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240080324 Analise Do Discurso Politico

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Prévia do material em texto

ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO
ab ord agen s
Sirio Possenti 
Rosana Paulillo 
Egon de Oliveira Rangel 
J.A. Guilhon Albuquerque 
Maria Tereza Aina Sadek 
Bolívar Lamounier
Vera Chaia 
Paulo-Edgar Resende 
Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida
(Organizadores)
edwe
ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO
a b o rd a g e n s
Esta obra foi publicada 
com o apoio da
FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA 
DO ESTADO DE SÃO PAULO - FAPESP
(Processo 94/2950-3)
ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO
ab o rd a g e n s
EDUC - Editora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Reitor. Antonio Carlos Caruso Ronca 
Vice-Reitor Acadêmico: Fernando José de 
Almeida
Conselho Editorial: Ana Maria Rapassi, 
Fernando José de Almeida (Presidente), 
Bemardette A. Gatti, Lúcia Santaella, Sylvia 
Helena Souza da Silva, Maria do Carmo 
Guedes, Maura Pardini Bicudo Veras, 
Onésimo de Oliveira Cardoso, Ricardo 
Augusto de Miranda Cadaval, Scipione de 
Pierro Neto, Teresa Celina de Arruda Alvim 
Pinto.
Sirio Possenti 
Rosana Paulillo 
Egon de O liveira Rangel 
J.A. Gu ilhon d e A lbuque rque 
M aria Tereza A ina sadek 
Bolívar Lam ounier
ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO:
a b o rd ag en s
São Paulo 
1993
Catalogação na Fonte - Biblioteca Central/PUC-SP
Análise do discurso político: abordagens/orgs. Lúcio Flávio Rodrigues 
de Almeida, Paulo Resende, Vera C haia.- São Paulo: EDUC, 1993.
110p.; 23 cm. - (Coleção Eventos)
ISBN 85-283-0060-9
I. Análise do discurso. I. Almeida, Lúcio Flávio Rodrigues de.
II. Resende, Paulo-Edgar Almeida. III. Chaia, Vera. IV. Série.
V. Título.
CDD 415
Série Eventos 
Produção
F.veline BouteiUer Kavakama 
Composição
F.laine Cristine Fernandes da Silva 
Revisão
Berenice Haddad Aguerre 
Capa
Luiz Orlando Caracciolo
EDUC - Editora da PUC-SP 
Diretora
Maria do Carmo Guedes
Rua Monte Alegre, 984 
05014-001 - São Paulo — SP 
Fone: (011) 873-3359 
Fax: (011) 62-4920
SUMÁRIO
7 APRESENTAÇÃO
11 ANÁLISE DO DISCURSO: UMA COMPLICAÇÃO 
DO ÓBVIO?
Sirio Possenti
25 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE 
DO DISCURSO REFERIDO 
Rosana Paulillo
49 A ANÁLISE DE DISCURSO: ENTRE AS CONDIÇÕES 
DE PRODUÇÃO E A SUPERFÍCIE DISCURSIVA 
Egon de Oliveira Rangel
71 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS 
DA ANÁLISE DE DISCURSO 
José Augusto Guilhon de Albuquerque
81 DISCURSO POLÍTICO: NOTAS PARA UM DEBATE 
Maria Tereza Aina Sadek
93 NOVAS FORMAS DO DEBATE DEMOCRÁTICO 
Bolívar Lamounier
APRESENTAÇÃO
O Departamento de Política da Faculdade de Ciências Sociais 
da PUC-SP implantou, em 1989, o Núcleo de Memória Política Bra­
sileira. A prioridade inicial do Núcleo foi contribuir, ao lado de ou­
tras instituições de pesquisa, para o estudo ampliado do Poder Le­
gislativo no Brasil, no nível do Congresso Nacional, das Assem­
bléias Legislativas e das Câmaras Municipais.
Como primeira atividade do Núcleo, realizamos um ciclo de 
conferências no qual foram debatidas questões referentes aos proce­
dimentos metodológicos de análise de discurso e pesquisas que fize­
ram uso dessas metodologias.
Ao organizarmos esse ciclo de conferências tivemos a preocu­
pação de convidar especialistas nas áreas de Lingüística e Ciência 
Política. Os textos desta coletânea expressam a importância da análi­
se de discurso feita de modo interdisciplinar, visando a compreensão 
do fenômeno social de maneira mais abrangente.
Em “Análise do Discurso: Uma Complicação do Óbvio?”, Sirio 
Possenti procura eliminar, de forma segura e bem humorada, lugares 
comuns que produzem a ilusão de uma extrema facilidade dos pro­
blemas que se colocam para esta “disciplina”. A análise do discurso 
não é um campo perfeitamente delimitado de cientifícidade, nem 
possui a chave para a solução de todos os problemas que permane­
cem insolúveis no interior do universo caótico das ciências humanas.
Ao contrário, insistindo em que se trata de um campo vago e 
complexo, Possenti expõe alguns supostos consensuais, assim como 
as distinções entre as principais vertentes que se constituem neste 
elenco de procedimentos de análise, aos quais o autor, longe de 
contemplar com um pleno estatuto de cientifícidade, prefere reservar 
um “lugar de crítica” , similar, sob vários aspectos, aos que Foucault 
atribui à psicanálise e à etnologia.
8 Apresentação
O artigo “Procedimentos de Análise do Discurso Referido” de 
Rosana Paulillo se defronta com o discurso que inclui outro discur­
so, isto é, todas as formas em que a citação se verifica. Não se trata 
do discurso que representa uma realidade exterior, mas que reporta: 
é a linguagem em relação à linguagem. Nos processos discursivos, a 
fala dificilmente é ato de sujeito isolado, que nomeia o real, mas re­
plica, fala a partir de outras falas, que se põe como complemento ou 
contraste em relação a outras falas. A temática do discurso referido 
se liga, portanto, ao campo do interdiscurso e da heterogeneidade do 
sujeito enunciador, atravessado pela multiplicidade de vozes.
A autora apresenta, em primeiro lugar, como referência históri­
ca do trabalho atual de análise do discurso referido, a teoria da 
enunciação de Émile Benveniste e a teoria do dialogismo de Mikhail 
Bakhtin. Em segundo lugar, a autora apresenta procedimentos de 
análise de discurso nos quais se correlacionam formas de linguagem 
e efeitos de sentido.
Ao longo das reflexões que desenvolve em seu “A Análise de 
Discurso: Entre as Condições de Produção e a Superfície Discursi­
va”, Egon Rangel revela a complexidade das teorizações acerca des­
ses dois aspectos do discurso, bem como das relações entre eles. Pa­
ra isso o autor se reporta ao exame que efetuou, em sua pesquisa, do 
Diário Completo, de Lúcio Cardoso, e de um manual de sexologia. 
Por outro lado, recorre a uma rica bibliografia teórica.
Quando Egon Rangel, após examinar dois níveis das condições 
de produção do discurso (formação ideológica ou discursiva e con­
texto imediato de enunciação), recorre ao conceito de “ordem dis­
cursiva”, o resultado do cotejo daqueles materiais lingüísticos tão 
díspares toma-se, ao mesmo tempo, surpreendente e elucidativo.
José Augusto Guilhon de Albuquerque, em “Pressupostos Teó­
ricos e Metodológicos da Análise de Discurso”, situa a análise do 
discurso na longa tradição de reflexão sobre o pensamento. Duas 
questões fundamentais se apresentam: a dinâmica interna do pensa­
mento e seus efeitos de conhecimento e convencimento.
A preocupação é com as representações do sujeito, com o que 
ele diz, e não com o que ele quer dizer ou deveria dizer. O discurso
Apresentação 9
representa e não retrata a realidade. Descarta-se qualquer hierarquia 
entre discursos para a verificação da verdade, ou sua interpretação. 
Conseqüência técnica desta concepção é a identificação do sujeito 
do discurso e de seu objeto. Ao ser eliminada a separação entre su­
jeito e discurso, este passa a ser a representação da realidade pelo 
sujeito.
O artigo “Discurso Político: Notas Para Um Debate” , de Maria 
Tereza Aina Sadek, analisa os “... espaços ocupados pelo discurso 
político e seus conseqüentes desdobramentos nas concepções sobre a 
vida política” . A autora identifica três modelos que orientam e dão 
significado aos discursos políticos: o modelo idealista-ateniense, o 
ético-normativo e o realista. Após analisar esses modelos, conclui 
que apesar de ter ocorrido alterações sócio-economicas e políticas, o 
discurso dos anos 20 e 30 ainda é atual na sociedade brasileira con­
temporânea.
Bolívar Lamounier, em “Novas Formas do Debate Democráti­
co” , aponta a revalorização de estudos sobre o pensamento político 
brasileiro, detectando três fases neste desenvolvimento: a construção 
do Estado, a questão da industrialização e autonomia nacional, e a 
terceira fase centrada na questão democrática.
Conforme o autor, a preocupaçãocom a democracia se encon­
tra presente nas obras de Sérgio Buarque de Holanda e Victor Nunes 
Leal, porém, somente nos meados dos anos 70 é que a questão de­
mocrática aparecerá como um ‘arcabouço político-institucional’, ten­
do em vista consolidar a democracia no Brasil. Lembra, no entanto, 
que permanece a tensão entre os conceitos institucional e substanti­
vo da democracia e na sua avaliação a história dessa tensão deve ser 
analisada pela área do discurso político.
A utilização pelos articulistas de instrumental teórico e meto­
dológico adequado para análise de discurso, com ênfase na interdis- 
ciplinaridade, é contribuição valiosa para a compreensão da dinâmi­
ca de momentos políticos específicos da sociedade brasileira.
Os organizadores.
