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3. DA AÇÃO RESCISÓRIA
•3.1.Introdução
Esgotados os recursos, a sentença transita emjulgado. Não é mais possível rediscuti-la nos mesmos autos, pois haverá coisa julgada formal, que afeta todas as senten-
ças, terminativas ou definitivas. Se o julgamento for de mérito, haverá também a
coisa julgada material sobre todas as decisões de mérito, que projeta seus efeitos fora
do processo e impede que as partes rediscutam em qualquer outro aquilo que tenha
sido decidido sobre os pedidos.
Em casos excepcionais, porém, a lei permite a utilização de ação autônoma de
impugnação, cuja finalidade é desconstituir a decisão de mérito transitada em
julgado. Nela, ainda é possível postular a reapreciação daquilo que foi decidido em
caráter definitivo. Trata-se da ação rescisória.
Não se trata de um recurso, pois pressupõe que todos já se tenham esgotado.
Exige que tenha havido o trânsito em julgado da decisão de mérito..Consiste em
uma ação cuja finalidade é desfazer o julgamento já tornado.definitivo.
Ela não cabe em qualquer circunstância. O art. 966 enumera as hipóteses de
cabimento. Pode-se dizer, de maneira geral, que é o veículo adequado para suscitar
nulidades absolutas que contaminaram o processo ou a decisão. O rescindido é a
decisão (rectius, o seu dispositivo). Mas, como o processo se caracteriza por ser uma
sequência de atos interligados e coordenados, que se sucedem no tempo e visam ao
provimento jurisdicional, a existência de um vício no seu curso pode contaminar
todos os atos subsequentes e, por conseguinte, a decisão de mérito.
A rescisória só servirá para desconstituí-la quando o vício de que ela ou o processo padecem persistir mesmo depois do trânsito em julgado. Há nulidades que
não sobrevivem ao final do processo. Quando ele se encerra, elas se sanam. Por
exemplo: semar, arguiiido!úaispeiÇão;o processo for conduzidooii ela é acolhida,por umojuizquesuspeito,ensejarácumpreo refazimentoàs partesdosrecla-atosdecisórios, se necessário, ou não é acolhida, ou nem mesmo suscitada, caso em que
o vício desaparece.
Quando o vício é daqueles que desaparecem quando o processo se encerra,
não cabe a ação rescisória. Ela exige que a nulidade seja absoluta, que se prolongue para além do processo.
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11 3.2. Outros mecanismos de impugnação das sentenças transitadas em julgado
!1/i 3.2.1. Ações anulatórias ou declaratórias de nulidade (art. 966, § 4°, do CPC)
Há dois outros mecanismos, além da rescisória, pelos quais se pode impugnar
uma sentença transitada em julgado. Um deles é a ação anulatória ou declaratória de
nulidade, prevista no art. 966, § 4°, do CPC que cabe contra os atos de disposição de
direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução.
Sempre que a sentença for apenas de homologação, como ocorre quando há
acordo entre os litigantes, a ação rescisória não será o mecanismo adequado
para impugnação, mas as ações anulatórias ou declaratórias de nulidade, previstas para os atos jurídicos em geral.
O que torna obrigatória a transação não é a homologação judicial, mas o acordo
de vontades. A sentença é proferida apenas para extinguir o processo, mas não é ela
que confere obrigatoriedade ao acordo. Por isso, o que deve ser rescindido não é a
sentença, mas o ato de disposição de direito homologado. Ou seja, o objeto da
rescisão é a transação, ou ato de disposição dos litigantes. Como a transação ou 'disposição é negócio jurídico civil, a rescisão opera-se na forma da lei civil, que prevê
hipóteses de nulidade ou anulabilidade dos atos jurídicos em geral. Em caso de
nulidade, caberá a ação declaratória, e em caso de anulabilidade, ação anulatória.
São elas as adequadas para impugnar acordo em separação consensual, partilha
de bens ou a transação.
113.2.1.1. Decisões que reconhecem prescrição e decadência
Elas põem fim ao processo, com resolução de mérito; no entanto, não julgam a
pretensão do autor. Por isso, são chamadas falsas sentenças de mérito: a lei as considera de mérito para que possam revestir-se da coisa julgada material.
A cassação de tais decisões, depois do trânsito em julgado, exige ação rescisória,
e não a anulatória ou declaratória, porque estas só cabem quando a intervenção do
juízo é meramente homologatória, sem conteúdo decisório. O reconhecimento da
prescrição ou da decadência decorre de um pronunciamento judicial, em que o juízo
verifica os prazos e examina a existência de causa suspensiva ou interruptiva. Não há
apenas manifestação de vontade das partes, mas efetiva decisão judicial. Daí o
cabimento da rescisória.
• 3.2.2. Ações declaratórias de ineficácia
A-ação rescisória cabe quando o processo ou a decisão contiver uma nulidade
absoluta. Superado o prazo, o vício que os contamina estaria sanado, pois até as
nulidades absolutas têm um limite para serem alegadas.
Mas tem-se admitido uma categoria de vícios mais graves, que não se sanariam
nem com o transcurso in albis do prazo das ações rescisórias. Os processos e as decisões que os contenham seriam ineficazes. Não se trata de inexistência física ou
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material, pois a sentença foi proferida e pode estar produzindo efeitos, mas de ineficácia decorrente de um vício insanável, o que enseja não a ação rescisória, mas a
declaratória de ineficácia, a querela nullitatis insanabilis, que, diferentemente
daquela, não tem prazo. É proposta em primeiro grau de jurisdição, e não no tribunal,
como a rescisória.
Como não há unanimidade doutrinária sobre a admissão da ação declaratória,
nem sobre os atos ineficazes, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido certa fungibilidade entre as duas ações, isto é, tem autorizado o ajuizamento da rescisória,
mesmo naquelas situações em que se poderia concluir pela falta de um pressuposto
processual de eficácia, desde qt::e ajuizada dentro do prazo decadencial.
• 3.3. Outras situações em que não cabe a rescisória
Além das situações mencionadas, em que a ação adequada para cassar a senten-
ça é a anulatória, a declaratória de nulidade (art. 966, § 4°) ou a querela nullitatis
insanabilis, há outras situações em que não será possível a ação rescisória. porque
não há coisa julgada material.
É o caso das sentenças meramente extintivas, que põe fim ao processo, sem
resolução de mérito. Há falta de interesse para a rescisória, porque não há coisa julgada e a demanda pode ser reproposta.
Mais complexa é a questão do cabimento da rescisória nas ações de alimentos.
