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www.gustavobrigido.com.br DIREITO PENAL – PARTE GERAL CAPÍTULO 01 - DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: O conceito de Direito Penal, nos ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt. “Apresenta- se como um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes – pena e medidas de segurança”. Fernando Capez aduz que “É o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê- los como infrações penais, cominando-lhes, em conseqüência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessários à sua correta e justa aplicação”. Objetiva a defesa da sociedade, buscando a proteção dos bens jurídicos fundamentais, como a vida humana, a integridade corporal do homem, a honra, o patrimônio, a segurança da família, a paz pública, em síntese. Na qualidade de Ciência Jurídica autônoma, o Direito Penal possui princípios, tanto de natureza constitucional como infraconstitucional e têm a função de orientar o legislador, no intuito de limitar o poder punitivo estatal mediante a imposição de garantias aos cidadãos. Princípios são valores fundamentais que inspiram a criação do sistema jurídico. Na clássica definição de Celso Antonio Bandeira de Mello, encontramos: “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo” 2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO PENAL: 2.1 – INTRODUÇÃO: A Constituição é a base – o alicerce – do Estado e da sociedade. É nela que estão insertas as normas básicas de organização estatal e os princípios fundamentais sobre os quais se assentam todas as relações entre os indivíduos. Na Constituição do Estado, estão estabelecidos os primados sobre os quais tudo o mais existe. É na Carta Magna que está dito: república ou monarquia, parlamentarismo ou presidencialismo; propriedade privada sobre os meios de produção ou propriedade coletiva, estatizada: capitalismo ou socialismo. Desde as questões mais complexas aos mecanismos mais simples da vida, do sistema financeiro à relação de emprego, todos encontram, na Carta Constitucional de um Estado, suas origens, suas bases, suas raízes, suas diretrizes e regras. www.gustavobrigido.com.br Na Constituição Federal brasileira, estão estabelecidos todos os princípios que regem o Direito Civil, o Direito Administrativo, o Comercial, Trabalhista, Tributário, Processual e, não podia ser diferente, também o Direito Penal. Nela está determinado que a base da sociedade é a família, a qual também se constitui por meio da união estável entre homem e mulher. Ali está escrito que nenhum tributo será estabelecido senão para ser cobrado no exercício seguinte. E está definido que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Está inscrito, felizmente, que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. São os fundamentos, os alicerces, que sustentam a vida da sociedade brasileira, do homem. Todas as demais normas do direito devem harmonizar-se com os princípios constitucionais, sob pena de se tornarem inválidas. Todo o Direito Penal, igualmente, é construído com base em princípios inseridos na Constituição Federal, os quais norteiam sua construção e a sua vida, devendo, de conseqüência, ser respeitados. As normas penais ordinárias que vierem a ser elaboradas em dissonância com os princípios constitucionais simplesmente não terão, em substância, nenhum valor, ainda que sejam votadas, promulgadas, publicadas etc. Tudo aquilo que colidir com o preceito constitucional será banido do ordenamento jurídico, ainda que formalmente nele tiver ingressado. Por isso, para se estudar o Direito Penal, o ponto de partida deve ser o estudo de suas bases, seus alicerces, seus princípios mais importantes, os quais, por essa razão, estão escritos na Constituição Federal. São eles: o princípio da legalidade, o princípio da extra-atividade da lei penal mais favorável, o princípio da individualização da pena, o princípio da responsabilidade pessoal, o princípio da limitação das penas, o princípio do respeito ao preso e o princípio da presunção da inocência. 2.2 – PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL / ESTRITA LEGALIDADE: O inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal estabelece: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, preceito repetido no art. 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena, sem prévia cominação legal”. É o mais importante dos princípios do Direito Penal, a base, a viga mestra, o pilar que sustenta toda a ordem jurídico-penal. Seu significado é claro e límpido. Só pode alguém receber uma resposta penal, uma pena criminal, se o fato que praticou estivesse, anteriormente, proibido por uma lei sob a ameaça da pena. O homem só pode sofrer a pena criminal – ser privado da sua liberdade, em regra – se tiver realizado um comportamento previamente definido como crime, por uma lei em vigor. Por mais imoral que seja uma conduta humana, a ela só corresponderá uma sanção penal se, antes de sua prática, tiver entrado em vigor uma lei considerando-a crime. O incesto – prática de atos sexuais entre pai e filha ou mãe e filho, ou entre irmãos, sem violência, real ou moral –, apesar de, moralmente, repugnar a todos, não é crime e, por isso, não merecerá nenhuma sanção do direito. www.gustavobrigido.com.br Antes de ser um critério jurídico-penal, o nullum crimen, nulla poena sine lege é um princípio político pois representa um anteparo da liberdade individual em face da expansiva autoridade do Estado. Significa, pois, o princípio que só a lei pode definir crimes e cominar penas. A edição de normas sobre crimes e penas é matéria reservada à lei, daí o nome de Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal. O Princípio quer dizer: lei, anterior, no sentido estrito e certa. Só a lei ordinária, aprovada no Congresso Nacional, com observância de todas as regras que regem o processo legislativo, vedada esta atividade ao legislador estadual ou distrital e municipal. Igualmente, não se admite a criação de crimes e penas por meio de Medida Provisória ou de Lei Delegada. Da mesma forma, o mandamento legal vincula o magistrado, não se permitindo analogia em desfavor do réu, ou seja, proibindo a adequação típica “por semelhança” entre fatos penais. Por outro lado, a Lei Penal há de ser certa, exata, precisa, proibida a utilização de fórmulas excessivamente genéricas ou de interpretação duvidosa, devendo, pois, o legislador, no momento de definir os comportamentos humanos que deseja considerar crimes, evitar a utilização de expressões vagas ou ambíguas, a fim de que todos os indivíduos possam, com facilidade, compreender a extensão e o alcance das normas de proibição. 2.2 – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE: Pelo dispositivo constitucional inserto no art. 5º, inciso XXXIX, e, também, no art. 1º do Código Penal, para que se verifique e seja punido um crime, para que seja aplicada a respectiva pena, faz-se necessário que o fato tenha sido cometido depois de a lei ter entrado em vigor. Assim, ninguém pode ser punido por um fato ou com uma penaque não esteja assim previamente estabelecido em lei. 2.3 – PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA: Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica- se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado Em Direito, a regra geral é que se aplique a lei vigente á época do fato, é o princípio denominado “ tempus regit actum” , ou seja, aplica-se ao crime a lei que estiver vigorando quando de seu cometimento. Daí, em tese, a lei não poderia alcançar fatos ocorridos anteriormente a sua vigência ou aplicar-se a fatos posteriores a sua revogação. www.gustavobrigido.com.br Entretanto nos termos do art. 5º, inciso XL da Constituição Federal e do art. 2º do Código Penal, a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Cuidadosamente, o legislador constituinte, não satisfeito com impor a anterioridade da lei penal, veio, no inciso seguinte, reafirmar que a lei penal não pode retroagir, isto é, não pode ser aplicada a fatos acontecidos antes de sua vigência. Não havia necessidade, pois o princípio da reserva legal é claro ao dizer que só haverá crime e pena, se houver, previamente, uma lei anterior. Mas o objetivo não era o de reafirmar o princípio da legalidade, mas o de construir outro pilar sobre o qual se sustenta o Direito Penal, o de que a lei penal mais favorável retroagirá ou ultra-agirá. O Direito é dinâmico como a sociedade. Os interesses sociais estão em constante movimento e, à medida que se desenvolve a sociedade, impõem-se mudanças na ordem jurídica. Novas conquistas tecnológicas impõem novos tratamentos a questões que surgem no dia-a-dia. Valores substituem-se, formas de ver os fatos sociais alternam-se, de modo que se torna sempre necessária a criação de novas leis.A regra geral de aplicação da lei é a prevalência da lei do tempo do fato, decorrência do princípio da legalidade (tempus regit actum). Aplica-se ao fato a lei vigente ao tempo de sua prática. Leis sucedem-se, criando novos crimes, modificando o tratamento dado aos crimes já existentes, ora com maior severidade, ora abrandando a resposta penal e, até, simplesmente, extinguindo espécies de crimes. Nessas hipóteses, incide o princípio, que proíbe a retroatividade da lei mais severa: não poderá a lei mais grave ser aplicada aos fatos ocorridos antes de sua vigência. Se, contudo, a lei posterior é, de qualquer modo, mais benéfica, vai retroagir, para ser aplicada aos fatos acontecidos antes de sua vigência. Não podia ser diferente. A pena é a resposta que a sociedade dá aos indivíduos que atacarem, de modo grave, os bens jurídicos mais importantes. Se, em dado momento, a sociedade entende que a pena deve ser menor do que era, é porque considera que a resposta ao crime praticado deve, igualmente, ser de menor intensidade. Se, a partir de uma nova lei, esta pena é mais branda, deve o ser para todos, inclusive para os que praticaram o crime antes da lei. Não teria nenhum sentido punir alguém com uma pena que já não está em vigor. A pena é a medida da reprovação do comportamento humano. Se o fato antes punido mais severamente passa a ser, depois, punido com menor severidade é porque a sociedade entendeu que a punição anterior – mais severa – não era justa. Se a reduziu é porque ela não se justificava. E se não era justa antes, porque aplicá-la, depois de considerá-la injusta? O inverso, punir alguém, com maior rigor que o previsto no tempo em que ele praticou o crime, seria injusto e iria de encontro à dignidade humana. Quando alguém pratica um fato definido na lei como crime, conhece a pena a ele correspondente, em qualidade e em quantidade. www.gustavobrigido.com.br Se esta pena, depois da prática do fato, é aumentada, não pode, em nenhuma hipótese, ser aplicada àquele que violou a norma no tempo da lei anterior, sob pena de violar sua dignidade. Ele, ao violar a norma, sabia que o máximo que poderia receber era a pena então vigente. Se, mesmo assim, violou a norma é porque aceitou, na pior das hipóteses, sofrer aquela pena, somente ela, em qualidade e quantidade, e não mais que ela. Aplicar- lhe pena então inexistente – porque maior ou diferente – é violar o princípio da dignidade do homem.É trair o indivíduo e o direito há de ser, sempre, verdadeiro e sincero. A lei penal que for mais favorável ao acusado da prática do crime sempre será aplicada, em qualquer hipótese. Por isso, diz-se que a lei mais benéfica é sempre extraativa: se ela é a lei posterior, é e sempre será retroativa; se ela é a lei do tempo do fato, é e será sempre ultra-ativa. A lei mais favorável é, pois, extra-ativa. 2.4 – PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA: Dispõe o inciso XLVI do art. 5º da Carta Magna: “A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.” Como se pode observar, o legislador constituinte não definiu o que seja individualização da pena, tarefa que cabe à doutrina. Individualizar significa particularizar, adaptar a pena ao condenado. A cada indivíduo, uma pena. Para particularizar a pena, a lei haverá, evidentemente, de balizar-se em parâmetros que, como não poderia deixar de ser, são o homem que violou a norma e o fato por ele praticado, cada qual, com suas particularidades, suas peculiaridades, suas características próprias, subjetivas e objetivas, que os individualizam. Para adaptar a pena ao homem, seu destinatário, a lei levará em conta suas características e as do fato realizado. A individualização da pena faz-se em três etapas: cominação, aplicação e execução. A) Cominação: No primeiro momento da individualização, a tarefa incumbe ao legislador, que, ao definir os vários comportamentos humanos que considera crime – cumprindo, assim, o princípio da legalidade –, estabelece, para cada um, uma pena, em qualidade e em quantidade. Esta é a chamada fase da cominação das penas. O legislador se orientará pela importância dos bens jurídicos e pela gravidade do ataque contra eles perpetrados, estabelecendo, para cada comportamento considerado criminoso, uma qualidade e uma quantidade de pena, que será de maior severidade, conforme seja mais importante o bem e mais grave o ataque contra ele efetuado. Assim, a morte de um homem por outro, que a desejou, merecerá a mais severa das penas. Já ao simples e leve ferimento do corpo humano, causado intencionalmente por outro, corresponderá uma pena bem mais branda. B) Aplicação: www.gustavobrigido.com.br Se o homem, apesar da ameaça, não se intimida e pratica o fato definido como crime, poderá receber a pena correspondente. A pena será aplicada – pelo julgador – com observância de normas legais que tratam da individualização. O julgador não é livre para escolher a qualidade nem a quantidade da pena. Se o infrator da norma tiver cometido um crime de estupro – constranger mulher à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça – o juiz deverá, em primeiro lugar, verificar qual a qualidade e quantidade da pena cominada na lei, encontrando-as no art. 213 do Código Penal: “reclusão, de 6 a 10 anos”. Para estabelecer a pena concreta, a ser cumprida, o juiz deverá analisar as características do infrator da norma e do fato por ele praticado. A primeira observação, a propósito, é de que a pena a ser aplicada não poderá sernem além nem aquém do necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Isto quer dizer que, dentro dos limites fixados – mínimo e máximo –, a pena deve ser fixada de modo justo, exato. Para se alcançar esse difícil fim, manda o art. 59 do Código Penal que o juiz considere várias circunstâncias, do homem, e do fato por ele praticado, que são: a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do infrator da norma penal, os motivos, as circunstâncias e conseqüências do fato e o comportamento da vítima. É evidente que, tratando-se de um homem de passado ilibado, de personalidade pacífica, de boa índole, de conduta social respeitável, não haverá necessidade de uma quantidade de pena distante do grau mínimo. Se, ao contrário, tratar-se de pessoa que agiu com muita culpa, a pena haverá de se distanciar do grau mínimo, aproximando-se do grau máximo. Se, entre aquelas circunstâncias, umas favorecem, outras prejudicam o acusado, cabe ao juiz verificar quais preponderam e, entre elas, atentar para as que mais importam para o direito. As de natureza pessoal – a primariedade – haverão de ser relevadas, até porque o fim e a razão de ser de toda a vida, da humanidade, é o homem, objetivo de todos nós. Após a fixação dessa que se chama pena-base, o julgador verificará se ocorrem circunstâncias agravantes, que se encontram definidas nos arts. 61 e 62 do Código Penal, e circunstâncias atenuantes, dos arts. 65 e 66 e, em conseqüência, agravará ou atenuará a pena-base. Em seguida, observará a existência de causas especiais de aumento ou de diminuição de pena, previstas no Código Penal, seja na parte geral, seja na parte especial, aumentando ou diminuindo a pena, dentro das quantidades permitidas, chegando, então, à pena definitiva. Fixada a pena definitiva, o juiz estabelecerá o regime de seu cumprimento, se privativa de liberdade, como manda o art. 33 do Código Penal, ou a substituirá, conforme determina o art. 60, § 2º, e art. 44 do Código Penal. Assim, terá particularizado a pena ao condenado. Com a individualização da pena, pode uma pessoa que cometeu um estupro ser www.gustavobrigido.com.br condenada a seis, sete, nove ou a 10 anos de reclusão, conforme sejam as suas características e as do fato praticado. Desse modo, para um mesmo crime, cometido por duas pessoas, as penas aplicadas não serão, necessariamente, as mesmas. Se Pedro e Célio, irmãos, com mesmas características, pela mesma razão, cometem em conjunto o mesmo crime e são ambos condenados, Pedro, de 20 anos, e Célio de 22, não receberão penas iguais, ainda que todas as circunstâncias judiciais lhes sejam igualmente favoráveis ou desfavoráveis, por uma única razão: Pedro tem, em seu favor, uma circunstância atenuante que não favorece Célio: ter menos de 21 anos ao tempo do fato (art. 65, I, CP). Por isso, se, em face das circunstâncias judiciais, ambos receberem pena-base igual ao mínimo, a atenuante há de fazer a pena ficar aquém do mínimo legal. Esta é posição que se considera a justa, e que melhor será detalhada mais a frente, onde esta segunda fase da individualização da pena, da mais alta importância, será examinada de forma mais pormenorizada. C) Execução: Aplicada a pena, não sendo mais possível qualquer recurso contra a decisão que a fixou, o Estado adquire o título com o qual deverá executar a pena, que será cumprida pelo condenado. Também a execução da pena não pode ser igual para todos os condenados, que, além de terem cometido crimes distintos, são diferentes entre si, cada qual com sua personalidade, sua necessidade de reprovação e prevenção. O inciso XLVIII do art. 5º da Constituição Federal estabelece: “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”. Individualizar, nesta fase, é proporcionar a cada condenado as oportunidades necessárias para que ele possa, durante e após o cumprimento da pena, ser reinserido na sociedade de modo a, posteriormente, poder ser aceito por ela e com ela viver em plena harmonia. O art. 5º da Lei de Execução Penal (7.210/84) determina que o condenado será classificado, segundo seus antecedentes e personalidade, para orientação da individualização da pena. E o art. 6º manda que a classificação seja feita por uma Comissão Técnica, a quem compete elaborar um programa individualizador, que deverá ser acompanhado no decorrer do cumprimento da pena. Os condenados serão submetidos a exame criminológico – técnico-pericial – capaz de fornecer aos executores da pena os elementos indispensáveis à individualização da execução da pena. Na prática, todavia, a situação é diferente. Infelizmente, o Estado brasileiro não cumpriu, a contento, suas obrigações estatuídas pelas Leis nos 7.209 e 7.210, edificando estabelecimentos penitenciários, dotando o sistema prisional das condições indispensáveis à execução das penas privativas de liberdade. www.gustavobrigido.com.br 2.5 – PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOA / DA PERSONALIZAÇÃO DA PENA / INTRANSCEDÊNCIA DA PENA: Dispõe o inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal: “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.” O princípio é claro: só o condenado pode sofrer a pena criminal, seja ela privativa de liberdade, de multa, de prestação social alternativa, restritiva de direitos, seja qualquer outra que vier a ser cominada. A indenização do prejuízo causado pelo condenado é sanção civil, e por isso pode ser estendida aos sucessores e contra eles executada, é óbvio, até o limite do valor do patrimônio transferido. Se o condenado por crime contra o patrimônio vier a morrer logo após a sentença condenatória irrecorrível, o prejuízo sofrido pela vítima poderá ser cobrado dos sucessores do infrator da norma penal, que estarão obrigados a indenizar o credor, observado o limite do patrimônio que tiverem recebido. Se tiver sido transferido valor inferior ao da indenização, o credor só poderá executar o valor da importância transmitida. Se nada tiver sido transferido, nada poderá ser cobrado. Não podia ser diferente, já que, no direito das sucessões, são transmitidos obrigações e direitos, e estes só são partilhados após o cumprimento daquelas. Primeiro, pagam-se as dívidas do autor da herança e, somente após a liquidação de todas as suas obrigações, inclusive as tributárias e decorrentes da própria morte, é que se apura o saldo a partilhar. Como o dever de indenizar se inclui entre as dívidas do morto, só após seu pagamento é que os sucessores receberão a herança. 