ANÁLISE DO DISCURSO: UMA COMPLICAÇÃO DO ÓBVIO?1
SIRIO POSSENTI 
IE L -U N IC A M P
Há dois grupos aos quais não é fácil tentar dizer o que seja 
análise do discurso, em pouco tempo. Um é o dos lingüistas, porque 
em princípio são eles que detêm as melhores e mais consistentes ex­
plicações de fenômenos da linguagem, e a análise do discurso lhes 
soa como, no mínimo, uma invasão de terreno. Mais do que isso, ela 
lhes aparece como reintroduzindo questões pertinentes, algumas das 
que mais claramente foram excluídas desta disciplina pelos seus mo­
dernos fundadores. Neste sentido, a análise do discurso parece um 
pouco uma nova filologia ou uma nova retórica, a depender da sa­
liência menor ou maior de certas questões em análise. É preciso que 
o analista do discurso se municie de bons argumentos e arranje uma 
boa estratégia (e às vezes refinadas táticas) para que consiga não 
criar um rival ou não ouça, em troca de sua laboriosa argumentação, 
alguma grosseira resposta do tipo “isto confunde campos” , “isto 
não tem objetividade” , “isto é sociologia” , “isto não corre o risco de 
ser uma semi-lingüística e uma semi-história?” , etc. É necessário di­
zer, a bem da verdade, que, se os lingüistas não têm razão, não dei­
xam de ter algumas razões para comentários do gênero. E isto pode 
depender menos do profeta da nova disciplina do que das condições 
mesmas desta disciplina, isto é, de algumas de suas características.
1. Texto elaborado a partir de anotações utilizadas para uma conferência em 
que se solicitava que o autor “explicasse” para “ leigos” o que é a análise 
do discurso. O autor não tem certeza de ter cumprido a missão que acei­
tou, se bem que acredita mais no que disse então do que nisso que poste­
riormente escreveu.
12 Sirio Possenti
Um outro grupo a quem não é fácil expor os fundamentos e as 
principais linhas da análise do discurso é o que aqui está representa­
do por vocês: os cientistas políticos ou, mais genericamente, os 
cientistas sociais. Por várias razões, a principal das quais é que, de 
feto, alguns dos trabalhos da análise do discurso se confundem e se 
fundem com o das ciências sociais. Se for verdade o que diz Robin, 
uma das razões pelas quais a análise do discurso surgiu e se firmou 
relativamente foi a solicitação de historiadores (e logo de outros 
cientistas sociais) para ajudá-los a responder perguntas do tipo “co­
mo ler e entender textos?”, para as quais eles imaginavam que a lin­
güística poderia ter respostas. Campos como a lingüística e outros 
das ciências sociais se aproximaram, acabaram contribuindo com 
partes relevantes e acopláveis e formaram, de certa forma, este que é 
para alguns um novo campo e para outros uma junção adequada e 
fértil de campos de trabalho já sedimentados, com objetos e métodos 
específicos. Explicar o que é análise do discurso para cientistas po­
líticos é de certa forma difícil porque, se se enfatizar o lado lingüís­
tico, pode-se dar a entender que as utilizações imediatas podem ser 
de pouca monta. Se se enfatizar o lado social, histórico, ideológico, 
etc. da análise do discurso, corre-se o risco de querer ensinar o pa­
dre-nosso ao vigário.
Algumas caracterizações fáceis da análise do discurso merecem 
ser afastadas de imediato, sob pena de se obscurecer ainda mais o 
campo. Em primeiro lugar, uma certa fé, encontrável em alguns cír­
culos e numa certa bibliografia, segundo a qual se descobriu enfim 
um lugar de efetiva solução dos verdadeiros problemas. Este lugar 
seria a análise do discurso. Assiste-se por vezes a arroubos de cará­
ter religioso em relação ao novo campo, que teria dogmas e santos 
intocáveis. Característica das novas disciplinas, certamente, porque 
não conseguiram ainda unanimidade em relação a seu direito de 
existência. E dos novos adeptos, que repetem slogans com a certeza 
que só uma certa ignorância pode garantir. Penso que a análise do 
discurso não ganha muito com este tipo fácil de reconhecimento, 
podendo fazer melhor seu papel se permanecer como uma espécie de 
lugar de crítica, como os ocupados, segundo Michel Foucault, pela
Análise do discurso:. 13
psicanálise e pela etnologia, com as quais partilha, aliás, pelo menos 
em algumas versões, de certas características.
A segunda caracterização fácil e superficial que não merece 
atenção séria é a que despreza contribuições próprias dos campos 
envolvidos, sejam elas as oriundas da lingüística ou as de outras dis­
ciplinas. O mais comum é que se valorize mais a contribuição de um 
dos campos apenas, o que pode levar a perdas na análise. O bom 
senso parece indicar que as várias disciplinas envolvidas têm contri­
buições relevantes, e o destaque maior ou menor de cada uma delas 
depende muito mais dos objetivos da análise (e da competência es­
pecífica do analista) do que propriamente do objeto a ser analisado.
Por outro lado, a análise do discurso exerce um fascínio sobre 
todo o estudioso que se interessa pelo campo, muito mais facilmente, 
por exemplo, que a história, a sociologia ou a lingüística. Se o inte­
ressado não for muito cuidadoso, poderá surpreender-se em pouco 
tempo a ejacular uma certa terminologia da moda diante de qualquer 
situação excitante, seja ela uma oportunidade de passar por pratica­
mente de um tipo de conhecimento engajado, seja pela facilidade, 
que a nova disciplina parece superficialmente propiciar, de poder 
falar simultaneamente e com autoridade de mais de um campo de 
conhecimento. É relativamente comum em iniciantes na arte falarem 
como profundos conhecedores de temas psicanalíticos, históricos, 
filosóficos, com a voracidade e simplificação dos ledores de orelhas.
Uma atitude recomendável e saudável neste domínio é uma boa 
dose de ceticismo. Afinal, se nunca houve campo fácil de conheci­
mento e se os problemas são complexos em cada domínio, por que 
se haveria de esperar o contrário de um tipo de abordagem à primei­
ra vista mais complexo, visto que opera simultaneamente em mais de 
um campo e sem abandonar a priori nenhum dos problemas rele­
vantes de cada um deles? Se o milagre é muito grande, o santo a ser 
invocado é São Tomé.
Uma das formas de se evitar uma certa euforia ingênua é mos­
trar o quanto o campo é vago e complexo, o quanto cada discurso 
sobre a análise do discurso pode ser diferente de outro. De certa 
maneira, dizèr isto aqui significa dizer-lhes que talvez não devam
14 Sirio Hossenti
esperar tanto da análise do discurso para solucionar os problemas 
que vão encontrar na realização de seu projeto.
A melhor maneira de mostrar que o campo da análise do dis­
curso é vago e confuso é analisar, ainda que intuitivamente, a pró­
pria expressão “análise do discurso”. Para isso é preciso dizer, antes 
de mais nada, que ler um texto, qualquer que seja sua dimensão, é 
mais do que decodificar, e que, portanto, uma língua não pode ser 
Concebida como um código. Suponhamos que a expressão “análise 
do discurso” ocorra numa expressão mais complexa do tipo “a aná­
lise do discurso amplia os horizontes da lingüística”. O sintagma 
“análise do discurso”, para aparecer nesta posição da frase,deve 
obedecer a algumas condições. Há as propriamente gramaticais, que 
não vou mencionar, mas cuja existência não pode ser esquecida. Das 
não estritamente gramaticais, é relevante mencionar pelo menos 
duas. É preciso que o locutor aceite que a análise do discurso existe, 
da mesma forma que se aceita ou pressupõe a existência de alguém 
chamado “Joaquim” quando se diz algo como “Joaquim morreu na 
torca” . Isto é, utilizar a expressão “análise do discurso” efetiva­
mente numa situação real significa, entre outras coisas, admitir que 
existe alguma coisa que este nome denota. Como “análise do discur­
so” é uma expressão complexa, não um mero nome, ela mesma tem 
uma análise interna que pode ser assim sumariada: se existe “análise 
do discurso” , existência pressuposta pela enunciação da expressão, 
então também se pressupõe a existência de um objeto chamado “dis­
curso”. Se há a análise de um objeto, este mesmo objeto suposta­
mente existe. Esta expressão se toma óbvia do ponto de vista das 
relações semânticas internas, isto é, pode ser perfeitamente analisada 
segundo regras de composição não ad hoc - a paráfrase com “anali- 
sar discursos” deixa mais evidente do ponto de vista sintálico-se- 
mântico a relação entre “analisar” e “discurso” . Não é nada óbvia, 
no entanto, de um outro ponto de vista, que pode ser chamado, em­
bora talvez isso crie uma certa confusão momentânea, de discursivo. 
Em outras palavras, a expressão pode ser evidente de um ponto de 
vista sintático-semântico, isto é, lingüístico, mas não do ponto de 
vista discursivo. O que pode significar “discursivo” neste contexto?
Análise do discurso:. 15
Creio que existem dois postulados básicos na análise do dis­
curso, que qualquer das teorias em confronto no interior da área 
aceitaria sem maiores problemas. O primeiro diz respeito à relevân­
cia da enunciação, o que implica uma recusa em analisar qualquer 
evento lingüístico como sendo apenas um evento de ordem gramati­
cal - ou pelo menos em admitir que uma análise de ordem gramatical 
esgote todos os aspectos de tal evento. É que o fato de ocorrer numa 
ou noutra circunstância pode ser determinante para sua análise. O 
segundo postulado é que as palavras (embora não só este tipo de 
elemento lingüístico, mas também outros, como as frases) têm seu 
sentido determinado - ou no mínimo fortemente condicionado -jx>r 
fatores extralingüísticos, que podem ser de vários tipos, desde os 
ideológicos, históricos, doutrinários, até os mais banalmente con- 
textuais. Por exemplo, a palavra “massa” pode designar uma coisa 
completamente diferente no discurso político e no discurso culinário. 
“A massa não está preparada” pode ser um enunciado de interpreta­
ção completamente distinta, portanto, se dito por um militante políti­
co que lamenta que certas ações tenham que ser adiadas ou por um 
cozinheiro que pede paciência aos comensais, isto é, em circunstân­
cias em que são outras as ações que devem ser adiadas. Atente-se 
para o quanto isto é aparentemente óbvio.
Ora, se as palavras só têm sentido no jnterior de certas fonna- 
ções, no interior de certos quadros, de certos esquemas, nada mais 
razoável do que esperar que a palavra “discurso” esteja submetida 
às mesmas leis. Isso quer dizer que o sentido da palavra “discurso” 
pode mudar completamente ou pelo menos, significativamente, con­
forme se trate de uma ou de outra teoria. Há provavelmente ele­
mentos que unem os diversos tipos de análise do discurso, mas há 
seguramente coisas que os separam.