A sentença que julga o pedido decide relação continuativa, que se prolonga no tempo. Por isso, está sujeita a modificações, alteradas as circunstâncias fáticas que ensejaram a fixação originária dos alimentos. Há a todo tempo a possibilidade de postular-se a revisão ou exoneração dos alimentos, desde que ocorra algum fato que o
justifique. Daí dizer-se que a coisa julgada é rebus sic stantibus, que persiste enquanto permaneceram as condições que ensejaram a fixação dos alimentos originariamente. Em princípio, não seria de admitir-se a rescisória, já que a sentença pode ser
revista. Contudo, há um caso em que não há como afastá-la: se não ocorrer nenhuma
modificação dos fatos- o que impediria a propositura da revisão-, mas a senten-
ça originária tiver sido proferida com um vício ou em alguma das circunstâncias do
art. 966 do CPC.
Não cabe ação rescisória contra as sentenças que julgarem as ações civis pú-
blicas improcedentes por insuficiência de provas, ou improcedentes as ações
populares, porque nesses casos não há coisa julgada material (são hipóteses de coisa
julgada secundum eventum litis).
Tampouco contra sentenças que extinguem a execução, já que não são senten-
ças de mérito, mas se limitam a dá-la por finda.
• 3.4. Ação rescisória contra decisão interlocutória de mérito
Como já foi visto, o CPC autoriza que o mérito seja julgado nãoapenas na sentença, mas também em decisão interlocutória, no caso de julgamento antecipado
parcial (art. 356), quando um ou alguns dos pedidos, ou parte deles, tenham ficado
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incontroversos ou estejam em condições de serem apreciados. Essas decisões interlocutórias de mérito, esgotados os recursos, são alcançadas pela autoridade da coisa
julgada material. Por isso, o art. 966 prevê o cabimento da ação rescisória contra elas,
referindo-se a "decisão" em sentido amplo, abrangendo as decisões interlocutórias,
as sentenças e os acórdãos.
• 3.4.1. Ação rescisória contra decisões que não são de mérito
Como visto, só cabe ação rescisória contra decisões de mérito, porque só elas
fazem coisa julgada material. No entanto, há duas exceções previstas em lei, tratadas
no art. 966, § 2°: "Nas hipóteses previstas nos incisos do 'caput', será rescindível a
decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça: I - nova
propositura da demanda; ou II - admissibilidade do recurso correspondente".
Para entendê-las, é preciso lembrar que o juiz pode proferir uma sentença de
extinção sem resolução de mérito, sem força de coisa julgada material, mas que impede a repropositura da mesma ação. São as hipóteses previstas no art. 486, § 1°, I e
também as de coisa julgada ou perempção. Diante da vedação à repropositura, admite-se a ação rescisória, que também será cabível contra a decisão que impeça a admissibilidade de recurso pendente.
Para que se compreenda essa segunda exceção, tome-se um exemplo: o Tribunal
não admitiu a apelação por intempestividade ou falta de preparo. Com isso, a senten-
ça transitou em julgado. Caberia ação rescisória contra a decisão que negou seguimento ao recurso ou não o conheceu? A resposta, em princípio, seria negativa, porque, se o recurso não foi admitido ou conhecido, prevaleceu a sentença de primeiro
grau e a rescisória só poderia ter por objeto a sentença, e não a decisão de inadmissão
do recurso. No entanto, pode ser que a sentença não contenha nenhum dos vícios
elencados no art. 966, que não seja possível encaixá-la em nenhuma das hipóteses de
cabimento. É possível que o vício esteja não na sentença (ou decisão interlocutória de
mérito), mas na decisão que indeferiu ou não conheceu do recurso. Pode ser que a
sentença não esteja fundada em erro de fato, mas a decisão que não admitiu o recurso, sim, porque o considerou intempestivo ou sem preparo quando não o era. Não há
outra solução senão admitir a rescisória não da decisão de mérito, mas da decisão
interlocutória que não admitiu o recurso, permitindo-se agora que o recurso seja
processado e a sentença reexaminada pelo Tribunal. Antes mesmo da entrada em
vigor do CPC atual, o Superior Tribunal de Justiça já vinha admitindo a rescisória,
em situações como essas.
Nesse sentido: "Precedentes da Corte considerando admissível a rescisória quando não conhecido o recurso por intempestividade, autorizam o mesmo entendimento
em caso de não conhecimento da apelação por deserção" (STJ - 3• Turma, REsp
636.251, Rei. Min. Menezes Direito).
1 réu,"ComprovadaOuREspainda:caracteriza-se122.413).a tempestividadeo erro de fato,doautorizandorecurso poracertidão,rescisão docujojulgado"conteúdo(RSTJ-foi admitidoY Turma,pelo
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lll 3.5. Juízo rescindente e juízo rescisório
O art. 974, do CPC, ao estabelecer que "julgando procedente o pedido, o tribunal rescindirá a decisão, proferirá, se for o caso, novo julgamento (...)", aponta para a
existência de dois momentos: o juízo rescindente, aquele em que o órgão julgador
rescinde a decisão impugnada; e o juízo rescisório, em que, se for o casô, procede-se a novo julgamento.
Por meio do juízo rescindente, o órgão julgador vai desconstituir aquilo que, da
decisão de mérito, foi alcançado pela coisajulgada material: o dispositivo da decisão de
mérito, já transitada em julgado. Não podem ser objeto de ação rescisória as outras
partes da decisão ou sentença, elencadas no art. 504 do CPC (os motivos e a verdade dos
fatos; em síntese, a fundamentação). Não havendo coisa julgada sobre elas, não existe
interesse para a rescisória. Só o dispositivo é que se torna imutável e pode ser objeto dela.
O juízo rescisório pressupõe que tenha sido acolhida, ao menos em parte, a
pretensão rescindente. Afinal, se nenhuma parte do dispositivo tiver sido desconstituída, não haverá razão para uma nova decisão. Se apenas uma parte for desconstituída, o novo julgamento referir-se-á tão somente a ela; se todo o julgamento anterior
for desconstituído, o órgão julgador promoverá novo julgamento, que abrangerá integralmente os limites objetivos e subjetivos da lide originária, mas que deles não poderá desbordar. Os limites do novo julgamento na ação rescisória são os limites
da lide originária. Ainda que a decisão rescindida seja uma sentença; o tribunal
que julgar a ação rescisória terá competência para promover o novo julgamento, em substituição ao anterior.
• 3.6. Natureza jurídica da ação rescisória
A sua natureza primordial é desconstitutiva. Isso porque toda ação rescisória
tem de ter o juízo rescindente, o pedido de desconstituição total ou parcial do julgamento anterior transitado em julgado. Mas, além dele, quando for o caso, a rescisória
poderá ter também o juízo rescisório, em que o tribunal proferirá novo julgamento da
questão anteriormente decidida. O juízo rescisório pode ter qualquer tipo de natureza: condenatória, constitutiva ou declaratória. E, sendo condenatória, pode ainda ter
natureza mandamental ou executiva lato sensu.
