sociologia” , “isto não corre o risco de ser uma semi-lingüística e uma semi-história?” , etc. É necessário di zer, a bem da verdade, que, se os lingüistas não têm razão, não dei xam de ter algumas razões para comentários do gênero. E isto pode depender menos do profeta da nova disciplina do que das condições mesmas desta disciplina, isto é, de algumas de suas características. 1. Texto elaborado a partir de anotações utilizadas para uma conferência em que se solicitava que o autor “explicasse” para “ leigos” o que é a análise do discurso. O autor não tem certeza de ter cumprido a missão que acei tou, se bem que acredita mais no que disse então do que nisso que poste riormente escreveu. 12 Sirio Possenti Um outro grupo a quem não é fácil expor os fundamentos e as principais linhas da análise do discurso é o que aqui está representa do por vocês: os cientistas políticos ou, mais genericamente, os cientistas sociais. Por várias razões, a principal das quais é que, de feto, alguns dos trabalhos da análise do discurso se confundem e se fundem com o das ciências sociais. Se for verdade o que diz Robin, uma das razões pelas quais a análise do discurso surgiu e se firmou relativamente foi a solicitação de historiadores (e logo de outros cientistas sociais) para ajudá-los a responder perguntas do tipo “co mo ler e entender textos?”, para as quais eles imaginavam que a lin güística poderia ter respostas. Campos como a lingüística e outros das ciências sociais se aproximaram, acabaram contribuindo com partes relevantes e acopláveis e formaram, de certa forma, este que é para alguns um novo campo e para outros uma junção adequada e fértil de campos de trabalho já sedimentados, com objetos e métodos específicos. Explicar o que é análise do discurso para cientistas po líticos é de certa forma difícil porque, se se enfatizar o lado lingüís tico, pode-se dar a entender que as utilizações imediatas podem ser de pouca monta. Se se enfatizar o lado social, histórico, ideológico, etc. da análise do discurso, corre-se o risco de querer ensinar o pa dre-nosso ao vigário. Algumas caracterizações fáceis da análise do discurso merecem ser afastadas de imediato, sob pena de se obscurecer ainda mais o campo. Em primeiro lugar, uma certa fé, encontrável em alguns cír culos e numa certa bibliografia, segundo a qual se descobriu enfim um lugar de efetiva solução dos verdadeiros problemas. Este lugar seria a análise do discurso. Assiste-se por vezes a arroubos de cará ter religioso em relação ao novo campo, que teria dogmas e santos intocáveis. Característica das novas disciplinas, certamente, porque não conseguiram ainda unanimidade em relação a seu direito de existência. E dos novos adeptos, que repetem slogans com a certeza que só uma certa ignorância pode garantir. Penso que a análise do discurso não ganha muito com este tipo fácil de reconhecimento, podendo fazer melhor seu papel se permanecer como uma espécie de lugar de crítica, como os ocupados, segundo Michel Foucault, pela Análise do discurso:. 13 psicanálise e pela etnologia, com as quais partilha, aliás, pelo menos em algumas versões, de certas características. A segunda caracterização fácil e superficial que não merece atenção séria é a que despreza contribuições próprias dos campos envolvidos, sejam elas as oriundas da lingüística ou as de outras dis ciplinas. O mais comum é que se valorize mais a contribuição de um dos campos apenas, o que pode levar a perdas na análise. O bom senso parece indicar que as várias disciplinas envolvidas têm contri buições relevantes, e o destaque maior ou menor de cada uma delas depende muito mais dos objetivos da análise (e da competência es pecífica do analista) do que propriamente do objeto a ser analisado. Por outro lado, a análise do discurso exerce um fascínio sobre todo o estudioso que se interessa pelo campo, muito mais facilmente, por exemplo, que a história, a sociologia ou a lingüística. Se o inte ressado não for muito cuidadoso, poderá surpreender-se em pouco tempo a ejacular uma certa terminologia da moda diante de qualquer situação excitante, seja ela uma oportunidade de passar por pratica mente de um tipo de conhecimento engajado, seja pela facilidade, que a nova disciplina parece superficialmente propiciar, de poder falar simultaneamente e com autoridade de mais de um campo de conhecimento. É relativamente comum em iniciantes na arte falarem como profundos conhecedores de temas psicanalíticos, históricos, filosóficos, com a voracidade e simplificação dos ledores de orelhas. Uma atitude recomendável e saudável neste domínio é uma boa dose de ceticismo. Afinal, se nunca houve campo fácil de conheci mento e se os problemas são complexos em cada domínio, por que se haveria de esperar o contrário de um tipo de abordagem à primei ra vista mais complexo, visto que opera simultaneamente em mais de um campo e sem abandonar a priori nenhum dos problemas rele vantes de cada um deles? Se o milagre é muito grande, o santo a ser invocado é São Tomé. Uma das formas de se evitar uma certa euforia ingênua é mos trar o quanto o campo é vago e complexo, o quanto cada discurso sobre a análise do discurso pode ser diferente de outro. De certa maneira, dizèr isto aqui significa dizer-lhes que talvez não devam 14 Sirio Hossenti esperar tanto da análise do discurso para solucionar os problemas que vão encontrar na realização de seu projeto. A melhor maneira de mostrar que o campo da análise do dis curso é vago e confuso é analisar, ainda que intuitivamente, a pró pria expressão “análise do discurso”. Para isso é preciso dizer, antes de mais nada, que ler um texto, qualquer que seja sua dimensão, é mais do que decodificar, e que, portanto, uma língua não pode ser Concebida como um código. Suponhamos que a expressão “análise do discurso” ocorra numa expressão mais complexa do tipo “a aná lise do discurso amplia os horizontes da lingüística”. O sintagma “análise do discurso”, para aparecer nesta posição da frase,deve obedecer a algumas condições. Há as propriamente gramaticais, que não vou mencionar, mas cuja existência não pode ser esquecida. Das não estritamente gramaticais, é relevante mencionar pelo menos duas. É preciso que o locutor aceite que a análise do discurso existe, da mesma forma que se aceita ou pressupõe a existência de alguém chamado “Joaquim” quando se diz algo como “Joaquim morreu na torca” . Isto é, utilizar a expressão “análise do discurso” efetiva mente numa situação real significa, entre outras coisas, admitir que existe alguma coisa que este nome denota. Como “análise do discur so” é uma expressão complexa, não um mero nome, ela mesma tem uma análise interna que pode ser assim sumariada: se existe “análise do discurso” , existência pressuposta pela enunciação da expressão, então também se pressupõe a existência de um objeto chamado “dis curso”. Se há a análise de um objeto, este mesmo objeto suposta mente existe. Esta expressão se toma óbvia do ponto de vista das relações semânticas internas, isto é, pode ser perfeitamente analisada segundo regras de composição não ad hoc - a paráfrase com “anali- sar discursos” deixa mais evidente do ponto de vista sintálico-se- mântico a relação entre “analisar” e “discurso” . Não é nada óbvia, no entanto, de um outro ponto de vista, que pode ser chamado, em bora talvez isso crie uma certa confusão momentânea, de discursivo. Em outras palavras, a expressão pode ser evidente de um ponto de vista sintático-semântico, isto é, lingüístico, mas não do ponto de vista discursivo. O que pode significar “discursivo” neste contexto? Análise do discurso:. 