2.6 – PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS: Diz o art. 5º, XLVII, da Carta Magna: “Não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.” A Constituição Federal proibiu, expressamente, a adoção dessas cinco espécies de penas, inserindo tal proibição no rol dos direitos e garantias fundamentais do homem, de modo que é impossível sua adoção em nosso direito, conforme manda o art. 60, § 4º, inciso IV: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: ... IV – os direitos e garantias individuais.” Essas penas foram banidas do ordenamento jurídico, porque não se coadunam com o estágio atual de desenvolvimento de nossa sociedade, uma vez que ferem a dignidade humana e violentam profundamente o princípio da humanidade e do interesse social. 2.7 – PRINCÍPIO DO RESPEITO AO PRESO: www.gustavobrigido.com.br Diz o art. 5º, XLIX, CF: “É asseguradoaos presos o respeito à integridade física e moral” e o inciso L: “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. O preceito se especifica no art. 38 do Código Penal: “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.” Também a Lei de Execução Penal (LEP) contém dispositivo semelhante: “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios” (art. 40). O princípio abrange não apenas os condenados, mas também todos aqueles que estiverem presos, seja a prisão civil ou penal, processual ou definitiva. O homem, apesar de condenado ou apenas preso, não deixa de ser humano, e continua com todos os seus direitos, com exceção apenas dos incompatíveis com a perda da liberdade. De conseqüência, deve ser protegido, enquanto ser humano e cidadão. Principalmente, porque é um ser destituído de liberdade, incapaz de, por isso, defender- se em sua plenitude. O homem encarcerado, algemado, não é capaz de enfrentar a maior parte das dificuldades e dos percalços da vida em prisão. O art. 41 da Lei nº 7.210 enumera direitos do preso: alimentação suficiente e vestuário; atribuição de trabalho e sua remuneração; previdência social; constituição de pecúlio; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer espécie de sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência especial com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. O art. 88 da LEP contém uma norma da mais alta importância: “O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6 m2 (seis metros quadrados).” 2.8 – PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: Está no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Esse princípio, também chamado do estado de inocência ou da não culpabilidade, aparece pela primeira vez numa Constituição Brasileira, e significa uma das maiores www.gustavobrigido.com.br conquistas do cidadão brasileiro às vésperas do terceiro milênio, como coroamento de uma série de vitórias do homem contra o arbítrio. O preceito projeta-se principalmente no campo do direito processual penal – por, entre outras conseqüências, impor o ônus da prova legal da ocorrência do fato e da culpabilidade do acusado ao acusador e permitir ao réu o direito ao silêncio, sem que possa o julgador interpretá-lo em seu desfavor – mas tem também importante reflexo no Direito Penal: nenhuma norma penal poderá estabelecer a responsabilidade com base em fatos presumidos, porque ninguém pode ser punido por presunções, mas apenas por fatos reais. 3. PRINCÍPIOS LEGAIS DO DIREITO PENAL: 3.1 – PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA: O Direito Penal, por sua vez, encarregou-se de cuidar de alguns deles, quais sejam, os fatos humanos e indesejáveis socialmente. Desta forma, desprezam-se os fatos da natureza e os desejados pela sociedade. Observa-se a seletividade do Direito Penal, que não se preocupa com fatos em que não há a conduta humana voluntária e não causa reprova social. Pelo princípio da intervenção mínima, o Direito Penal deve se abster de intervir em condutas irrelevantes e só atuar quando estritamente necessário, mantendo-se subsidiário e fragmentário. A subsidiariedade como característica do princípio da intervenção mínima, norteia a intervenção em abstrato do Direito Penal. Para intervir, o Direito Penal deve aguardar a ineficácia dos demais ramos do direito, isto é, quando os demais ramos mostrarem-se incapazes de aplicar uma sanção à determinada conduta reprovável. É a sua atuação ultima ratio. 3.2 – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: O princípio da insignificância, também chamado de princípio da bagatela aduz a idéia de que o Direito Penal não deve se ocupar de assuntos irrelevantes, incapazes de lesar o bem jurídico legalmente tutelado. Funciona como uma CAUSA DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE, afastando a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, conforme orientação sedimentada do Supremo Tribunal Federal, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). www.gustavobrigido.com.br Além desses requisitos objetivos, é possível extrair que a jurisprudência também utiliza como orientação para aplicação do princípio da insignificância alguns requisitos subjetivos, como o contexto em que se deu a prática do crime, a importância (patrimonial ou sentimental) do objeto material, a condição econômica da vítima, as circunstâncias do fato e o resultado produzido, bem como as características pessoas da vítima. Em resumo, o conceito do princípio da insignificância é o de que a conduta praticada pelo agente atinge de forma tão ínfima o valor tutelado pela norma que não se justifica a repressão. Juridicamente, isso significa que não houve crime algum. STF E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: A) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O CRIME AMBIENTAL: A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, por maioria de votos, Habeas Corpus (HC 112563) e absolveu um pescador de Santa Catarina que havia sido condenado por crime contra o meio ambiente (contra a fauna) por pescar durante o período de defeso, utilizando-se de rede de pesca fora das especificações do Ibama. Ele foi flagrado com 12 camarões. É a primeira vez que a Turma aplica o princípio da insignificância (ou bagatela) em crime ambiental. O pescador, que é assistido pela Defensoria Pública da União (DPU), havia sido condenado a um ano e dois meses de detenção com base no artigo 34, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.605/98 (que dispõe sobre as sanções penais e administrativas impostas em caso de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente). (Notícia do dia 21 de agosto de 2012) B) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O FURTO PRATICADO DENTRO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL: A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal aplicou o princípio da insignificância a presidiário condenado por furto dentro do presídio. Já preso, ele fora pego em flagrante furtando um cartucho de tinta de uma das impressoras da penitenciária. O caso chegou ao Supremo em dezembro de 2010, e foi distribuído ao ministro Ricardo Lewandowski. O detento afirmou que o cartucho custa R$ 25,70 e não poderia ser considerado grande perda prejuízo para o Estado, proprietáriodo cartucho. (Notícia do dia 18 de setembro de 2012) C) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O CRIME DE DESCAMINHO: Para configuração do crime de descaminho, é necessária a prévia constituição do crédito tributário na esfera administrativa. De acordo com a Súmula Vinculante 24, do Supremo, não se tipifica crime material contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo. Para Bellizze, diante dessa súmula, a constituição definitiva do crédito tributário não pode ser dispensada na configuração do delito de descaminho. O ministro ressaltou que há na doutrina posição que considera o não pagamento do tributo suficiente para a consumação do crime de descaminho, que seria um delito formal. Mas ele discorda. “O direito penal só deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes”, afirmou. www.gustavobrigido.com.br D) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A REINCIDÊNCIA: A existência de maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso não impede a aplicação do princípio da insignificância. O entendimento, consolidado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. E) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O CRIME DE CONTRABANDO: Princípio da bagatela não se aplica a contrabando. Embora a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, amparada no artigo 20 da Lei 10.522/2002, seja no sentido de possibilitar o enquadramento do crime de descaminho no princípio da insignificância, quando o valor dos impostos sonegados for inferior a R$ 10 mil, no caso de contrabando tal aplicação não é possível. O objeto material sobre o qual recai a conduta é a mercadoria, total ou parcialmente proibida. A conclusão é da 2ª Turma do STF ao negar, nessa terça-feira (7/2), um pedido de Habeas Corpus. O relator do processo, ministro Gilmar Mendes, explicou que “o objetivo precípuo dessa tipificação formal é evitar o fomento de transporte e comercialização de produtos proibidos por lei". "Assim, não se trata tão somente de sopesar o caráter pecuniário do imposto sonegado, mas sim de possibilitar a tutela, dentre outros bens jurídicos, da saúde pública”, completou. Gilmar Mendes reportou-se a voto por ele proferido no julgamento do HC 97.541, em que observou que, no contrabando, o desvalor da conduta é maior. Portanto, afasta-se o princípio da insignificância. Ele disse que há precedente idêntico na 1ª Turma da Suprema Corte, de relatoria do ministro Luiz Fux. Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Celso de Mello observou que, na abordagem da alegação do princípio da insignificância, impõe-se avaliação caso a caso. Neste HC, ele entendeu que, além da expressão pecuniária, há um valor maior, que é a preservação da saúde pública. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF. (Notícia do dia 08 de fevereiro de 2012). F) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICIÂNCIA E O USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE NO INTEREOR DE UNIDADE MILITAR: "Uso de substância entorpecente. Princípio da insignificância. Aplicação no âmbito da Justiça Militar. (...) Princípio da dignidade da pessoa humana. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando fumava um cigarro de maconha e tinha consigo outros três. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância. A Lei 11.343/2006 – nova Lei de Drogas – veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação do Estado em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não www.gustavobrigido.com.br alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. O STM não cogitou da aplicação da Lei 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (...) Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar. A aplicação do princípio da insignificância no caso se impõe; a uma, porque presentes seus requisitos de natureza objetiva; a duas, em virtude da dignidade da pessoa humana. Ordem concedida." (HC 92.961, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 11-12-2007, Segunda Turma, DJE de 22-2-2008.) No mesmo sentido: HC 90.125, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 24-6-2008, Segunda Turma, DJE de 5-9-2008. Em sentido contrário: HC 105.695, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 30-11-2010, Segunda Turma, DJE de 22-2-2011; HC 104.784, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 26-10-2010, Segunda Turma, DJE de 22-11-2010; HC 104.838, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 26- 10-2010, Segunda Turma, DJE de 22-11-2010; HC 103.684, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 21-10-2010, Plenário, DJE de 13-4-2011. Obs.: o STJ entende que somente o Poder Judiciário é dotado de poderes para efetuar o reconhecimento do princípio da insignificância. Nesse sentido, a autoridade policial está obrigada a efetuar a prisão em flagrante, cabendo-lhe submeter imediatamente a questão à autoridade judiciária competente. 3.3 – PRINCÍPIO DA ALTERIDADE: Esse princípio proíbe a incriminação de atitude meramente interna do agente, que são incapazes de ofender bens jurídicos de terceiros. Em outras palavras, ninguém pode ser punido por causar mal apenas a si próprio. É nesse princípio que se fundamenta a impossibilidade de punição da autolesão, bem como o ato de suicídio. 3.4 – PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE: Estabelece que nem todos os ilícitos configuram infrações penais, mas apenas o que atentam contra valores fundamentais para a manutenção e o progresso do ser humano e da sociedade. 3.5 - PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIERADE: De acordo com esse princípio, a atuação do Direito Penal é cabível unicamente quando os outros ramos do Direito e os demais meios de controle social tiverem se revelado impotentes para o controle da ordem pública. Este princípio, ao contrário do postulado da fragmentariedade, se projeta no caso concreto, isto é, em sua atuação prática, o Direito Penal somente se legitima quando os demais meios disponíveis já tiverem sido empregados, sem sucesso, para proteção do bem jurídico. Guarda relação com a aplicação da lei penal. 3.6 – PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE: Não há razão para aplicação do direito penal senão quando a conduta ofende um bem jurídico. Não se pode aplicar o direito penal quando a ofensa é de caráter pecaminoso ou imoral. Tenha-se, o caso da prostituição não tutelada pelo direito penal, mas censurada www.gustavobrigido.com.br socialmente. Hoje esse princípio encontra guarida no art. 98, I da Constituição que contempla as infrações de menor potencial ofensivo. 3.7 – PRINCÍPIO DA HUMANIDADE: Este princípio contempla o tratamento que deve ser dado ao réu, antes do processo, durante o processo ou na fase de execução da pena que se lhe impôs. É calcado em vários dispositivos da Constituição Federal, a saber: art. 1º, III, art. 5º III, XLVI e XLVII. Antes do processo é amparado pelos dispositivos: art. 5º LXI, LXII, LXIII e LXIV; duranteo processo pelo art. 5º, incisos LIII, LIV, LV, LVI e LVII; e na fase da execução pela previsão de inexistência de penas degradantes, cruéis, de trabalhos forçados, de banimento e de morte, como elencado nos incisos XLVII, XLVIII XLIX e L, todos do art. 5º, sempre da Constituição Federal. 3.8 – PRINCÍPIO DA NÃO CULPABILIDADE: Também conhecido por princípio da presunção de inocência, é contemplado no inciso LVII, do art. 5º da Constituição Federal, afirmando que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Disso decorre a impossibilidade de a pena vir a ser executada enquanto não tenha transitado em julgado a sentença penal condenatória. Somente após tornar-se irrecorrível, com o trânsito em julgado é que podem ser aplicadas às medidas decorrentes da condenação, próprias da fase de execução. 3.9 – PRINCÍPIO DO “NE BIS IN IDEM”: Afirma que ninguém poderá ser punido duas vezes pelo mesmo fato. Encerra dois aspectos: penal material – ninguém pode sofrer duas penas em face de uma mesma infração; processual – ninguém pode ser processado e julgado duas vezes pelo mesmo fato. 4. LISTA DE EXERCÍCIOS – PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL: 01 - Prova: TRT 15R - 2011 - TRT - 15ª Região - Juiz do Trabalho A respeito do atual entendimento conferido pelo Supremo Tribunal Federal ao princípio da insignificancia, assinale a alternativa incorreta: a) sua aplicação já justificou a extinção da punibilidade; b) trata-se de princípio já aplicado pela Corte quando mínima a ofensividade da conduta, inexistente a periculosidade social do ato, reduzido o grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressiva a lesão provocada; c) trata-se de princípio aplicado a despeito de restar patente a existência da tipicidade formal; d) trata-se de princípio já aplicado quando as condições que circundam o delito dão conta da sua singeleza, miudeza e não habitualidade; e) sua aplicação jamais justificou a extinção da ação penal. 02 - Prova: FCC - 2012 - TRF - 5ª REGIÃO - Analista Judiciário - Execução de Mandados O princípio, segundo o qual se afirma que o Direito Penal não é o único controle social formal dotado de recursos coativos, embora seja o que disponha dos instrumentos mais enérgicos, é reconhecido pela doutrina como princípio da a) lesividade. b) intervenção mínima. c) fragmentariedade. d) subsidiariedade. www.gustavobrigido.com.br e) proporcionalidade. 03 - Prova: CESPE - 2012 - TJ-AL - Auxiliar Judiciário Disciplina: Direito Penal | Assuntos: Da Aplicação da Lei Penal; Princípios; Acerca dos princípios da legalidade e da anterioridade, da lei penal no tempo e no espaço e da contagem de prazo, assinale a opção correta. a) Conforme previsão do Código Penal, o tempo do crime é o momento da ação ou omissão que coincida com o momento do resultado. b) Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, sendo irrelevante o lugar onde ocorreu o resultado. c) Se determinada pessoa tiver sido vítima de homicídio no dia 1.º/8/2012, a contagem dos prazos penais, nesse caso, terá iniciado em 1.º/8/2012. d) Segundo o princípio da legalidade, no ordenamento jurídico brasileiro determinada conduta só será considerada crime caso seja publicada lei posterior definindo-a como tal. e) Exceto se já decididos por sentença transitada em julgado, a lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente aplica-se aos fatos anteriores. 04 - Prova: FUMARC - 2012 - TJ-MG - Oficial Judiciário O princípio da presunção de inocência até que o réu seja considerado culpado ou até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória é prevista nos seguintes textos de forma expressa: a) Constituição da República Federativa e Código de Processo Penal b) Declaração Universal dos Direitos Humanos(Resolução nº 217 – ONU) e Constituição da República c) Declaração Universal dos Direitos Humanos(Resolução nº 217 – ONU) e Código de Processo Penal d) Constituição da República e Estatuto do Servidor Público 05 - Prova: CESPE - 2011 - TJ-ES - Juiz Acerca dos princípios aplicáveis ao direito penal, assinale a opção correta. a) O princípio da adequação social, dirigido ao julgador, e não ao legislador, objetiva restringir a abrangência do tipo penal, limitando sua interpretação e dele excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade. b) Dada a necessidade de observância do princípio da legalidade, a tipicidade penal resume-se ao mero exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. c) O princípio da lesividade busca evitar a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico, não cuidando de condutas que não excedam o âmbito do próprio autor. d) A jurisprudência do STJ é firme no sentido da aplicabilidade do princípio da insignificância ao delito de moeda falsa, caso o valor das cédulas falsificadas não ultrapasse a quantia correspondente a um salário mínimo. www.gustavobrigido.com.br e) A aplicação do princípio da insignificância, que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado, objetiva excluir ou afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. 06 - Prova: PC-SP - 2011 - PC-SP - Delegado de Polícia A ideia de que o Direito Penal, deve tutelar os valores considerados imprescindíveis para a sociedade, e não todos os bens jurídicos, sintetiza o princípio da a) adequação social b) culpabilidade c) fragmentariedade d) ofensividade. e) proporcionalidade 07 - Prova: PC-SP - 2011 - PC-SP - Delegado de Polícia Disciplina: Direito Penal | Assuntos: Princípios; A lei estrita, desdobramento do princípio da legalidade, veda o emprego a) analogia b) costumes. c) princípios gerais do direito. d) equidade. e) jurisprudência. 