Será certamente uma afirmação fácil de sustentar entre analis­
tas do discurso a de que a palavra “discurso” pode mudar de senti­
do. Eque, portanto, dizer que o objeto da análise do discurso é o 
discurso, para um analista do discurso, significa, de certa forma, 
produzir um enunciado incompatível com o discurso da análise do 
discurso. Por que? Porque dizer que o objeto da análise do discurso
16 Sirio Possetiti
é o discurso é admitir, contraditoriamente, que uma análise sintático- 
semântica desta expressão é suficiente, sendo desnecessário levar em 
conta o quadro (ou contexto, ou discurso) em que tal enunciação se 
dá. Ora, a afirmação de que uma análise lingüística, em sentido es­
trito, é insificiente, é um dos pilares fundamentais da análise do dis­
curso. Se Pêcheux ouvisse aquela afirmação, certamente a acres­
centaria às obviedades de La Palice e, se a ouvisse da boca de um 
analista do discurso, faria isso com um certo ar de desânimo, imagino.
Resumindo: afirm ar que “a análise do discurso amplia os hori­
zontes da lingüística” significa produzir um enunciado que contém 
relativamente numerosas palavras cujo sentido não é evidente. Mas 
que pode tomar-se claro, inteligível, acoplando-se uma análise lin­
güística a considerações de outra ordem, como, por exemplo, as se­
guintes: a tomada em consideração em comum, por parte dos interlo­
cutores, de um certo conjunto de textos nos quais palavras como 
“análise”, “discurso” e “lingüística”, termos mais marcados do ponto 
de vista teórico ou doutrinário, tenham seu sentido relativamente 
uniformizado por uma certa prática. Em_suma, tomada em considera- 
ção de um certo discurso onde tais palavras têm um sentido conheci­
do. Além disso, é necessário também uma partilha de conhecimentos 
ou de posições que confiram sentido à expressão “ampliarmos hori­
zontes” que, dentre outras coisas, dá a entender que os horizontes 
da lingüística antes da análise do discurso eram estreitosje. que am- 
pliá-los é uma coisa que não se lamenta. Ao contrário, é desejável.
Alguns dos elementos necessârios para a interpretação-acima 
mencionada têm a ver apenas com o universo de discurso específico 
ena que se fala, no caso, sobre análise do discurso e lingüística. Ou­
tros têm a ver com procedimentos enunciativos mais gerais, inde­
pendentes do tipo de discurso a que se adere (dizer alguma coisa 
significa ter com o que se diz um certo compromisso ou criar um 
certo quadro a partir do qual o comportamento que se segue é alte­
rado, etc.). E outros, ainda, decorrem de uma análise lingüística, 
gramatical, do enunciado dito.
Para exemplificar com outro material este tipo de complexida­
de e a relevância de cada elemento de um evento discursivo, consi­
Análise do discurso:. 17
dere-se o seguinte texto. Trata-se de uma tira de L.F. Veríssimo, pu­
blicada em jornal no dia 22 de outubro de 1989 (estes dados têm re­
levância relativa) em que seus personagens (as cobras) mantêm o se­
guinte diálogo:
- Então você acha que há uma luz no fim do túnel, Cândida?
- Que túnel?
- Assim não dd pra conversar...
Este pequeno texto exibe claramente uma das características do 
funcionamento da linguagem num diálogo real entre falantes: a ne­
cessidade da aceitação de um certo quadro para que o diálogo 
“prospere” e os problemas que aparecem para os interlocutores 
quando um delesnSo aceita.o quadro. Neste exemplo, o pressuposto 
que a primeira cobra tenta impor a sua interlocutora é o da existên­
cia de um túnel, que, por não ser tematizada explicitamente, mas 
pressuposta - ou implicada - pela enunciação da palavra “túnel” , 
coloca o seguinte dilema: ou você aceita as condições que decorrem 
do que eu digo (que um certo túnel que nós sabemos qual é existe), 
ou não é possível conversar. Este diálogo serve também para apontar 
que o quadro pressuposto pode ter duas características: ser apenas 
implicado pela enunciação, ou ser, além disso, marcado ideologica­
mente, de maneira que aceitar a existência de um certo objeto pode 
significar aceitar atribuir a ele um conjunto de predicadosaue fazem 
dele um objeto marcado de um certo ponto de vista. Enfim, pode 
significar aderir a um certo discurso. É fácil perceber que este tipo 
de análise é completamente diverso de uma análise gramatical. Por 
outro lado, o que ela diz é óbvio, no sentido de que todos osfalantes 
atuam, segundo regras desse tipo, o que significa que.as conhecem. 
Á análise do discurso se constitui-em grande parte da explicitação de 
tais regras e da tentativa de fazer delas um corpo teórico çomxarac- 
terístiças sintáticas e semânticas desejáveis para os enunciados de 
uma teoria.
Se o exemplo analisado fosse um texto político em sentido es­
trito, vocês talvez percebessem mais claramente que há um conjunto 
de elementos implicados na análise que concernem diretamente a
18 Sirio Possenti
este campo do saber, e não à lingüística. Suponham que se tratasse 
de analisar uma passagem como “As vantagens da democracia 
são...”. Mesmo como está, um texto pela metade, fica evidente que 
ele implica em aceitar-se que ‘há vantagens na democracia’. Se isto 
não é óbvio para falantes conhecedores de um certo campo do saber, 
a ciência política, então o que seria um exemplo de obviedade? Pode 
parecer ridículo, mas fatos como estes são um problema para teorias 
lingüísticas que se ocupam da relação entre sons e sentidos, por­
que alguma coisa está sendo dita sem que, de certa forma, esteja 
sendo dita.
***
Já que se disse acima que para se saber Q que significa a ex­
pressão “análise do discurso” é necessário ultrapassar as análises 
sintático-semânticas. E hora de esclarecer um pouco mais como isso 
pode ser feito. O que farei nesta seção é falar rapidamente dos dois 
principais sentidos da palavra “discurso” , na expressão que vem 
sendo analisada. A conseqüência será, espero, que fiquem claros os 
critérios de interpretação da expressão.
Para exemplificar claramente a questão, tomarei um episódio 
que se repetiu comigo mais de uma vez. Quando dizia a alguém que 
estava fazendo minha tese em análise do discurso, imediatamente 
ouvia a seguinte pergunta: - Qual? E ficava claro que nunca houve 
interesse em saber de que tipo de análise se tratava, mas sim de que 
tipo de discurso, ou de qual discurso se tratava. A partir deste 
exemplo fica clara a primeira e a mais intuitiva das duas noções de 
discurso que quero comentar rapidamente.
Neste primeiro sentido, “discurso” significa algo como um 
conjunto de enunciados, sendo que, na expressão, a palavra “con­
junto” tem importância óbvia. É neste sentido que a palavra “dis­
curso” vai bem em expressões como “o discurso dele é conserva­
dor”, “o candidato é outro mas o discurso é o mesmo”, ou, mais 
simplesmente, em expressões como “discurso religioso” , “discurso 
político”, “discurso sindical”, etc. Ao dizer que esta noção de dis­
curso é mais intuitiva não quero dizer que seja fácil defíní-la de ma­
Análise do discurso:... 19
neira clara. Quero dizer apenas que este sentido da palavra é mais 
conhecido, pelo menos para um certo tipo de falante, em geral com 
formação acadêmica razoável.
Dos grandes nomes que utilizam a palavra mais ou menos neste 
sentido, vale a pena mencionar Foucault, não apenas porque uma 
grande parte dos trabalhos do campo deve a ele mais do que em ge­
ral se pensa, mas também pelo fato de ele ter dado conta de uma ca­
racterística fundamental do objeto que ele assim nomeou, e que tan­
tos outros assim nomeiam, não necessariamente com a mesma argú­
cia. A característica a que quero me referir é a da dispersão, e por 
uma razão muito simples; quando o termo “discurso” é utilizado no 
sentido que neste momento se tematiza, é comum que conote um 
conjunto de enunciados que formam uma unidade e que se opõem a 
outro conjunto que forma outra unidade.
Assim, por exemplo, o discurso médico pode aparecer como 
sendo uniforme e oposto, diferenciado do discurso religioso, diga­
mos. A noção de dispersão, entre outras coisas, é capaz de fazer 
perceber que a relação entre os enunciados de um discurso pode se 
dar por mecanismos muito diversps, isto é, que eles não constituem 
uma.unidade, no sentido mais trivial desta palavra. Um discurso 
é composto por enunciados de natureza um tanto diversa. Em 
Foucault, talvez o exemplo mais claro seja o que ele chama de dis­
curso médico, que é composto de enunciados discritivos de corpos e 
sintomas, evidentemente, mas também de “observações tomadas 
mediatas por instrumentos, protocolos de experiências de laborató­
rios, cálculos estatísticos, constatações epidemiológicas ou demográ­
ficas, regulamentações institucionais, prescrições terapêuticas”.
Aquilo que se poderia chamar de discurso nacionalista é com­
posto, sem dúvida, por um conjunto de enunciados relativos às van­
tagens ou desvantagens de se permitir o ingresso do capital estran­
geiro, por exemplo, mas sem dúvida uma análise mais cuidadosa vai 
demonstrar que há disposições legais que se relacionam de uma ma­
neira determinada com os enunciados mais ideológicos e retóricos e
20 Sirio Possenti
que se destinam a implementar ou a impedir que tais enunciados 
passem a ter vigência efetiva e produzam determinados frutos.2
A noção de dispersão é importante porque se, por um lado fa­
lar de “discurso” significa de certa maneira falar de uma certa uni­
dade, pesquisas de corpora de enunciados revelarão, por outro, que 
os discursos são compostos menos regularmente do que parece indi­
car a intuição. De qualquer modo, uma das características da pesqui­
sa que leve em conta esta noção de discurso será sempre uma pes­
quisa que tomará em conta um corpus extenso e em geral produzido 
durante um espaço de tempo relativamente longo.