• 3.7. Requisitos de admissibilidade
A ação rescisória vem tratada no art. 966 do CPC, que enumera variados requisitos
de admissibilidade, que poderiam ser agrupados em duas grandes categorias: os comuns
a todas as ações, como o preenchimento das condições da ação rescisória - interesse e
legitimidade; e os requisitos específicos. Cadaum deles será objeto de um item específico.
- ---·· --·-·---~----------- ------
• 3.7.1. As condições da ação rescisória
•3.7.1.1. O interesse
Só tem interesse em propô-la aquele que puder auferir algum proveito da rescisão, alguma melhora de sua situação, caso o julgamento anterior seja rescindido e
outro seja proferido em seu lugar.
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Para isso, é preciso que o autor da ação rescisória não tenha obtido o melhor
resultado possível no processo cujo julgamento se quer rescindir. Flávio Yarshell
ensina que "é também a partir do que foi julgado no dispositivo da sentença que se
determina o interesse de agir na ação rescisória, havendo grande afinidade desse
tema com o do interesse recursal: o que justifica a impugnação, de um modo gerai, é
o julgamento desfavorável e cuja modificação possa levar, por alguma forma, a situa-
ção mais favorável do que aquela imposta à parte 'sucumbente'" 7•
É possível que ambos os litigantes tenham interesse em ajuizá-la, havendo sucumbência recíproca. E ambos poderão postular a rescisão com o mesmo fundamento. Assim, por exemplo, se a sentença é extra petita, tanto o autor quanto o réu podem
requerer a rescisão por essa razão.
113.7.1.2. O trânsito em julgado como condição indispensável para o ajuizamento da ação rescisória
Enquanto não há trânsito em julgado, a decisão deverá ser impugnada por
meio do recurso adequado. Só quando não for mais possível a interposição do recurso, após ci trânsito, surgirá o interesse de agir para a ação rescisória.
Mas não é necessário que se tenham esgotado todos os recursos possíveis, enquanto o processo ainda estava pendente, bastando que ele tenha se encerrado, exaurindo-se, por preclusão, as oportunidades para recorrer.
É possível a rescisória de uma sentença, ainda que contra ela, no prazo apropriado, não tenha sido interposto recurso nenhum. Basta apenas que tenha havido o trânsito em julgado. Sem ele, falta interesse de agir, porquepor meio dos recursos ainda
é possível obter a cassação da decisão.
Mas Flávio Yarsheli lembra que "partindo-se da premissa de que o julgamento
de mérito é passível de decomposição em capítulos, e suposto que esses capítulos
guardem autonomia entre si, é perfeitamente possível admitir a propositura de ação
rescisória ainda na pendência da relação processual em que originalmente editada a
decisão rescindenda. A preclusão desta, portanto, não coincide necessariamente com
a extinção do processo em que editada" 8•
Tal hipótese pressupõe que tenha havido recurso parcial, que um capítulo da
sentença seja objeto do recurso e outro não. Sendo autônomos, o segundo transitará em julgado e permitirá, desde logo, o ajuizamento da ação rescisória.
Não haverá interesse para a ação rescisória se as partes, por força de negócio
jurídico subjacente, modificaram a situação jurídica decorrente da sentença. Como,
em regra, ela regula situações que dizem respeito a direitos disponíveis, nada impede que as partes, depois dela e mesmo do trânsito emjulgado, transijam, caso em
··qi.ie â·relaçaô jurídica passará a ser regulada pelo acordo, e não mais pela
sentença.
7 Flávio Yarshell, Ação rescisória, p. 129.
8 Flávio Yarshell, Ação rescisória, p. 132.
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Como o julgamento de mérito pode ser cindido, já que o juiz pode, em julgamento antecipado parcial, apreciar um dos pedidos e deixar para apreciar os demais na
sentença, a parte poderá ajuizar ação rescisória apenas contra a decisão interlocutória
de mérito já transitada em julgado, ainda que o processo prossiga para o exame dos
demais pedidos. Mas, se quiser, poderá aguardar a sentença e o exame das pretensões
restantes, porque o direito à rescisória só se extingue depois de dois anos a contar do
trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (art. 975).
• 3.7.2. A legitimidade
Vem estabelecida no art. 967 do CPC: "Tem legitimidade para propor a ação
rescisória: I - quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou
singular; 11 - o terceiro juridicamente interessado; III - o Ministério Público: a) se
não foi ouvido no processo, em que lhe era obrigatória a intervenção; b) quando a
decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei; c) em outros casos em que se imponha sua atuação; IV - aquele que não
foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção".
Cada um merece exame em item específico:
• 3.7.2.1. Quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular
As partes são os principais legitimados da ação rescisória. Por partes entende-se o autor e o ré~ da ação originária e aqueles que, em razão de intervenção
de terceiros, assumiram essa qualidade. É o caso do denunciado e dos chamados
ao processo. Nessas du~. hipóteses, a intervenção de terceiro adquire natureza de
verdadeira ação. O denunciado e os chamados figurarão como litisconsortes do denunciante e do chamante.
As partes da ação rescisória não ocuparão necessariamente os mesmos polos
que ocuparam na ação originária: é possível que o autor da rescisória tenha figurado como réu desta, e vice-versa.
Salvo a hipótese de ~ue o dispositivo da decisão possa ser cindido em capítulos
autônomos, haverá necessidade de citação de todos aqueles que figuraram no polo
oposto, na ação originária. Se o réu desta for o autor da rescisória, no paio passivo
deverá incluir todos os autores, porque eles serão atingidos pela desconstituição da
sentença; a menos que pretenda tão somente a desconstituição de um capítulo autô-
nomo, que diga respeito só a um dos autores, caso em que só ele será incluído.
Quanto aos sucessores, não há nenhuma novidade. Em caso de falecimento, alie-
~ --nação ou cessão-dos direitos decorrentes da decisão, a rescisória será proposta pelos
ou em face dos sucessores.
• 3.7.2.2. A legitimidade do terceiro juridicamente prejudicado
O terceiro que tem interesse jurídico é aquele que poderia ter ingressado no
processo, na qualidade de assistente.
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Há dois tipos de assistência: a simples e a litisconsorcial. Na simples, o terceiro não é titular da relação jurídica discutida em juízo, mas de relação a ela interligada ou conexa. Por isso, o assistente simples não é atingido pela coisa julgada
material, o que, em princípio, afastaria o seu interesse para ingressar com a ação
rescisória.