08 – Prova: MPE-GO - 2012 - MPE-GO - Promotor de Justiça Disciplina: Direito Penal | Assuntos: Princípios; Os princípio constitucionais servem de orientação para a produção legislativa ordinária, atuando como garantias diretas e imediatas aos cidadãos, funcionando como critério de interpretação e integração do texto constitucional. Nesse sentido podemos destacar como princípios constitucionais explícitos os seguintes: a) legalidade, anterioridade, taxatividade e humanidade; b) anterioridade, proporcionalidade, individualização da pena e humanidade; c) retroatividade da lei penal benéfica, individualização da pena, humanidade e proporcionalidade; d) responsabilidade pessoal, legalidade, anterioridade e individualização da pena 09 - Prova: CESPE - 2012 - Polícia Federal - Agente da Polícia Federal O fato de determinada conduta ser considerada crime somente se estiver como tal expressamente prevista em lei não impede, em decorrência do princípio da anterioridade, que sejam sancionadas condutas praticadas antes da vigência de norma excepcional ou temporária que as caracterize como crime. Certo Errado 10 - Prova: CESPE - 2012 - PC-CE - Inspetor de Polícia - Civil Disciplina: Direito Penal | Assuntos: Do Crime; Dos Crimes Contra o Patrimônio.; Princípios; Acerca de crime e sua tipicidade, julgue o item a seguir www.gustavobrigido.com.br Considere que Lúcio, mediante o uso de faca do tipo peixeira, tenha constrangido Maria a entregar-lhe o valor de R$ 2,50, sob a justificativa de estar desempregado e necessitar do dinheiro para pagar o transporte coletivo. Nesse caso, segundo entendimento do STF quanto ao princípio da insignificância, Lúcio, se processado, deverá ser absolvido por atipicidade da conduta. Certo Errado 11 - Prova: PC-RJ - 2008 - PC-RJ - Inspetor de Polícia Relativamente aos princípios de direito penal, assinalea afirmativa incorreta. a) Não há crime sem lei anterior que o defina. b) Não há pena sem prévia cominação legal. c) Crimes hediondos não estão sujeitos ao princípio da anterioridade da lei penal. d) Ninguém pode ser punido por fato que a lei posterior deixa de considerar crime. e) A lei posterior que de qualquer modo favorece o agente aplica-se aos casos anteriores. 12 – Prova: PC-RJ - 2008 - PC-RJ - Inspetor de Polícia Em matéria de princípios constitucionais de Direito Penal, é correto afirmar que: a) a lei penal não retroagirá mesmo que seja para beneficiar o réu. b) a prática de racismo não é considerada crime, salvo se a vítima for detentor de função pública. c) os presos têm assegurado o respeito à sua integridade física, mas não à integridade moral. d) a Constituição não autoriza a criação de penas de trabalhos forçados. e) as penas privativas de liberdade poderão ser impostas aos sucessores do condenado. 13 - Prova: CESPE - 2008 - OAB-SP - Exame de Ordem - 2 - Primeira Fase Disciplina: Direito Penal | Assuntos: Princípios; Assinale a opção correta com base nos princípios de direito penal na CF. a) O princípio básico que orienta a construção do direito penal é o da intranscendência da pena, resumido na fórmula nullum crimen, nulla poena, sine lege. b) Segundo a CF, é proibida a retroação de leis penais, ainda que estas sejam mais favoráveis ao acusado. c) Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas até os sucessores e contra eles executadas, mesmo que ultrapassem o limite do valor do patrimônio transferido. d) O princípio da humanidade veda as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, bem como as de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e as cruéis. 14 - Prova: FCC - 2011 - TCE-PR - Analista de Controle - Jurídica Disciplina: Direito Penal | Assuntos: Da Aplicação da Lei Penal; Princípios; O princípio válido, tratando-se de sucessão de leis penais no tempo, na hipótese de que a norma posterior incrimina fato não previsto na anterior, é o da a) Abolitio criminis. b) Ultratividade. www.gustavobrigido.com.br c) Irretroatividade. d) Retroatividade. e) Lei vigente na época no momento da prática de fato punível: Tempus regit actum. 15 - Prova: FCC - 2011 - TCE-SP - Procurador O princípio constitucional da legalidade em matéria penal a) não vigora na fase de execução penal. b) impede que se afaste o caráter criminoso do fato em razão de causa supralegal de exclusão da ilicitude. c) não atinge as medidas de segurança. d) obsta que se reconheça a atipicidade de conduta em função de sua adequação social. e) exige a taxatividade da lei incriminadora, admitindo, em certas situações, o emprego da analogia. 16 - Prova: INSTITUTO CIDADES - 2011 - DPE-AM - Defensor Público Disciplina: Direito Penal | Assuntos: Princípios; Sobre os princípios da legalidade e da anterioridade (artigo 1º do Código Penal) é correto afirmar: a) pelo princípio da legalidade compreende-se que ninguém responderá por um fato que a lei penal preveja como crime e, pelo princípio da anterioridade compreende-se que alguém somente responderá por crime devidamente previsto em lei que tenha entrado em vigor um ano anteriormente à prática da conduta; b) os princípios da legalidade e da anterioridade pressupõem a existência de lei anterior à prática de uma determinada conduta para que esta possa ser considerada como crime; c) tais princípios são sinônimos e significam a necessidade da existência de lei para que uma conduta seja considerada crime; d) são incompativeis um com o outro, já que pressupõem circunstâncias diversas; e) pelo princípio da anterioridade compreende-se a previsão anterior de determinada conduta como criminosa independentemente de defnição por lei em sentido estrito. 17 - Prova: CEPERJ - 2009 - PC-RJ - Delegado de Polícia Ensina JORGE DE FIGUEIREDO DIAS que “o princípio do Estado de Direito conduz a que a proteção dos direitos, liberdade e garantias seja levada a cabo não apenas através do direito penal, mas também perante o direito penal” (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 165). Assim, analise as proposições abaixo e, em seguida, assinale a opção correta I- O conteúdo essencial do princípio da legalidade se traduz em que não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa. II- O princípio da legalidade estrita não cobre, segundo a sua função e o seu sentido, toda a matéria penal, mas apenas a que se traduz em fixar, fundamentar ou agravar a responsabilidade do agente. III- Face ao fundamento, à função e ao sentido do princípio da legalidade, a proibição de analogia vale relativamente a todos os tipos penais, inclusive os permissivos. www.gustavobrigido.com.br IV- A proibição de retroatividade da lei penal funciona apenas a favor do réu, não contra ele. V- O princípio da aplicação da lei mais favorável vale mesmo relativamente ao que na doutrina se chama de “leis intermediárias”; leis, isto é, que entraram em vigor posteriormente à prática do fato, mas já não vigoravam ao tempo da apreciação deste. a) Apenas uma proposição está errada. b) Estão corretas apenas as proposições I, IV e V c) Estão corretas apenas as proposições I, II, III e IV d) Todas as proposições estão corretas e) Apenas três da proposições estão corretas 18 - Prova: CEPERJ - 2009 - PC-RJ - Delegado de Polícia Costuma-se afirmar que o direito penal das sociedades contemporâneas é regido por princípios sobre crimes, penas e medidas de segurança, nos níveis de criminalização primária e de criminalização secundária, fundamentais para garantir o indivíduo em face do poder penal do Estado. Analise as proposições abaixo: I- O princípio da insignificância revela uma hipótese de atipicidade material da conduta. II- O princípio da lesividade (ou ofensividade) proíbe a incriminação de uma atitude interna. III- Por força do princípio da lesividade não se pode conceber a existência de qualquer crime sem ofensa ao bem jurídico protegido pela norma penal. IV- No direito penal democrático só se punem fatos. Ninguém pode ser punido pelo que é, mas apenas pelo que faz. V- O princípio da coculpabilidade reconhece que o Estado também é responsável pelo cometimento de determinados delitos, praticados por cidadãos que possuem menor âmbito de autodeterminação diante das circunstâncias do caso concreto, principalmente no que se refere às condições sociais e econômicas do agente. Pode-se afirmar que: a) todas as assertivas estão corretas. b) somente duas das assertivas estão corretas. c) somente duas das assertivas estão erradas d) estão erradas as de número II e III. e) somente a de número I está errada. 19 - Prova: CESPE - 2009 - OAB - Exame de Ordem Unificado - 1 - Primeira Fase (Mai/2009) Disciplina: Direito Penal | Assuntos: Princípios; Acerca do significado dos princípios limitadores do poder punitivo estatal, assinale a opção correta. www.gustavobrigido.com.br a) Segundo o princípio da culpabilidade, o direito penal deve limitar-se a punir as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, ocupando-se somente de uma parte dos bens protegidos pela ordem jurídica. b) De acordo com o princípio da fragmentariedade, o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados por sentença transitada em julgado. c) Segundo o princípio da ofensividade, no direito penal somente se consideram típicas as condutas que tenhamcerta relevância social, pois as consideradas socialmente adequadas não podem constituir delitos e, por isso, não se revestem de tipicidade. d) O princípio da intervenção mínima, que estabelece a atuação do direito penal como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. 20 - Prova: CESPE - 2008 - PC-TO - Delegado de Polícia Prevê a Constituição Federal que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido. Referido dispositivo constitucional traduz o princípio da intranscendência. Certo Errado GABARITO OFICIAL: 1-E 2-D 3-C 4-B 5-E 6-C 7-A 8-D 9-E 10-E 11-C 12-D 13-D 14-C 15-E 16-B 17-A 18-A 19-E 20-C CAPÍTULO 2 – DA LEI PENAL 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: A lei penal, que é a positivação da norma penal, é composta de duas partes: o preceito, também dito preceito primário e a sanção, também denominada preceito secundário. A lei penal não é proibitiva, mas descritiva, pois se utiliza da técnica de descrever a conduta, associando-a a uma pena. Exemplo: o molde do crime de homicídio, definido no art. 121, do código penal: “matar alguém”. 2. ESPÉCIES DE LEI PENAL: Lei penal incriminadora e não incriminadora. A primeira descreve a figura típica e comina a pena. A segunda não descreve crime, nem comina pena. A norma penal não incriminadora divide-se em: Permissivas – tornam lícitas determinadas condutas tipificadas em leis incriminadoras. Exemplo: estado de necessidade e legítima defesa (art. 23 do CP). Finais, complementares ou explicativas – esclarecem o conteúdo de outras www.gustavobrigido.com.br normas e delimitam o âmbito de sua aplicação. Ex. os artigos da parte geral do CP, à exceção dos que tratam da exclusão de ilicitude. 3. CARACTERÍSTICAS DA LEI PENAL: A) ESCLUSIVIDADE: porque somente ela pode definir crimes e cominar as sanções correspondentes; B) ANTERIORIDADE: deve está em vigor antes do cometimento do fato típico, salvo nos casos da retroatividade da lei mais benéfica para o réu. C) IMPERATIVIDADE: a violação do preceito primário acarretará a imposição de pena ou medida de segurança, tornando o seu comando, portanto, obrigatório. D) GENERALIDADE: porque está destinada a todos, mesmo aos inimputáveis, que estão sujeitos a medidas de segurança E) IMPESSOALIDADE: recai abstratamente a fatos futuros, para qualquer pessoa que venha a praticá-los. Excepcionando essas regras às leis que prevêem anistia e a abolitio crimines, as quais alcançam fatos concretos. 4. NORMA PENAL EM BRANCO: Norma penal em branco, também denominada norma penal imperfeita, cega ou aberta, são aquelas em que a sanção é determinada, contudo, o seu preceito primário é incompleto, exigindo complementação, seja por outra lei, seja por ato da Administração Pública. A doutrina a divide em duas espécies: a) Norma penal em branco em sentido lato: quando o complemento tem a mesma natureza jurídica. P.ex.: Art. 169, parágrafo único, inciso I do Código Penal, ao mencionar a palavra “tesouro”, exige que seja complementado pelo Código Civil, pois lá se encontra a definição de tesouro (art. 1.264 do CC). b) Norma penal em branco em sentido estrito: quando o complemento tem natureza jurídica diversa. P.ex.: é o caso dos crimes da Lei 11.343/06, que o conceito de entorpecente deve ser encontrado pela portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Portaria SVS/MS 344/98) 5. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL: A interpretação da lei penal é a atividade consistente em identificar o alcance e significado da norma penal. A doutrina estabelece várias espécies de interpretação. Vejamos: a) Interpretação gramatical: Também chamada de literal ou sintática, é aquela fundada nas regras gramáticas, levando em consideração o sentido literal das palavras. www.gustavobrigido.com.br b) Igualmente chamada teleológica, é aquela que procura descobrir a vontade do legislador, assim como a finalidade com a qual a lei foi editada. c) Interpretação declarativa: É aquela que dá à lei o seu sentido literal, sem extensão nem restrição, correspondendo exatamente ao intuito do legislador. d) Interpretação restritiva: É aquela que, concluindo ter dito mais do que queria o legislador, restringe seu sentido. Aos limites da norma. e) Interpretação extensiva: É aquela que, concluindo ter a lei dito menos que queria o legislador, estende seu sentido para que corresponda ao da norma. Duas espécies de interpretação extensiva se apresentam: a interpretação extensiva ampliativa e a interpretação extensiva analógica. Em regra, o sentido da lei, em matéria penal, não pode ser estendido, ampliado, sob pena de se atentar contra o princípio da reserva legal. Excepcionalmente, entretanto, admiti-se a interpretação extensiva, havendo aqueles doutrinadores que defendem a aplicação do princípio in dúbio pro reo sempre a interpretação. OBS.: DIFERANÇAS ENTRE INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA E ANALOGIA: Não se pode confundir analogia com interpretação analógica ou extensiva. A analogia é técnica de integração, vale dizer, recurso de que se vale o operador do direito diante de uma lacuna no ordenamento jurídico. Já a interpretação, seja ela extensiva ou analógica, objetiva desvendar o sentido e o alcance da norma, para então definir-lhe, com certeza, a sua extensão. A norma existe, sendo o método interpretativo necessário, apenas, para precisar-lhe os contornos. A interpretação analógica é uma operação intelectual consistente em revelar o conteúdo da lei, quando esta utiliza expressões genéricas, vinculadas a especificações. Não há criação de norma, mas, exclusivamente, a pesquisa de sua extensão. Assim, no homicídio qualificado por motivo torpe: “Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe”. O legislador, depois de mencionar expressamente uma hipótese de torpeza (paga ou promessa de recompensa), utiliza expressão genérica, com o que fica abrangido, pela norma, qualquer caso estigmatizado pela torpeza. Por outro lado a analogia é basicamente fazer incidir uma lei em uma hipótese por ela não prevista. Nesse sentido, em termos conclusivos, devemos saber que a interpretação analógica e extensiva é permitida no Direito Penal, diferentemente da analogia que, em regra, não é admitido, salvo quando em benefício do réu. 6. LEI PENAL NO TEMPO: Lei penal no tempo Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) www.gustavobrigido.com.br Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica- se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado 6.1 – INTRODUÇÃO: Assim como nenhuma forma de manifestação de vida consegue evitar a ação corrosiva e implacável do tempo, a lei penal também NASCE, VIVE E MORRE. A lei em sua eficácia, não alcança os fatos ocorridos antes ou depois dos dois limites extremos: não retroage nem tem ultra-atividade. Esse é o principio "TEMPUS REGIT ACTUM - O TEMPO REGE O ATO", ou seja, a lei aplicável à repressão da prática do crime é a lei vigente ao tempo de sua execução. Essa é uma garantia do cidadão: além da segurança jurídica, garante-se-lhe que não será surpreendido por leis "adhoc", criminalizando condutas, inclusive a "posteriori",que até então não eram tipificadas como crime. O principio da IRRETROATIVIDADE PENAL, talvez um dos mais importantes em matéria de aplicação da lei penal, já era defendido pelos integrantes da Escola Clássica. A despeito da importância político-constitucional, nem sempre esse princípio recebeu apoio incondicional dos grandes pensadores. Contudo, o dinamismo do Direito Penal, que procura acompanhar a evolução dos povos, percebeu que, ao menos em tese, as leis novas são melhores que as mais antigas e teriam melhores condições para fazer justiça. Essa natureza dinâmica do Direito determinou a necessidade de conciliar, no âmbito da sucessão de leis no tempo, o principio "TEMPUS REGIT ACTUM" com o da "APLICAÇÃO DA LEI POSTERIOR", sempre que for mais favorável ao indivíduo. Diante dessa necessidade, determinou-se que "a lei penal não retroage, SALVO, para beneficiar o infrator", que finalmente foi recepcionado pela Constituição Federal do Brasil de 1988 (art. 5º, XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu). A parte geral do Código Penal de 1940 adotou expressamente essa orientação prescrevendo no parágrafo único do seu art. 2º: "A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado". 6.2 - PRINCIPIOS DA LEI PENAL NO TEMPO Alguns princípios do chamado direito intertemporal procuram resolver as questões que naturalmente surgem com a sucessão das leis penais no tempo. 6.2.1 – IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL: Existe uma REGRA dominante em termos de conflito de leis penais no tempo. É a da IRRETROATIVIDADE da lei penal, sem a qual não haveria segurança nem liberdade na www.gustavobrigido.com.br sociedade, em flagrante desrespeito ao principio da legalidade e da anterioridade da lei, consagrado pelo art. 1º do CP - "Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal" e no art. 5º, XXXIX da CF - "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Esse fundamento de proibição, como sustenta Jescheck, é a idéia de SEGURANÇA JURIDICA, que se consubstancia num dos princípios reitores do Estado de Direito, segundo o qual as normas que regulam as infrações penais não podem modificar-se após as suas execuções em prejuízo ao cidadão. Ademais, o princípio da irretroatividade da lei penal, também tem a finalidade de proteger o individuo contra o próprio legislador, impedindo-o de criminalizar novas condutas, já praticadas por aquele, que, desconhecendo tal circunstancia, não tem como nem porque evitá-la. Na verdade a irretroatividade penal é corolário do principio da anterioridade da lei penal, segundo o qual uma lei penal incriminadora somente pode ser aplicada a determinado fato concreto caso estivesse em vigor antes da sua prática. Esse principio, conhecido como "NULLUM CRIMEN, NULLA POENA SINE PRAEVIA LEGE", que foi cunhado por Feuerbach no início do século XIX, encontra-se insculpido no art. 1º do nosso Código Penal e acabou recepcionado pela atual Constituição brasileira, como foi anteriormente dito. Observação: ESSE PRINCÍPIO LIMITA-SE ÀS NORMAS PENAIS DE CARÁTER MATERIAL, ENTRE AS QUAIS SE INCLUEM AQUELAS RELATIVAS ÀS MEDIDAS DE SEGURANÇA, QUE INDISCUTIVELMENTE, INTEGRAM A SEARA DO DIRIETO PENAL MATERIAL. 