15 Creio que existem dois postulados básicos na análise do dis curso, que qualquer das teorias em confronto no interior da área aceitaria sem maiores problemas. O primeiro diz respeito à relevân cia da enunciação, o que implica uma recusa em analisar qualquer evento lingüístico como sendo apenas um evento de ordem gramati cal - ou pelo menos em admitir que uma análise de ordem gramatical esgote todos os aspectos de tal evento. É que o fato de ocorrer numa ou noutra circunstância pode ser determinante para sua análise. O segundo postulado é que as palavras (embora não só este tipo de elemento lingüístico, mas também outros, como as frases) têm seu sentido determinado - ou no mínimo fortemente condicionado -jx>r fatores extralingüísticos, que podem ser de vários tipos, desde os ideológicos, históricos, doutrinários, até os mais banalmente con- textuais. Por exemplo, a palavra “massa” pode designar uma coisa completamente diferente no discurso político e no discurso culinário. “A massa não está preparada” pode ser um enunciado de interpreta ção completamente distinta, portanto, se dito por um militante políti co que lamenta que certas ações tenham que ser adiadas ou por um cozinheiro que pede paciência aos comensais, isto é, em circunstân cias em que são outras as ações que devem ser adiadas. Atente-se para o quanto isto é aparentemente óbvio. Ora, se as palavras só têm sentido no jnterior de certas fonna- ções, no interior de certos quadros, de certos esquemas, nada mais razoável do que esperar que a palavra “discurso” esteja submetida às mesmas leis. Isso quer dizer que o sentido da palavra “discurso” pode mudar completamente ou pelo menos, significativamente, con forme se trate de uma ou de outra teoria. Há provavelmente ele mentos que unem os diversos tipos de análise do discurso, mas há seguramente coisas que os separam. Será certamente uma afirmação fácil de sustentar entre analis tas do discurso a de que a palavra “discurso” pode mudar de senti do. Eque, portanto, dizer que o objeto da análise do discurso é o discurso, para um analista do discurso, significa, de certa forma, produzir um enunciado incompatível com o discurso da análise do discurso. Por que? Porque dizer que o objeto da análise do discurso 16 Sirio Possetiti é o discurso é admitir, contraditoriamente, que uma análise sintático- semântica desta expressão é suficiente, sendo desnecessário levar em conta o quadro (ou contexto, ou discurso) em que tal enunciação se dá. Ora, a afirmação de que uma análise lingüística, em sentido es trito, é insificiente, é um dos pilares fundamentais da análise do dis curso. Se Pêcheux ouvisse aquela afirmação, certamente a acres centaria às obviedades de La Palice e, se a ouvisse da boca de um analista do discurso, faria isso com um certo ar de desânimo, imagino. Resumindo: afirm ar que “a análise do discurso amplia os hori zontes da lingüística” significa produzir um enunciado que contém relativamente numerosas palavras cujo sentido não é evidente. Mas que pode tomar-se claro, inteligível, acoplando-se uma análise lin güística a considerações de outra ordem, como, por exemplo, as se guintes: a tomada em consideração em comum, por parte dos interlo cutores, de um certo conjunto de textos nos quais palavras como “análise”, “discurso” e “lingüística”, termos mais marcados do ponto de vista teórico ou doutrinário, tenham seu sentido relativamente uniformizado por uma certa prática. Em_suma, tomada em considera- ção de um certo discurso onde tais palavras têm um sentido conheci do. Além disso, é necessário também uma partilha de conhecimentos ou de posições que confiram sentido à expressão “ampliarmos hori zontes” que, dentre outras coisas, dá a entender que os horizontes da lingüística antes da análise do discurso eram estreitosje. que am- pliá-los é uma coisa que não se lamenta. Ao contrário, é desejável. Alguns dos elementos necessârios para a interpretação-acima mencionada têm a ver apenas com o universo de discurso específico ena que se fala, no caso, sobre análise do discurso e lingüística. Ou tros têm a ver com procedimentos enunciativos mais gerais, inde pendentes do tipo de discurso a que se adere (dizer alguma coisa significa ter com o que se diz um certo compromisso ou criar um certo quadro a partir do qual o comportamento que se segue é alte rado, etc.). E outros, ainda, decorrem de uma análise lingüística, gramatical, do enunciado dito. Para exemplificar com outro material este tipo de complexida de e a relevância de cada elemento de um evento discursivo, consi Análise do discurso:. 17 dere-se o seguinte texto. Trata-se de uma tira de L.F. Veríssimo, pu blicada em jornal no dia 22 de outubro de 1989 (estes dados têm re levância relativa) em que seus personagens (as cobras) mantêm o se guinte diálogo: - Então você acha que há uma luz no fim do túnel, Cândida? - Que túnel? - Assim não dd pra conversar... Este pequeno texto exibe claramente uma das características do funcionamento da linguagem num diálogo real entre falantes: a ne cessidade da aceitação de um certo quadro para que o diálogo “prospere” e os problemas que aparecem para os interlocutores quando um delesnSo aceita.o quadro. Neste exemplo, o pressuposto que a primeira cobra tenta impor a sua interlocutora é o da existên cia de um túnel, que, por não ser tematizada explicitamente, mas pressuposta - ou implicada - pela enunciação da palavra “túnel” , coloca o seguinte dilema: ou você aceita as condições que decorrem do que eu digo (que um certo túnel que nós sabemos qual é existe), ou não é possível conversar. Este diálogo serve também para apontar que o quadro pressuposto pode ter duas características: ser apenas implicado pela enunciação, ou ser, além disso, marcado ideologica mente, de maneira que aceitar a existência de um certo objeto pode significar aceitar atribuir a ele um conjunto de predicadosaue fazem dele um objeto marcado de um certo ponto de vista. Enfim, pode significar aderir a um certo discurso. É fácil perceber que este tipo de análise é completamente diverso de uma análise gramatical. Por outro lado, o que ela diz é óbvio, no sentido de que todos osfalantes atuam, segundo regras desse tipo, o que significa que.as conhecem. Á análise do discurso se constitui-em grande parte da explicitação de tais regras e da tentativa de fazer delas um corpo teórico çomxarac- terístiças sintáticas e semânticas desejáveis para os enunciados de uma teoria. Se o exemplo analisado fosse um texto político em sentido es trito, vocês talvez percebessem mais claramente que há um conjunto de elementos implicados na análise que concernem diretamente a 18 Sirio Possenti este campo do saber, e não à lingüística. Suponham que se tratasse de analisar uma passagem como “As vantagens da democracia são...”. Mesmo como está, um texto pela metade, fica evidente que ele implica em aceitar-se que ‘há vantagens na democracia’. Se isto não é óbvio para falantes conhecedores de um certo campo do saber, a ciência política, então o que seria um exemplo de obviedade? Pode parecer ridículo, mas fatos como estes são um problema para teorias lingüísticas que se ocupam da relação entre sons e sentidos, por que alguma coisa está sendo dita sem que, de certa forma, esteja sendo dita. *** Já que se disse acima que para se saber Q que significa a ex pressão “análise do discurso” é necessário ultrapassar as análises sintático-semânticas. E hora de esclarecer um pouco mais como isso pode ser feito. O que farei nesta seção é falar rapidamente dos dois principais sentidos da palavra “discurso” , na expressão que vem sendo analisada. A conseqüência será, espero, que fiquem claros os critérios de interpretação da expressão. Para exemplificar claramente a questão, tomarei um episódio que se repetiu comigo mais de uma vez. Quando dizia a alguém que estava fazendo minha tese em análise do discurso, imediatamente ouvia a seguinte pergunta: - Qual? E ficava claro que nunca houve interesse em saber de que tipo de análise se tratava, mas sim de que tipo de discurso, ou de qual discurso se tratava. A partir deste exemplo fica clara a primeira e a mais intuitiva das duas noções de discurso que quero comentar rapidamente. Neste primeiro sentido, “discurso” significa algo como um conjunto de enunciados, sendo que, na expressão, a palavra “con junto” tem importância óbvia. É neste sentido que a palavra “dis curso” vai bem em expressões como “o discurso dele é conserva dor”, “o candidato é outro mas o discurso é o mesmo”, ou, mais simplesmente, em expressões como “discurso religioso” , “discurso político”, “discurso sindical”, etc. Ao dizer que esta noção de dis curso é mais intuitiva não quero dizer que seja fácil defíní-la de ma Análise do discurso:... 