Mas se a sentença lhe for desfavorável, será atingido pela justiça da decisão,
que, conquanto não se confunda com a coisa julgada, impede que as questões decididas na fundamentação da sentença sejam reexaminadas em outros processos. Ou
seja, em relação ao assistente simples, a sentença projeta seus efeitos para fora do
processo, não sob a forma de imutabilidade decorrente da coisa julgada, mas da
justiça da decisão (CPC, art. 123). Por isso, parece-nos que terá interesse e legitimidade para a rescisória. Em contrapartida, se o terceiro interessado não ingressou
como assistente simples, não é atingido pela justiça da decisão e não tem interesse em
ajuizá-la.
Aquele que poderia ingressar como assistente litisconsorcial será alcançado
pela coisa julgada, ingressando ou não, razão pela qual estará legitimado a propor a ação rescisória.
113.7.2.3. O Ministério Público
O art. 967, III, letras a, b e c, enumera as hipóteses de legitimidade do Ministé-
rio Público: se não foi ouvido no processo, em que lhe era obrigatória a intervenção:
quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou colusão das partes, a fim de
fraudar a lei, ou em outros casos em que se imponha sua atuação.
Elas referem-se à situação em que ele não atuou como parte, pois se foi autor ou
réu poderá valer-se do art. 967, I. Não o tendo sido, poderá ajuizar a rescisória em
razão de nulidade do processo, exatamente por sua não intervenção, nos casos em
que ela é obrigatória; e mesmo quando a sua participação como fiscal da ordem jurí-
dica não era necessária, mas verifica-se que houve simulação ou colusão, que as
partes se uniram para obter, por meio do processo, um resultado ilegal ou fraudulento. Por fim, poderá ajuizá-la também nos outros casos em que a lei imponha sua atuação. Já foi decidido, por exemplo, que "o MP também está legitimado
a pedir a rescisão de sentença em que há comprometimento de interesses públicos
indisponíveis" (RSTJ 98/23).
Em todos os casos, deverão figurar no polo passivo da rescisória os autores e
réus da ação originária, já que todos serão afetados.
• 3.7.2.4. Aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória
a intervenção
Há casos em que a lei determina a intervenção obrigatória de determinadas pessoas ou entes no processo. É o caso, por exemplo, do curador especial em favor do réu
revel citado fictamente ou do réu revel preso. Se eles não forem ouvidos e o juiz
VIl 111 Do Processo e do Procedimento 559
proferir decisão de mérito desfavorável ao curatelado, eles estarão legitimados a propor ação rescisória.
• 3.8. Hipóteses de cabimento (CPC, art. 966)
O art. 966 enumera os fundamentos em que deve se embasar a ação rescisória.
O rol é taxativo e não comporta ampliações, nem utilização da analogia, para hipó-
teses não expressamente previstas. Nos próximos itens, cada uma das situações será
examinada separadamente.
• 3.8.1. Prevaricação, concussão ou corrupção do juiz prolator da decisão
A prevaricação é o ato de "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de
ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal" (CP, art. 319). A concussão consiste em "exigir, para si ou para
outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de a~sumi-la, mas
em razão dela, vantagem indevida" (CP, art. 316). E a corrupção passiva em "solicitar
ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função
ou antes de assumi-la, masem razão dela, vantagem indevida, ou aceitar a promessa
de tal vantagem" (art. 317).
Não é preciso que o juiz tenha sido condenado em processo crime. A existência do ilícito pode ser demonstrada na própria rescisória. Não haverá incompatibilidade entre sentença penal absolutória e a procedência da ação rescisória por esse
fundamento. Mas, se o juiz tiver sido condenado na esfera criminal, o ilícito não mais
poderá ser rediscutido na rescisória.
Se for perpetrado por juiz integrante de órgão colegiado, a rescisória só será
acolhida se o voto dele afetou o resultado.
• 3.8.2. Impedimento do juiz ou incompetência absoluta do juízo
Para que o processo e a decisão sejam válidos é preciso que o juízo seja competente e o juiz imparcial. Mas só haverá nulidade em caso de incompetência absoluta
ou de impedimento, pois se a incompetência foi relativa ou o juiz suspeito, o vício
terá se sanado no curso do processo. A rescisória será admitida, ainda que a nulidade não tenha sido suscitada no seu curso.
Se o juiz impedido participou do julgamento em órgão colegiado, a rescisória
será cabível se o seu.voto repercutiu sobre o julgamento, se o influenciou. Se foi voto
isollJ.dO, cujal)J~eração_ não afetaria o resultado, não há razão para cogitarda rescisão.
Se, no julgamento da rescisória, for reconhecida a incompetência absoluta do
juízo ou Tribunal que prolatou a decisão, haverá a cassação da decisão por eles
proferida, com a determinação de remessa dos autos ao juízo ou Tribunal competente. Parece-nos que, nessa hipótese, não haverá a possibilidade de se proceder ao
juízo rescisório, desde logo, porque cumprirá que, primeiro, haja a decisão do órgão
competente.
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• 3.8.3. Sentença que resulta de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei
Haverá dolo da parte vencedora quando ela engana o juiz ou a parte contrária
para influenciar o resultado do julgamento, e coação quando ela incute no adversário
fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família ou a seus
bens. Para que possa ensejar a rescisória, é preciso que isso tenha sido determinante para o resultado e que aquele que violou o dever de lealdade e boa-fé, ou
fazendo uso de ardis para induzir a erro o adversário, ou fazendo uso da coação,
tenha saído vitorioso.
Barbosa Moreira formula os seguintes exemplos: "o autor obstou a que o réu
tomasse conhecimento real da propositura da ação, ou de qualquer modo o levou a
ficar revel; o litigante vitorioso criou empecilhos, de caso pensado, à produção de
prova que sabia vant~osa para o adversário, subtraiu ou inutilizou documento por
este junto aos autos. Não basta a simples afirmação de fato inverídico, sem má-fé,
nem o silêncio acerca de fato desfavorável relevante, nem a abstenção de produzir
prova capaz de beneficiar a parte contrária" 9•
Acolhido o pedido de rescisão da decisão, cumprirá ao órgão julgador verificar
se já é possível formular o juízo rescisório, proferindo nova decisão, que substitua a
primeira, o que nem sempre ocorrerá: por exemplo, se o dolo ou coação foi usado
para impedir que o réu tomasse conhecimento real da ação, será necessário que o
processo retome da fase de citação, prosseguindo a partir daí. Se o dolo Óu coação foi
usado para obstar a produção de provas, o processo reiniciará a partir dessa fase.