6.2.2 – PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE E DA ULTRA-ATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA: No conflito de leis penais no tempo, é indispensável investigar qual a que se apresenta mais favorável ao individuo tido como infrator. A lei ANTERIOR, quando for mais FAVORÁVEL, terá ULTRATITVIDADE e prevalecerá mesmo ao tempo de vigência da lei nova, apesar de já estar revogada. O inverso também é verdadeiro, isto é, quando a lei POSTERIOR for mais BENÉFICA, RETROAGIRÁ para alcançar fatos cometidos antes de sua vigência. Observação: O princípio da irretroatividade vige, com efeito, somente em relação à lei mais severa. É de total admissão, a aplicação retroativa da lei mais benigna, hoje princípio consagrado na nossa Constituição Federal (art. 5º, XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu). Assim, pode-se resumir o conflito do direito intertemporal no seguinte principio: o da RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENIGNA. A lei penal mais benéfica, repetindo, NÃO só é RETROATIVA, mas também ULTRATIVA. A eficácia ultrativa da norma mais benéfica deve prevalecer sempre que, havendo sucessão de leis penais no tempo, constatar-se que o diploma legal anterior era mais benéfico ao agente. www.gustavobrigido.com.br Esses dois princípios aos quais mencionamos acima se aplicam às normas de Direito Penal material, tais como nas hipóteses de reconhecimento de causas extintivas da punibilidade, tipificação de novas condutas, cominação de penas, alteração de regimes de cumprimento de penas, ou qualquer norma penal que, de qualquer modo, agrave a situação jurídico-penal do indiciado, réu ou condenado, conforme reconheceu o próprio STF. No entanto, quando a lei posterior for mais grave, não retroagirá, sendo a lei anterior que adquira ultra-atividade, devendo ser aplicada, mesmo na vigência de outra lei. As prováveis hipóteses de choques entre lei nova e anterior são as seguintes: a) ABOLITIO CRIMINIS: Ocorre "abolitio criminis" quando a lei nova deixa de considerar crime, um fato anteriormente tipificado como ilícito penal (crime). A nova lei retira a característica de ilicitude penal de uma conduta precedentemente incriminada. A "abolitio criminis" configura uma situação de lei penal posterior mais benigna, que deve atingir, inclusive, fatos definitivamente julgados, mesmo em fase de execução. A ABOLITIO CRIMINIS FAZ DESAPARECER TODOS OS EFEITOS PENAIS, PERMANECENDO OS CIVIS. Efeitos práticos da abolitio criminis: a) O inquérito policial ou processo são imediatamente trancados e extintos, uma vez que não há mais razão de existir; b) Se já houve sentença condenatória, cessam imediatamente sua execução e todos os seus efeitos penais, principais e secundários; c) Os efeitos extrapenais (art. 91 e 92 do CP) subsistem, pois o que disposto no art. 2º, caput, do CP nos mostra que cessam apenas os efeitos penais da condenação; Observação: Na hipótese de "abolitio criminis" não subsiste, na verdade, nem a execução da pena, que é um efeito principal, mesmo transitada em julgado - se o condenado já tiver cumprido a pena, inclusive, terá sua folha de antecedentes inteiramente corrigidas, para de ela afastar a condenação que existiu, por fato que não é mais crime. b) NOVATIO LEGIS INCRIMINADORA: Ocorre "novatio legis incriminadora", quando se considera crime fato anteriormente não incriminado (ao contrário do "abolitio criminis"). A NOVATIO LEIS INCRIMINADORA É IRRETROATIVA E NÃO PODE SER APLICADA A FATOS PRATICADOS ANTES DA SUA VIGÊNCIA - segundo o velho aforismo: "nullum crimen sine praevia lege" e o que é postulado na nossa CF em seu art.5º, XXXIX - e também no nosso CP em seu art. 1º. Suponhamos que o autor de um fato que antes não era considerado crime, se depare com a tipificação desse fato por nova norma estabelecida. c) NOVATIO LEGIS IN PEJUS: A lei posterior que de qualquer modo agravar a situação do sujeito não retroagirá (art. 5º, XL - a lei penal não retroagirá, SALVO para beneficiar o réu). Se, por exemplo, houver um conflito entre duas leis, a anterior, mais benigna, e a posterior, mais severa, aplica-se-á a mais benigna: a anterior será ULTRA-ATIVA, por sua benignidade, e a posterior será IRRETROATIVA, por sua severidade. - A lei posterior ou anterior, que seja menos favorável, denomina-se LEX GRAVIOR, e não pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes de sua vigência. OBS.: SÚMULA 711 DO STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuadoou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. www.gustavobrigido.com.br d) NOVATIO LEGIS IN MELLIUS: Ocorre "novatio legis in mellius" quando lei nova, mesmo sem descriminalizar, dê tratamento mais favorável ao sujeito. Mesmo que a sentença condenatória se encontre em fase de execução, prevalece a LEX MITIOR que, de qualquer modo, favorece o agente - é o que dispõe o art. 2º, parágrafo único do CP: A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Analisemos agora a terminologia LEX MITIOR e sua aplicação, no que tange os conflitos de normas no tempo: A LEX MITIOR - seja abolitio criminis, seja qualquer alteração in mellius - retroage e aplica-se imediatamente aos processos em andamento, aos fatos delituosos cujos processos ainda não foram iniciados, e, inclusive, aos processos com decisão condenatória já transitada em julgado. Obs.: APLICAÇÃO DA NOVATIO LEGIS IN MELLIUS E DA ABOLITIO CRIMINE NO PERÍODO DE VACATIO LEGIS: Existem duas posições doutrinárias em relação a essa evidente questão, a primeira é que se faz necessário a aplicação da norma, se for benéfica ao individuo mesmo em período de vacância, e a outra posição diz justamente o contrário. Para a primeira corrente, no momento em que é publicado um novo texto legal, este passa a existir no mundo jurídico, representando o novo pensamento do legislador sobre o tema de que se ocupa, sendo evidentemente produto de novas valorações sociais. Assim, não sendo possível ignorar a existênc;ia do novo diploma legal, bem como as transformações que ele representa no ordenamento jurídico-penal, a sua IMEDIATA EFICÁCIA É INÉGAVEL, e não pode ser obstaculizada a sua aplicação retroativa quando configurar lei penal mais benéfica, MESMO QUE AINDA SE ENCONTRE EM "VACATIO LEGIS". A segunda corrente, defendida por Delmanto, Damásio e Frederico Marques que a lei nova, em período de VACATIO LEGIS NÃO ESTÁ EM VIGOR, motivo pelo qual as relações sociais encontram-se sob regência da lei antiga. Somente quando uma lei deixa de vigorar, outra lhe pode ocupar o espaço, produzindo efeitos. ESSA POSIÇÃO SERIA A MAIS ACEITA, pois não se compreende que uma norma tenha validade para beneficiar réus em geral, mas não possa ser aplicado ao restante da população, o que não ocorreria se a primeira posição fosse adotada. OBS.: AUTORIDADE JUDICIÁRIA COMPETENTE PARA APLICAR A LEI PENAL MAIS BENÉFICA: Em síntese, podemos concluir que dependerá do caso concreto. Vejamos: a) JUIZ DE PRIMEIRO GRAU - processo de conhecimento: é quando o processo criminal encontra-se em andamento, até a prolatação da sentença. Com a publicação da sentença O JUIZ ESGOTA sua atividade jurisdicional, NÃO PODENDO ATUAR NO PROCESSO. b) FASE RECURSAL - instância superior: encontrando-se o processo em grau de recurso, a competência para examinar a hipótese de lei penal mais benéfica, anterior ou posterior, é do Tribunal ao qual se destina o recurso, mesmo que os autos não tenham subido. c) FASE EXECUTÓRIA - com o transito em julgado: nesta hipótese, podem-se citar duas orientações a respeito. Nessa hipótese, podem-se criar duas orientações. 1. CABE AO JUIZ DA EXECUÇÃO PENAL, segundo dispõe a súmula 611 do STF, www.gustavobrigido.com.br quando a lei mais benigna consistir em lei nova o art 13 da LICPP dispõe, e ao art 66,I, da LEP: que tem os seguintes enunciados: SÚMULA 611, STF: Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna. OBS.: COMBINAÇÃO DE LEIS PENAIS: questão tormentosa a ser analisada no conflito intertemporal: na busca da lei mais favorável é possível CONJUGAR os aspectos favoráveis da lei anterior com os aspectos favoráveis da lei posterior? Vejamos uma interessante discussão que chegou a apreciação do STF: Em recente julgamento, os ministros do STF discutiram acirradamente sobre a viabilidade jurídica da chamada combinação de leis em casos de tráfico de drogas. O problema: a antiga lei de drogas (Lei 6.638/76) estabelecia para o traficante uma pena de 3 a 15 anos de prisão, e não previa qualquer causa de diminuição desta mesma pena. O novo texto legal (Lei 11.343/06) fixou uma pena maior para o traficante (5 a 15 anos) mas, por outro lado, criou uma causa de diminuição de 1/6 a 2/3 se o réu for primário, tiver bons antecedentes e não integrar organização criminosa (art.33, §4º). Em outras palavras: se a nova lei, por um lado, é prejudicial ao réu, vez que aumenta a pena, por outro é benéfica, porque cria minorante antes inexistente. O centro do debate: a Constituição e o Código Penal apontam que a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu. No caso, parte da nova lei beneficia o réu (criação de uma causa de diminuição) e parte o prejudica (aumento da pena). A questão: é possível fazer retroagir apenas os dispositivos mais benéficos e impedir a aplicação dos mais graves? Eis a discussão no RE 596152/SP no STF. A discussão não é nova, vez que a suposta combinação de leis já foi debatida quando da alteração das regras de livramento condicional (STF, HC 68416) e das modificações do art.366 do CPP sobre citação por edital (embora aqui a discussão misture questões penais com processuais), dentre outros casos. No caso da lei de drogas, os ministros Lewandowski, Carmen Lucia, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Marco Aurélio decidiram pela unidade legal. Reconheceram que a lei penal mais benéfica retroage, mas negaram a possibilidade da retroação em partes ou em tiras, com base em doutrina de Hungria Aníbal Bruno, Heleno Cláudio Fragoso, Jair Leonardo Lopes, Paulo José da Costa Júnior, Von Lizt, Claus Roxin. Para eles, ou bem se aplica a nova lei na integra – com a pena maior e com a causa de diminuição — ou vale a lei anterior, também na integra – com a pena menor e sem a causa de diminuição. A retroação de apenas parte da lei, e sua mescla com dispositivos do texto anterior, criaria uma terceira lei incompatível com a vontade do legislador. Os ministros Ayres Britto, Cesar Peluso, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello entenderam de outra forma. Para eles, será impossível aplicar a pena mais grave da nova lei porque evidentemente prejudicial ao réu, mas é perfeitamente adequada a causa de diminuição porque tal novidade beneficia o acusado. O juiz — no caso concreto — não criaria uma nova lei, “mas se movimentaria dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente possível” (voto Min. Peluso). Na doutrina, adotam posição www.gustavobrigido.com.br semelhante Cezar Bittencourt, Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Francisco de Assis Toledo, Damásio de Jesus e Celso Delmanto. Mas o debate está longe do fim. A controvérsia no STF resultou em empate (5x5). O empate beneficia o réu (RISTF, art.146), razão pela qual prevaleceu a segunda posição, que admite a combinação de leis, mas o assunto não é pacífico e deve retornar à pauta da Corte em breve. No STJ há decisão que impossibilitou a combinação: STJ – 3ª S. – I 432: “a verificação da lex mitior no confronto de leis é feita in concreto, pois a norma aparentemente mais benéfica em determinado caso pode não sê-lo em outro. Daí que, conforme a situação, há retroatividade da norma nova ou a ultra-atividade da antiga (princípio da extra-atividade). Isso posto, o § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, não pode ser combinado ao conteúdo do preceito secundário do tipo referente ao tráfico previsto no art. 12 da Lei n. 6.368/1976, a gerar terceira norma, não elaborada e jamais prevista pelo legislador. A aplicação dessa minorante, inexoravelmente, aplica-se somente em relação à pena prevista no caput do art.33 da nova lei. Dessarte, há que se verificar, caso a caso, a situação mais vantajosa ao condenado, visto que, conforme apregoam a doutrina nacional, a estrangeira e a jurisprudência prevalecente no STF, jamais se admite a combinação dos textos para criar uma regra inédita” (EREsp 1.094.499 – 28/4/2010). OBS.: RETROATIVIDADE DA LEI PROCESSUAL Em regra, as normas processuais são publicadas para vigorar de imediato, aplicando-se a todos os atos ainda não praticados e atingindo, por conseguinte, alguns fatos ocorridos antes de sua vigência. Entretanto, existem normas processuais penais que possuem íntima relação com o direito penal, refletindo diretamente na punição ao réu. Em virtude disso, a doutrina busca classificar as normas processuais em: a) NORMAS PROCESSUAIS PENAIS MATERIAIS: trata de temas ligados ao "status libertatis" do acusado, e devem estar submetidas ao principio da retroatividade benéfica; b) NORMAS PROCESSUAIS PENAIS PROPRIAMENTE DITAS: por essas serem vinculadas ao procedimento, aplicam-se de imediato e não retroagem, mesmo que terminem por prejudicar o acusado; Entende-se no âmbito do direito intertemporal, como lei processual aquela que disciplina o processo e o procedimento, sem relação direta com o direito de punir do estado. É importante frisar que o principio "TEMPUS REGIT ACTUM" aplica-se, sem exceção, tão somente às normas que regem a realização dos atos processuais. Como foi citado acima, o principio da irretroatividade da lei penal limita-se às normas penais de caráter material. Sustenta-se também, que são alcançadas pela irretroatividade aquelas normas conhecidas como híbridas(de caráter secundário), ou seja, as leis penais que disciplinam matéria tanto de natureza penal quanto de natureza processual penal. 6.3 - LEIS EXCEPCIONAIS E TEMPORÁRIAS: Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. www.gustavobrigido.com.br As leis excepcionais e temporárias são leis que vigem por período predeterminado, pois nascem com a finalidade de regulares circunstâncias transitórias especiais que, em situação normal, seriam desnecessárias. Essas leis que são formuladas para durar um período. a) LEI TEMPORÁRIA: é aquela cuja vigência vem previamente fixada pelo legislador, portanto são dotadas de auto-revogação. b) LEI EXCEPCIONAL: é aquele que vige durante situações de emergência, ou seja, em um estado anormal. As leis temporárias e excepcionais, nos termos do art. 3º do CP, TÊM ULTRA- ATIVIDADE, ou seja, continuam a produzir efeitos aos fatos praticados durante a sua época de vigência, ainda que tenham sido revogadas. Frederico Marques, analisando o conteúdo e a estrutura dessas leis, afirmava que: "por ter sido elaborada em função de acontecimentos anormais, ou em razão de uma eficácia previamente limitada no tempo, não se pode esquecer que a própria tipicidade dos fatos cometidos sob seu império inclui o fator temporal como pressuposto da ilicitude punível ou da gravação da sanção". O objetivo é manter o seu poder intimidativo. A LEX MITIOR que for promulgada ulteriormente para um crime que a lei temporária pune mais severamente, NÃO RETROAGIRÁ porque as situações tipificadas são diversas. Lembre-se: As leis excepcionais ou temporárias são leis que não respeitam a regra prevista no art. 2º do CP, ou seja, aquele princípio da retroatividade benéfica. Se o fizessem seriam inócuas, pois cessado o prazo de sua vigência, todos os criminosos que estivessem sendo punidos pela prática de infrações penais nesse período excepcional ou temporário teriam benefícios. 6.4 - RETROATIVIDADE E LEIS PENAIS EM BRANCO Bem, a maioria das normas penais incriminadoras, ou seja, aquelas que descrevem as condutas típicas, compõe-se de normas completas, integrais, possuindo preceitos e sanções; conseqüentemente, referidas de normas completas, integrais, possuindo preceitos e sanções. Enfim, referidas normas, podem ser aplicadas sem a complementação de outras. Existem, contudo, algumas normas incompletas, com preceitos genéricos ou indeterminados, que precisam da complementação de outras normas, sendo conhecidas, por isso mesmo como NORMAS PENAIS EM BRANCO. Na linguagem figurada de Binding, "a lei penal em branco é um corpo errante em busca de sua alma". Características das normas penais em branco: a) São normas de conteúdo incompleto; b) São normas de conteúdo vago; c) São normas de conteúdo impreciso - denominadas normas imperfeitas; A falta ou a inexistência dessa dita norma complementadora impede que a descrição da conduta proibida, se complete, ficando em aberto a descrição típica; dito de outra forma, a norma complementar e uma lei penal em branco, integram o próprio tipo penal, uma vez que esta é imperfeita, e, por conseguinte, incompreensível por não se referir a uma conduta juridicamente determinada e, faticamente, identificável. www.gustavobrigido.com.br As normas penais em branco, quanto ao seu complemento, dividem-se em: a) Normas impropriamente em branco: são aquelas em sentido lato, e que há homogeneidade de fontes legislativas, ou seja, são as que possuem o complemento em norma de igual hierarquia. Nessa hipótese, a fonte encarregada de elaborar o complemento é a mesma fonte da norma penal em branco; b) Normas propriamente em branco: são aquelas em sentido estrito, e que há heterogeneidade de fontes legislativas, ou seja, são as que o complemento é aplicado por órgão diverso, buscando o complemento em norma de inferior hierarquia. Ao entendimento de Guilherme Nucci, somente podem ser denominadas normas penais em branco aquelas que são especificas quanto à pena - jamais delegando a sua fixação abstrata a outro órgão legiferante que não seja penal - bem como indeterminadas quanto ao seu conteúdo, que, entretanto, é encontrado em outra norma extrapenal, perfeitamente inteligível. 7. TEMPO DO CRIME: Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado A lei em si já sintetiza a teoria adotada pelo Código Penal, que é a da atividade. A doutrina também destaca a existência da teoria do resultado e a mista (nas quais se considera praticado o crime no momento do resultado ou no momento da ação e do resultado, simultaneamente). No entanto, no Brasil, considera-se praticado o crime no momento em que o autor do fato praticou a conduta, sendo irrelevante o momento em que se deu o resultado. Exemplo: - Vítima atingida por disparo de arma de fogo vem a falecer dois dias após o fato, considera-se praticado o crime no momento em que a vítima foi atingida e não no momento em que faleceu. Excepcionalmente, contudo, para efeitos da contagem da prescrição e da decadência, o Código Penal não adotou a teoria da atividade. Na prescrição, tal como se extrai do art. 111 do CP, adotou-se a teoria do resultado, no qual o lapso temporal começa ocorrer a partir da consumação. Já na decadência, o lapso temporal começa a contar a partir do momento que a vítima toma conhecimento do autor do delito. 8. APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO ESPAÇO: As leis são elaboradas para ser aplicadas no território do Estado que as elaborou. A lei brasileira, no Brasil, a japonesa, no Japão. O mundo, todavia, não é um conjunto de compartimentos estanques. As pessoas comunicam-se, interagem, independentemente das fronteiras nacionais. Os homens relacionam-se apesar das várias nações. Assim como se rompem barreiras no sentido de uma sociedade futura sem limitações, sem preconceitos, também a outra face da moeda se faz notar: a criminalidade, igualmente, não respeita as fronteiras dos países. www.gustavobrigido.com.br Cometem-secrimes à distância. Comportamento realizado no Brasil pode produzir efeitos no Paraguai, na China e na Noruega, ao mesmo tempo, no mesmo dia. Com um gesto realizado em Hong-Kong, um homem pode apropriar-se de dinheiro depositado num banco situado em Berna, de propriedade de pessoas residentes em Berlim, Cingapura, Brasília e Paris. Uma única ação realizada num ponto do planeta, num Estado, vai produzir efeito noutro, importando na lesão de bens cujos titulares são nacionais de quatro outros Estados distintos. À medida que mais se desenvolvem as relações entre os vários povos, mais facilmente podem ocorrer crimes. Conflitos de leis de vários Estados podem estabelecer-se e devem ser resolvidos. São necessárias regras para dirimir eventuais situações de perplexidade. Onde ocorreu o crime? Qual lei aplicar? Como fazer? 