19 neira clara. Quero dizer apenas que este sentido da palavra é mais conhecido, pelo menos para um certo tipo de falante, em geral com formação acadêmica razoável. Dos grandes nomes que utilizam a palavra mais ou menos neste sentido, vale a pena mencionar Foucault, não apenas porque uma grande parte dos trabalhos do campo deve a ele mais do que em ge ral se pensa, mas também pelo fato de ele ter dado conta de uma ca racterística fundamental do objeto que ele assim nomeou, e que tan tos outros assim nomeiam, não necessariamente com a mesma argú cia. A característica a que quero me referir é a da dispersão, e por uma razão muito simples; quando o termo “discurso” é utilizado no sentido que neste momento se tematiza, é comum que conote um conjunto de enunciados que formam uma unidade e que se opõem a outro conjunto que forma outra unidade. Assim, por exemplo, o discurso médico pode aparecer como sendo uniforme e oposto, diferenciado do discurso religioso, diga mos. A noção de dispersão, entre outras coisas, é capaz de fazer perceber que a relação entre os enunciados de um discurso pode se dar por mecanismos muito diversps, isto é, que eles não constituem uma.unidade, no sentido mais trivial desta palavra. Um discurso é composto por enunciados de natureza um tanto diversa. Em Foucault, talvez o exemplo mais claro seja o que ele chama de dis curso médico, que é composto de enunciados discritivos de corpos e sintomas, evidentemente, mas também de “observações tomadas mediatas por instrumentos, protocolos de experiências de laborató rios, cálculos estatísticos, constatações epidemiológicas ou demográ ficas, regulamentações institucionais, prescrições terapêuticas”. Aquilo que se poderia chamar de discurso nacionalista é com posto, sem dúvida, por um conjunto de enunciados relativos às van tagens ou desvantagens de se permitir o ingresso do capital estran geiro, por exemplo, mas sem dúvida uma análise mais cuidadosa vai demonstrar que há disposições legais que se relacionam de uma ma neira determinada com os enunciados mais ideológicos e retóricos e 20 Sirio Possenti que se destinam a implementar ou a impedir que tais enunciados passem a ter vigência efetiva e produzam determinados frutos.2 A noção de dispersão é importante porque se, por um lado fa lar de “discurso” significa de certa maneira falar de uma certa uni dade, pesquisas de corpora de enunciados revelarão, por outro, que os discursos são compostos menos regularmente do que parece indi car a intuição. De qualquer modo, uma das características da pesqui sa que leve em conta esta noção de discurso será sempre uma pes quisa que tomará em conta um corpus extenso e em geral produzido durante um espaço de tempo relativamente longo. Tenho a sensação de que, sem querer dar a ninguém nenhum conselho, no Brasil seria ainda muito importante que se fizessem pesquisas neste filão, tentando descobrir, por exemplo, como certos discursos permanecem, como certos enunciados não deixam de rea parecer continuamente, nas mais diversas circunstâncias. Diria que, mais do que uma noção enunciativa de discurso, que interessa mais ao lingüista que pesquisa o sentido dos enunciados produzidos mais ou menos “ao vivo” por e para interlocutores em situações banais, a noção mais interessante para cientistas sociais é esta primeira. Uma segunda noção de discurso é relevante e deve ser men cionada numa situação como esta. Ela tem a. ver fundamentalmente com uma forma de encarar o evento lingüístico. Pode ser caracteri zada fundamentalmente por dois traços: a relevância da enunciação e o papel do falante, ou melhor, a atitude do falante em relação a seu próprio texto ou, mais geralmente, a seu próprio enunciado. A con cepção que considera a enunciação um fator relevante leva em conta vários fatores, dentre os quais merecem ser mencionados como mais relevantes os seguintes. Falar não é agenciar apenas conhecimentos lingüísticos, isto é, gramaticais, mas todo um conjunto de regulações que fazem da linguagem uma forma de relação entre os membros da sociedade, que lhes impõe restrições e lhes cobra compromissos e 2. Alusão a um exemplo fornecido por um dos participantes, a quem dou o devido crédito, embora sem lembrar-me do nome. Análise do discurso:., 21 conseqüências. Da mesma maneira, entender um enunciado ou uma série deles não é apenas decodificar um conjunto de signos, mas re lacionar o que significa o enunciado dito com um contexto específi co e tirar daí conseqüências tanto em relação ao sentido do enun ciado poferido quanto em relação ao falante que se responsabiliza por sua enunciação. Neste campo, os atos de fala são o melhor exemplo. Prometer é assumir um compromisso, perguntar é colocar o ouvinte em situação diversa daquela em que estava e obrigá-lo a responder, etc. Correla- tivamente, entender que o que foi dito é uma promessa, é também poder exigir que seu autor a cumpra. Ser alvo de uma pergunta é obrigar-se a responder, etc. Assim, a língua é uma forma de ação sobre o outro e de comprometimento. Esta vertente enfoca com certo privilégio o lugar e papel do falante individual nesta ação lingüísti ca, daí porque é acusada de estar comprometidacom uma certa visão do sujeito segundo a qual, ele exerceria um controle sobre o sentido de seu discurso e escaparia, assim, às injunções da história. É possí vel que haja razões para esta crítica, mas parece que é mais adequa do criticar o tipo de concepção de sociedade que daí decone ou que é suposta. Os atos dos indivíduos aparecem sempre descritos como submetidos a regras. O que parece mais adequado é dizer que as re gras é que são um pouco diferentes ou têm outro alcance. Uma outra característica desta concepção é a tentativa de for mular um conjunto de regras para a interpretação não literal dos enunciados, seja quando a interpretação é diversa da literal, seja quando a ultrapassa. Noções como pressuposição, inferência, implí cito, implicatura e outras do gênero, povoam os escritos dos autores que se dedicam a esta forma de abordagem dos fenômenos da lin guagem. Uma terceira característica é a consideração explícita dos interlocutores e a delimitação de seu papel na interação lingüística. De alguma maneira, isso eqüivale a admitir que a mesma coisa dita por falantes diferentes pode não ter os mesmos efeitos, os mesmos sentidos. (O que é, na verdade, um luear de encontro jdas.duaa.coD- cepções de discurso que estão aqui sendo expostas,, porque na pri- meira fica claro que um sujeito só pode dizer o que lhe permite sua 22 Sirio Possenti doutrina ou_sua ideologia ou a teoria que adota e que aquilo que diz será interpretado no interior de um certo quadro. Seu discurso é re grado de fora. Aqui se verifica a mesma coisa. As regras que o su jeito precisa conhecer e cumprir não são apenas as regras lingüísti cas). Representantes típicos desta vertente assim sumariada são Benveniste e Ducrot, somados a alguns filósofos que se ocuparam de tentar encontrar regras que explicassem certos fenômenos da lin guagem ordinária, como Grice, Austin, Searle (os nomes vão aqui sem preocupação de ordená-los segundo qualquer critério e mesmo numa uniformização que é certamente grosseira. O objetivo é mais situar uma problemática que lhes está associada). Como é fácil veri ficar, a questão aqui não é se há um ou mais enunciados, se eles se relacionam de uma forma ou de outra, mas apenas se eles são efeti vamente ditos ou não, e o que significa efetivamente, dado que são ditos nas circunstâncias tais e não em tais outras. Talvez se pudesse dizer, em resumo, que a questão do discurso é esclarecer o que os enunciados efetivamente produzidos significam ou significaram, dado que foram produzidos a partir de um determi nado lugar social e estão correlacionados a determinados outros enunciados. Considerados estes fatores, percebe-se que não é possí- vef fazer deles uma análise meramente lingüística. A problemática que se instaura passa a ser, como uma das conseqüências, a necessi dade de revisar algumas noções pertencentes ao corpo das teorias lingüísticas, e reformulá-las consistentemente, para que possam fazer parte de um corpo teórico que dê conta dos enunciados, considerada sua realidade lingüística e, simultaneamente, sua realidade histórica. *** Uma última seção, breve. Só para dizer em poucas linhas e de lorma um pouco mais clara, quais são os problemas da análise do discurso. E sem sequer assinalar qualquer resposta. Parece que se pode resumir as questões às quais a análise do discurso tenta res ponder às seguintes: Análise do discurso:. 