A colusão é o conluio entre as partes, que utilizam o processo para fins ilí-
citos. Vem tratada no art. 142 do CPC: "Convencendo-se, pelas circunstâncias, de
que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim
vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando,
de ofício, as penalidades da litigância de má-fé". Imagine-se, por exemplo, que alguém queira fugir da obrigação de pagar seus credores, e se conluie com um amigo
para que ajuíze ação como credor preferencial, para ter prioridade no recebimento. O
juiz, descoberta a colusão, extinguirá o processo sem resolução de mérito.
Se ele não conseguiu obstar a colusão, qualquer prejudicado ou o Ministério
Público poderão ajuizar a rescisória. Mas não as partes, por faltar-lhes interesse,
já que eram envolvidas na fraude.
Em regra, não haverá juízo rescisório, porque bastará que o órgão julgador casse
a sentença, sem que profira outra no lugar.
·A simuiação ocorre quando uma das partes se valer dos expedientes enumerados no art. 167, §§ 1° e 2°, do Código Civil, aplicando-se a ela as mesmas regras da
colusão.
9 Barbosa Moreira, Comentários ao CPC, 4. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1989, v. 5, p. 147-148.
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• 3.8.4. Decisão que ofendera coisa julgada
Não pode haver novo pronunciamento judicial sobre pretensão já examinada por decisão transitada em julgado e acobertada pela autoridade da coisa
julgada material. Nem mesmo a lei pode retroagir para prejudicá-la. Por isso, uma
nova decisão, que reforme o decidido pela anterior, poderá ser rescindida. Se ela reafirmar a anterior, o problema, em princípio, não se colocará, pois não haverá ofensa
à coisa julgada.
É bastante controversa a questão de qual das decisões deva prevalecer, caso não
haja rescisão da segunda. Vicente Greco Filho suscita interessante questão: "(...) o
da validade da sentença proferida com ofensa à coisa julgada e que não foi rescindida
porque se passaram os dois anos de decadência da ação rescisória". A solução dada
por ele é: "Não rescindida, a despeito de ofender a coisa julgada, a segunda sentença
terá eficácia como título autônomo, mesmo que seja contraditória com a primeira
sentença. Portanto, será executada, sem que o juiz da execução possa evitar a sua
eficácia, porque o trânsito em julgado da segunda impede que se discuta a sua
validade" 10• Essa opinião é partilhada, entre outros, por Flávio Yarshell 11 •
Não nos parece, porém, que seja a melhor solução: em caso de coisas julgadas
antagônicas, há de prevalecer a primeira, pois a segunda foi prolatada quando
já havia decisão definitiva a respeito. Essa é a solução sugerida por Nelson e Rosa
Nery: "Ultrapassado o prazo do CPC 495 e havendo conflito entre duas coisas julgadas antagônicas, prevalece a primeira sobre a segunda, porque esta foi proferida com
ofensa àquela (CPC 471)" 12 •
Situação interessante de rescisória por ofensa ao inciso IV do art. 966 é do acórdão prolatado em apelação intempestiva. Se já havia sido ultrapassado o prazo de
recurso, a sentença estava transitada em julgado. Se o acórdão o apreciou, ofende a
coisa julgada e enseja a rescisória.
Outra situação é a da sentença penal condenatória, posterior à sentença civil de
improcedência transitada em julgado. Não há conflito de coisas julgadas, porque as
pretensões e as partes são diferentes nas duas ações. Entretanto, haverá a questão da
possibilidade de executar a primeira apesar da segunda. A questão é bastante controvertida, mas parece-nos que, enquanto não for rescindida a sentença civil,
não será possível promover a execução civil da sentença penal condenatória.
• 3.8.5. Violar manifestamente norma jurídica
Não se admite a rescisão por injustiça da sentença ou por inadequado
exame das provas. É indispensável que haja afronta direta e induvidosa à
- normajurídica (ou a princípio geral do direito), de natureza constitucional ou
infraconstitucional.
10 Vicente Greco Filho, Direito processual civil, v. 2, p. 408.
11 Flávio Yarshell, Ação rescisória, p. 317.
12 Nelson e Rosa Nery, CPC comentado, 10. ed., p. 699.
562 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves
A ofensa pode ser à norma material (errar injudicando) ou à norma processual
(erro in procedendo), o que, em regra, terá influência decisiva sobre o juízo rescisório.
Se o erro foi de julgamento, será, em princípio, possível que o órgão julgador já profira a nova decisão, em substituição àanterior; mas se ::> erro for processual, haverá
necessidade de que o processo originário seja retomado no ponto em que foi perpetrado o erro capaz de influir no julgamento. Caberá rescisória se o error in procedendo for cometido na própria decisão, ou em fase anterior, desde que sobre ela
repercuta. Por exemplo, no indeferimento de provas que a lei autorizava e que poderiam ter influído no resultado.
Não se considera violação manifesta da norma jurídica a decisão que deu a ela
uma interpretação razoável, ainda que não predominante, ou ainda que divergente de
outras dadas pela doutrina e jurisprudência. Nesse sentido, a Súmula 343 do STF:
"Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposi;ão de lei, quando a decisão
rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais". É preciso que a decisão seja incompatível com a norma jurídica, não podendo haver coexistência lógica das duas.
Mas caberá a ação rescisória, se a decisão não der ao texto de lei interpretação razoável, isto é, der uma interpretação que absolutamente não se conforma com o texto literal da lei ou com o seu espírito. Kesse sentido, já foi decidido:
"O que o art. 485, V, do CPC, (atual art. 966, V) reclama para a procedência da rescisória é que o julgado rescindendo, ao aplicar determinada norma na decisão da
causa (portanto, ao fazer incidir sobre o litígio norma legal escrita), tenha violado seu
sentido, seu propósito: sentido e propósito que, como não pode deixar de ser, admitem e até mesmo impõem variada compreensão do conteúdo do imperativo legal, ao
longo do tempo e ao sabor de circunstâncias diversas da ordem social, que a jurisprudência não pode simplesmente ignorar ou mesmo negligenciar" (RSTJ 27/247).
Vale lembrar que a norma afrontada tinha de estar em vigor no momento ein que
a decisão foi proferida. Não cabe rescisória se a decisão é incompatível com lei
superveniente, embora estivesse em consonância com a lei vigente à época de
sua prolação.
Também se exige que a afronta à lei tenha influenciado o julgamento, pois, do
contrário, faltará interesse para postular a rescisão.