Tenho a sensação de que, sem querer dar a ninguém nenhum 
conselho, no Brasil seria ainda muito importante que se fizessem 
pesquisas neste filão, tentando descobrir, por exemplo, como certos 
discursos permanecem, como certos enunciados não deixam de rea­
parecer continuamente, nas mais diversas circunstâncias. Diria que, 
mais do que uma noção enunciativa de discurso, que interessa mais 
ao lingüista que pesquisa o sentido dos enunciados produzidos mais 
ou menos “ao vivo” por e para interlocutores em situações banais, a 
noção mais interessante para cientistas sociais é esta primeira.
Uma segunda noção de discurso é relevante e deve ser men­
cionada numa situação como esta. Ela tem a. ver fundamentalmente 
com uma forma de encarar o evento lingüístico. Pode ser caracteri­
zada fundamentalmente por dois traços: a relevância da enunciação e 
o papel do falante, ou melhor, a atitude do falante em relação a seu 
próprio texto ou, mais geralmente, a seu próprio enunciado. A con­
cepção que considera a enunciação um fator relevante leva em conta 
vários fatores, dentre os quais merecem ser mencionados como mais 
relevantes os seguintes. Falar não é agenciar apenas conhecimentos 
lingüísticos, isto é, gramaticais, mas todo um conjunto de regulações 
que fazem da linguagem uma forma de relação entre os membros da 
sociedade, que lhes impõe restrições e lhes cobra compromissos e
2. Alusão a um exemplo fornecido por um dos participantes, a quem dou o 
devido crédito, embora sem lembrar-me do nome.
Análise do discurso:., 21
conseqüências. Da mesma maneira, entender um enunciado ou uma 
série deles não é apenas decodificar um conjunto de signos, mas re­
lacionar o que significa o enunciado dito com um contexto específi­
co e tirar daí conseqüências tanto em relação ao sentido do enun­
ciado poferido quanto em relação ao falante que se responsabiliza 
por sua enunciação.
Neste campo, os atos de fala são o melhor exemplo. Prometer é 
assumir um compromisso, perguntar é colocar o ouvinte em situação 
diversa daquela em que estava e obrigá-lo a responder, etc. Correla- 
tivamente, entender que o que foi dito é uma promessa, é também 
poder exigir que seu autor a cumpra. Ser alvo de uma pergunta é 
obrigar-se a responder, etc. Assim, a língua é uma forma de ação 
sobre o outro e de comprometimento. Esta vertente enfoca com certo 
privilégio o lugar e papel do falante individual nesta ação lingüísti­
ca, daí porque é acusada de estar comprometidacom uma certa visão 
do sujeito segundo a qual, ele exerceria um controle sobre o sentido 
de seu discurso e escaparia, assim, às injunções da história. É possí­
vel que haja razões para esta crítica, mas parece que é mais adequa­
do criticar o tipo de concepção de sociedade que daí decone ou que 
é suposta. Os atos dos indivíduos aparecem sempre descritos como 
submetidos a regras. O que parece mais adequado é dizer que as re­
gras é que são um pouco diferentes ou têm outro alcance.
Uma outra característica desta concepção é a tentativa de for­
mular um conjunto de regras para a interpretação não literal dos 
enunciados, seja quando a interpretação é diversa da literal, seja 
quando a ultrapassa. Noções como pressuposição, inferência, implí­
cito, implicatura e outras do gênero, povoam os escritos dos autores 
que se dedicam a esta forma de abordagem dos fenômenos da lin­
guagem. Uma terceira característica é a consideração explícita dos 
interlocutores e a delimitação de seu papel na interação lingüística. 
De alguma maneira, isso eqüivale a admitir que a mesma coisa dita 
por falantes diferentes pode não ter os mesmos efeitos, os mesmos 
sentidos. (O que é, na verdade, um luear de encontro jdas.duaa.coD- 
cepções de discurso que estão aqui sendo expostas,, porque na pri- 
meira fica claro que um sujeito só pode dizer o que lhe permite sua
22 Sirio Possenti
doutrina ou_sua ideologia ou a teoria que adota e que aquilo que diz 
será interpretado no interior de um certo quadro. Seu discurso é re­
grado de fora. Aqui se verifica a mesma coisa. As regras que o su­
jeito precisa conhecer e cumprir não são apenas as regras lingüísti­
cas). Representantes típicos desta vertente assim sumariada são 
Benveniste e Ducrot, somados a alguns filósofos que se ocuparam 
de tentar encontrar regras que explicassem certos fenômenos da lin­
guagem ordinária, como Grice, Austin, Searle (os nomes vão aqui 
sem preocupação de ordená-los segundo qualquer critério e mesmo 
numa uniformização que é certamente grosseira. O objetivo é mais 
situar uma problemática que lhes está associada). Como é fácil veri­
ficar, a questão aqui não é se há um ou mais enunciados, se eles se 
relacionam de uma forma ou de outra, mas apenas se eles são efeti­
vamente ditos ou não, e o que significa efetivamente, dado que são 
ditos nas circunstâncias tais e não em tais outras.
Talvez se pudesse dizer, em resumo, que a questão do discurso 
é esclarecer o que os enunciados efetivamente produzidos significam 
ou significaram, dado que foram produzidos a partir de um determi­
nado lugar social e estão correlacionados a determinados outros 
enunciados. Considerados estes fatores, percebe-se que não é possí- 
vef fazer deles uma análise meramente lingüística. A problemática 
que se instaura passa a ser, como uma das conseqüências, a necessi­
dade de revisar algumas noções pertencentes ao corpo das teorias 
lingüísticas, e reformulá-las consistentemente, para que possam fazer 
parte de um corpo teórico que dê conta dos enunciados, considerada 
sua realidade lingüística e, simultaneamente, sua realidade histórica.
***
Uma última seção, breve. Só para dizer em poucas linhas e de 
lorma um pouco mais clara, quais são os problemas da análise do 
discurso. E sem sequer assinalar qualquer resposta. Parece que se 
pode resumir as questões às quais a análise do discurso tenta res­
ponder às seguintes:
Análise do discurso:. 23
\ a) quem fala?
J b) a quem é dirigida a fala?
• c) o que significa o que foi dito?
Parecem questões banais, de respostas óbvias. Mas elas ime­
diatamente deixam de parecer assim quando se começa pensar 
que alguém pode estar dizendo o que já foi dito muitas vezes; quan­
do se pensa no que descobriu Freud sobre os atos falhos; quando se 
pensa nas doutrinas às quais os falantes aderem e cujos enunciados 
repetem intermitentemente (e pior, às vezes de formas superficial­
mente diferentes, o que obriga o analista do discurso a pedir socorro 
à lingüística para determinar o que é que pode ser tomado como 
igual e obriga o lingüista a pedir socorro ao, digamos, historiador, e 
cada um achando que o outro tem a solução); quando se pensa no 
quanto enunciados historicamente datados passam por verdades ex­
ternas; quando se pensa no duplo ou múltiplo sentido das palavras; 
quando se pensa nos sentidos inesperados e indesejados que se ex­
traem do que se diz segundo as “melhores intenções” ; quando se 
pensa em quantas vezes diz-se uma coisa num lugar só porque se sa­
berá em outro lugar que ela foi dita (e era isso mesmo que era dese­
jado, mas não havendo garantia de que os resultados serão os proje­
tados), etc. Distinções e conceitos como locutor e enunciador, elo- 
cutário e destinatário, sujeito e autor, universo de discurso e con­
texto, leis de discurso e condições de produção, sujeito do enuncia­
do e sujeito da enunciação, intenção e inconsciente, ideologia, dou­
trina e formação discursiva, discurso e texto e outros menos votados 
estão sendo escoimados de sentidos indesejados e polidos e renova­
dos para servirem como termos de uma metalinguagem destinada a 
lançar um pouco de luz sobre a complexidade e variedade dos 
eventos lingüísticos.
Tentar dizer quemfala é mexer fundo na questão do sujeito, é 
enredar-se numa questão que é ideologicamente muito marcada. 
Tentar dizer a quem se fala é de certa maneira ainda pensar a mesma 
questão, mas com o agravante de que, pelo menos nas civilizações 
em que a escrita funciona correntemente, qualquer tentativa de con­
trole da ação do leitor sobre um texto só pode ser feita através do
24 Sirio Possenti
próprio texto, mas que é vazado numa linguagem que não é código e 
portanto não oierece nenhuma garantia de transparência e exatidão. 
Tentar dizer o que um texto significa é querer responder enfim à 
questão fundamental sobre a natureza da linguagem. A resposta não 
tem nada de óbvio, uma vez que a variedade dos fatores que atuam 
sobre a linguagem ou co-atuam com ela é tão grande que mal se po­
de sonhar em dar conta de um deles.
PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DO DISCURSO REFERIDO
ROSANA PAULILLO 
Depto. de Lingüística - PUC-SP
De maneira imediata, a expressão discurso referido ou discur­
so reportado designa, no campo da análise do discurso e das teorias 
da enunciação, o fenômeno em que o discurso inclui outro discurso. 
Em suma, todas as formas em que o fenômeno da citação pode se 
dar. Vê-se que no campo do discurso referido ocorre uma espécie de 
deslocamento em relação àquilo que parece ser a função dominante 
da linguagem, ou seja, aquela em que a linguagem se põe numa rela­
ção de representação com algo que lhe é exterior as coisas, os fatos, 
os acontecimentos, o mundo, enfim. No campo do discurso referido, 
temos a linguagem sendo mobilizada para reportar não o mundo, na 
sua imaginária exterioridade em relação à linguagem, mas a própria 
linguagem.
Contrariamente ao que, à primeira vista, possa parecer, o fe- 
nômeno do discurso referido não é nem esporádico, nem marginal 
nos processos discursivos, seja nas manifestações que podemos re­
meter a uma tipologia padronizada (discurso científico, político, 
etc.), seja na discursividade cotidiana. O fenômeno do discurso refe­
rido recobre, numa extensão e intensidade notáveis, a discursividade 
humana, e ésse fãtò aponta para a realidade de que a fala é essen­
cialmente não um ato de um sujeito isolado que nomeia o real, mas, 
réplica, fala a partir de outras falas, fala que se põe como comple­
mento oUjContraste em relação a outras falas. Nesse sentido, a temá­
tica do discurso referido se liga diretamente ao campo do interdis- 
curso e da heterogeneidade do sujeito enunciador, ao sujeito de
26 Rosana 1‘aulillo
linguagem como um ser não-uno, não-homogêneo, mas atravessado 
e suportado por uma multiplicidade de vozes.