8.1 – LUGAR DO CRIME: A primeira tarefa é definir onde ocorreu o crime. No lugar onde a conduta foi realizada, ou onde o resultado aconteceu? Imagine-se a seguinte hipótese, bem simples. Eduardo, da cidade de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, efetua um disparo de arma de fogo em direção ao outro lado da rua, atingindo a pessoa de Pablo, cidadão uruguaio, que se encontra na cidade de Rivera, produzindo-lhe ferimentos que dão causa a sua morte, que ali ocorre, imediatamente. As duas cidades situam-se exatamente na fronteira entre Brasil e Uruguai, separadas por alguns poucos metros de uma simples rua. A conduta ocorreu no Brasil, o resultado, no Uruguai. Onde ocorreu o crime: lá ou cá? A hipótese, bastante simples, torna-se cada vez mais comum e sofisticada, com o uso do computador e das comunicações telefônicas e por satélite, pela Internet, especialmente com o tráfico internacional de entorpecentes, e outros crimes que envolvem o sistema financeiro internacional. Três teorias buscam explicar o lugar do crime: a da atividade, que o considera praticado no lugar do comportamento, a do resultado, que leva em conta o lugar onde ocorre a conseqüência do comportamento, e a mista, ou da ubiqüidade, que considera praticado o crime num como noutro lugar, tanto lá, quanto cá. Aqui, diferentemente do raciocínio realizado quando se tratou do tempo do crime, é preciso pensar na seguinte hipótese: no país A, vigora a teoria da atividade e no país B, a teoria do resultado. No país B, Cláudio dispara um tiro de revólver contra Antônio que, ferido, é transportado para o país A, onde vem a falecer. ‘Houve um homicídio, é óbvio, pois Cláudio queria e conseguiu matar Antônio. Onde ocorreu o crime de homicídio? Se no país B, onde aconteceu a conduta, vige a teoria do Resultado, o Direito desse país considera que aí não aconteceu o crime, pois Antônio não morreu aí. Apenas Cláudio realizou a conduta. Se no país A, onde aconteceu o resultado, vale a teoria da atividade, o direito desse país considera que aí não aconteceu o crime, pois Cláudio não realizou nenhum comportamento aí. O que houve foi o resultado, a morte de Antônio. Apesar de Cláudio ter agido com vontade de matar e de Antônio ter morrido em conseqüência do www.gustavobrigido.com.br comportamento daquele, o crime não terá acontecido em nenhum lugar, o que equivale a dizer que não houve crime, o que é um absurdo. Por isso, o Código Penal brasileiro adota a teoria da ubiqüidade, que é a correta, no art. 6º, assim: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.” No exemplo dado, o crime ocorreu no Brasil e no Uruguai. No outro exemplo, ocorreu nos dois lugares, A e B. Esta teoria evita a possibilidade de o crime ficar sem punição. É certo que ninguém será punido duas vezes, em dois países distintos, por um único fato, uma vez que há um princípio geral de Direito – escrito em alguns ordenamentos, inclusive no Código Penal (art. 8º) – que proíbe a dupla punição pelo mesmo fato, vedando o chamado bis in idem. 8.2 - PRINCÍPIOS DE DIREITO PENAL INTERNACIONAL: Definido o lugar do crime, onde ocorreu a conduta e onde aconteceu o resultado, ainda assim permanece a possibilidade de conflitos. Pense-se na seguinte situação: o Presidente da República do Brasil, em viagem à China, tem sua liberdade pessoal agredida, por terroristas internacionais que o seqüestram, exigindo, do governo brasileiro, a libertação de certo prisioneiro. Trata-se, pois, da agressão de um bem jurídico da mais alta importância para o país – a liberdade pessoal do Chefe do Estado Brasileiro – realizada fora do território nacional. Qual lei será aplicada? Outra hipótese: Sérgio, brasileiro, comete um crime na Alemanha, e consegue fugir para o Brasil, antes de ser preso e processado. O governo alemão, desejoso de punir o brasileiro que violou sua lei penal, pede ao governo brasileiro que lhe entregue Sérgio, para que, em Bonn, seja julgado. O Brasil entregará seu cidadão? Outra situação. Quadrilhas internacionais realizam tráfico de drogas, praticando atos em locais situados em cinco países diferentes. Qual deles será o competente para julgar tais crimes? Para solucionar esses problemas, existem cinco princípios que cuidam do âmbito de eficácia espacial da lei penal de cada Estado. 8.2.1 – PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE: O princípio da territorialidade, ou princípio territorial exclusivo, afirma que a lei penal do Estado aplica-se ao crime ocorrido dentro, e tão-somente dentro, do território do referido Estado. A lei penal só tem aplicação no território do Estado que a determinou, pouco importando a nacionalidade do infrator da norma e a do indivíduo ofendido. Por este princípio, a lei penal de um Estado nunca seria aplicada a um fato ocorrido no território de outro Estado. Se tiver havido um crime, em Brasília, praticado por um espanhol, contra um holandês, a lei a ser aplicada é a brasileira, pouco importando que as leis da Espanha ou da Holanda sejam mais favoráveis ou mais severas para o infrator da norma penal. Este princípio www.gustavobrigido.com.br exclui, portanto, a aplicação da lei penal de um Estado a um crime ocorrido no estrangeiro. 8.2.2 - PRINCÍPIO DA NACIONALIDADE Diz o princípio da nacionalidade que a lei penal do Estado será aplicada a seus cidadãos, onde quer que eles se encontrem. A razão do princípio é que o cidadão deve obediência à lei de seu país, ainda que fora dele se encontre. Se um brasileiro cometesse um crime na Hungria, aplicar-se-ia a lei brasileira. Do mesmo modo, se um cubano cometesse um crime no Brasil, a lei a ser aplicada seria a de Cuba. O princípio – apesar de ponderáveis razões em seu favor, especialmente as de ordens histórica, sociológica e psicológica – não resolve os problemas verificados. Como aplicar ao crime cometido no Brasil a lei da China? Onde seria ela aplicada, lá ou cá? A soberania dos Estados nacionais restaria gravemente violada. Impossível, ainda, a aplicação do princípio, irrestritamente, levando-se em conta a diversidade dos vários ordenamentos penais. Aquilo que é definido como crime num Estado pode não ser em outro, e vice-versa. Este princípio se desdobra em dois. Chama- se princípio da nacionalidade ativa aquele segundo o qual se aplica a lei do Estado ao delinqüente, onde quer que ele se encontre. Já o princípio da nacionalidade passiva exige que, além de ser nacional o sujeito ativo do crime, seja nacional também o titular do bem jurídico atacado ou ameaçado de lesão. 8.2.3 - PRINCÍPIO DA DEFESA OU PRINCÍPIO REAL: Este preceito leva em conta exclusivamente a nacionalidade do bem jurídico atacado, independentemente do local onde aconteceu o ataque, e da nacionalidade da vítima. Segundo o princípio, a lei penal do Estado seria aplicada ao crime praticado contra o bem jurídiconacional, onde quer que fosse o lugar do crime e independentemente da nacionalidade do delinqüente. Por ele, a lei brasileira seria aplicada ao crime cometido contra bem jurídico nacional, ou cujo titular fosse nacional, qualquer que fosse o lugar do crime. Se o automóvel de João, brasileiro, viesse a ser furtado na Argentina, por um argentino, equatoriano ou canadense, a lei brasileira seria aplicada. 8.2.4 - PRINCÍPIO DA JUSTIÇA PENAL UNIVERSAL: Pelo princípio da justiça penal, cada Estado poderia punir qualquer crime, seja qual fosse a nacionalidade de seus sujeitos ou o lugar de sua prática, bastando que o delinqüente ingressasse no território desse Estado. Se Pedro, brasileiro, cometesse um crime no Equador, contra um alemão, e fugisse para a Hungria, seria punido segundo a lei húngara. Se tivesse entrado na Dinamarca, ali seria julgado, conforme a lei dinamarquesa. Se este princípio pudesse ser adotado em todos os Estados, ficaria diminuída, em grande parte, a impunidade, pois a fuga seria inócua. Todavia, no atual estágio da organização www.gustavobrigido.com.br dos Estados, é praticamente impossível a adoção integral desse princípio. As dificuldades com a instrução dos processos, com a apuração dos fatos, aliadas à inexistência de um Direito Penal único, em todo o planeta, mantêm o princípio ainda no campo da utopia. 8.3 – TERRITORIALIDADE: Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984) § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984) § 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil. Para a resolução dos conflitos espaciais das leis penais, o Código Penal Brasileiro encontrou a fórmula mais utilizada entre todos os povos modernos. Adota o princípio da territorialidade como regra, e os demais princípios como exceção. Diz-se, por isso, que entre nós vigora a territorialidade temperada. Esta é a regra: a lei brasileira será aplicada aos crimes que forem cometidos dentro do território nacional. Excepcionalmente, poderá ser aplicada a crimes cometidos fora de nosso território. A propósito, importa, em primeiro lugar, conceituar, juridicamente, território. 8.3.1 – TERRITÓRIO JURÍDICO: Território jurídico é todo o espaço em que o Estado exerce sua soberania. O território nacional é o espaço terrestre, marítimo e aéreo, sujeito à soberania do Estado, quer seja compreendido entre os limites que o separam dos Estados vizinhos, ou do mar livre, quer esteja destacado do corpo territorial principal ou não. 8.3.2 – EXTENSÃO DO TERRITÍRIO NACIONAL: São consideradas extensões do território nacional as embarcações e as aeronaves brasileiras públicas, ou a serviço do governo, onde quer que se encontrem. Os aviões da Força Aérea Brasileira, ou o de propriedade particular que estiver a serviço do governo brasileiro, são considerados extensão do território brasileiro, em qualquer parte do planeta, de modo que, ocorrendo um crime no interior de uma dessas aeronaves, mesmo que ela se encontre em pouso no aeroporto de qualquer nação do mundo, ou em vôo pelo www.gustavobrigido.com.br espaço aéreo sujeito à soberania de outro país, o crime terá ocorrido no território brasileiro, aplicando-se a ele, por isso, a lei brasileira. Igualmente, são consideradas extensões do território nacional as aeronaves e embarcações brasileiras mercantes privadas, quando se encontrarem no espaço aéreo correspondente ao alto-mar, local em que nenhuma nação exerce soberania. É a norma do art. 5º, § 1º, do Código Penal. Obviamente, as aeronaves e embarcações estrangeiras públicas, ou a serviço de governos estrangeiros, quando em pouso ou ancoradas em território brasileiro, ou mesmo no mar territorial e no espaço aéreo nacional, são consideradas território estrangeiro. E, como não poderia deixar de ser, havendo crime no interior de embarcações ou aeronaves estrangeiras privadas, quando no território brasileiro, ou no espaço aéreo ou no mar territorial, aplicar-se-á a lei brasileira. 8.4 – EXTRATERRITORIALIDADE: Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; II - os crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. § 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. . www.gustavobrigido.com.br § 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. Excepcionalmente, a lei penal brasileira poderá ser aplicada a fatos ocorridos fora do território nacional. Pelas mais diferentes razões, em algumas situações particulares, torna-se indispensável que a lei brasileira seja aplicada a fatos ocorridos no estrangeiro. Em alguns casos, isso ocorrerá independentemente de qualquer condição. Noutros, a lei exige algumas condições para que possa ser aplicada ao fato ocorrido fora do Brasil. Vejam-se, primeiramente, os casos de crimes que, ocorridos no estrangeiro, ficarão sujeitos à lei brasileira, independentemente de qualquer condição. 8.4.1 – EXTRATERRITORIALIDADE INCONDICIONADA: Dispõe o art. 7º, I, do Código Penal, que ficarão sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os seguintes crimes: a) praticados contra a vida ou a liberdade do Presidente da República. Se o Chefe do Estado brasileiro, em viagem ao exterior, vier a tornar-se vítima de homicídio (art. 121, CP), tentativa de homicídio (art. 121, c/c 14, II, CP), ameaça (art. 147, CP), seqüestro e cárcere privado (art. 148, CP), constrangimento ilegal (art. 146, CP), a lei penal brasileira será aplicada. Trata-se da adoção do princípio da defesa, pois se leva em conta a nacionalidade do bem jurídicoe, é óbvio, a sua importância. A vida e a liberdade do Chefe da Nação são bens da mais alta consideração, não em razão da pessoa do Presidente, mas da função que exerce: b) os crimes contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, das unidades federadas, dos municípios, de empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias ou fundações instituídas pelo Poder Público. Incluem-se entre tais crimes: roubo (art. 157, CP), furto (art. 155, CP), estelionato (art. 171, CP), falsificação de moeda (art. 289, CP), falsidades de títulos públicos (art. 293, CP) e outras falsidades. c)os crimes contra a administração pública, por quem estiver a seu serviço, como, por exemplo, o peculato (art. 312, CP) e a concussão (art. 316, CP); d) os crimes de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil. Os crimes de genocídio estão definidos pela Lei nº 2.889, de 1º-10-1956, assim: “Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.” Na hipótese da ocorrência desses crimes, a lei brasileira será aplicada independentemente de qualquer condição, inclusive se o infrator da norma tiver sido absolvido ou condenado no estrangeiro. Para evitar, nesses casos, o bis in idem, que é a www.gustavobrigido.com.br possibilidade de vir alguém a sofrer punição duas vezes pelo mesmo fato, o art. 8º do Código Penal determina que a pena que tiver sido cumprida no estrangeiro vai atenuar aquela a ser imposta no Brasil, se for diferente. Se for idêntica, será computada na pena a ser aplicada no Brasil. Exemplo: no Japão, um indivíduo tenta contra a vida do Presidente da República do Brasil. Lá é preso, julgado e condenado. Será igualmente julgado aqui no Brasil, onde acaba por ser, também, condenado. Tendo cumprido pena no Japão, e ingressado no território brasileiro, por ter o governo japonês atendido ao pedido de extradição de nosso governo, sua situação será a seguinte: (a) se a pena cumprida no Japão tiver sido de reclusão de cinco anos, e aqui tiver sido condenado a oito anos de reclusão, aquele tempo será computado nos oito, e ele só cumprirá três anos no Brasil; (b) se lá tiver cumprido pena de detenção, e aqui vier a ser condenado a pena de reclusão, terá esta pena atenuada, diminuída em alguma quantidade de tempo. 8.4.2 - EXTRATERRITORIALIDADE CONDICIONADA: Em outras situações, a aplicação da lei brasileira a crimes ocorridos no estrangeiro dependerá do preenchimento de algumas condições. Os crimes estão relacionados no art. 7º, II, Código Penal, entre eles os que, por tratado ou convenção, o Brasil tiver-se obrigado a reprimir. Incide o princípio da justiça universal. Por razões de interesse político de todos os Estados, eles celebram tratados de cooperação internacional também no campo do Direito Penal, para combater, por exemplo, o tráfico ilícito de entorpecentes. Outra situação difícil. Um cidadão brasileiro comete um crime no estrangeiro e consegue retornar ao Brasil, sem que tenha sido preso. O Estado estrangeiro tem interesse em aplicar sua lei penal, posto que o brasileiro a desrespeitou. Sem que ele ali compareça, não poderá o Estado estrangeiro aplicar a sua lei, isto é, não poderá ser imposta a pena a que terá sido condenado o cidadão brasileiro. Para resolver situações como essa, o direito internacional criou o instituto da extradição, um instrumento jurídico por meio do qual se dá a entrega de uma pessoa, por um Estado, a outro, para que, por este, seja ela julgada ou punida. Pois bem, se o governo estrangeiro solicita a extradição daquele brasileiro, o governo entregará o cidadão nacional? Não, porque segundo manda a Constituição Federal, art. 5º, LI, o Brasil não extradita nacionais. Assim, diz a Carta Magna: “Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.” O brasileiro nato, portanto, não será extraditado em nenhuma hipótese. O naturalizado, sim, em duas situações. Se o pedido for pela prática de crime comum, somente poderá ser extraditado se o tiver praticado antes da obtenção da nacionalidade brasileira. Se o motivo da extradição for tráfico ilícito de entorpecentes, o naturalizado só será extraditado se já estiver condenado no estrangeiro, por sentença transitada em julgado. www.gustavobrigido.com.br Se o Brasil não extradita seus nacionais, deverá, então, julgá-los aqui, segundo a lei brasileira, pois, se não o fizesse, estaria consagrando a impunidade para seus cidadãos que delinqüissem fora do Brasil e conseguissem aqui se homiziar. Por isso, a alínea b do inciso II do art. 7º do Código Penal inclui, entre os casos de extraterritorialidade condicionada, os crimes praticados, no estrangeiro, por brasileiro, incidente, aí, o princípio da personalidade ativa. Outra situação: um crime é cometido no interior de uma aeronave ou embarcação brasileira mercante ou de propriedade privada, em território estrangeiro, e, por qualquer razão, não é julgado nesse país. Acontece, por exemplo, quando a aeronave já se encontrava no espaço aéreo de outro Estado, mas a caminho do Brasil, e seu comandante não retorna ao aeroporto estrangeiro, preferindo continuar até seu país. Esse crime ocorreu no estrangeiro e lá não será punido. Nesse caso, a lei brasileira também pode ser aplicada, por força do disposto no art. 7º, II, c, do Código Penal. Este é o princípio da representação. Para que a lei brasileira seja aplicada nessas hipóteses, é necessário o concurso das seguintes condições (art. 7º, § 2º): 1ª entrar o agente no território nacional. É necessário que o infrator da norma entre no Brasil, seja espontaneamente, seja por força de extradição; 2ª ser o fato punível também no país em que foi praticado. É indispensável que o fato praticado seja definido como crime no país estrangeiro e no Brasil. Por exemplo, se Maria, brasileira, realiza aborto consentido na França e retorna ao Brasil, não poderá ser punida aqui, apesar de o aborto aqui ser proibido; 3ª estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; 4º não ter sido o agente absolvido no exterior ou não ter aí cumprido pena. Se ele já tiver sido julgado e absolvido ou cumprido a pena, não poderá a lei brasileira ser aplicada; 5º não ter sido o agente perdoado no estrangeiro, ou não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. A lei penal brasileira ainda poderá ser aplicada ao crime praticado fora de nosso território por estrangeiro contra brasileiro se – além das condições previstas no § 2º do art. 7º – não tiver sido pedida ou tiver sido negada sua extradição e houver requisição do Ministro da Justiça (art. 7º, § 3º, CP). 9 - APLICAÇÃO DA LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS: A lei penal existe para ser aplicada a todas as pessoas; vale, portanto, erga omnes, alcançando a todos, sem distinção, até porque todos são iguais perante a lei. A esta regra torna-se indispensável excepcionar alguns casos. Algumas pessoas, não por suas qualidades pessoais, mas pela importância das funções que exercem, necessitam ficar fora do alcance das leis penais. Essa condição desses sujeitos chama-se imunidade, porque ficam imunes à lei penal, que não os alcança. No direito brasileiro estão contempladas imunidadesdiplomáticas, parlamentares, e outras, como a do advogado, relativamente a alguns crimes. 9.1 – IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS: www.gustavobrigido.com.br Como bem ressalvou o caput do art. 5º do Código Penal, a lei brasileira aplicase ao crime cometido no território brasileiro, “sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional...” Para procurar preservar o bom nível do relacionamento entre os Estados, evitando constrangimentos e represálias, os vários Estados estabeleceram as imunidades diplomáticas, instituto segundo o qual os agentes diplomáticos são imunes à lei penal do país em que estiverem servindo. MAGALHÃES NORONHA diz que “não se trata evidentemente de privilégio à pessoa física do representante estrangeiro, mas de acatamento à soberania da nação que ele representa. Significa que, se o embaixador de uma nação amiga cometer, no Brasil, um fato definido como crime, a lei penal brasileira a ele não será aplicada. Em verdade, o fato ocorreu, é proibido, mas quem o praticou não será processado, nem julgado no Brasil, mas em seu país, segundo sua lei. As imunidades foram estabelecidas pela Convenção de Viena, de 18-4-61, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 103, de 1964, ratificada em 23-2-65, e alcançam os agentes diplomáticos – embaixador, secretários de embaixada, pessoal técnico e administrativo das representações, membros de suas famílias, funcionários das organizações internacionais, chefes de Estado estrangeiro em visita ao país e os membros de suas comitivas. A garantia se estende aos agentes diplomáticos e funcionários das organizações internacionais, quando em serviço, incluindo seus familiares. A essas pessoas é assegurada inviolabilidade pessoal, já que não podem ser presas nem submetidas a qualquer procedimento sem autorização do seu país. De acordo com a Convenção de Viena, as sedes diplomáticas não admitem busca e apreensão, requisição, embargo ou qualquer outro tipo de medida de execução de natureza penal. Conduto, não podemos afirmar que as embaixadas são extensões do território. 