•3.8.6. Se fundar em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja demonstrada na própria ação rescisória
É indispensável que a prova falsa tenha sido determinante do resultado, que
este não possa subsistir sem ela. Se o julgamento está fundado em vários elementos
ou provas variadas, e a falsidade de umadelas não seja decisiva para o resultado, não
haverá razão para a rescisória.
A lei processual não distingue entre falsidade material e ideológica. Considera-se irrelevante que ela pudesse ter sido detectada no processo de conhecimento no
qual foi proferida a sentença que se quer rescindir.
VIl m Do Processo e do Procedimento 563
A falsidade pode dizer respeito a todos os tipos de prova- documental, pericial ou testemunhal - e sua apuração será feita em processo criminal, ou na pró-
pria ação rescisória. Se no primeiro, a sentença que reconhecer a falsidade deverá
estar transitada em julgada, o que torna a hipótese rara, diante do prazo de dois
anos. Mas, mesmo que seja absolutória, a falsidade poderá ser demonstrada na
rescisória.
Formulado o juízo rescindente, caberá ao órgão julgador verificar se já é possí-
vel promover outro julgamento, em substituição ao primeiro, afastada a prova cuja
falsidade se apurou. Haverá situações em que não será possível. Por exemplo, se o
juiz julgou antecipadamente a lide, considerando desnecessárias outras provas, já
que havia prova documental suficiente. Apurada falsidade, pode tornar-se necessária
a abertura de instrução, o que impedirá o juízo rescisório.
111 3.8.7. Depois do trânsito em julgado, o autor obtiverprova nova, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável
O autor, a que alude o dispositivo legal, não é o da ação originária, cuja decisão
se pretende rescindir, mas o da própria rescisória, que pode ter figurado como autor
ou réu daquela.
A prova nova não é aquela cuja constituição operou-se após a decisão transitada
em julgado, mas cuja existência, embora anterior, era ignorada pelo autor da
ação rescisória, ou de que ele não pôde fazer uso, por circunstâncias alheias à
sua vontade. Se deixou de ser apresentada por culpa da parte, que agiu com desídia
ou negligência, porque ela era acessível, não cabe a rescisória. É preciso ainda que o
documento seja tal que possa assegurar, por si só, pronunciamento favorável.
• 3.8.8. Fundada em erro de fato, verificável do exame dos autos
De acordo com os parágrafos do art. 966, haverá erro quando a decisão admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente
ocorrido. Para que caiba a rescisória, é indispensável que o fato não represente ponto controvertido, sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado.
É indispensável que ele possa ser verificável do exame dos autos. Não se
admite, na ação rescisória fundada no inciso VIII, sejam produzidas novas provas do erro. Este já deve estar comprovado de plano.
A rescisória fundada em erro de fato não autoriza ao órgão julgador que reexamine as provas dos autos para verificar se a decisão foi ou não a mais adequada: "O .
erro autorizador da rescisória é aquele decorrente da desatenção ou omissão do julgador quanto à prova, não, pois, o decorrente do acerto ou desacerto do julgado em
decorrência da apreciação dela" (Boi. AASP 1678/Supl., p. 6).
Só cabe a rescisória se a existência oú inexistência do fato não tiver sido
expressamente apreciada pela decisão. Se o juiz, no julgamento, concluiu pela
existência, ou inexistência do fato, equivocadamente, isso não enseja a rescisória. O
564 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves
que a enseja é o erro que passou despercebido do juiz, seja quando ele não reconheceu na decisão um fato que, de acordo com os elementos dos autos, comprovadamente ocorrera; ou quando reconheceu um fato que, de acordo com os mesmos elementos, comprovadamente não ocorrera.
É preciso que o juiz não tenha se pronunciado e levadó em conta elementos
dos autos por si sós suficientes para comprovar que um fato que ele considerou
existente não ocorreu, ou vice-versa.
• 3.9. Procedimento da ação rescisória
• 3.9.1. Competência
A ação rescisória de sentença deve ser proposta perante o Tribunal que teria
competência para julgar recursos contra ela; se de acórdão, a competência será do
mesmo Tribunal que o proferiu, mas o julgamento será feito por um órgão mais amplo. Por exemplo: para rescindir acórdão proferido por três desembargadores, a ação
rescisória deverá ser julgada por turma composta de cinco; se o acórdão foi proferido
por cinco, a rescisória será julgada por sete.
• 3.9.2. Petição inicial
A petição inicial deve conter os requisitos do art. 319 do CPC e indicar os três
elementos da ação: as partes, o pedido e a causa de pedir.
Ao formular o pedido, o autor poderá cumular a pretensão ao "juízo rescindente" e ao "juízo rescisório", se caso. Nem sempre será o caso de cumulação das
duas coisas. Haverá aqueles em que bastará rescindir o julgado, sem necessidade de
proferir outro em substituição, como no caso de segunda sentença proferida quando
já havia outra anterior, transitada em julgado; há outros, ainda, em que o juízo rescisório não poderá ser feito pelo mesmo órgão que fez o rescindente, como no caso da
rescisão por incompetência absoluta do juízo.
Mas, como ensina Flávio Yarshell, "conquanto a lei diga que ao autor compete,
na elaboração da petição inicial, cumular ao pedido de desconstituição o de novo
julgamento da causa, é de se reputar como implícito o pedido relativo ao chamado
juízo rescisório, na exata medida da procedência do juízo rescindente. Não haveria
sentido em se desconstituir a decisão de mérito e, a pretexto de que não teria havido
pedido de novo julgamento, o tribunal interromper aí seu julgamento" 13 • O pedidodo juízo rescisório está implícito no do juízo rescindente, quando for o caso, apesar da redação do art. 968, I, do CPC.
A rescisão pode englobar a decisão toda, ou apenas um dos seus capítulos, caso
em que somente estes serão substituídos pela nova decisão.
A causa de pedir deve corresponder a uma ou mais das hipóteses do art. 966.
13 Flávio Yarshell, Ação rescisória, p. 634.
VIl 111 Do Processo e do Procedimento 565
• 3.9.3. Caução
O art. 968, 11, obriga o autor a "depositar a importância de 5% sobre o valor da
causa, que se converterá em multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos,
declarada inadmissível ou julgada improcedente". Sem o depósito, a inicial será
indeferida.
Essa exigência torna rele\.ante a fixação do valor da causa, que deverá corresponder ao proveito econômico que se obterá com a desconstituição do provimento
judicial. É possível, mas nem sempre certo, que coincida com o valor da causa antecedente, com o acréscimo de correção monetária. Se o interessado pretender rescindir integralmente uma sentença condenatória, o valor da rescisória coincidirá com o
da condenação corrigida. Mas, se quiser rescindir apenas a parte referente aos honorários advocatícios fixados na sentença, o valor deverá ser o deles.