Nestejirtigo, apresentarei, emprimeiro lugar, o que se pode 
chamar de fontes históricas, no campo da Lingüística, dos trabalhos 
em tomo do discurso referido, ou seja, aTeoria da Enunciação de 
Émile Benveniste, de um lado, e a Teoria do Dialogismo de Mikhail 
Bakhtin, de outro. Trata-se de duas fontes de investigação que, em­
bora tenham se desenvolvido independentemente, chegaram a uma 
abordagem bastante aproximada e constituem ambas os pontos de re­
ferência a partir dos quais se desenvolveram os trabalhos atuais no 
campo da análise do discurso referido.
Em segundo lugar, apresentarei de maneira sucinta alguns pro­
cedimentos de análise do discurso referido. Na esteira das fontes 
anteriormente mencionadas, alguns trabalhos se desenvolveram1 no 
sentido de analisar algumas correlações razoavelmente sistemáticas 
entre certas formas de linguagem e certos efeitos de sentido. Neste 
momento, portanto, estaremos às voltas com os procedimentos meto­
dológicos da análise do discurso referido (daqui em diante, DR).
Finalmente, mencionarei algumas linhas de reflexão mais re­
centes, no campo da Lingüística, que a meu ver são tributárias da 
temática do DR, no sentido de que o aprofundamento dos estudos 
sobre o DR permitiu perceber que certos fenômenos que, no DR, 
aparecem de maneira explícita e exemplar, na verdade permeiam a 
linguagem como um todo. Trata-se aqui das temáticas da polifonia e 
da heterogeneidade da enunciação.2
I. O Discurso Reportado na Teoria da Enunciação
Como se sabe, a Teoria da Enunciação de Benveniste se sus­
tenta na distinção entre enunciado e enunciação. Enquanto o enun­
ciado - o segmento de linguagem realizado - se põe como o produto
1. Maingueneau (1981); Authier (1978).
2. Authier (1982); Ducrot (1984); Maingueneau (1987).
Procedimentos de análise... 27
do ato de fala, a enunciação constitui o ato mesmo, o processo que 
ensejou a produção do enunciado. Todo o edifício da teoria da 
enunciação se sustenta nessa distinção e no pressuposto, que toma 
tal distinção necessária, de que no limite um enunciado é ininteligí­
vel se dissociado do ato de enunciação em que se produziu.
Para Benveniste, a língua, enquanto conjunto de unidades, é 
um aparelho formal. É o ato de enunciação que põe a língua em 
funcionamento. Nesse ato ocorre um processo de apropriação das 
formas da língua por parte do sujeito enunciador. Não se trata, por­
tanto, simplesmente de um “comportamento” , de uma ação de utili­
zação da língua pelo sujeito, mas de uma realização ativa, marcada 
pela singularidade do próprio sujeito e da situação em que a enun­
ciação se realiza. Nesse sentido, a enunciação é sempre situada, sin­
gular, histórica, portanto, é isso que faz dela um acontecimento.
No ato de enunciação, q falante, ao se apropriar do aparelho 
formal da língua, produz simultaneamente três fenômenos construti­
vos da enunciação enquanto ato. Em primeiro lugar, o falante se 
constitui como sujeito, como o ego que enuncia3; em segundo lugar, 
constitui o outro diante de si, como o seu outro, seu interlocutor - e 
nesse sentido a enunciação é o processo que institui a interação na 
linguagem; e, finalmente, constitui a referência, o objeto do mundo 
erigido à condição de objeto de discurso, pois a condição de exis­
tência dos objetos no discurso é diferente de sua condição de exis­
tência enquanto objetos do mundo (em termos empíricos ou ontoló- 
gicos): no discurso, o objeto se constitui como uma construção de 
linguagem e é significado em função dos processos lingüísticos que 
entraram em jogo na sua designação.
3. Benveniste aponta mesmo que a auto-imagem de individualidade é consti­
tuída na linguagem: “É na linguagem e pela linguagem que o homem se 
constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na 
sua realidade que é a do ser, o conceito de “ego” . (...) Ora, essa “subjetivi­
dade” , quer a apresentemos em fenomenologia ou em psicologia (...) não é 
mais que a emergência no ser de uma propriedade fundamental da lingua­
gem. Ê “ego” que diz ego”. (1958:286)
28 Rosana Paulillo
Desse modo, diz Benveniste, a enunciação implica sempre a 
presença do sujeito no interior de seu próprio discurso4. Esse cen- 
tramento do discurso em relação a seu sujeito resulta do fato de que 
todo discurso (enquanto enunciado(s) produzido(s)) traz inscrita nele 
mesmo a marca da singularidade do ato de enunciação em que se 
produziu.
Mas, como conciliar a singularidade do discurso com a gene­
ralidade das unidades da língua se, afinal, é da matéria destas últi­
mas que o discurso se tece? É nesse ponto que se explica a afirma­
ção de Benveniste de que a língua é um aparelho formal mobilizado 
ativamente pelo sujeito na enunciação. As unidades da língua em si 
mesmas são pura possibilidade; são virtuais, genéricas, vagas, pon­
tos em aberto que podem se atualizar em diferentes direções de sen­
tido (daí a polissemia potencial do signo lingüístico). É a enunciação 
que insufla as formas lingüísticas de um sentido afetivo, singular. 
A semantização, portanto, ocorre na enunciação.5
Na construção da teoria da enunciação, Benveniste partiu da 
análise de certos elementos lingüísticos que, se considerados inde­
pendentemente da instância de enunciação, seriam desprovidos de 
sentido. Trata- se dos dêiticos, elementos que marcam os sujeitos do 
processo enunciativo e as circunstâncias de tempo e espaço que an­
coram no real a enunciação (eu, você, nós, já, aqui, depois, etc.). 
Na perspectiva aberta pela análise das marcas de pessoa e de osten- 
ção (tempo e espaço), Benveniste avança para a análise do sistema 
de temporalidade da língua, isto é, daquela parte das formas verbais 
que expressam as noções de tempo. Esta análise, a meu ver a mais 
interessante, é a viga mestra que sustenta o conceito de planos de 
enunciação.6
4. “O ato individual de apropriação da língua introduz aquele que fala na sua 
fala (...) A presença do locutor na sua enunciação faz com que cada instân­
cia de discurso constitua um centro de referência interna” . (1970:82)
5. Benveniste (1969:65).
6. Benveniste (1946), (1956), (1959).
Procedimentos de análise.. 29
Analisando as marcas de temporalidade, Benveniste mostra que 
não há uma relação direta, especular, entre o tempo lingüístico e o 
tempo empírico7. A hipótese de que os verbos semantizam o tempo 
real dos acontecimentos é uma construção que faz parte do imaginá­
rio dos sujeitos sobre a linguagem. As marcas de tempo dos verbos 
constituem, na verdade, uma temporalidade estritamente lingüística, 
discursiva: não são determinadas por uma relação iminentemente re­
ferencial com o tempo real ou empírico.
Tomemos como exemplo os três tipos de pretérito em portu­
guês: perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito. Numa narrativa, é o 
sujeito enunciador quem escolhe quais acontecimentos irá marcar 
pelo perfeito (a-forma pontual) e quais marcará pelas formas imper- 
fecüvas. Do ponto de vista dos acontecimentos relatados, todos se 
situam na dimensão do passado enquanto tempo referencial, na me­
dida em que todos são anteriores e exteriores à enunciação. Assim, a 
escolha das formas verbais (pontuais ou imperfectivas) é determina­
da pelo objeto do discurso narrativo, na medida em que as formas 
pontuais ligam-se ao objeto narrativo por excelência, enquanto que 
os eventos marcados pelas formas não perfectivas remetem a um se­
gundo plano narrativo, a uma espécie de enquadramento da cena 
principal.
Na realidade, somente o perfeito é um verdadeiro tempo, por­
que sua significação se determina pela relação de oposição.que 
mantém com o presente; este, por sua vez, é também um verdadeiro 
tempo, propriedade que adquire pelo fato de ser coincidente com 
o instante da enunciação8. Quanto ao futuro, esse não é um verda­
deiro tempo: o futuro óão tem a função de representar um tempo re­
ferencial posterior à enunciação, mas'marcaas expectativas, proje­
ções, desejos, interferências que o sujeito experimenta no presente
7. Benveniste avança algumas considerações sobre a categoria do tempo co­
mo uma construção da linguagem (1965).
8. Nesse sentido, nossas noções de tempo seriam construídas a partir da ex­
periência da singularidade da enunciação, da coincidência entre o enuncia­
do e o aqui-e-agora da enunciação.
JO Rosana PautíUo
da enunciação. O uso generalizado da forma do futuro perifrástico 
(vou viajar ou invés de viajarei) dá uma pista dessa ancoragem do 
futuro no presente.
A partir da análise das marcas de têmporalidade Benveniste 
chegou ao conceito de planos em que a enunciação se realiza. Dis-
tinguiu, em primeiro lugar, dois funcionamentos enunciativos que 
correspondem aos dois grandes eixos temporais - presente e passado
- e chamou-os, inicialmente de discurso e história. Mais tarde, tais 
denominações se estabilizaram como plano do discurso (ou da enun­
ciação stricto sensu è plano de relato.
No plano da enunciação, temos uma relação de coincidência 
entre enunciado e enunciação. Aí aparecem os dêiticos marcadores 
de pessoa (eu-tu) e de ostenção (aqui-agora) e os enunciados são va­
zados na forma do presente. O plano da enunciação caracteriza 
aqueles discursos que são totalmente ancorados na situação de enun­
ciação em que se produzem.
No plano do relato, o presente, ao contrário, está excluído. 
Sem dúvida, o discurso que relata é produzido num ato de enuncia­
ção, mas ele não se põe em relação direta com a singularidade do 
ato, nem com o presente empírico que corresponde ao momento de 
sua produção. No plano do relato, o tempo do discurso é alheio à 
temporalidade da enunciação, pois o discurso relata acontecimentos 
passados, anteriores e exteriores à enunciação em que se produz. Es­
se deslocamento temporal produz a possibilidade de um desloca­
mento global em relação à singularidade da enunciação, dos sujeitos 
e da situação de enunciação, que aparecem dessa forma como 
alheios ao universo relatado - ocorre aqui a ausência de dêiticos, 
ausência de menção ao eu-outro ao aqui-e-agora do'acontecimento 
enunciativo. Os sujeitos do discurso aparecem então, essencialmen­
te, na figura da terceira pessoa, de um outro que não o enunciador 
ou o interlocutor.