23 \ a) quem fala? J b) a quem é dirigida a fala? • c) o que significa o que foi dito? Parecem questões banais, de respostas óbvias. Mas elas ime diatamente deixam de parecer assim quando se começa pensar que alguém pode estar dizendo o que já foi dito muitas vezes; quan do se pensa no que descobriu Freud sobre os atos falhos; quando se pensa nas doutrinas às quais os falantes aderem e cujos enunciados repetem intermitentemente (e pior, às vezes de formas superficial mente diferentes, o que obriga o analista do discurso a pedir socorro à lingüística para determinar o que é que pode ser tomado como igual e obriga o lingüista a pedir socorro ao, digamos, historiador, e cada um achando que o outro tem a solução); quando se pensa no quanto enunciados historicamente datados passam por verdades ex ternas; quando se pensa no duplo ou múltiplo sentido das palavras; quando se pensa nos sentidos inesperados e indesejados que se ex traem do que se diz segundo as “melhores intenções” ; quando se pensa em quantas vezes diz-se uma coisa num lugar só porque se sa berá em outro lugar que ela foi dita (e era isso mesmo que era dese jado, mas não havendo garantia de que os resultados serão os proje tados), etc. Distinções e conceitos como locutor e enunciador, elo- cutário e destinatário, sujeito e autor, universo de discurso e con texto, leis de discurso e condições de produção, sujeito do enuncia do e sujeito da enunciação, intenção e inconsciente, ideologia, dou trina e formação discursiva, discurso e texto e outros menos votados estão sendo escoimados de sentidos indesejados e polidos e renova dos para servirem como termos de uma metalinguagem destinada a lançar um pouco de luz sobre a complexidade e variedade dos eventos lingüísticos. Tentar dizer quemfala é mexer fundo na questão do sujeito, é enredar-se numa questão que é ideologicamente muito marcada. Tentar dizer a quem se fala é de certa maneira ainda pensar a mesma questão, mas com o agravante de que, pelo menos nas civilizações em que a escrita funciona correntemente, qualquer tentativa de con trole da ação do leitor sobre um texto só pode ser feita através do 24 Sirio Possenti próprio texto, mas que é vazado numa linguagem que não é código e portanto não oierece nenhuma garantia de transparência e exatidão. Tentar dizer o que um texto significa é querer responder enfim à questão fundamental sobre a natureza da linguagem. A resposta não tem nada de óbvio, uma vez que a variedade dos fatores que atuam sobre a linguagem ou co-atuam com ela é tão grande que mal se po de sonhar em dar conta de um deles. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DO DISCURSO REFERIDO ROSANA PAULILLO Depto. de Lingüística - PUC-SP De maneira imediata, a expressão discurso referido ou discur so reportado designa, no campo da análise do discurso e das teorias da enunciação, o fenômeno em que o discurso inclui outro discurso. Em suma, todas as formas em que o fenômeno da citação pode se dar. Vê-se que no campo do discurso referido ocorre uma espécie de deslocamento em relação àquilo que parece ser a função dominante da linguagem, ou seja, aquela em que a linguagem se põe numa rela ção de representação com algo que lhe é exterior as coisas, os fatos, os acontecimentos, o mundo, enfim. No campo do discurso referido, temos a linguagem sendo mobilizada para reportar não o mundo, na sua imaginária exterioridade em relação à linguagem, mas a própria linguagem. Contrariamente ao que, à primeira vista, possa parecer, o fe- nômeno do discurso referido não é nem esporádico, nem marginal nos processos discursivos, seja nas manifestações que podemos re meter a uma tipologia padronizada (discurso científico, político, etc.), seja na discursividade cotidiana. O fenômeno do discurso refe rido recobre, numa extensão e intensidade notáveis, a discursividade humana, e ésse fãtò aponta para a realidade de que a fala é essen cialmente não um ato de um sujeito isolado que nomeia o real, mas, réplica, fala a partir de outras falas, fala que se põe como comple mento oUjContraste em relação a outras falas. Nesse sentido, a temá tica do discurso referido se liga diretamente ao campo do interdis- curso e da heterogeneidade do sujeito enunciador, ao sujeito de 26 Rosana 1‘aulillo linguagem como um ser não-uno, não-homogêneo, mas atravessado e suportado por uma multiplicidade de vozes. Nestejirtigo, apresentarei, emprimeiro lugar, o que se pode chamar de fontes históricas, no campo da Lingüística, dos trabalhos em tomo do discurso referido, ou seja, aTeoria da Enunciação de Émile Benveniste, de um lado, e a Teoria do Dialogismo de Mikhail Bakhtin, de outro. Trata-se de duas fontes de investigação que, em bora tenham se desenvolvido independentemente, chegaram a uma abordagem bastante aproximada e constituem ambas os pontos de re ferência a partir dos quais se desenvolveram os trabalhos atuais no campo da análise do discurso referido. Em segundo lugar, apresentarei de maneira sucinta alguns pro cedimentos de análise do discurso referido. Na esteira das fontes anteriormente mencionadas, alguns trabalhos se desenvolveram1 no sentido de analisar algumas correlações razoavelmente sistemáticas entre certas formas de linguagem e certos efeitos de sentido. Neste momento, portanto, estaremos às voltas com os procedimentos meto dológicos da análise do discurso referido (daqui em diante, DR). Finalmente, mencionarei algumas linhas de reflexão mais re centes, no campo da Lingüística, que a meu ver são tributárias da temática do DR, no sentido de que o aprofundamento dos estudos sobre o DR permitiu perceber que certos fenômenos que, no DR, aparecem de maneira explícita e exemplar, na verdade permeiam a linguagem como um todo. Trata-se aqui das temáticas da polifonia e da heterogeneidade da enunciação.2 I. O Discurso Reportado na Teoria da Enunciação Como se sabe, a Teoria da Enunciação de Benveniste se sus tenta na distinção entre enunciado e enunciação. Enquanto o enun ciado - o segmento de linguagem realizado - se põe como o produto 1. Maingueneau (1981); Authier (1978). 2. Authier (1982); Ducrot (1984); Maingueneau (1987). Procedimentos de análise... 27 do ato de fala, a enunciação constitui o ato mesmo, o processo que ensejou a produção do enunciado. Todo o edifício da teoria da enunciação se sustenta nessa distinção e no pressuposto, que toma tal distinção necessária, de que no limite um enunciado é ininteligí vel se dissociado do ato de enunciação em que se produziu. Para Benveniste, a língua, enquanto conjunto de unidades, é um aparelho formal. É o ato de enunciação que põe a língua em funcionamento. Nesse ato ocorre um processo de apropriação das formas da língua por parte do sujeito enunciador. Não se trata, por tanto, simplesmente de um “comportamento” , de uma ação de utili zação da língua pelo sujeito, mas de uma realização ativa, marcada pela singularidade do próprio sujeito e da situação em que a enun ciação se realiza. Nesse sentido, a enunciação é sempre situada, sin gular, histórica, portanto, é isso que faz dela um acontecimento. No ato de enunciação, q falante, ao se apropriar do aparelho formal da língua, produz simultaneamente três fenômenos construti vos da enunciação enquanto ato. Em primeiro lugar, o falante se constitui como sujeito, como o ego que enuncia3; em segundo lugar, constitui o outro diante de si, como o seu outro, seu interlocutor - e nesse sentido a enunciação é o processo que institui a interação na linguagem; e, finalmente, constitui a referência, o objeto do mundo erigido à condição de objeto de discurso, pois a condição de exis tência dos objetos no discurso é diferente de sua condição de exis tência enquanto objetos do mundo (em termos empíricos ou ontoló- gicos): no discurso, o objeto se constitui como uma construção de linguagem e é significado em função dos processos lingüísticos que entraram em jogo na sua designação. 