Caso a rescisória venha a ser julgada procedente, o dinheiro será restituído ao
autor. Também haverá restituição se o resultado lhe for desfavorável, mas não por
unanimidade de votos. No ent1nto, não haverá restituição em caso de desistência ou
de extinção por abandono.
Quando o autor for o Ministério Público, pessoa jurídica de direito público, Defensoria Pública ou beneficiário da justiça gratuita, não haverá necessidade de cau-
ção. A Súmula 175 do STJ estc..belece: "Descabe o depósito prévio nas ações rescisó-
rias propostas pelo INSS". Td solução estende-se às demais autarquias e pessoas
jurídicas de direito público.
O depósito prévio de 5% não pode ultrapassar 1.000 salários mínimos.
• 3.9.4. Indeferimento da inicial
'
O art. 968, § 3°, do CPC 3.Utoriza o indeferimento da inicial nas mesmas situa-
ções em que isso ocorre nos outros processos (CPC, art. 330). Também haverá o
indeferimento se não for recolhida a caução exigida pelo art. 968, 11, do CPC.
O relator tem poderes para indeferir a inicial, cabendo agravo interno para o
órgão que seria o competente çarajulgar a ação. Nesse sentido, é a decisão publicada
em RSTJ 148/511. Discute-se Sübre a possibilidade de algum recurso contra o indeferimento da inicial. Parece-nos que não, já que não cabe apelação, porque não houve
sentença, mas acórdão, pois se trata de ação de competência originária do tribunal. E
o agravo interno só cabe quando houver decisão monocrática do relator.
Além de indeferir a inicill, o tribunal também pode proferir a improcedência
liminar, desde que presentes as hipóteses do art. 332 do CPC.
• 3.9:5. Tutela provisória
O art. 969 passou a regula..:nentar expressamente o assunto, ao determinar que "a
propositura da ação rescisória não impede o cumprimento da decisão rescindenda,
ressalvada a concessão de tuteia provisória".
A concessão da tutela provisória há de ser excepcional, uma vez que há decisão
transitada em julgado.
566 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves
Para o deferimento da tutela de urgência é indispensável a plausibilidade do
pedido de rescisão e o risco de prejuízo irreparável ou de difícil reparação, caso
o cumprimento da decisão não seja suspenso. Cumpre ao relator da ação rescisória
apreciar o pedido de liminar.
• 3.9.6. Citação e defesa
Estando em termos a inicial, o relator determinará a citação dos réus, assinalando-lhes o prazo nunca inferior a quinze nem superior a trinta dias para, querendo,
apresentar resposta. Questão altamente controversa é a da aplicação dos arts. 180,
183, 185 e 229 do CPC, que determinam a duplicação do prazo quando os réus forem
o Ministério Público, a Fazenda Pública, a Defensoria Pública, ou litisconsortes com
advogados diferentes de escritórios distintos, em processo que não seja eletrônico. A
redação do art. 970 dá a impressão de que não se aplicam, pois o dispositivo já concede ao juiz certo arbítrio na fixação do prazo, facultando-lhe ampliá-lo, conforme o
caso, até trinta dias. Mas o STF, por sua primeira turma, decidiu que o art. 188 (atual
180) é aplicável à ação rescisória, sob o fundamento de que o prazo do art. 970 é legal, e não judicial (STF, 1• Turma, RE 94.960-7/RJ, Rel. Min:Rafael Mayer).
Não há peculiaridade quanto à citação, que poderá ser feita pelos meios previstos em lei. Se os réus forem revéis, não haverá a presunção de veracidade decorrente da revelia, uma vez que já existe sentença transitada em julgado. Ainda
que o réu não conteste, o autor não se exime do ônus de comprovar as hipóteses do
art. 966.
Admite-se a reconvenção, desde que presentes os requisitos do art. 343 do CPC.
É possível, por exemplo, que uma das partes ajuíze a rescisória para desconstituir os
capítulos da sentença que lhe foram desfavoráveis e que seu adversário reconvenha,
postulando a desconstituição dos demais.
Apresentada ou não a resposta, o processo seguirá pelo procedimento comum.
Se houver necessidade de provas, o órgão julgador poderá delegar a competência
para colhê-la ao órgão que proferiu a decisão rescindenda, com prazo de um a três
meses para a devolução dos autos.
Concluída a instrução, será aberta vista, sucessivamente, ao autor e ao réu pelo
prazo de dez dias, para razões finais. Em seguida, os autos irão ao relator, procedendo-se ao julgamento (CPC, art. 973).
•3.9.7. A intervenção do Ministério Público
.... O Minist~rio P~blico só intervirá na ação rescisória como fiscal da orde_m jl1rí-
dica quando preenchidos os requisitos da sua intervenção, estabelecidos no art. 178
do CPC (art. 967, parágrafo único).
•3.9.8. O julgamento
Depois de colhidas as manifestações das partes e do Ministério Público, quando
for o caso de sua intervenção, a ação rescisória será julgada, na forma do art. 974 do
VIl 11 Do Processo e do Procedimento 567
CPC. Cumprirá ao tribunal, em caso de procedência, rescindir a decisão Uuízo rescindente) e, se for o caso, promover o novo julgamento Uuízo rescisório). A caução
será restituída ao autor. Também o será, caso haja improcedência, ou a rescisória seja
considerada inadmissível, mas não por unanimidade de votos. Se a improcedência ou
rejeição for unânime, o autor perderá em favor do réu a caução, a título de multa, nos
termos do art. 968, li, do CPC.
Quando o resultado da ação rescisória for a rescisão da decisão por votação não
unânime, o julgamento deverá prosseguir, com a inclusão de novos julgadores
em número suficiente para uma potencial reversão do resultado, em sessão a ser
designada, se não for possível o prosseguimento na mesma sessão. Trata-se da técnica de julgamento implementada pelo art. 942 do CPC, que se estende às ações rescisórias (art. 942, § 3°, 1).
• 3.9.9. O juízo rescisório- a quem cabe fazer
O julgamento da ação rescisória pode ser dividido em dois momentos: aquele em
que o tribunal verificará se é caso de rescindir a decisão; e o posterior, que depende
do acolhimento do primeiro, em que se decidirá se é caso de promover o novo
julgamento, passando-se a ele, em caso afirmativo.
A rescisória pode ter por objeto decisão interlocutória, sentença ou acórdão, que
sejam, em regra, de mérito. Se contra a decisão ou sentença não foi interposto recurso, ou os recursos interpostos nem foram conhecidos, é ela que transita em julgado,
e a rescisão será dela; se foi interposto recurso, conhecido, o acórdão a substituirá,
tenha ele mantido ou reformado a decisão de primeiro grau. Por isso, é ele que transita em julgado e será objeto de rescisão.