Benveniste encontrou no discurso da História um caso exem­
plar do plano do relato, na medida em que esse discurso se realiza
Procedimentos de análise. 3 /
numa espécie de grau zero da marcação enunciativa9. Não há, aqui, 
pistas do ato de enunciação que o produz. Sem dúvida, no discurso 
da História alguém fala, mas esse alguém está ausente de seu pró­
prio discurso - tudo se passa como se houvesse uma voz em off que 
relata. Sendo os acontecimentos relatados anteriores e exteriores à 
enunciação, o relato toma possível que o próprio fenômeno enun- 
ciativo seja velado, encoberto. Desse modo, o discurso da História 
pode aparecer como um monumento, na medida em que se põe como 
independente das suas condições de produção. Vale lembrar que o 
plano do relato é também a forma discursiva dos mitos e lendas, em 
que também se manifesta essa relação de exterioridade do discurso 
em relação ao sujeito enunciador, condição de seu efeito de sentido 
de perenidade, de seu “ser fora do tempo” , enquanto não determi­
nado pelo tempo da enunciação.
Temos, assim, distinguidos os dois planos básicos em que o 
discurso pode se articular. No entanto, cabe observar que os discur­
sos efetivamente proferidos, orais e escritos, dificilmente são vaza­
dos num único plano. Na maioria dos casos, os diferentes planos 
combinam-se de diferentes maneiras na produção discursiva, e esse é 
um dos fatores decisivos da extrema diversidade que a discursivida­
de apresenta. A análise das diferentes combinatórias que entram em 
jogo na produção discursiva toma possível a construção de uma ti­
pologia do discurso (narrativa de ficção, narrativa histórica, matéria 
jornalística, por exemplo).
A partir dessa distinção básica, Benveniste chega ao. plano, do 
Discurso Referido, como uma terceira possibilidade de construção: 
“(...) a enunciação histórica e a do discurso podem, conforme o ca­
so, conjugar-se num terceiro tipo de enunciação. no qual o discurso 
é referido em ‘termos de acontecimento e transposto para o plano
9. Tal modelo de discurso da História corresponde, talvez, mais apropriada­
mente, ao texto didático ou a formas positivistas de relato histórico. 
Barthes, num artigo intitulado justamente, O Discurso da História, realiza 
uma investigação das variantes em relação ao modelo canônico apontado 
por Benveniste.
32 Rosana Paulillo
histórico; é o que comumente se chama discurso indireto” 10. A pe­
culiaridade do DR consiste no fato de que se trata de uma enuncia­
ção que inclui uma outra enunciação, de um discurso encaixado em 
outro discurso.
O segmento de discurso reportado é, sem dúvida, enunciação, 
mas enunciação passada, anterior e exterior à enunciação atual, que 
o cita. Assim, no plano do DR, a enunciação atual relata uma outra 
enunciação, que adquire estatuto de acontecimento relatado.
O discurso referido difere do discurso proferido', este atualiza 
sua situação de enunciação, consistindo na instância de realização 
dessa situação (mesmo se não marcada no próprio discurso, como é 
o caso do relato histórico); já o discurso referido 6 aquele que so­
brevive, para além de seu proferimento, numa outra enunciação que, 
assim, permite, num certo sentido, sua re-instanciação.
O plano do DR nos põe em contato com um fenômeno crucial 
da linguagem, que é o fenômeno da multiplicidade de vozes. No 
DR, o lugar do enunciador se cinde em, pelo menos, duas vozes; há 
a voz do enunciador citante, aquele que é o responsável da enuncia­
ção atual, que é quem fala naquela instância de discurso; mas em al­
gumas seqüências esse enunciador dá lugar a outro (ou outros), põe 
em cena a voz de outro(s), que são os erumciadores citados. Cha­
mamos, assim, de discurso citante ao segmento do discurso atual 
onde se inscreve a voz de seu enunciador e que funciona como suporte 
para as outras vozes, inscritas nos segmentos de discurso citado. 11
Nem sempre é muito fácil diferenciar o escopo de cada uma 
das vozes que entram em cena no DR. Consideremos, a titulo de 
exemplo, a seqüência abaixo:
a. O presidente do PMDB e da Câmara dos Deputados, Ulisses 
Guimarães, disse em Belo Horizonte que não assumirá a 
coordenação do pacto social, a sem ver m trabalho do y»* 
“toda a sociedade deve participar, através de suas organiza­
ções envolvendo trabalhadores e empresários”. Ele argu­
10. Benveniste (1959:267).
11. Maingueneau (1981:99).
Procedimentos de análise.. 33
mentou que vai apenas “colaborar” na solução de proble­
mas, na parte política, juntamente com outras foiças sociais: 
“Eu sou um partícipe”, frisou descartando a possibilidade 
de coordenar o pacto idealizado por Tancredo Neves.
(...)
b. Logo depois, o presidente Samey falou à imprensa, con­
firmando ter pedido a Ulisses que, como presidente da 
Aliança Democrática, fizesse uma sondagem no sentido de 
podermos concretizar o pacto social, para ele, “uma idéia 
generosa que deve ser aceita por todo o País”. Samey con­
firmou que Ulisses vai ajudar “e já está nos ajudando nesse 
sentido”.
c. Ontem, ainda na capital mineira (...), Ulisses Guimarães 
reafirmou sua disposição de apenas figurar como “colabo­
rador” na montagem do pacto social.
(seqüência de Planalto diz estranhar rejeição de Pazzianotto do 
pacto, FSP, 29.9.1985).
Nessa seqüência de texto, pode-se observar que as passagens 
grifadas com grifo simples correspondem claramente ao escopo da 
voz do enunciador citante (o jornal), enquanto que as passagens 
não grifadas correspondem claramente à voz do enunciador citado 
(Ulisses, nos blocos A e C; Samey, no bloco B).No entanto os 
segmentos em negrito com grifo são ambíguos: não se pode determi­
nar com precisão qual a voz .que sustenta as palavras e os sentidos 
que se produzem nesses segmentos, ou seja, se a responsabilidade 
desses segmentos de discursos deve ser atribuída ao enunciador ci­
tante ou ao enunciador citado.12
12. A análise do sentido dessas seqüências levanta três possibilidades (exem­
plificando através da primeira delas):
a) Foi Ulisses Guimarães quem disse: “A meu ver, o pacto social é um 
trabalho (-.)”, assumindo assim, o caráter subjetivo da enunciação;
b) Ulisses teria dito: “O pacto social é um trabalho („)”; foi o enuncia­
dor citante que, acrescentando o inciso “a seu ver”, subjetivou uma 
enunciação (a de Ulisses) que, na forma de uma afirmação categórica, 
se pretendia objetiva.
c) Ulisses não proferiu exatamente as palavras em questão; foi o enun­
ciador citante que pretendeu, nesse segmento, sintetizar as palavras e 
os sentidos do discurso original, produzindo, portanto, uma interpreta­
ção da fala de Ulisses.
34 Rosana Paulillo
Por outro lado, a seqüência em questão nos permite observar 
um fenômeno no plano do DR, que é a construção de um jogo poli- 
fônico, onde se ouvem várias vozes. As falas de Ulisses e de Samey 
que, enquanto discursos proferidos, ocorreram em situações dife­
rentes, em tempo e espaço diferentes e que não constituíam interlo- 
cuções recíprocas, podem, no plano do DR ser postas em contra­
ponto, compondo uma estrutura analógica à dos tumos de um 
diálogo.
Dessa forma, na seqüência analisada, se produz um efeito de
1 7sentido de contradição entre as posições das duas personagens1 , 
pelo mecanismo de pôr as falas em confronto, que o DR permite.
2. O Discurso Referido na Concepção do Dialogismo de Bakhtin
A teoria do dialogismo de Mikhail Bakhtin constitui o segundo 
aporte teórico que alimentou a construção das teorias sobre o DR. 
Bakhtin dedica alguns capítulos de seu famoso Marxismo e Filosofia 
da Linguagem, à análise das formas de DR e a atenção especial que 
o fenômeno do DR aí recebe14, se explica na medida em que o fe­
nômeno do DR traz evidências à tese do dialogismo, que é a marca 
específica do chamado Círculo de Bakhtin.15
Para Bakhtin, o DR é por excelência o discurso de outrem 
(conceito central na concepção do dialogismo, em que ojüscurso é 
sempre algo que aponta, no interior de si mesmo, para a presença da 
alteridade16). Sua peculiaridade consiste no fato de que no DR o dis­
13. Não importa se tal contradição, que o discurso sugere como efeito de 
sentido, é ou não real do ponto de vista das relações políticas - trata-se, 
de qualquer forma, de um sentido que é posto em circulação. Desse ponto 
de vista, é interessante observar que a seqüência de matéria analisada 
tem, como subtítulo, justamente Ulisses recusa.
14. Note-se que as formas de DR constituem o dnico fenômeno particular de 
linguagem a que, nesse texto, se consagra uma análise.
15. Cf.Todorov (1981).
16. Cf. Bakhtin (1975).
Procedimentos de análise... 35
curso de outrem figura não como um tema, mas “em pessoa” 17. No 
DR, não relatamos simplesmente o conteúdo, o significado do dis­
curso do outro, mas o próprio discurso como um acontecimento 
de fala, na ressonância própria de sua materialidade significante. 