3. Benveniste aponta mesmo que a auto-imagem de individualidade é consti tuída na linguagem: “É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de “ego” . (...) Ora, essa “subjetivi dade” , quer a apresentemos em fenomenologia ou em psicologia (...) não é mais que a emergência no ser de uma propriedade fundamental da lingua gem. Ê “ego” que diz ego”. (1958:286) 28 Rosana Paulillo Desse modo, diz Benveniste, a enunciação implica sempre a presença do sujeito no interior de seu próprio discurso4. Esse cen- tramento do discurso em relação a seu sujeito resulta do fato de que todo discurso (enquanto enunciado(s) produzido(s)) traz inscrita nele mesmo a marca da singularidade do ato de enunciação em que se produziu. Mas, como conciliar a singularidade do discurso com a gene ralidade das unidades da língua se, afinal, é da matéria destas últi mas que o discurso se tece? É nesse ponto que se explica a afirma ção de Benveniste de que a língua é um aparelho formal mobilizado ativamente pelo sujeito na enunciação. As unidades da língua em si mesmas são pura possibilidade; são virtuais, genéricas, vagas, pon tos em aberto que podem se atualizar em diferentes direções de sen tido (daí a polissemia potencial do signo lingüístico). É a enunciação que insufla as formas lingüísticas de um sentido afetivo, singular. A semantização, portanto, ocorre na enunciação.5 Na construção da teoria da enunciação, Benveniste partiu da análise de certos elementos lingüísticos que, se considerados inde pendentemente da instância de enunciação, seriam desprovidos de sentido. Trata- se dos dêiticos, elementos que marcam os sujeitos do processo enunciativo e as circunstâncias de tempo e espaço que an coram no real a enunciação (eu, você, nós, já, aqui, depois, etc.). Na perspectiva aberta pela análise das marcas de pessoa e de osten- ção (tempo e espaço), Benveniste avança para a análise do sistema de temporalidade da língua, isto é, daquela parte das formas verbais que expressam as noções de tempo. Esta análise, a meu ver a mais interessante, é a viga mestra que sustenta o conceito de planos de enunciação.6 4. “O ato individual de apropriação da língua introduz aquele que fala na sua fala (...) A presença do locutor na sua enunciação faz com que cada instân cia de discurso constitua um centro de referência interna” . (1970:82) 5. Benveniste (1969:65). 6. Benveniste (1946), (1956), (1959). Procedimentos de análise.. 29 Analisando as marcas de temporalidade, Benveniste mostra que não há uma relação direta, especular, entre o tempo lingüístico e o tempo empírico7. A hipótese de que os verbos semantizam o tempo real dos acontecimentos é uma construção que faz parte do imaginá rio dos sujeitos sobre a linguagem. As marcas de tempo dos verbos constituem, na verdade, uma temporalidade estritamente lingüística, discursiva: não são determinadas por uma relação iminentemente re ferencial com o tempo real ou empírico. Tomemos como exemplo os três tipos de pretérito em portu guês: perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito. Numa narrativa, é o sujeito enunciador quem escolhe quais acontecimentos irá marcar pelo perfeito (a-forma pontual) e quais marcará pelas formas imper- fecüvas. Do ponto de vista dos acontecimentos relatados, todos se situam na dimensão do passado enquanto tempo referencial, na me dida em que todos são anteriores e exteriores à enunciação. Assim, a escolha das formas verbais (pontuais ou imperfectivas) é determina da pelo objeto do discurso narrativo, na medida em que as formas pontuais ligam-se ao objeto narrativo por excelência, enquanto que os eventos marcados pelas formas não perfectivas remetem a um se gundo plano narrativo, a uma espécie de enquadramento da cena principal. Na realidade, somente o perfeito é um verdadeiro tempo, por que sua significação se determina pela relação de oposição.que mantém com o presente; este, por sua vez, é também um verdadeiro tempo, propriedade que adquire pelo fato de ser coincidente com o instante da enunciação8. Quanto ao futuro, esse não é um verda deiro tempo: o futuro óão tem a função de representar um tempo re ferencial posterior à enunciação, mas'marcaas expectativas, proje ções, desejos, interferências que o sujeito experimenta no presente 7. Benveniste avança algumas considerações sobre a categoria do tempo co mo uma construção da linguagem (1965). 8. Nesse sentido, nossas noções de tempo seriam construídas a partir da ex periência da singularidade da enunciação, da coincidência entre o enuncia do e o aqui-e-agora da enunciação. JO Rosana PautíUo da enunciação. O uso generalizado da forma do futuro perifrástico (vou viajar ou invés de viajarei) dá uma pista dessa ancoragem do futuro no presente. A partir da análise das marcas de têmporalidade Benveniste chegou ao conceito de planos em que a enunciação se realiza. Dis- tinguiu, em primeiro lugar, dois funcionamentos enunciativos que correspondem aos dois grandes eixos temporais - presente e passado - e chamou-os, inicialmente de discurso e história. Mais tarde, tais denominações se estabilizaram como plano do discurso (ou da enun ciação stricto sensu è plano de relato. No plano da enunciação, temos uma relação de coincidência entre enunciado e enunciação. Aí aparecem os dêiticos marcadores de pessoa (eu-tu) e de ostenção (aqui-agora) e os enunciados são va zados na forma do presente. O plano da enunciação caracteriza aqueles discursos que são totalmente ancorados na situação de enun ciação em que se produzem. No plano do relato, o presente, ao contrário, está excluído. Sem dúvida, o discurso que relata é produzido num ato de enuncia ção, mas ele não se põe em relação direta com a singularidade do ato, nem com o presente empírico que corresponde ao momento de sua produção. No plano do relato, o tempo do discurso é alheio à temporalidade da enunciação, pois o discurso relata acontecimentos passados, anteriores e exteriores à enunciação em que se produz. Es se deslocamento temporal produz a possibilidade de um desloca mento global em relação à singularidade da enunciação, dos sujeitos e da situação de enunciação, que aparecem dessa forma como alheios ao universo relatado - ocorre aqui a ausência de dêiticos, ausência de menção ao eu-outro ao aqui-e-agora do'acontecimento enunciativo. Os sujeitos do discurso aparecem então, essencialmen te, na figura da terceira pessoa, de um outro que não o enunciador ou o interlocutor. Benveniste encontrou no discurso da História um caso exem plar do plano do relato, na medida em que esse discurso se realiza Procedimentos de análise. 3 / numa espécie de grau zero da marcação enunciativa9. Não há, aqui, pistas do ato de enunciação que o produz. Sem dúvida, no discurso da História alguém fala, mas esse alguém está ausente de seu pró prio discurso - tudo se passa como se houvesse uma voz em off que relata. Sendo os acontecimentos relatados anteriores e exteriores à enunciação, o relato toma possível que o próprio fenômeno enun- ciativo seja velado, encoberto. Desse modo, o discurso da História pode aparecer como um monumento, na medida em que se põe como independente das suas condições de produção. Vale lembrar que o plano do relato é também a forma discursiva dos mitos e lendas, em que também se manifesta essa relação de exterioridade do discurso em relação ao sujeito enunciador, condição de seu efeito de sentido de perenidade, de seu “ser fora do tempo” , enquanto não determi nado pelo tempo da enunciação. Temos, assim, distinguidos os dois planos básicos em que o discurso pode se articular. No entanto, cabe observar que os discur sos efetivamente proferidos, orais e escritos, dificilmente são vaza dos num único plano. Na maioria dos casos, os diferentes planos combinam-se de diferentes maneiras na produção discursiva, e esse é um dos fatores decisivos da extrema diversidade que a discursivida de apresenta. A análise das diferentes combinatórias que entram em jogo na produção discursiva toma possível a construção de uma ti pologia do discurso (narrativa de ficção, narrativa histórica, matéria jornalística, por exemplo). A partir dessa distinção básica, Benveniste chega ao. plano, do Discurso Referido, como uma terceira possibilidade de construção: “(...) a enunciação histórica e a do discurso podem, conforme o ca so, conjugar-se num terceiro tipo de enunciação. no qual o discurso é referido em ‘termos de acontecimento e transposto para o plano 9. Tal modelo de discurso da História corresponde, talvez, mais apropriada mente, ao texto didático ou a formas positivistas de relato histórico. Barthes, num artigo intitulado justamente, O Discurso da História, realiza uma investigação das variantes em relação ao modelo canônico apontado por Benveniste. 32 Rosana Paulillo histórico; é o que comumente se chama discurso indireto” 10. A pe culiaridade do DR consiste no fato de que se trata de uma enuncia ção que inclui uma outra enunciação, de um discurso encaixado em outro discurso. O segmento de discurso reportado é, sem dúvida, enunciação, mas enunciação passada, anterior e exterior à enunciação atual, que o cita. Assim, no plano do DR, a enunciação atual relata uma outra enunciação, que adquire estatuto de acontecimento relatado. O discurso referido difere do discurso proferido', este atualiza sua situação de enunciação, consistindo na instância de realização dessa situação (mesmo se não marcada no próprio discurso, como é o caso do relato histórico); já o discurso referido 6 aquele que so brevive, para além de seu proferimento, numa outra enunciação que, assim, permite, num certo sentido, sua re-instanciação. O plano do DR nos põe em contato com um fenômeno crucial da linguagem, que é o fenômeno da multiplicidade de vozes. No DR, o lugar do enunciador se cinde em, pelo menos, duas vozes; há a voz do enunciador citante, aquele que é o responsável da enuncia ção atual, que é quem fala naquela instância de discurso; mas em al gumas seqüências esse enunciador dá lugar a outro (ou outros), põe em cena a voz de outro(s), que são os erumciadores citados. Cha mamos, assim, de discurso citante ao segmento do discurso atual onde se inscreve a voz de seu enunciador e que funciona como suporte para as outras vozes, inscritas nos segmentos de discurso citado. 