9.2 – IMUNIDADE PARLAMENTAR: Uma segunda espécie de imunidade é a de que gozam os parlamentares, deputados federais e senadores da república. Para que o membro do Poder Legislativo possa desempenhar com plena liberdade sua função de representante do povo, foram instituídas imunidades, que são prerrogativas destinadas a assegurar a maior liberdade de atuação possível. Imaginem o deputado que viesse a defender, em público, a revogação da norma penal que proíbe a aquisição de maconha, para uso próprio, crime definido no art. 28 da Lei nº 11.343/2006. Tal parlamentar poderia, para mostrar a justeza de sua proposição, alardear como benéfico para a saúde o uso da referida droga, até porque existem opiniões científicas que demonstram certo poder calmante na referida substância. Pois bem, este deputado, www.gustavobrigido.com.br ao fazer a propaganda do uso da maconha, poderia estar realizando um comportamento proibido pela norma do art. 287 do Código Penal: “Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena – detenção de 3(três) a 6(seis) meses, ou multa.” O parlamentar representa o povo, a sociedade. E mais, relembre-se, o Direito Penal é produto da vontade da sociedade. Se uma parcela desta – que elegeu o tal deputado – deseja permitir o uso da substância, ou não deseja considerar crime a aquisição da maconha para uso próprio, essa sua opinião deve ser, livremente, divulgada no seio da sociedade e, para tanto, seu representante precisa estar imune àquela lei que o proíbe de defender o fato criminoso. Noutras situações, o parlamentar, que é, além de elaborador das leis, encarregado da fiscalização da ação do Poder Executivo, tem a necessidade de formular críticas severas a funcionários públicos ou a outros cidadãos da sociedade. Em certas situações, necessita inclusive relatar fatos que atingem a honra do indivíduo, como, por exemplo, quando denuncia a prática de atos de improbidade administrativa. Precisa, às vezes, até mesmo, ofender a dignidade de um Ministro de Estado. Para que o parlamentar possa exercer, com plena liberdade, seu mandato, a Constituição Federal estabelece as imunidades parlamentares, que são absolutas ou relativas. A) Imunidades parlamentares absolutas: Dispõe o art. 53, caput, da Constituição Federal: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.” Significa que os parlamentares não cometem os chamados delitos de palavra ou de opinião, neles incluídos os crimes contra a honra (calúnia, difamação, injúria), de incitação ao crime, apologia do crime ou do criminoso, nem aqueles delitos de opinião definidos na Lei de Imprensa e na Lei de Segurança Nacional. É evidente que são imunes às leis penais que definem tais crimes, quando praticarem os fatos respectivos durante e em razão do exercício do mandato parlamentar. Se um deputado ofender a reputação de sua mulher, por questões meramente pessoais, particulares, não estará imune à lei, mas como simples cidadão, a ela estará sujeito. Como se vê, a imunidade é para o parlamentar, e apenas para amparar o exercício legítimo do mandato. B) Imunidades parlamentares processuais ou relativas: O legislador constituinte de 1988 estabeleceu, no mesmo art. 53, as chamadas imunidades relativas ou processuais, que alcançam todos os outros crimes. Segundo as normas então criadas, o parlamentar, desde a expedição do diploma pela Justiça Eleitoral – documento que lhe assegura a posse e o exercício no cargo para o qual foi eleito –, não poderia ser preso, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processado criminalmente, em nenhuma hipótese, sem prévia licença de sua casa. Quando a licença não fosse concedida, ou na ausência de decisão a esse respeito, não corria a prescrição – a perda, pelo Estado, do direito de punir o infrator da norma penal, www.gustavobrigido.com.br pelo decurso do tempo. Encerrado o mandato, o processo reiniciar-se-ia, como se não tivesse decorrido nenhum tempo. Os parlamentares são imunes à prisão, salvo no caso de flagrante de crime inafiançável. Nesse ponto, não houve qualquer modificação em relação ao texto constitucional anterior. Considera-se em flagrante delito quem: a) está cometendo o fato definido como crime; b) acabou de cometê-lo; c) é perseguido, logo após, em situação que faça presumir ser ele o infrator da norma; ou d) é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumi-lo autor do fato. Esta é a definição do art. 302 do Código de Processo Penal. Em qualquer uma dessas condições, a pessoa está em flagrante. A fiança criminal é uma caução, uma garantia do cumprimento das obrigações processuais do acusado da prática de um fato definido como crime. O preso em flagrante, pode obter a sua liberdade, mediante o pagamento da fiança, e assim passa a responder ao processo. O ordenamento jurídico brasileiro considera insuscetíveis de fiança os crimes mais graves, quando determina que são inafiançáveis os crimes punidos com reclusão cuja pena mínima seja superior a dois anos (art. 323, I, CPP). De conseqüência, os crimes cuja pena seja de detenção ou com pena mínima de reclusão de até dois anos podem ser afiançados. O parlamentar não pode ser preso em flagrante, se tiver praticado fato definido como crime afiançável. Caso o fato seja definido como crime inafiançável, a prisão em flagrante do parlamentar pode ser efetuada, mas, nesse caso, o auto de prisão em flagrante deve ser remetido dentro de 24 horas à Câmara ou ao Senado, que, então, pelo voto secreto da maioria de seus membros, decidirá sobre a prisão: manterá oua relaxará. A mudança fundamental diz respeito ao processo. Na ordem anterior, o processo contra o parlamentar dependia de licença da casa legislativa. Pela nova regra, o parlamentar pode ser processado, independentemente de licença, perante o Supremo Tribunal Federal, que, ao receber a denúncia, deverá comunicar à casa respectiva. Se se tratar de crime cometido antes da diplomação, o processo terá seu curso normal, e não cabe sequer a comunicação pela Corte Suprema. Se, todavia, for instaurada a ação penal por crime ocorrido após a diplomação, a comunicação será feita, mas o processo pode ser sustado, desde que a requerimento de um partido político representado na Casa do parlamentar, aprovado pelo voto da maioria dos membros da Casa. O pedido de sustação do processo poderá ser feito a qualquer tempo, antes, é óbvio, da decisão final do Supremo Tribunal, e deverá ser votado pela casa no prazo de 45 dias de seu recebimento pela Mesa Diretora. Por decisão final, deve-se entender o trânsito em julgado, daí que, mesmo após a sentença final suscetível de recurso, poderá a Casa sustar o andamento do feito. Concedida a sustação do processo, ficará suspenso o curso da prescrição enquanto durar o mandato, reiniciando-se o processo, após, como se não tivesse decorrido tempo algum. www.gustavobrigido.com.br Com esse novo tratamento dado à imunidade processual, é de se perguntar se continua em vigor a norma do § 2º do art. 55 da Constituição Federal, que exige seja a perda do mandato do parlamentar que sofrer condenação criminal transitada em julgado “decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”. Ora, essa norma só tinha sentido no regime anterior, quando a casa legislativa tinha o poder de decidir sobre a instauração ou continuidade de processo penal contra parlamentar. Era um complemento daquele sistema de imunidades que reservava à casa legislativa o direito de condicionar a instauração e prosseguimento da ação penal. C) Imunidade do advogado O art. 133 da Constituição Federal estabelece: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” O art. 142 do Código Penal, de 1940, dispõe: “Não constituem injúria ou difamação punível: I – a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador.” Já a Lei nº 8.906/94, no § 2º do art. 7º, assim estatui: “O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.” O Supremo Tribunal Federal concedeu, em 5 de outubro de 1994, liminar na Ação de Declaração de Inconstitucionalidade nº 1.127-8, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros, suspendendo a eficácia da expressão “ou desacato”, e, julgando o mérito, em 17 de maio de 2006, declarou a inconstitucionalidade da expressão, contida no § 2° do art. 7° da Lei n°8.906/94. A imunidade do advogado, em verdade, não se destina a sua pessoa, mas ao exercício de sua função, que, segundo a própria Carta Magna, é indispensável à administração da Justiça. Com efeito, o advogado, para postular em juízo o direito de seu constituinte, necessita de ampla liberdade de expressão do pensamento, especialmente no relato de fatos e na emissão de opiniões sobre as pessoas contra as quais se deduzirá a pretensão, sobre testemunhas, sobre funcionários da justiça, enfim, sobre situações e sujeitos. Não pode ficar manietado no momento da comunicação das idéias, diante da possibilidade de vir a cometer os delitos de difamação e injúria. Esta imunidade vem estatuída no próprio Código Penal, desde as Constituições anteriores. Por exemplo, ao elaborar o pedido inicial de uma ação de separação judicial, o advogado poderá necessitar, algumas vezes, fazer o relato de fatos ofensivos à reputação do outro cônjuge, como violadores do dever do matrimônio, por exemplo a prática de atos homossexuais. www.gustavobrigido.com.br Não há dúvida em relação à justeza da imunidade quanto aos crimes de difamação e injúria. Por que o advogado não goza da imunidade em relação ao crime de calúnia? E por que também não quanto ao crime de desacato, como decidiu, em liminar, o Supremo Tribunal Federal? Caluniar é atribuir, falsamente, a alguém, um fato definido como crime (art. 138, CP). Para haver este crime, o caluniador deve saber que o fato que atribui a outro é falso. É óbvio, portanto, que não se poderia conferir ao advogado o direito de falsear a verdade. Se, no processo instaurado perante o poder judiciário, se busca a verdade, não se pode legitimar a conduta do advogado que, para defender o interesse de seu cliente, usa da falsidade. Já desacatar é ofender, humilhar, ultrajar o funcionário público, em razão de suas funções. No exercício de sua função, o advogado necessita de plena liberdade de manifestação de seu pensamento e, em algumas situações, diante do delegado arbitrário, do promotor perseguidor, do juiz autoritário, precisa levantar sua voz com galhardia, criticando atitudes desses funcionários, mostrando-lhes a arbitrariedade, o espírito perseguidor, o autoritarismo, por exemplo: “Vossa Excelência, MM. Juiz, está sendo autoritário, ignorando o direito do acusado. Respeite o réu, Excelência, não o chame de criminoso!” Ou, para o Promotor, durante os debates no Tribunal do Júri: “O Sr. Promotor de Justiça mentiu para os jurados, quando afirmou que o réu estava com a arma na mão. Vossa Excelência, Dr. Promotor, deve estudar melhor os autos e agir com seriedade na condução da acusação.” É evidente que tais expressões trazem forte conteúdo ofensivo ao juiz e ao promotor. O primeiro foi implicitamente chamado de autoritário, ignorante, desrespeitador. O segundo, de mentiroso, de não ser sério, de não estudar o processo. Tais comportamentos do advogado configuram ofensa ao funcionário público, em razão de suas funções e, como tal, o fato definido como crime de desacato. É evidente que, sem a imunidade, a atividade do advogado restaria, nessas hipóteses, cerceada, e não é esse o desejo da Carta Constitucional. A questão, parece, não é saber se a imunidade abrange o desacato ou restringe-se à difamação e injúria, e tampouco se não pode ser dirigida ao juiz. O cerne do problema é saber se a ofensa era necessária, para o desempenho da atividade do advogado, pouco importando tenha ela sido dirigida a funcionário público ou não. No mandado de segurança contra ato judicial, a pretensão é deduzida contra juiz de direito. Como não ofendê-lo, às vezes, se ele é parte no processo? Como não mostrar o absurdo, ou o abuso da decisão impugnada? O mesmo se diga do magistrado na exceção de suspeição, quando ele pode estar agindo com interesse pessoal no deslinde da causa. No processo criminal, o promotor é parte. E no habeas corpus em que o direito de liberdade do paciente se deduz contra o ato praticado pelo juiz? Enfim, a ofensa do advogado pode dirigir-se contra qualquer pessoa, inclusive o juiz e o promotor. O que não pode ser admitido é a ofensa desnecessária, gratuita. Para que seja www.gustavobrigido.com.br necessária, é indispensável que seja proferida na discussão da causa, em razão dela, em juízo ou fora dele, instaurado ou não o processo judicial ou administrativo. A imunidade do advogado é, portanto, do profissional, mas destina-se a proteger os interesses dos cidadãos na defesa de seus direitos legaise constitucionais. 9 – DISPOSIÇÕES FINAIS ACERCA DA APLICAÇÃO DA PENA: O Código Penal estabelece nos arts. 9º, 10, 11 e 12 outras disposições pertinentes à aplicação da lei penal, relativas à eficácia da sentença penal estrangeira no Brasil, às contagens de prazo, frações não computáveis na pena e sobre a chamada legislação especial, que devem, nesta oportunidade, ser analisadas. 9.1 - EFICÁCIA DA SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA: Art. 9º - A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para: I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis; II - sujeitá-lo a medida de segurança. Parágrafo único - A homologação depende: a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada; b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça. Sentença penal, como já se falou, é a decisão final do juiz acerca do fato definido como crime atribuído a alguém. A sentença prolatada em país estrangeiro pode produzir efeitos aqui no Brasil. Em algumas hipóteses, não é necessária nenhuma condição, bastando que seja ela, por documento autêntico e idôneo, apresentada ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, para ter eficácia em nosso país. Isto ocorre, por exemplo, quando certo agente de fato definido como crime praticado no estrangeiro que se encontra no território brasileiro, para evitar a aplicação da lei penal brasileira, apresenta a sentença estrangeira provando ter sido absolvido ou perdoado no estrangeiro (art. 7º, § 2º, d e e, 30) Em algumas outras situações, para que a sentença penal estrangeira produza efeitos no Brasil, deverá ser homologada, pelo juiz brasileiro. Tal exigência diz respeito a dois efeitos: (a) obrigar o condenado a reparar o dano, a restituições e a outros efeitos civis; (b) sujeitar o condenado à medida de segurança. Nas duas hipóteses, a sentença estrangeira deve ser, previamente, homologada, convalidada pelo órgão competente da justiça brasileira, o Superior Tribunal de Justiça, conforme a alteração feita pela Emenda Constitucional nº 45/04. www.gustavobrigido.com.br Para o primeiro caso, a parte interessada deve requerer a homologação, e para o segundo, é indispensável que exista, entre o Brasil e o país onde foi prolatada a sentença, tratado de extradição, ou, se inexistente este, é preciso requisição do Ministro da Justiça. 9.2 - CONTAGEM DE PRAZO: Art. 10 - O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum. As penas estabelecidas no Código Penal são fixadas e devem ser aplicadas por certo lapso temporal: por exemplo: cinco anos, seis meses etc. O prazo é o espaço do tempo situado entre o início e o final, e a norma do art. 10 do Código Penal estabelece que “o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo”. Se alguém começar a cumprir uma pena às 20 horas de certo dia, este dia será computado por inteiro como o primeiro dia do cumprimento da pena. A segunda parte da norma manda que os dias, meses e anos sejam contados segundo o calendário comum, o gregoriano. O dia é o período de tempo compreendido entre a meia- noite e a meia-noite seguinte. O mês é contado de acordo com o número de dias que cada um tem, 28 ou 29 (fevereiro), 30 (abril, junho, setembro e novembro), e 31 os demais. O ano terá 365 ou 366 dias. 9.3 – FRAÇÕES NÃO COMUPTÁVEIS: Art. 11 - Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, e, na pena de multa, as frações de cruzeiro. Manda o art. 11 do Código Penal que as horas, que são as frações de dia, sejam desprezadas nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direito, e, na de multa, as frações de cruzeiro, hoje real, os centavos. Ninguém será condenado, por exemplo, a uma pena de 30 dias e doze horas. 9.4 - LEGISLAÇÃO ESPECIAL: Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso Finalmente, o art. 12 manda sejam aplicadas as normas gerais contidas na parte geral do Código Penal – as normas penais permissivas e explicativas – aos fatos definidos como crime em outras leis, se estas não dispuserem de modo diferente. 10 – LISTA DE EXERCÍCIOS – APLICAÇÃO DA LEI PENAL: 01 - Prova: FUNCAB - 2012 - PC-RO - Médico Legista Acerca da aplicação da lei penal, assinale a alternativa correta. a) Na ausência de previsão de crime pela lei penal, é possível recorrer à analogia. www.gustavobrigido.com.br b) A lei penal posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, salvo aqueles que já tenham sido objeto de sentença condenatória transitada em julgado. c) Aplica-se a lei penal estrangeira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, ainda que estejam em pouso no território nacional ou em porto oumar territorial brasileiro. d) Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. e) A lei penal posterior não se aplica aos fatos anteriores, ainda que em benefício do agente. 02 - Prova: ND - 2006 - OAB-DF - Exame de Ordem - 3 - Primeira Fase No que diz respeito aos denominados crimes à distância, de acordo com o ordenamento jurídico penal vigente, assinale a alternativa CORRETA: a) o direito penal brasileiro consagra a teoria da ação; b) o direito penal brasileiro consagra a teoria do resultado; c) o direito penal brasileiro consagra a teoria da ubiqüidade; d) o direito penal brasileiro consagra a teoria vicariante. 03 - Prova: ND - 2005 - OAB-DF - Exame de Ordem - 2 - Primeira Fase O Código Penal Brasileiro adotou: a) A teoria do resultado, em relação ao tempo do crime e, a teoria da ubiqüidade, em relação ao lugar do crime; b) A teoria da atividade, em relação ao tempo do crime e, a teoria da ubiqüidade, em relação ao lugar do crime; c) A teoria da atividade, em relação ao tempo do crime e, a teoria do resultado, em relação ao lugar do crime; d) A teoria do resultado, em relação ao tempo do crime, e a teoria da atividade, em relação ao lugar do crime. 04 - Prova: ND - 2005 - OAB-DF - Exame de Ordem - 2 - Primeira Fase O abolitio criminis, também chamada de novatio legis, significa que: a) A lei antiga possui ultra-atividade, desde que mais severa; b) A lei nova não retroage, ainda que mais benéfica; c) Constitui fato jurídico extintivo da punibilidade; d) Não extingue a punibilidade. 05 - Prova: FEPESE - 2013 - DPE-SC - Técnico Administrativo Disciplina: Direito Penal | Assuntos: Da Aplicação da Lei Penal; Assinale a alternativa correta de acordo com o Direito Penal. a) A lei penal é irretroativa. b) Na contagem de prazo no Direito Penal computa-se o dia de início e exclui-se o dia final. c) Não se admite a ultra-atividade da lei no direito penal. www.gustavobrigido.com.br d) O dia de início é excluído no Direito Penal, devendo-se na contagem do prazo ser considerado o dia final. e) As frações de dias, e, na pena de multa, as frações de pecúnia, deverão sempre ser consideradas para fins de execução da pena. 06 - Prova: FEPESE - 2013 - DPE-SC - Analista Técnico O Código Penal brasileiro adotou qual teoria para definir o local do crime? a) Teoria da ação b) Teoria do resultado c) Teoria da ação mista d) Teoria do resultado objetivo e) Teoria mista ou da ubiguidade 07 - Prova: CESPE - 2012 - PC-AL - Agente de PolíciaCessado o estado de guerra, as leis excepcionais editadas para valer durante o referido período tornam-se ineficazes, devido à abolitio criminis. Certo Errado 08 - Prova: CESPE - 2012 - PC-AL - Agente de Polícia A teoria da atividade, adotada pelo Código Penal Brasileiro, considera praticado o crime no momento em que ocorre o resultado. Certo Errado 09 - Prova: CESPE - 2012 - PC-AL - Agente de Polícia A lei penal mais severa aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente iniciados antes da referida lei, se a continuidade ou a permanência não tiverem cessado até a data da entrada em vigor da lex gravior. Certo Errado 10 - Prova: IESES - 2012 - TJ-RO - Titular de Serviços de Notas e de Registros É certo afirmar: I. Crime é um fato típico, antijurídico e culpável. II. O resultado, de que depende a existência do crime, é imputável tanto a quem deu quanto a quem não lhe deu causa. III. A Lei penal brasileira por ser soberana se sobrepõe aos tratados e convenções internacionais, sendo de aplicação absoluta. IV. Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Analisando as proposições, pode-se afirmar: a) Somente as proposições II e IV estão corretas. b) Somente as proposições I e III estão corretas. www.gustavobrigido.com.br c) Somente as proposições I e IV estão corretas. d) Somente as proposições II e III estão corretas. 11 - Prova: FUJB - 2011 - MPE-RJ - Analista - Processual No direito penal, o problema da sucessão das leis no tempo é resolvido segundo a garantia constitucional de que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (CRFB, art. 5º, inciso XL). Já no campo processual penal, a norma geral de direito intertemporal encontra-se prevista no art. 2º do CPP, disciplinando que a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. Assim, quanto ao tema “sucessão de leis penais e processuais penais”, é correto afirmar que: a) no campo processual penal adota-se, como regra, o princípio tempus regit actum, que se imiscui com a ideia de retroatividade da lei processual; b) retroatividade, entendida como a imposição de uma lei a fatos pretéritos ou situações consumadas antes do início de sua vigência, tem como corolário o princípio geral do efeito imediato, entendido como sua incidência sobre fatos e situações pendentes quando a lei entra em vigor; c) retroatividade e aplicação imediata são fenômenos temporais relativos, que pressupõem, para sua aferição, um referencial cronológico, sendo certo que a aplicação imediata da lei processual leva em conta o momento da imputação inicial; d) a doutrina reconhece a existência das chamadas “normas mistas” ou “normas processuais materiais”, sendo que uma corrente ampliativa entende que são aquelas que, embora disciplinadas em diplomas processuais penais, disponham sobre o conteúdo da pretensão punitiva e sobre as demais normas que tenham por conteúdo matéria que seja direito ou garantia constitucional do cidadão; e) no sistema do isolamento dos atos processuais, adotado pelo legislador pátrio no CPP, admite-se que cada ato seja regido por uma lei, o que permite que a lei velha regule os atos já praticados, ocorridos sob sua vigência, enquanto a lei nova terá aplicação imediata, passando a disciplinar os atos futuros. 12 - Prova: CESPE - 2012 - TCE-ES - Auditor de Controle Externo - Direito A eficácia da sentença penal condenatória proferida no estrangeiro depende de homologação tanto para obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis quanto para o reconhecimento da reincidência. Certo Errado 13 - Prova: VUNESP - 2011 - TJ-SP - Titular de Serviços de Notas e de Registros Assinale a alternativa que indica hipótese de não aplicação da lei penal brasileira. a) Crime praticado em navio de cruzeiro italiano, navegando em mar territorial brasileiro. b) Crime praticado em navio de guerra brasileiro, navegando no mar territorial australiano. c) Crime praticado em lancha de recreio brasileira no mar territorial uruguaio. d) Falsificação de Reais (artigo 289 do Código Penal) praticada na China. www.gustavobrigido.com.br 14 - Prova: MOVENS - 2009 - PC-PA - Delegado de Polícia As leis têm, em regra, efeitos para o futuro. Considerando que as leis penais seguem o princípio de que não há crime sem lei anterior que o defna, nem pena sem prévia cominação legal, assinale a opção correta. a) A exigência de lei criando tipos penais para permitir a aplicação de sanção é garantia constitucional. b) É válida a descrição de conduta típica penal por medida provisória. c) Lei penal revogada permite apuração de fato ocorrido na sua vigência, mesmo quando a execução completa do fato tenha sido após a revogação. d) Lei penal que possa trazer benefício para o acusado não pode ser aplicada quando já julgado o caso. 15 - Prova: MOVENS - 2009 - PC-PA - Delegado de Polícia Acerca das disposições constitucionais relativas ao direito penal, assinale a opção correta. a) A Constituição Federal não assegura a individualização da pena aos condenados por delitos hediondos. b) A lei penal não retroagirá, nem mesmo para benefciar o réu. c) As penas serão cumpridas em estabelecimentos prisionais, diferenciados apenas em relação ao sexo do apenado. d) A prática do racismo constitui crime inafançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. 16 - Prova: CESPE - 2012 - TJ-AC - Técnico Judiciário - Auxiliar É inconstitucional lei que preveja a condenação à morte ou à execução de trabalhos forçados, dado que a Constituição Federal de 1988 (CF) proíbe, expressamente, essas modalidades de pena. Certo Errado 17 - Prova: CESPE - 2012 - TJ-AC - Técnico Judiciário - Auxiliar Considere que um dos integrantes de determinada quadrilha especializada em desviar dinheiro público tenha contribuído para a prisão de seus comparsas e que, após sua prisão, o Congresso Nacional tenha aprovado uma lei que estabelecesse a isenção de pena para partícipes em crimes contra a administração pública que contribuíssem para a prisão de seus comparsas. Nesse caso, dado o princípio da irretroatividade da lei penal, o referido integrante da quadrilha não seria beneficiado pela isenção de pena. Certo Errado 18 - Prova: CESPE - 2012 - TJ-BA - Juiz Assinale a opção correta com base no entendimento dos tribunais superiores acerca de cominações legais. www.gustavobrigido.com.br a) Aplica-se ao crime continuado a lei penal mais grave caso a sua vigência seja anterior à cessação da continuidade. b) Aplica-se ao furto qualificado, em razão do concurso de agentes, a majorante do roubo. c) Fixada a pena-base no mínimo legal em face do reconhecimento das circunstâncias judiciais favoráveis ao réu, é possível infligir-lhe regime prisional mais gravoso considerando-se isoladamente a gravidade genérica do delito. d) A pena do crime de roubo circunstanciado, na terceira fase de aplicação, será exasperada em razão do número de causas de aumento. e) Aplica-se a continuidade delitiva aos crimes de estelionato, de receptação e de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, infrações penais da mesma espécie. 19 - Prova: CESPE - 2012 - TJ-BA - Juiz No que se refere à aplicação da lei penal, assinale a opção correta. a) Considere que Carlos, condenado definitivamente à pena privativa de liberdade de dez anos de reclusão, tenha sido encaminhado à penitenciária, para o cumprimento da pena, às 23 h 45 min do dia 13 de agosto de 2010. Nessa situação,deverá ser excluído do cômputo do cumprimento da pena o referido dia, uma vez que Carlos ficará preso, nesse dia, menos de uma hora. b) A lei penal mais benéfica retroagirá se favorecer o agente, aplicando-se a fatos anteriores, respeitados os fatos já decididos por sentença condenatória transitada em julgado. c) Considere que Pedrosa, brasileiro de trinta e quatro anos de idade, juntamente com mexicanos, tenha tentado sequestrar, na cidade uruguaiana de Rivera, o presidente do Brasil, quando este participava de uma convenção internacional, e que, presos ainda no Uruguai, todos tenham sido processados e absolvidos no estrangeiro por insuficiência de provas. Nessa situação, dado o princípio da justiça universal, Pedrosa não poderá ser punido de acordo com a lei brasileira. d) Suponha que João, brasileiro de vinte e dois anos de idade, sequestre Maria, brasileira de vinte e quatro anos de idade, nas dependências do aeroporto internacional da cidade do Rio de Janeiro – RJ, levando-a, imediatamente, em aeronave alemã, para o Paraguai. A esse caso aplica-se a lei penal brasileira, sendo irrelevante eventual processamento criminal pela justiça paraguaia. e) De acordo com o princípio da universalidade, a sentença penal estrangeira homologada no Brasil obriga o condenado a reparar o dano, sendo facultativo o pedido da parte interessada. 20 - Prova: FCC - 2012 - MPE-AL - Promotor de Justiça No que se refere à aplicação da lei penal, correto afirmar que a) a lei excepcional ou temporária, quando já decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, não se aplica ao fato praticado durante sua vigência. b) o Código Penal adota a teoria do resultado quanto ao tempo do crime. c) o dia do fim inclui-se no cômputo do prazo penal. d) para a determinação do lugar do crime vigora o princípio da ubiquidade. www.gustavobrigido.com.br e) as regras gerais do Código Penal não se aplicam aos fatos incriminados por lei especial, ainda que esta não disponha de modo diverso. GABARITO OFICIAL: 1-D 2-C 3-B 4-C 5-B 6-E 7-E 8-E 9-C 10-C 11-E 12-E 13-C 14-A 15-D 16-C 17-E 18-A 19-D 20-D CAPÍTULO 3 - TEORIA DO CRIME – CONSIDERAÇÕES GERAIS 1. CONCEITO DE CRIME: Levando-se em consideração que o evento criminoso é também objeto de estudo de outras ciências extrajurídicas, como por exemplo, a sociologia, criminologia, filosofia, psicologia, psiquiatria, dentre outras, temos que ‘crime’ pode ser conceituado nestas disciplinas dentro de seus respectivos critérios de conceituação. Mas, o que nos interessa é a conceituação jurídica de crime. Passamos, portanto, a estuda-lo a partir dos seus conceitos material, formal e analítico. 1.1 - CONCEITO MATERIAL Materialmente falando, crime é a violação de um bem jurídico penalmente protegido, ou nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt, crime é a ação ou omissão que contraria os valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição coma a ameaça de pena. Damásio de Jesus nos chama a atenção para a importância do conceito material, sustentando que ele “coloca em destaque o seu conteúdo teleológico, a razão determinante de constituir uma conduta humana infração penal sujeita a uma sanção”. O conceito material de crime é que indica ao Legislador as condutas que devem ser penalmente repudiadas, pois, nas palavras de João José Leal, o crime é concebido a partir do caráter de nocividade, de lesividade, de imoralidade e de periculosidade da conduta em relação ao grupo social. Continua o autor lembrando que, o conceito de infração se baseia no juízo de desvalor formulado sobre ações humanas consideradas profundamente prejudiciais à vida humana e social e que, por isso, são classificados pela lei como criminosas. 1.2 - CONCEITO FORMAL Formalmente falando, crime é a conduta humana proibida por lei com ameaça de pena. Na conceituação formal de crime, como lembra Leal, não há qualquer preocupação com o conteúdo ético-social da conduta incriminada nem, do ponto de vista teleológico, com as razões que levaram o legislador a estabelecer a repressão legal para tais ações humanas. www.gustavobrigido.com.br 1.3 – CONCEITO LEGAL: O art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal define crime, desta forma: “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.” Trata-se, como se vê, de um conceito puramente formal, que nada explica, a não ser quais penas correspondem ao crime e quais à contravenção penal. 1.4 – CONCEITO ANALÍTICO: Se nenhum dos conceitos apresentados atende aos interesses do penalista, a solução é procurar uma nova forma de conceituar o crime, partindo do ordenamento jurídico vigente, analisando todas as normas penais, incriminadoras, permissivas justificantes e permissivas exculpantes, bem assim as explicativas, para construir, com base no conjunto do ordenamento jurídico-penal e dos fatos que a vida revela, um conceito analítico de crime, partindo do geral para o particular, decompondo o crime em suas características mais simples. Conceituar, analiticamente, o crime é extrair de todo e qualquer crime aquilo que for comum a todos eles, é descobrir suas características, suas notas essenciais, seus elementos estruturais. Essa é a tarefa que se impõe. A observação de todo e qualquer crime – homicídio, furto, estupro, estelionato, injúria, qualquer crime definido em qualquer lei penal – conduz à conclusão de que, em todos eles, existe um comportamento do ser humano, uma atitude externa, um fazer ou um não fazer: uma ação, em seu sentido amplo, que engloba o fazer algo e o não fazer alguma coisa. Só o homem, segundo a lei brasileira, é capaz de cometer crimes; logo, deve-se fazer uma primeira afirmação. Todo crime é uma ação do homem, é uma ação humana. Nem toda ação humana é, todavia, considerada crime. Ao contrário, a maior parte das ações do homem são comportamentos lícitos e mesmo alguns deles, considerados ilícitos, não são, apenas por isso, considerados crimes. Danificar, sem querer, por falta de atenção, o veículo alheio é uma ação ilícita, mas não é um crime. Trata-se de um ilícito de natureza civil, cuja sanção é a obrigação, para o responsável, de reparar o dano causado negligentemente. É a regra do art. 927 do Código Civil Brasileiro que impera. Só algumas ações humanas são consideradas crime: aquelas que estiverem previamente definidas numa lei como tal, consoante manda o Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal. Então, já se pode limitar aquela primeira afirmação. O crime é uma ação humana assim definida previamente por uma lei penal. A definição de crime contida na lei penal, www.gustavobrigido.com.br por exemplo, “matar alguém” (art. 121, Código Penal), ou “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel” (art. 155, Código Penal), recebe da doutrina o nome de tipo. Tipo legal de crime. Aquela primeira é o chamado tipo de homicídio, a segunda é o tipo de furto. Assim, também existem os tipos de roubo, de estelionato, de lesão corporal, de aborto etc. Tipo, modernamente, dentro da teoria geral do crime, é a descrição do comportamento proibido pela norma penal, um modelo de comportamento humano que a lei considera crime e que, por isso, proíbe sob a ameaça da pena criminal. Adiante será aprofundado o estudo dos tipos, cuidando de sua estrutura, apresentando seus elementos integrantes. Nesta quadra, o objetivo é apenas uma visão global do conceito analítico de crime.Pois bem, se foi dito que nem todas as ações humanas são consideradas crimes, mas apenas aquelas que estiverem, previamente, definidas em lei como tal, e se esta definição recebe o nome de tipo, pode-se dizer que o crime é uma ação que se identifica integral e totalmente com um tipo de crime. Correto afirmar com tranqüilidade que o crime é uma ação que corresponde fielmente a determinado tipo. Para existir crime, é necessário que a ação humana seja igual à ação descrita num tipo, ou seja, que a ação humana corresponda exatamente a um tipo. Logo, pode-se resumir dizendo que o crime é uma ação típica, isto é, adequada, ajustada, a um tipo. As ações do homem, mormente aquelas que geram uma conseqüência concreta, são, na verdade, verdadeiros acontecimentos da vida em sociedade, ou, em outras palavras, são fatos sociais. “João, a tiros de revólver, matou Alberto” é um desses acontecimentos, desses fatos da vida, composto de um comportamento humano (disparar tiros de revólver) e de uma conseqüência (morte de alguém), assim como este outro: “Paulo comprou um automóvel, pagando, em moeda corrente, por ele, um preço.” Desses dois fatos, apenas o primeiro é definido como crime pela lei penal. Por isso, afirma-se que o crime é um fato típico, o que significa dizer que é um fato da vida, um acontecimento que se amolda, se ajusta, a um tipo legal de crime. Com esse raciocínio, chega-se a uma primeira conclusão: todo crime é um fato típico. Se não houver um tipo legal de crime que corresponda ao fato da vida, este não pode ser crime, porque não é típico. Logo, a primeira característica do crime é ser ele um fato típico. Se todo crime é um fato típico, nem todo fato típico é, contudo, um crime. O Direito Penal, às vezes, por meio das normas permissivas justificantes, considera justa, em algumas circunstâncias, a prática de certos fatos que o mesmo Direito Penal proíbe, e que são definidos como crime. Por exemplo, sabe-se que existe uma norma penal incriminadora proibindo a prática de aborto – que é a interrupção da gravidez, com a morte do ser humano em formação. Tal fato é típico, pois existem descrições na lei penal a esse respeito, nos arts. 124 (provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: pena – detenção, de 1 a 3 anos), 125 (provocar aborto, sem o consentimento da gestante: pena – reclusão, de 3 a www.gustavobrigido.com.br 10 anos) e 126 (provocar aborto com o consentimento da gestante: pena – reclusão, de 1 a 4 anos) do Código Penal. Aborto ou abortamento é, assim, um fato definido como crime; realizá-lo é, conseqüentemente, realizar um fato típico. Apesar disso, o Direito Penal considera justificada a realização de um aborto, por um médico, se não houver outro meio para salvar a vida da gestante. Numa situação de perigo para a vida da mãe, o direito permite seja sacrificada a vida do feto. Por isso, o médico está autorizado a provocar o aborto em uma gestante, com ou sem seu consentimento, desde que seja esta a única maneira de salvar-lhe a vida. Tal permissão é concedida pela norma do art. 128, I, do Código Penal: “Não se pune o aborto praticado por médico: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante.” Do mesmo modo, se a mulher engravidar de um homem que a constrangeu, com violência ou grave ameaça, à conjunção carnal, entre a vida do feto e a liberdade da gestante estuprada, o Direito Penal protege esta, deixando a critério dela, ou de quem a represente, se ela for incapaz, deixar ou não deixar nascer o fruto da violência sexual. É outra modalidade de aborto permitido, inserta no inc. II do mesmo art. 128 do Código Penal: “Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante, ou, quando incapaz, de seu representante legal.” Então, se um médico provoca um aborto em Maria – porque a vida desta estava em grave perigo, evitável apenas através da antecipada interrupção da gravidez, com morte do feto –, terá cometido um fato típico, porém justificado pelo Direito. Seu comportamento, em conseqüência, não se volta contra a ordem jurídica, não é por ela proibido; ao contrário, é permitido, considerado justo e pode ser realizado. Não é, portanto, um crime, apesar de ser um fato típico. Para ser crime, de conseguinte, o fato típico, ao mesmo tempo, não pode estar autorizado por uma norma penal permissiva justificante. Quando o fato é autorizado, justificado, diz- se que ele, apesar de típico, é lícito, pois não contraria a ordem jurídica. Inversamente, para que haja o crime, o fato típico deve ser, a um só tempo, injustificado ou ilícito. Deve estar contrariando todo o ordenamento jurídico. Essa relação de contrariedade ou de antagonismo entre o fato típico e a ordem jurídica é o que se chama ilicitude, que é a segunda característica do crime. Então, deu-se outro passo: todo crime é um fato típico e ao mesmo tempo ilícito, proibido pelo Direito, injustificado, não permitido, proibido pela ordem jurídica. A pergunta que se faz agora é: todo fato típico e ilícito é crime? O Direito Penal, mesmo não justificando certo fato praticado, entende, em algumas hipóteses, que não pode ser imposta a pena criminal. Por exemplo, os menores de 18 anos, segundo manda a Constituição Federal, não podem ser responsabilizados perante o Direito Penal. Também os doentes mentais que sejam incapazes de entender o significado de seu gesto não podem ser punidos, porquanto não faz sentido, não é humano, punir quem não sabia o que fazia. Aquele que, se soubesse, não faria o que fez. www.gustavobrigido.com.br Para que haja o crime, é indispensável não só que o homem que praticou o fato típico e ilícito seja capaz de responder por seus atos, mas, ainda, que seu comportamento seja merecedor de censura, de reprovação do Direito. É que às vezes a pessoa comete um fato típico e ilícito e, mesmo sendo plenamente capaz de entendê-lo, não pode ser reprovada. Por exemplo: um cidadão chega em sua casa e encontra sua mulher e filhos sob a mira de armas pesadas, empunhadas por homens que exigem dele, chefe da família, que volte ao Banco onde é gerente