Pois, como observa Bakhtin, no DR, o discurso^ original conserva 
“(...) pelo menos sob uma forma rudimentar, a autonomia primitiva 
do discurso de outrem, sem o que, ele não poderia ser completa­
mente apreendido”.18
Para Bakhtin, a linguagem é essencialmente dialógiç# e todas 
as estruturas de linguagem refletem, de uma maneira ou de outra,_ o 
fenômeno constitutivo do diálogo que a atravessa. Nesse sentido, o 
sujeito, mais do que um ser falante, seria um ser “dialogante” , na 
medida em que o movimento da linguagem pressupõe uma dinâmica 
reflexiva, interativa. O fenômeno do diálogo aponta, para Bakhtin, 
para o fato de que o que caracteriza o sujeito nessa natureza de ser 
“dialogante” é a reação ativa à palavra do outro. A fala do outro, a 
que o sujeito está necessariamente exposto, provoca no sujeito um 
movimento de recepção ativa, produz uma jpreciacão. fesse proces- 
so, constitutivo do diálogo, se realiza fundamentalmente como dis­
curso interno, fenômeno psíquico, não diretamente observável19. No 
entanto, as formas pelas quais se dá a reação ativa ao discurso do 
outro se manifestam, ganhando um certo grau de expressão estrutu­
ral, na situação empírica de diálogo, na medida em que a alternância 
dos turnos de fala, na interação dialógica, dá indício das formas des­
sa apreciação.
17. “Mas o discurso de outrem constitui mais do que o tema do discurso; ele 
pode entrar no discurso e na sua construção sintática, por assim dizer, 
“em pessoa” , como uma unidade integral da construção”. Bakhtin 
(1977:130).
18. Bakhtin (1978:131).
19. “Como na realidade, apreendemos o discurso de outrem? Como o recep­
tor experimenta a enunciação de outrem na sua consciência, que se ex­
prime por meio do discurso ativamente absorvido pela consciência e qual 
a influência que ele tem sobre a orientação das palavras que o receptor 
pronunciará em seguida? Encontramos justamente nas formas do discurso 
citado um documento objetivo que esclarece esse problema”. Bakhtin
• (1977:132).
36 Rosana Paulillo
Ora, o DR, para Bakhtin, guarda relações estreitas com a alter- 
nância dialógica, na medida em que envolve uma interação entre 
discurso citante e discurso citado. Porém, se no diálogo os diferentes 
turnos são estruturalmente independentes, cada qual constituindo 
uma unidade sintática independente, o mesmo não se dá no DR. 
Aqui, os diferentes segmentos, correspondentes às diferentes falas, 
estão integralizados numa estrutura sintática global. O DR, portanto, 
integraliza, no plano da construção sintática, aqueles segmentos que, 
no diálogo, guardam configuração sintática específica.
É justamente por_essa característica que as formas pelas quais 
se realiza o DR refletem, segundo Bakhtin, mais expressivamente, 
os movimentos nos quais se dá a apreciação da palavra do outro. E 
essas formas, procedimentos estilísticos, digamos que caracterizam a 
realização do DR, refletem aquelas tendências básicas e constantes 
da recepção ativa à palavra do outro, ou seja aqueles aspectos da re­
cepção ativa que, sendo socialmente mais relevantes, são justamente 
os que se cristalizam, ganhando expressão nas formas lingüísticas:
o mecanismo desse processo não se situa na alma individual, 
mas na sociedade, que escolhe e gramaticaliza - isto é, associa 
ás estruturas gramaticais da lfngua - apenas os aspectos da 
apreensão ativa, apreciativa, da enunciação de outrem em que 
são socialmente pertinentes e constantes (...).20
Além de integrar essas diferentes falas que estão em interlocu- 
Ção, um outro aspecto importante do DR, segundo Bakhtin, é que, 
enquanto discurso, o DR põe em jogo uma terceira pessoa, seu in­
terlocutor, o receptor que visa. Assim, se o diálogo em si mesmo 
aparece como dual, o DR, organizando e integrando os segmentos 
de discurso citante e de discurso citado numa configuração sintática 
uma, orienta-se, por sua vez, para uma terceira pessoa. Isso aponta 
para o fato de que, no limite, não há no diálogo somente um “eu” e 
seu “tu” , pois na fala desse “eu” muitas outras falas se falam.
20. Bakhtin (1977:132).
Procedimentos de análise.., 37
Quanto aos diferentes procedimentos lingüfsticos de constru­
ção do DR, aqueles que a tradição classificou como discurso direto, 
discurso indireto e discurso indireto livre, trata-se, diz Bakhtin, de 
variantes de construção sintática do DR. que a língua cristalizou e 
põe à disposição dos falantes. Tais formas, como se viu, refletem 
tendências historicamente consolidadas da apreensão do discurso de 
outrem. Bakhtin chama-as de esquemas,na medida em que consti­
tuem formas fixas de transmissão do discurso. Esses esquemas, por 
sua vez, exercem uma influência não só na reprodução das tendên­
cias de apreciação já cristalizadas, mas atuam sobre o processo de
desenvolvimento de novas tendências de apreciaçânr regulando-as, 
estimulando-as ou mesmo inibindo a emergência dessas novas ten­
dências. Os esquemas constituem, de qualquer maneira, a organiza­
ção e expressão simbólica dos processos de recepção ativa do dis­
curso do outro.
Do ponto de vista da análise das formas de DR, o que importa 
é que tais formas, na medida em que se cristalizam como estruturas 
significantes, estão correlacionadas a determinados efeitos de senti­
do. O estudo dos processos de construção do DR consiste, portanto, 
numa espécie de catalogação dessas formas e de seus respectivos 
efeitos de sentido, tal como se realizam e se mostram na prática efe­
tiva de linguagem dos sujeitos.
3. Procedimentos de Análise
3.1. O Discurso Direto
O discurso direto corresponde àquela forma de DR que pode­
mos chamar de “citação literal” . Ao recorrer à forma do discurso di­
reto, o DR produz, como efeito de sentido, o compromisso da enun- 
çiação citante de estar reproduzindo à letra o discurso citado.
Essa citação ipsis litteris faz com que o discurso direto seja a 
forma de DR onde se dá o maior grau de autonomia do discurso ci­
tado em relação ao discurso citante. Aqui, os campos enunciativos
38 Rosana Paulillo
están rlaramfinte separados, aque garante ao discurso citado a pre­
servação de sua autonomia sintático-semântica, embora figure como 
um segmento no interior de uma enunciação outra:
João me disse ontém no Rio: “Estou feliz por partir amanhã
daqui.”
Vê-se que, no discurso direto, as marcas de enunciação (dêiti­
cos) do discurso citado se preservam^ remetem à instância de enun­
ciação original (a primeira pessoa, as marcas de tempo e lugar do 
discurso citado se interpretam não em relação ao escopo da enuncia­
ção atual, mas em relação ao escopo daquela enunciação que é indi­
cada pela citação).
No discurso direto, a materialidade signifieante do discurso 
citado se põe como coincidente com a do discurso original. Nesse 
sentido, o discurso direto aparece como um ecoar do discurso do 
outro, que se preserva como um todo unissonante. Em conseqüência 
disso, o discurso direto envolve, como efeito de sentido, uma nítida 
separação dos campos de subjetividade dos discursos citante e cita­
do: as diferentes vozes aí presentes não se misturam.
É por isso que, no discurso direto, os verbos introdutores (que 
introduzem o discurso citado) só podem ser verbos neutros, como 
dizer, por exemplo, ou verbos locucionários, como gritar, sus­
surrar, etc.:
Ele disse: Estou feliz agora.
Ele gritou: Estou feliz agora!
Verbos neutros, como dizer, falar, limitam-se a introduzir o 
fato da fala, sem interpretar a intencionalidade comunicativa com 
que esta foi proferida (como concluir, etc.21). Verbos locucionários 
descrevem as características do ato físico do proferimento.
21. O uso desses verbos aponta para uma interpretação do enunciador citante 
em relação ao discurso citado, envolvendo portanto, uma incursão da 
subjetividade da enunciação citante sobre a enuncição citada.
Procedimentos de análise.., 39
Essa separação nítida entre os campos da enunciação citante e 
da enunciação citada favorecem a que o discurso direto apareça co­
mo um monumento, como algo que se dá como um bloco à aprecia­
ção. Isto produz, como efeito de sentido, uma atitude de distancia­
mento do discurso citante em relação ao discurso citado. Tal distan­
ciamento pode apontar na direção de uma adesão respeituosa, con­
templativa (como ocorre no discurso religioso, por exemplo22), mas 
pode também apontar na direção de um distanciamento crítico, de 
uma recusa à adesão (como se dá no discurso polêmico).
Ao se utilizar do procedimento do discurso direto, o enuncia- 
dor citante pode ter como propósito salientar p dito ou o dizer do 
discurso citado23. Na citação de um provérbio, por exemplo, o ob­
jetivo é salientar o dito, mesmo porque o enunciado do provérbio é 
sempre alegórico em relação ao acontecimento que rotula. Já no dis­
curso polêmico, o discurso direto tem como função fazer salientar-se 
o dizer do enunciador citado que, como alvo da crítica do enuncia- 
dor citante, tem sua voz, num primeiro nível, respeitada, para, num 
segundo nível, vir a ser desqualificada.24
3.2. O Discurso Indireto
Diferentemente do discurso direto, que realiza uma espécie de 
descrição do discurso do outro, no discurso indireto o discurso cita­
do aparece transformado pela enunciação citante. Ocorre uma incur­
são do campo do discurso citante sobre o campo do discurso citado; 
conseqüentemente, o discurso indireto não envolve o compromisso 
da preservação da letra do discurso citado.
22. O discurso religioso se utiliza exclusivamente da forma do discurso di­
reto.
23. A diferença entre o dito e o dizer corresponde à diferença semântica en­
tre o que é dito, enquanto conteúdo semântico referencial do discurso 
e o(s) modo(s) de dizer, que poduzem diferentes efeitos de sentido.
24. Considere-se a notação “(sic)” , como uma indicação retórica suplemen­
tar, dessa atitude.
40 Rosana Paulillo
No discurso indireto, o discurso citado sofre uma transforma­
ção, ao nível de sua materialidade significante, para se integrar à 
enunciação citante. Por isso, a forma clássica do discurso indireto é 
aquela onde o enunciado citado entra no campo do discurso, citante 
como uma sentença encaixada, introduzida por um conectivo:
Ele me disse que você sabia de tudo.