11 Nem sempre é muito fácil diferenciar o escopo de cada uma das vozes que entram em cena no DR. Consideremos, a titulo de exemplo, a seqüência abaixo: a. O presidente do PMDB e da Câmara dos Deputados, Ulisses Guimarães, disse em Belo Horizonte que não assumirá a coordenação do pacto social, a sem ver m trabalho do y»* “toda a sociedade deve participar, através de suas organiza ções envolvendo trabalhadores e empresários”. Ele argu 10. Benveniste (1959:267). 11. Maingueneau (1981:99). Procedimentos de análise.. 33 mentou que vai apenas “colaborar” na solução de proble mas, na parte política, juntamente com outras foiças sociais: “Eu sou um partícipe”, frisou descartando a possibilidade de coordenar o pacto idealizado por Tancredo Neves. (...) b. Logo depois, o presidente Samey falou à imprensa, con firmando ter pedido a Ulisses que, como presidente da Aliança Democrática, fizesse uma sondagem no sentido de podermos concretizar o pacto social, para ele, “uma idéia generosa que deve ser aceita por todo o País”. Samey con firmou que Ulisses vai ajudar “e já está nos ajudando nesse sentido”. c. Ontem, ainda na capital mineira (...), Ulisses Guimarães reafirmou sua disposição de apenas figurar como “colabo rador” na montagem do pacto social. (seqüência de Planalto diz estranhar rejeição de Pazzianotto do pacto, FSP, 29.9.1985). Nessa seqüência de texto, pode-se observar que as passagens grifadas com grifo simples correspondem claramente ao escopo da voz do enunciador citante (o jornal), enquanto que as passagens não grifadas correspondem claramente à voz do enunciador citado (Ulisses, nos blocos A e C; Samey, no bloco B).No entanto os segmentos em negrito com grifo são ambíguos: não se pode determi nar com precisão qual a voz .que sustenta as palavras e os sentidos que se produzem nesses segmentos, ou seja, se a responsabilidade desses segmentos de discursos deve ser atribuída ao enunciador ci tante ou ao enunciador citado.12 12. A análise do sentido dessas seqüências levanta três possibilidades (exem plificando através da primeira delas): a) Foi Ulisses Guimarães quem disse: “A meu ver, o pacto social é um trabalho (-.)”, assumindo assim, o caráter subjetivo da enunciação; b) Ulisses teria dito: “O pacto social é um trabalho („)”; foi o enuncia dor citante que, acrescentando o inciso “a seu ver”, subjetivou uma enunciação (a de Ulisses) que, na forma de uma afirmação categórica, se pretendia objetiva. c) Ulisses não proferiu exatamente as palavras em questão; foi o enun ciador citante que pretendeu, nesse segmento, sintetizar as palavras e os sentidos do discurso original, produzindo, portanto, uma interpreta ção da fala de Ulisses. 34 Rosana Paulillo Por outro lado, a seqüência em questão nos permite observar um fenômeno no plano do DR, que é a construção de um jogo poli- fônico, onde se ouvem várias vozes. As falas de Ulisses e de Samey que, enquanto discursos proferidos, ocorreram em situações dife rentes, em tempo e espaço diferentes e que não constituíam interlo- cuções recíprocas, podem, no plano do DR ser postas em contra ponto, compondo uma estrutura analógica à dos tumos de um diálogo. Dessa forma, na seqüência analisada, se produz um efeito de 1 7sentido de contradição entre as posições das duas personagens1 , pelo mecanismo de pôr as falas em confronto, que o DR permite. 2. O Discurso Referido na Concepção do Dialogismo de Bakhtin A teoria do dialogismo de Mikhail Bakhtin constitui o segundo aporte teórico que alimentou a construção das teorias sobre o DR. Bakhtin dedica alguns capítulos de seu famoso Marxismo e Filosofia da Linguagem, à análise das formas de DR e a atenção especial que o fenômeno do DR aí recebe14, se explica na medida em que o fe nômeno do DR traz evidências à tese do dialogismo, que é a marca específica do chamado Círculo de Bakhtin.15 Para Bakhtin, o DR é por excelência o discurso de outrem (conceito central na concepção do dialogismo, em que ojüscurso é sempre algo que aponta, no interior de si mesmo, para a presença da alteridade16). Sua peculiaridade consiste no fato de que no DR o dis 13. Não importa se tal contradição, que o discurso sugere como efeito de sentido, é ou não real do ponto de vista das relações políticas - trata-se, de qualquer forma, de um sentido que é posto em circulação. Desse ponto de vista, é interessante observar que a seqüência de matéria analisada tem, como subtítulo, justamente Ulisses recusa. 14. Note-se que as formas de DR constituem o dnico fenômeno particular de linguagem a que, nesse texto, se consagra uma análise. 15. Cf.Todorov (1981). 16. Cf. Bakhtin (1975). Procedimentos de análise... 35 curso de outrem figura não como um tema, mas “em pessoa” 17. No DR, não relatamos simplesmente o conteúdo, o significado do dis curso do outro, mas o próprio discurso como um acontecimento de fala, na ressonância própria de sua materialidade significante. Pois, como observa Bakhtin, no DR, o discurso^ original conserva “(...) pelo menos sob uma forma rudimentar, a autonomia primitiva do discurso de outrem, sem o que, ele não poderia ser completa mente apreendido”.18 Para Bakhtin, a linguagem é essencialmente dialógiç# e todas as estruturas de linguagem refletem, de uma maneira ou de outra,_ o fenômeno constitutivo do diálogo que a atravessa. Nesse sentido, o sujeito, mais do que um ser falante, seria um ser “dialogante” , na medida em que o movimento da linguagem pressupõe uma dinâmica reflexiva, interativa. O fenômeno do diálogo aponta, para Bakhtin, para o fato de que o que caracteriza o sujeito nessa natureza de ser “dialogante” é a reação ativa à palavra do outro. A fala do outro, a que o sujeito está necessariamente exposto, provoca no sujeito um movimento de recepção ativa, produz uma jpreciacão. fesse proces- so, constitutivo do diálogo, se realiza fundamentalmente como dis curso interno, fenômeno psíquico, não diretamente observável19. No entanto, as formas pelas quais se dá a reação ativa ao discurso do outro se manifestam, ganhando um certo grau de expressão estrutu ral, na situação empírica de diálogo, na medida em que a alternância dos turnos de fala, na interação dialógica, dá indício das formas des sa apreciação. 17. “Mas o discurso de outrem constitui mais do que o tema do discurso; ele pode entrar no discurso e na sua construção sintática, por assim dizer, “em pessoa” , como uma unidade integral da construção”. Bakhtin (1977:130). 18. Bakhtin (1978:131). 19. “Como na realidade, apreendemos o discurso de outrem? Como o recep tor experimenta a enunciação de outrem na sua consciência, que se ex prime por meio do discurso ativamente absorvido pela consciência e qual a influência que ele tem sobre a orientação das palavras que o receptor pronunciará em seguida? Encontramos justamente nas formas do discurso citado um documento objetivo que esclarece esse problema”. Bakhtin • (1977:132). 36 Rosana Paulillo Ora, o DR, para Bakhtin, guarda relações estreitas com a alter- nância dialógica, na medida em que envolve uma interação entre discurso citante e discurso citado. Porém, se no diálogo os diferentes turnos são estruturalmente independentes, cada qual constituindo uma unidade sintática independente, o mesmo não se dá no DR. Aqui, os diferentes segmentos, correspondentes às diferentes falas, estão integralizados numa estrutura sintática global. O DR, portanto, integraliza, no plano da construção sintática, aqueles segmentos que, no diálogo, guardam configuração sintática específica. É justamente por_essa característica que as formas pelas quais se realiza o DR refletem, segundo Bakhtin, mais expressivamente, os movimentos nos quais se dá a apreciação da palavra do outro. E essas formas, procedimentos estilísticos, digamos que caracterizam a realização do DR, refletem aquelas tendências básicas e constantes da recepção ativa à palavra do outro, ou seja aqueles aspectos da re cepção ativa que, sendo socialmente mais relevantes, são justamente os que se cristalizam, ganhando expressão nas formas lingüísticas: o mecanismo desse processo não se situa na alma individual, mas na sociedade, que escolhe e gramaticaliza - isto é, associa ás estruturas gramaticais da lfngua - apenas os aspectos da apreensão ativa, apreciativa, da enunciação de outrem em que são socialmente pertinentes e constantes (...).20 Além de integrar essas diferentes falas que estão em interlocu- Ção, um outro aspecto importante do DR, segundo Bakhtin, é que, enquanto discurso, o DR põe em jogo uma terceira pessoa, seu in terlocutor, o receptor que visa. Assim, se o diálogo em si mesmo aparece como dual, o DR, organizando e integrando os segmentos de discurso citante e de discurso citado numa configuração sintática uma, orienta-se, por sua vez, para uma terceira pessoa. Isso aponta para o fato de que, no limite, não há no diálogo somente um “eu” e seu “tu” , pois na fala desse “eu” muitas outras falas se falam. 