Cumpre ao órgão julgador da ação rescisória proferir o novo julgamento
quando for o caso, isto é, quando isso for necessário e possível.
Por exemplo: quando ela tem por fundamento a existência de coisa julgada, em
processo anterior (art.966, IV), rescindida a sentença, não será proferida outra. Da
mesma forma, sendo objeto da rescisória a incompetência absoluta será preciso verificar se tal incompetência é do tribunal que prolatou o acórdão (no processo originá-
rio), caso em que o órgão julgador da rescisória, depois de rescindir a sentença, enviará os autos ao tribunal competente; ou se é do juízo de primeiro grau, caso em que,
após a rescisão da sentença, remeterá os autos ao juízo de primeiro grau competente,
para que profira nova decisão.
A competência.para proferir o juízo rescisório é do mesmo órgão que fez
o juízo rescindente, não importan~o que a, rescisão seja de_s_e_ntt:l15~ C)U ~e
acórdão.
Rescindida a decisão não será o juízo que a prolatou quem proferirá outra no seu
lugar, mas o Tribunal que a rescindiu. Não há ofensa ao duplo grau de jurisdição, pois
se está diante de um caso de competência originária do tribunal.
Ficam ressalvados os casos de rescisão por incompetência, em que haverá necessidade de remessa ao Tribunal ou ao juízo competentes.
568 Direito Processual Civil Esquematizado® Marcus Vinicius Rios Gonçalves
113.9.10. Cabe recurso do acórdão que julgar a rescisória?
Se ele padecer de erro material, obscuridade, omissão ou contradição, cabem
embargos de declaração; e eventual recurso extraordinário ou ordinário, nos casos
dos arts. 102, III e 105, III, da CF.
• 3.9.11. Erescisória de rescisória?
Se a ação rescisória for julgada pelo mérito, e o acórdão padecer de algum dos
vícios enumerados no art. 966, do CPC, será possível ajuizar rescisória da rescisória.
Um exemplo: pode ocorrer que, por em equívoco, o Tribunal reconheça a existência
de decadência e julgue a rescisória extinta, com resolução de mérito. Mais tarde, se
verifique que houve erro na contagem do prazo. Será possível rescindir o acórdão
proferido na primeira rescisória.
113.10. Prazo
O art. 975, do CPC, estabelece que "o direito à rescisão se extingue em dois anos
contratos do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo". A Súmula 401
do Superior Tribunal de Justiça acrescenta que "o prazo decadencial da ação rescisória só
se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial".
O prazo se justifica por razões de segurança jurídica: não seria razoável que, por
tempo indefinido, se pudesse desconstituir decisão transitada em julgado.
Há duas exceções ao prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da última decisão: a hipótese do art. 966, VII, em que o prazo será contado da data da
descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de cinco anos contado do
trânsito em julgado da última decisão proferida no processo; e a hipótese de simula-
ção ou colusão, em que o prazo da rescisória para o terceiro prejudicado e para o
Ministério Público, que não interveio no processo, correrá a partir do momento em
que ambos têm ciência da simulação ou colusão.
O prazo do art. 975 tem natureza decadencial, pois a ação é desconstitutiva dos
julgados anteriores. Aplica-se a regra geral do art. 240, § 4°, do CPC: o despacho que
ordena a citação interrompe o prazo, mas, se esta for feita dentro do período estabelecido em lei, a eficácia interruptiva retroage à data da propositura da ação. Também retroage se houver atraso na citação, por fato que não possa ser imputado ao autor.
Apesar de o prazo ser decadencial, ele se prorroga até o primeiro dia útil subsequente, quando expirar durante o período de férias, recesso, ou cair em feriado ou em
dia que não haja expediente forense (art. 975, § 1°).
O termo inicial é o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.
Quando-o-recurso-for conhecido, o acórdão substitui a sentença e ele é que será rescindido. Assim, o prazo começará a partir do dia seguinte ao último dia que as partes
tinham para interpor outros recursos contra ele.
Se o recurso não for admitido ou conhecido, o que transita em julgado é a sentença (ou decisão interlocutória de mérito). Por essa razão, seria de contar-se o
trânsito em julgado desde o momento em que se verificou a causa que tornou o
VIl &I Do Processo e do Procedimento 569
recurso inadmissível. Por exemplo: se era intempestivo, desde o término do prazo
legal para interposição; se não foi recolhido o preparo, desde o momento em que se
tornou deserto.
No entanto, a aplicação desse princípio poderia trazer graves problemas, pois, às
vezes, o Tribunal poderia levar mais de dois anos para proferir o acórdão. Se este for
de não conhecimento - e considerando que o recurso não admitido equivale a não
interposto - o trânsito em julgado retroagiria mais de dois anos, o que impediria a
parte prejudicada de valer-se da rescisória.
Por essa razão, o Superior Tribunal de Justiça já vinha decidindo: "Segundo
entendimento que veio a prevalecer no Tribunal, o termo inicial para o prazo decadencial da ação rescisória é o primeiro dia após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. salvo se se provar que o recurso foi interposto por má-fé
do recorrente" (RSTJ 102/330). Mesmo que o recurso não seja conhecido, o termo
inicial do prazo da rescisória não retroagirá, mas será contado depois do trânsito em
julgado da última decisão, salvo demonstrada má-fé. É o que estabelece a já mencionada Súmula 401 do STJ. Essa solução foi expressamente acolhida pelo art. 975,
caput, do CPC, que ainda solucionou outra questão, relevante no CPC atual. O julgamento do mérito pode ser cindido, nos casos em que houver o julgamento antecipado
parcial, previsto no art. 356. O juiz pode proferir decisão interlocutória de mérito,
julgando um ou alguns dos pedidos, ou parcela deles, em caráter definitivo, no curso
do processo, determinando o seu prosseguimento em relação aos demais pedidos. Se
não houver agravo de instrumento contra a decisão interlocutória de mérito, ela transitará em julgado. A coisa julgada material será cindida, constituindo-se em etapas.
Primeiro, transitará a decisão interlocutória de mérito e, posteriormente, a sentença.
Caso isso ocorra, o prazo para a ação rescisória será de dois anos do trânsito em
julgado da última decisão proferida no processo, e não do trânsito em julgado de cada
uma das decisões de mérito proferidas no seu curso. Mesmo que o juiz profira uma
decisão interlocutória de mérito e que ela transite em julgado, somente quando o
processo se encerrar, com o trânsito em julgado da última decisão nele proferida, é
que fluirá o prazo da ação rescisória.

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