O segmento grifado, correspondente à seqüência em discurso 
indireto, mostra como o enunciado citado integrou-se ao ambiente 
sintático do discurso citante (“ele me disse que”), transformando-se 
para aí se encaixar. O enunciado originalmente proferido pelo enun­
ciador citado não tinha, está claro, exatamente esta formulação (seria 
algo como “Fulano sabe de tudo”). Portanto, as marcas de enuncia­
ção (tempo, pessoa) do discurso citado são “traduzidas” , digamos, 
para o contexto da enunciação citante..
Essa absorção da enunciação citada no campo da enunciação 
citante indica que, no discurso indireto, é a voz citante quem co­
manda o processo. No discurso indireto, não há uma delimitação ní­
tida de territórios enunciativos, como ocorre no discurso direto, pois 
a enunciação citante atua sobre a citada, interpreta-a, analisa-a. 
Bakhtin observava que o discurso indireto tem uma função analítica, 
marca uma atitude analítica na apreciação da fala do outro, e situava 
seu aparecimento, para algumas línguas européias, na época da Re­
nascença.
Em função da homogeneização da enunciação citada em rela­
ção à enunciação citante, ocorre uma espécie de sobreposição, onde 
a delimitação do escopo de cada uma das vozes é mais atenuada e, 
não raro, ambígua. E a voz do enunciador citante que tem saliência 
aqui: o discurso do outro sobrevive no DR redito pela voz do enun­
ciador citante.
Uma característica importante do discurso indireto é o uso de 
verbos introdutores que interpretam a intenção comunicativa com 
que o discurso citado teria sido proferido. Verbos como afirmar, 
confirmar, argumentar, alegar, por exemplo, são comuns aqui.
Procedimentos de análise... 41
Ocorrem também, como introdutores, verbos que acarretam a pres­
suposição de verdade ou falsidade, por exemplo:
Ele demonstrou que o documento foi adulterado
onde o enunciador citante realiza uma apreciação da fala do outro 
interpretando-lhe a intenção comunicativa (pretensão de provar algo) 
e admitindo, simultaneamente, a validade dessa pretensão, isto é, as­
sumindo, na sua apreciação, que o que disse o outro era verdadeiro.
No discurso indireto pode-se também salientar ou o dito ou o 
dizer do discursocitado (embora, nesse caso, a ênfase sobre o dizer 
seja sempre menos acentuada, dada a transformação da letra do dis­
curso citado). Em geral, a fórmula clássica.
X dizer que...
com verbo introdutor e encaixamento sintático do enunciado citado, 
está mais ligada à ênfase no dizer. Já o uso de incisos:
Segundo X ,...
De acordo com X ,...
presta-se mais. à ênfase no dito, em que o discurso do outro é forte­
mente parafraseado, sintetizado pelo enunciador citante.
Essas características formais do discurso indireto envolvem al­
gumas exclusões. Não é possível reportar em discurso indireto um 
enunciado em língua estrangeira, já que não se pode homogeneizar 
numa mesma estrutura sintática segmentos de línguas diferentes. 
Também não se pode reportar em discurso indireto segmentos meno­
res que um enunciado, palavras, sintagmas, expressões inteijeitivas, 
por exemplo:
Ele me disse que meu Deus! (?)
mas usa-se, nesses casos, a forma do discurso direto:
César disse: “Alea jacta est.”
Ele disse: “Meu Deus!”
42 Rosana Paulillo
Da mesma forma, elementos expressivos da fala do outro não 
podem figurar como tal no discurso indireto:
João disse que foi enganado por aquele imbecil do Júlio.
A presença do sintagma “aquele imbecil do” , um elemento ex­
pressivo, nessa seqüência de discurso reportado envolve duas possi­
bilidades de análise: ou “aquele imbecü do” é um comentário do 
enunciador citante sobre “Júlio” , mencionado na fala do enunciador 
citado; ou foi o próprio enunciador citado quem se referiu a Júlio 
chamando-o “aquele imbecil” . Somente na primeira hipótese a se­
qüência em questão corresponde a um caso de discurso indireto. Na 
segunda hipótese, em que o elemento expressivo provém diretamente 
da fala do enunciador citado, estaríamos diante de um caso de dis­
curso indireto livre.
3.3. Discurso Indireto Livre
O discurso indireto livre é um procedimento praticamente ex­
cluído do texto escrito não ficcional, mas, ao contrário, seu uso é 
extensivo na linguagem cotidiana, oral e, conseqüentemente, é uma 
presença forte no texto literário.
Constitui uma espécie de fusão dos dois procedimentos ante­
riores, pondo em jogo, simultaneamente, ambas as estratégias25. Em 
geral, conjeça-se com as estratégias de discurso indireto e, no decor­
rer da enunciação citada, desliza-se para a mimetização da fala do 
outro. Nesse sentido, o discurso indireto livre envolve uma fusão 
das subjetividades enunciantes, uma mistura de vozes, uma carnava-
25. Numa seqüência textual de DR, é comum ocorrer a alternância entre pro­
cedimentos de discurso direto e indireto: reporta-se certa enunciação em 
discurso direto, outra em discurso indireto. Isto não se confunde com o 
discurso indireto livre, onde a fusão dos procedimentos se dá no interior 
de um mesmo segmento de enunciação citada.
Procedimentos de análise... 43
lização, e implica a perda da atitude analítica, distanciada, típica do 
discurso indireto. Por essa razão, seu uso está excluído dos textos 
não ficcionais.
Nesta seqüência extraída de Estorvo26, temos um exemplo de 
discurso indireto livre, em que o narrador-personagem, ao reportar, 
no texto, a fala da irmã, mimetiza fragmentos da fala do enunciador 
citado:
(...) minha irmã ergue o rosto e pergunta se não tenho visitado 
mamãe. Diz que mamãe tem andado tão sozinha, nem empre­
gada ela quer, só tem uma diarista que às terças e quintas vai 
lá, mas diarista mamãe acha que não é companhia. O ideal se­
ria contratar uma enfermeira, mas enfermeira mamãe acha 
que cria logo muita intimidade, e qualquer hora mamãe pode 
levar um tombo, porque anda enxergando cada vez pior (...)
4. Outros Processos Ligados ao Fenômeno do DR
Há fenômenos de linguagem onde a presença do discurso do 
outro não é explicitado, como no DR, mas indicada, aludida, mos­
trada de maneira indireta. De qualquer forma, como o DR, implicam 
a presença de outra(s) voz(es), além do enunciador em questão.
4.1. Colocação Entre Aspas
O aspeamento é um fenômeno específico quando ocorre sobre 
um elemento lexical - palavra, expressão27. Nesse caso, o uso das 
aspas, indica que o enunciador, embora use em sua enunciação 
aquela palavra, sinaliza o fato de que tal palavra provém de outro(s) 
discurso(s), marca a presença, assim, da alteridade no interior de seu 
próprio enunciado.
26. Chico Buarque (1991), Companhia das Letras.
27. Quando incide sobre um enunciado, é uma convenção gráfica da citação 
em discurso direto.
44 Rosana Paulillo
A colocação entre aspas de palavras de língua estrangeira, 
elementos de gíria, são um exemplo desse procedimento. Quando se 
coloca entre aspas palavras ou expressões que correspondem a con- 
ceituações, nomenclaturas, qualificações, além de indicar aí a pre­
sença de uma outra voz, o enunciador marca também aí sua não 
coincidência com tal modo de dizer: nesse caso, no momento mesmo 
em que usa a palavra, o enunciador mostra que não adere a ela, por 
exemplo:
A “modernização” do país que o governo pretende...
Produz-se, nesse caso, um distanciamento crítico do enuncia­
dor em relação ao dizer do outro, onde tal elemento ocorre natural­
mente, não aspeado. Esse recurso da escrita corresponde, na lingua­
gem oral, a uma operação de destaque do elemento distanciado atra­
vés de uma anotação diferenciada.
4.2. Condicional
Certos usos do condicional, não ligados ao processo de ra­
ciocínio inferencial (formulação de uma hipótese e sua possível 
conseqüência), funcionam para pôr em jogo um enunciado outro, 
que aponta para a presença de outras vozes, outros discursos, por 
exemplo:
O incêndio teria sido provocado por um curto-circuito.
O uso do condicional é suficiente para sinalizar que, nessa 
enunciação, o sujeito não assume, não adere totalmente ao enuncia­
do produzido, mas que está reportando, num certo sentido, outras 
falas — tem-se, então, um vestígio de uma outra voz, que seria o su­
porte da forma afirmativa do enunciado.
Aqui, também, ocorre o efeito de distanciamento, que pode ir 
desde o não compromisso (com a forma assertiva do enunciado) até
Procedimentos de análise. 45
a recusa crítica, sob a capa da ironia, da verdade do enunciado afir­
mativo ao qual o condicional alude.
4.3. Indicadores Genéricos
Há certos embreadores que permitem atribuir a uma voz gené­
rica, não identificada (real ou imaginária) o enunciado posto em jo­
go na enunciação.
Dizem que...
Diz que...
Parece que...
Da mesma torma, tem-se aqui a menção a discursos outros; ou, 
pelo menos, projeta-se o escopo do enunciado em questão para além 
do campo da enunciação atual.
4.4. Provérbio
À primeira vista, a enunciação do provérbio parece um caso de 
discurso direto. Porém duas peculiaridades recomendam a conside­
ração do provérbio como um caso singular.
O enunciador de um provérbio está na posição de quem cita 
palavras outras, já proferidas, já realizadas em outras falas que não a 
sua e nisso a enunciação do provérbio coincide com o procedimento 
do discurso direto. Porém, ao contrário do que ocorre no discurso 
direto, o enunciador citado, no provérbio, não é nem identificado, 
nem individualizado. O provérbio não remete à figura de um enun- 
ciador original, mas à humanidade, ao senso comum, ao bom-senso.
Além disso, e diferentemente do que ocorre com o discurso di­
reto, na enunciação do provérbio o enunciador citante adere total­
mente ao enunciado citado, assume a validade do enunciado citado.
46 Rosana Paulillo
De qualquer forma, enunciar um provérbio implica sempre mencio­
nar outras vozes, outras falas, além da sua própria.
5. Desenvolvimentos Ulteriores
As reflexões em tomo do fenômeno do DR ensejaram, de uma 
torma ou de outra, a construção de teorias da linguagem e do discur­
so onde a presença da alteridade no interior do discurso é vista como 
um fenômeno global,

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