20. Bakhtin (1977:132). Procedimentos de análise.., 37 Quanto aos diferentes procedimentos lingüfsticos de constru ção do DR, aqueles que a tradição classificou como discurso direto, discurso indireto e discurso indireto livre, trata-se, diz Bakhtin, de variantes de construção sintática do DR. que a língua cristalizou e põe à disposição dos falantes. Tais formas, como se viu, refletem tendências historicamente consolidadas da apreensão do discurso de outrem. Bakhtin chama-as de esquemas,na medida em que consti tuem formas fixas de transmissão do discurso. Esses esquemas, por sua vez, exercem uma influência não só na reprodução das tendên cias de apreciação já cristalizadas, mas atuam sobre o processo de desenvolvimento de novas tendências de apreciaçânr regulando-as, estimulando-as ou mesmo inibindo a emergência dessas novas ten dências. Os esquemas constituem, de qualquer maneira, a organiza ção e expressão simbólica dos processos de recepção ativa do dis curso do outro. Do ponto de vista da análise das formas de DR, o que importa é que tais formas, na medida em que se cristalizam como estruturas significantes, estão correlacionadas a determinados efeitos de senti do. O estudo dos processos de construção do DR consiste, portanto, numa espécie de catalogação dessas formas e de seus respectivos efeitos de sentido, tal como se realizam e se mostram na prática efe tiva de linguagem dos sujeitos. 3. Procedimentos de Análise 3.1. O Discurso Direto O discurso direto corresponde àquela forma de DR que pode mos chamar de “citação literal” . Ao recorrer à forma do discurso di reto, o DR produz, como efeito de sentido, o compromisso da enun- çiação citante de estar reproduzindo à letra o discurso citado. Essa citação ipsis litteris faz com que o discurso direto seja a forma de DR onde se dá o maior grau de autonomia do discurso ci tado em relação ao discurso citante. Aqui, os campos enunciativos 38 Rosana Paulillo están rlaramfinte separados, aque garante ao discurso citado a pre servação de sua autonomia sintático-semântica, embora figure como um segmento no interior de uma enunciação outra: João me disse ontém no Rio: “Estou feliz por partir amanhã daqui.” Vê-se que, no discurso direto, as marcas de enunciação (dêiti cos) do discurso citado se preservam^ remetem à instância de enun ciação original (a primeira pessoa, as marcas de tempo e lugar do discurso citado se interpretam não em relação ao escopo da enuncia ção atual, mas em relação ao escopo daquela enunciação que é indi cada pela citação). No discurso direto, a materialidade signifieante do discurso citado se põe como coincidente com a do discurso original. Nesse sentido, o discurso direto aparece como um ecoar do discurso do outro, que se preserva como um todo unissonante. Em conseqüência disso, o discurso direto envolve, como efeito de sentido, uma nítida separação dos campos de subjetividade dos discursos citante e cita do: as diferentes vozes aí presentes não se misturam. É por isso que, no discurso direto, os verbos introdutores (que introduzem o discurso citado) só podem ser verbos neutros, como dizer, por exemplo, ou verbos locucionários, como gritar, sus surrar, etc.: Ele disse: Estou feliz agora. Ele gritou: Estou feliz agora! Verbos neutros, como dizer, falar, limitam-se a introduzir o fato da fala, sem interpretar a intencionalidade comunicativa com que esta foi proferida (como concluir, etc.21). Verbos locucionários descrevem as características do ato físico do proferimento. 21. O uso desses verbos aponta para uma interpretação do enunciador citante em relação ao discurso citado, envolvendo portanto, uma incursão da subjetividade da enunciação citante sobre a enuncição citada. Procedimentos de análise.., 39 Essa separação nítida entre os campos da enunciação citante e da enunciação citada favorecem a que o discurso direto apareça co mo um monumento, como algo que se dá como um bloco à aprecia ção. Isto produz, como efeito de sentido, uma atitude de distancia mento do discurso citante em relação ao discurso citado. Tal distan ciamento pode apontar na direção de uma adesão respeituosa, con templativa (como ocorre no discurso religioso, por exemplo22), mas pode também apontar na direção de um distanciamento crítico, de uma recusa à adesão (como se dá no discurso polêmico). Ao se utilizar do procedimento do discurso direto, o enuncia- dor citante pode ter como propósito salientar p dito ou o dizer do discurso citado23. Na citação de um provérbio, por exemplo, o ob jetivo é salientar o dito, mesmo porque o enunciado do provérbio é sempre alegórico em relação ao acontecimento que rotula. Já no dis curso polêmico, o discurso direto tem como função fazer salientar-se o dizer do enunciador citado que, como alvo da crítica do enuncia- dor citante, tem sua voz, num primeiro nível, respeitada, para, num segundo nível, vir a ser desqualificada.24 3.2. O Discurso Indireto Diferentemente do discurso direto, que realiza uma espécie de descrição do discurso do outro, no discurso indireto o discurso cita do aparece transformado pela enunciação citante. Ocorre uma incur são do campo do discurso citante sobre o campo do discurso citado; conseqüentemente, o discurso indireto não envolve o compromisso da preservação da letra do discurso citado. 22. O discurso religioso se utiliza exclusivamente da forma do discurso di reto. 23. A diferença entre o dito e o dizer corresponde à diferença semântica en tre o que é dito, enquanto conteúdo semântico referencial do discurso e o(s) modo(s) de dizer, que poduzem diferentes efeitos de sentido. 24. Considere-se a notação “(sic)” , como uma indicação retórica suplemen tar, dessa atitude. 40 Rosana Paulillo No discurso indireto, o discurso citado sofre uma transforma ção, ao nível de sua materialidade significante, para se integrar à enunciação citante. Por isso, a forma clássica do discurso indireto é aquela onde o enunciado citado entra no campo do discurso, citante como uma sentença encaixada, introduzida por um conectivo: Ele me disse que você sabia de tudo. O segmento grifado, correspondente à seqüência em discurso indireto, mostra como o enunciado citado integrou-se ao ambiente sintático do discurso citante (“ele me disse que”), transformando-se para aí se encaixar. O enunciado originalmente proferido pelo enun ciador citado não tinha, está claro, exatamente esta formulação (seria algo como “Fulano sabe de tudo”). Portanto, as marcas de enuncia ção (tempo, pessoa) do discurso citado são “traduzidas” , digamos, para o contexto da enunciação citante.. Essa absorção da enunciação citada no campo da enunciação citante indica que, no discurso indireto, é a voz citante quem co manda o processo. No discurso indireto, não há uma delimitação ní tida de territórios enunciativos, como ocorre no discurso direto, pois a enunciação citante atua sobre a citada, interpreta-a, analisa-a. Bakhtin observava que o discurso indireto tem uma função analítica, marca uma atitude analítica na apreciação da fala do outro, e situava seu aparecimento, para algumas línguas européias, na época da Re nascença. Em função da homogeneização da enunciação citada em rela ção à enunciação citante, ocorre uma espécie de sobreposição, onde a delimitação do escopo de cada uma das vozes é mais atenuada e, não raro, ambígua. E a voz do enunciador citante que tem saliência aqui: o discurso do outro sobrevive no DR redito pela voz do enun ciador citante. Uma característica importante do discurso indireto é o uso de verbos introdutores que interpretam a intenção comunicativa com que o discurso citado teria sido proferido. Verbos como afirmar, confirmar, argumentar, alegar, por exemplo, são comuns aqui. Procedimentos de análise... 41 Ocorrem também, como introdutores, verbos que acarretam a pres suposição de verdade ou falsidade, por exemplo: Ele demonstrou que o documento foi adulterado onde o enunciador citante realiza uma apreciação da fala do outro interpretando-lhe a intenção comunicativa (pretensão de provar algo) e admitindo, simultaneamente, a validade dessa pretensão, isto é, as sumindo, na sua apreciação, que o que disse o outro era verdadeiro. No discurso indireto pode-se também salientar ou o dito ou o dizer do discursocitado (embora, nesse caso, a ênfase sobre o dizer seja sempre menos acentuada, dada a transformação da letra do dis curso citado). Em geral, a fórmula clássica. X dizer que... com verbo introdutor e encaixamento sintático do enunciado citado, está mais ligada à ênfase no dizer. Já o uso de incisos: Segundo X ,... De acordo com X ,... presta-se mais. à ênfase no dito, em que o discurso do outro é forte mente parafraseado, sintetizado pelo enunciador citante. Essas características formais do discurso indireto envolvem al gumas exclusões. Não é possível reportar em discurso indireto um enunciado em língua estrangeira, já que não se pode homogeneizar numa mesma estrutura sintática segmentos de línguas diferentes. Também não se pode reportar em discurso indireto segmentos meno res que um enunciado, palavras, sintagmas, expressões inteijeitivas, por exemplo: Ele me disse que meu Deus! (?) mas usa-se, nesses casos, a forma do discurso direto: César disse: “Alea jacta est.” Ele disse: “Meu Deus!” 42 Rosana Paulillo Da mesma forma, elementos expressivos da fala do outro não podem figurar como tal no discurso indireto: João disse que foi enganado por aquele imbecil do Júlio. A presença do sintagma “aquele imbecil do” , um elemento ex pressivo, nessa seqüência de discurso reportado envolve duas possi bilidades de análise: ou “aquele imbecü do” é um comentário do enunciador citante sobre “Júlio” , mencionado na fala do enunciador citado; ou foi o próprio enunciador citado quem se referiu a Júlio chamando-o “aquele imbecil” . Somente na primeira hipótese a se qüência em questão corresponde a um caso de discurso indireto. Na segunda hipótese, em que o elemento expressivo provém diretamente da fala do enunciador citado, estaríamos diante de um caso de dis curso indireto livre. 3.3. Discurso Indireto Livre O discurso indireto livre é um procedimento praticamente ex cluído do texto escrito não ficcional, mas, ao contrário, seu uso é extensivo na linguagem cotidiana, oral e, conseqüentemente, é uma presença forte no texto literário. Constitui uma espécie de fusão dos dois procedimentos ante riores, pondo em jogo, simultaneamente, ambas as estratégias25. Em geral, conjeça-se com as estratégias de discurso indireto e, no decor rer da enunciação citada, desliza-se para a mimetização da fala do outro. Nesse sentido, o discurso indireto livre envolve uma fusão das subjetividades enunciantes, uma mistura de vozes, uma carnava- 25. Numa seqüência textual de DR, é comum ocorrer a alternância entre pro cedimentos de discurso direto e indireto: reporta-se certa enunciação em discurso direto, outra em discurso indireto. Isto não se confunde com o discurso indireto livre, onde a fusão dos procedimentos se dá no interior de um mesmo segmento de enunciação citada. Procedimentos de análise... 43 lização, e implica a perda da atitude analítica, distanciada, típica do discurso indireto. Por essa razão, seu uso está excluído dos textos não ficcionais. Nesta seqüência extraída de Estorvo26, temos um exemplo de discurso indireto livre, em que o narrador-personagem, ao reportar, no texto, a fala da irmã, mimetiza fragmentos da fala do enunciador citado: (...) minha irmã ergue o rosto e pergunta se não tenho visitado mamãe. Diz que mamãe tem andado tão sozinha, nem empre gada ela quer, só tem uma diarista que às terças e quintas vai lá, mas diarista mamãe acha que não é companhia. O ideal se ria contratar uma enfermeira, mas enfermeira mamãe acha que cria logo muita intimidade, e qualquer hora mamãe pode levar um tombo, porque anda enxergando cada vez pior (...) 4. Outros Processos Ligados ao Fenômeno do DR Há fenômenos de linguagem onde a presença do discurso do outro não é explicitado, como no DR, mas indicada, aludida, mos trada de maneira indireta. De qualquer forma, como o DR, implicam a presença de outra(s) voz(es), além do enunciador em questão. 4.1. Colocação Entre Aspas O aspeamento é um fenômeno específico quando ocorre sobre um elemento lexical - palavra, expressão27. Nesse caso, o uso das aspas, indica que o enunciador, embora use em sua enunciação aquela palavra, sinaliza o fato de que tal palavra provém de outro(s) discurso(s), marca a presença, assim, da alteridade no interior de seu próprio enunciado. 26. Chico Buarque (1991), Companhia das Letras. 27. Quando incide sobre um enunciado, é uma convenção gráfica da citação em discurso direto. 44 Rosana Paulillo A colocação entre aspas de palavras de língua estrangeira, elementos de gíria, são um exemplo desse procedimento. Quando se coloca entre aspas palavras ou expressões que correspondem a con- ceituações, nomenclaturas, qualificações, além de indicar aí a pre sença de uma outra voz, o enunciador marca também aí sua não coincidência com tal modo de dizer: nesse caso, no momento mesmo em que usa a palavra, o enunciador mostra que não adere a ela, por exemplo: A “modernização” do país que o governo pretende... Produz-se, nesse caso, um distanciamento crítico do enuncia dor em relação ao dizer do outro, onde tal elemento ocorre natural mente, não aspeado. Esse recurso da escrita corresponde, na lingua gem oral, a uma operação de destaque do elemento distanciado atra vés de uma anotação diferenciada. 4.2. Condicional Certos usos do condicional, não ligados ao processo de ra ciocínio inferencial (formulação de uma hipótese e sua possível conseqüência), funcionam para pôr em jogo um enunciado outro, que aponta para a presença de outras vozes, outros discursos, por exemplo: O incêndio teria sido provocado por um curto-circuito. O uso do condicional é suficiente para sinalizar que, nessa enunciação, o sujeito não assume, não adere totalmente ao enuncia do produzido, mas que está reportando, num certo sentido, outras falas — tem-se, então, um vestígio de uma outra voz, que seria o su porte da forma afirmativa do enunciado. Aqui, também, ocorre o efeito de distanciamento, que pode ir desde o não compromisso (com a forma assertiva do enunciado) até Procedimentos de análise. 45 a recusa crítica, sob a capa da ironia, da verdade do enunciado afir mativo ao qual o condicional alude. 4.3. Indicadores Genéricos Há certos embreadores que permitem atribuir a uma voz gené rica, não identificada (real ou imaginária) o enunciado posto em jo go na enunciação. Dizem que... Diz que... Parece que... Da mesma torma, tem-se aqui a menção a discursos outros; ou, pelo menos, projeta-se o escopo do enunciado em questão para além do campo da enunciação atual. 4.4. Provérbio À primeira vista, a enunciação do provérbio parece um caso de discurso direto. Porém duas peculiaridades recomendam a conside ração do provérbio como um caso singular. O enunciador de um provérbio está na posição de quem cita palavras outras, já proferidas, já realizadas em outras falas que não a sua e nisso a enunciação do provérbio coincide com o procedimento do discurso direto. Porém, ao contrário do que ocorre no discurso direto, o enunciador citado, no provérbio, não é nem identificado, nem individualizado. O provérbio não remete à figura de um enun- ciador original, mas à humanidade, ao senso comum, ao bom-senso. Além disso, e diferentemente do que ocorre com o discurso di reto, na enunciação do provérbio o enunciador citante adere total mente ao enunciado citado, assume a validade do enunciado citado. 46 Rosana Paulillo De qualquer forma, enunciar um provérbio implica sempre mencio nar outras vozes, outras falas, além da sua própria. 5. Desenvolvimentos Ulteriores As reflexões em tomo do fenômeno do DR ensejaram, de uma torma ou de outra, a construção de teorias da linguagem e do discur so onde a presença da alteridade no interior do discurso é vista como um fenômeno global,
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