e de lá lhes traga certa quantia em dinheiro. O pai acede aos desejos daqueles, retorna ao banco e de lá retira a importância e a entrega ao chefe do grupo, obtendo, em seguida, a paz e a tranqüilidade de seu lar, com o fim do perigo para a vida de seus entes queridos. O fato praticado pelo gerente do Banco é típico, pois terá se apropriado de importância da qual tinha a posse (art. 168, CP). É igualmente ilícito, porquanto não incide uma norma penal permissiva justificante, como a da legítima defesa ou a do estado de necessidade, que serão estudadas adiante. Esse fato típico é, ao mesmo tempo, ilícito, injustificado, proibido pelo Direito. O gerente, maior de 18 anos, é plenamente capaz, é um cidadão mentalmente capaz de compreender que seu gesto era proibido, mas, mesmo assim, não merecerá reprovação do Direito Penal, não será censurado, pois agiu sob coação, de natureza moral, a que não podia resistir. Ninguém, nem a sociedade, pode exigir dele que, em vez de apropriar-se do dinheiro e entregá-lo aos que ameaçavam seus familiares, tivesse ido atrás da polícia, colocando em risco a vida de seus entes queridos. Essa exigência o ordenamento jurídico-penal, em nome da vontade da sociedade, sua fonte produtora, não faz àquele homem, preferindo desculpá-lo, perdoá-lo, isentando-o da pena criminal, porque, nas circunstâncias em que ele se encontrava, não se pode censurá-lo pelo que fez. Quando não se pode censurar o comportamento daquele que pratica o fato típico e ilícito, quando não se pode reprová-lo, o Direito o desculpa. Nesse caso, igualmente, não há crime. Essa reprovabilidade do fato praticado pelo agente, a censurabilidade do comportamentohumano, é a terceira característica do crime, denominada culpabilidade. O crime, portanto, deve ser, sempre, um fato típico, ilícito e reprovável, censurável, culpável. Em conclusão, crime é um fato típico, ilícito e culpável. Com base em todo o ordenamento jurídico-penal, que contém todas as normas penais incriminadoras, permissivas justificantes e permissivas exculpantes, além das explicativas, fez-se a decomposição de todo e qualquer crime em três notas características, elementos ou faces, não importa que expressão se queira utilizar. Descobriram-se os três componentes do crime. Estudar o crime, então, é estudar essas três características: o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade. 2. SUJEITOS DO CRIME: 2.1 – SUJEITO ATIVO: A pessoa que pratica o fato típico, que realiza a conduta descrita na lei penal incriminadora, é chamada de sujeito ativo do crime. No Direito brasileiro, somente o ser www.gustavobrigido.com.br humano pode ser sujeito ativo do crime. Ultimamente, muito se tem discutido sobre a possibilidade de se responsabilizar, criminalmente, também a pessoa jurídica. Assim, atualmente, inclusive com respaldo em questões de concursos públicos, vem se adotando a possibilidade das pessoas jurídicas serem sujeitos ativos de crimes, nos termos que os artigos 225 § 3º e 173 § 5º de nossa Constituição Federal, que prevê a responsabilização da pessoa jurídica por atos cometidos contra o meio ambiente e a ordem financeira e econômica. Contudo, a doutrina exige a adoção da dupla imputação. De acordo com a "Teoria da dupla imputação" a responsabilidade penal da pessoa jurídica, nos crimes ambientais, só ocorre quando há, simultaneamente, a imputação do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou ainda, em seu benefício. Tal entendimento é consagrado no STJ. Vejamos a ementa de um julgado: EMENTA 01 - PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA. INÉPCIA. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO. PLEITO PREJUDICADO. I - Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). II - No caso em tela, o delito foi imputado tão-somente à pessoa jurídica, não descrevendo a denúncia a participação de pessoa física que teria atuado em seu nome ou proveito, inviabilizando, assim, a instauração da persecutio criminis in iudicio (Precedentes). III - Com o trancamento da ação penal, em razão da inépcia da denúncia, resta prejudicado o pedido referente à nulidade da citação. Recurso provido. (RMS 20601/SP, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 29/06/2006, v.u., DJ 14/08/2006,p. 304). OBS.: ABOSOLVIÇÃO DE PESSOA FÍSICA E CONDENAÇÃO PENA DE PESSOA JURÍDICA: Para o STF (1º Turma) é possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito. Vejamos a notícia abaixo: “É possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma manteve decisão de turma recursal criminal que absolvera gerente administrativo financeiro, diante de sua falta de ingerência, da imputação da prática do crime de licenciamento de instalação de antena por pessoa jurídica sem autorização dos órgãos ambientais. Salientou-se que a conduta atribuída estaria contida no tipo penal previsto no art. 60 da Lei 9.605/98 (“Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”). Reputou-se que a Constituição respaldaria a cisão da responsabilidade das pessoas física www.gustavobrigido.com.br e jurídica para efeito penal (“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo- se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. ... § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”). RE 628582 AgR/RS rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011.” 2.2 – SUJEITO PASSIVO: O sujeito passivo é o titular do bem jurídico visado pela conduta típica. Os doutrinadores fazem distinção entre sujeito passivo material e sujeito passivo formal. Aquele é, efetivamente, o titular do bem atacado, podendo ser o particular ou mesmo o Estado, que pode ser vítima de furto, de estelionato etc. Já sujeito passivo formal seria sempre o Estado, que é o titular da ordem proibitiva da conduta típica. 3. OBJETO DO CRIME: Objeto jurídico do crime é o bem jurídico visado pela conduta típica, o interesse contra o qual o comportamento proibido se dirige. No tipo de homicídio, é a vida; no de furto, o patrimônio; no de estupro, a liberdade sexual da mulher. Objeto material do crime é a pessoa ou a coisa sobre a qual a conduta típica vai incidir. No tipo de homicídio e no de estupro, o corpo humano; no furto, a coisa subtraída. 4. DENOMINAÇÃO DO CRIME: Além de definir os fatos como crime, a lei penal confere-lhes um nome, pelo qual podem ser identificados. “Matar alguém”, do caput do art. 121, é denominado na lei de “homicídio simples”. O crime definido no art. 155 é denominado “furto”. Os crimes que têm mesmo objeto jurídico são agrupados no Código Penal em capítulos, e os mais específicos, em seções, recebendo, igualmente, denominações genéricas, tais como: Crimes contra a Pessoa, Crimes contra a Vida, Crimes Contra a Honra, Crimes contra o Patrimônio. 5. CRIME E CONTRAVENÇÃO PENAL: A lei penal brasileira, além de definir como crime certas condutas do homem – cominando-lhe penas – define, sob o nome de “contravenção penal”, outros comportamentos, cominando-lhes, igualmente, sanções penais. Contravenção penal é também um fato típico, ilícito e culpável, um fato definido e proibido por uma lei sob a ameaça de uma pena, a qual, tanto quanto o crime, deve ser contrária ao Direito e reprovável. Pode-se dizer que é outra categoria de crime, chamada de contravenção penal. Os italianos chamam a contravenção de delito anão, o que indica tratar-se de um crime de menor gravidade. Outros sinônimos, inclusive, já foram cobrados em prova (p.ex.: crime vagabundo, delito liliputiano) www.gustavobrigido.com.br A diferença que ressalta primeiro entre crime e contravenção não está em nenhum deles, mas em sua conseqüência, como se viu da definição legal da Lei de Introdução ao Código Penal: a pena para a contravenção penal consiste em prisão simples e/ou multa, ao passo que para o crime a pena é de reclusão, detenção e/ou multa. A diferença entre a prisão simples e as penas reclusivas e detentivas está não só no estabelecimento penal onde devem ser cumpridas, mas também no rigor com que são executadas. A prisão simples é aquela cumprida em estabelecimento especial, sem rigor penitenciário, ao passo que as penas de reclusão e detenção são, respectivamente, cumpridas em estabelecimentos penaisde segurança máxima, média ou mínima. Recentemente, há propostas de descriminalizar a maioria das contravenções penais e os crimes de pequena gravidade objetiva, como uma das medidas de política criminal reclamadas, a fim de construir um Direito Penal de intervenção mínima, como se exige para a consecução de seus verdadeiros e legítimos objetivos Algumas diferenças práticas importantes entre crime e contravenção devem ser mencionadas. Nesta, não se conhece a tentativa e admite-se o erro de direito; ela não é punível se o fato ocorre no estrangeiro, e o tempo máximo de cumprimento de penas não pode ultrapassar cinco anos. CAPÍTULO 4 – FATO TÍPICO 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: A primeira característica do crime é ser um fato típico, descrito, como tal, numa lei penal. Um acontecimento da vida que corresponde exatamente a um modelo de fato contido numa norma penal incriminadora, a um tipo. Para que o operador do Direito possa chegar à conclusão de que determinado acontecimento da vida é um fato típico, deve debruçar-se sobre ele e, analisando-o, decompô-lo em suas faces mais simples, para verificar, com certeza absoluta, se entre o fato e o tipo existe relação de adequação exata, fiel, perfeita, completa, total e absoluta. Essa relação é a tipicidade. Para que determinado fato da vida seja considerado típico, é preciso que todos os seus componentes, todos os seus elementos estruturais sejam, igualmente, típicos. Os componentes de um fato típico são a conduta humana, a conseqüência dessa conduta se ela a produzir (o resultado), a relação de causa e efeito entre aquela e esta (nexo causal) e, por fim, a tipicidade. 1.1 – CONDUTA: A conduta é a realização material da vontade humana. Ela pode ser ter ativa ou omissiva, consciente e voluntária, sempre objetivando uma finalidade. www.gustavobrigido.com.br O Direito Penal se interessa pelas condutas que poderiam ter sido evitadas, por isso, o pensamento, enquanto não manifestar uma conduta pela ação ou omissão não tem representação legal para o Direito Penal, ou seja, o fato de pensar que vai matar alguém ou pensar que vai furtar tal objeto não se caracteriza crime enquanto ficar apenas no pensamento. O Código Penal brasileiro adotou a teoria finalista de Welzel. Na Teoria Finalista, elaborada no final da década de 1920, conclui-se que o tratamento legal não depende apenas do que causou o resultado, mas, da forma como foi praticada a ação. Por exemplo, matar uma pessoa por dinheiro é diferente de matar uma pessoa numa briga de trânsito que é diferente de matar uma pessoa numa colisão automobilística. Em ambos os casos, tem-se como resultado a morte, mas, no ponto de vista subjetivo, configura-se diferentes ações e cada qual com maior ou menor valoração, portanto, dependendo de sua finalidade, a qualificação jurídica do crime se altera (crime doloso, culposo). 1.1.1 - AUSÊNCIA DE CONDUTA: Só existe conduta quando houver vontade do agente. A experiência da vida mostra algumas situações em que o homem, sem vontade, movimenta-se ou abstém-se de movimento, dando causa, com uma dessas atitudes, a alguma lesão a um bem jurídico penalmente protegido. Um exemplo: em certo hospital, à meia-noite, a enfermeira Sandra deve ministrar, ao paciente Juarez, determinado medicamento, sem o qual o doente, inevitavelmente, morrerá. Suponham que, dez minutos antes, Joaquim, desejando a morte de Juarez, após entrar no hospital, consegue subjugar a enfermeira, conduzindoa a um quarto, onde a amarra com cordas e a amordaça com fitas adesivas de primeira qualidade, mantendo-a atada a uma das colunas do prédio, de tal modo que lhe é impossível gritar, grunhir, sair, soltar-se, enfim, realizar qualquer movimento com o corpo ou, simplesmente, com a boca. Aos dez minutos do novo dia, o paciente, sem o medicamento indispensável, morre. A enfermeira omitiu-se? Deixou de cumprir seu dever de ministrar o medicamento ao paciente? Houve, de sua parte, um comportamento humano, negativo, uma abstenção de um movimento final? É evidente que não. Só há conduta quando há vontade. No exemplo, a força imprimida contra a enfermeira impedia-lhe de ter vontade de agir. Era-lhe fisicamente impossível agir. Mesmo que desejasse – e é certo que ela assim quis –, com todas as suas forças, soltar-se das amarras, e dirigir-se ao quarto do paciente, para aplicar-lhe o medicamento, não lhe era possível fazê-lo. É claro que ela deixou de cumprir um dever. Aconteceu uma inação, uma omissão, mas essa abstenção do movimento do corpo não foi voluntária, não foi impulsionada pela vontade humana; logo, não constituiu uma conduta. Ela não teve vontade de omitir-se, não teve vontade de deixar de movimentar- se. Sem vontade, não há conduta. Situações como essa são chamadas de “ausência de conduta”. Dá-se a ausência de conduta quando ocorre a lesão de um bem jurídico, em conseqüência da atitude do homem – positiva ou negativa – sem, contudo, ter havido, da parte dele, vontade. É uma www.gustavobrigido.com.br situação em que ocorre a lesão de um bem jurídico, com a interferência do homem, sem que tenha havido, contudo, conduta, por inexistir a vontade. São três os casos possíveis. A) Coação física irresistível: Como no exemplo da enfermeira, em algumas situações, incide sobre alguém uma força física externa irresistível, a qual, atuando materialmente sobre ele, não pode ser repelida, de modo a não lhe deixar qualquer opção de movimento corporal. Trata-se de uma força absoluta, a que não se pode resistir. Nesses casos, o homem deixa de movimentar-se, deixa de realizar um comportamento positivo, de fazer alguma coisa, sem vontade alguma de abster-se, mas em virtude da irresistibilidade da força externa que sobre ele atua. Essa força é tão forte, que elimina, totalmente, a possibilidade de o homem ter vontade. Nem vontade de omitir- se. A força deve ser física e absoluta, deve atuar materialmente, concretamente, sobre o corpo do homem e não apenas sobre sua mente, e deve ser de tal intensidade, que seja impossível a ele contrapor-se, de modo a, pelo menos, neutralizá-la ou diminuí-la, tornando-a resistível. Só haverá coação física absoluta sobre aquela enfermeira, se as cordas que a ataram tiverem sido suficientemente fortes, estiverem devidamente ajustadas, pois, se tiver sido amarrada com lacinhos de fita, ou cordas frouxas, a força não seria irresistível. Havendo a chamada vis absoluta, não há vontade, não há conduta e, de conseqüência, não há fato típico, e por isso o fato não é crime. B) Movimentos reflexos: Em movimentos do corpo ditados pelos reflexos naturais, também não se pode falar na existência de vontade. Imaginem a situação: João, vendo Joana sentada ao lado da parede da sala de aula, e estando por ela apaixonado, resolve abordá-la, dirigindo-se a sua frente, onde pretende declarar seu amor. Ao se aproximar da amada, encosta seu braço à parede que, por um defeito da fiação elétrica interna, emite um choque elétrico que atinge, com grande intensidade, o corpo de João. Este, num movimento reflexo, impensado, indesejado, move bruscamente o braço, atingindo o rosto de Joana, bem no olho direito, causando-lhe equimoses. Esse fato revela um movimento corporal de João que, todavia, não constitui conduta, posto que não houve, da parte dele, qualquer vontade de movimentar o braço. O que houve foi um movimento corporal instintivo, impensado, indesejado, mas determinado pela dor sofrida e que gerou um comando cerebral dirigido a João no sentido de que ele movesse seu braço, livrando-o do choque elétrico. Não houve vontade e, por isso, não houve conduta. Sem conduta, não há fato típico, não há crime. C) Estados de incosciência: O primeiro caso revelou a inexistência de vontade, pela açãomaterial externa imprimida contra o agente. Ali existe consciência do fato, mas não há vontade. No movimento www.gustavobrigido.com.br reflexo, não há nem consciência acerca do fato e, de conseqüência, não pode haver vontade. Nos chamados estados de inconsciência, não existe, simplesmente, a consciência. O agente encontra-se absolutamente privado da possibilidade de saber qualquer coisa. É como se ele estivesse cego, surdo, mudo e em sono profundo. Logo, não pode querer. Durante o sono, no sonambulismo, na embriaguez letárgica, não se pode afirmar que o agente tenha agido, porque, em qualquer dessas hipóteses, não se pode concluir pela existência de mínima vontade. Nos casos em que o agente se tenha colocado, voluntariamente, num estado de inconsciência, para realizar o fato típico, chamados actiones liberae in causa, o direito vai considerar relevante a atitude anterior, realizada com consciência. Ausente, pois, a consciência, ausente a vontade e, de conseqüência, a conduta, ainda que dessa situação decorra qualquer lesão a qualquer bem jurídico. Não havendo conduta, não há fato típico, e sem este não há o crime. 1.1.2 – FORMAS DE CONDUTA: Conduta é o comportamento humano voluntário dirigido a um fim (final), positivo ou negativo. A expressão conduta é sinônima de ação, em seu sentido amplo, que engloba a conduta positiva e a conduta negativa. A conduta positiva é chamada ação, em sentido estrito, e a conduta negativa é chamada omissão. A) Ação: Ação, em sentido estrito, também chamada comissão, ou conduta comissiva, é a que se realiza por meio de um movimento do corpo dirigido a uma finalidade. Existe uma vontade, um querer, e a manifestação dessa vontade, sua concretização, por meio de um movimento do corpo. São exemplos de ações: disparar um tiro de revólver, empurrar o corpo de uma pessoa, cortar com uma faca um objeto, levar o copo ou o garfo à boca. A grande maioria dos tipos legais de crime descreve condutas – “matar alguém”, “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”, “constranger mulher à conjunção carnal...” – que se realizam por ações em sentido estrito, de movimentos corporais, o que não impede possam algumas delas realizar-se por meio de comportamento oposto, da abstenção de movimentos corporais, a omissão, como se verá a seguir. B) Omissão: A omissão, ou conduta omissiva, é a que se manifesta por abstenção do movimento do corpo, dirigida a uma finalidade. A omissão não é simplesmente deixar de fazer alguma coisa, mas deixar de realizar um comportamento que deveria ser realizado e que o omitente poderia ter concretizado – “a omissão é a não-realização de um comportamento exigido que o sujeito tinha a possibilidade de concretizar” B.1) Omissão pura: www.gustavobrigido.com.br Omissão pura ou omissão própria, que dá lugar aos chamados crimes omissivos próprios, é a abstenção de um comportamento determinado por uma norma penal incriminadora. Para existir a omissão própria, é necessário que exista um tipo legal de crime descrevendo uma conduta omissiva, como, por exemplo, no art. 269 do Código Penal: “Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória.” Como se vê, o tipo descreve uma omissão, uma inação, a abstenção de um movimento, pelo que a norma manda o sujeito realizar um movimento do corpo, uma ação, em sentido estrito: deve o médico denunciar à autoridade pública a doença, deve realizar um comportamento positivo. Não realizando o comportamento exigido pela norma incriminadora, quando lhe era possível fazê-lo, o sujeito realiza o fato típico omissivo próprio. São exemplos de tipos de omissão pura os seguintes, do Código Penal: a) definido, no art. 135, como omissão de socorro (Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública); b) no art. 244, o abandono material (Deixar, sem justa causa, de prover à subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou valetudinário, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo); c) no art. 246, o abandono intelectual (Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar). Os comportamentos omissivos são bem revelados nas locuções verbais utilizadas na descrição das condutas: “deixar de”, “não pedir”, “deixar”, “não lhes proporcionando”, “faltando ao pagamento” etc. Como se verifica, nos referidos tipos não se exige que da omissão resulte algum dano a quem quer que seja, bastando, para caracterizar o fato, que o sujeito não realize o comportamento exigido e que ele podia realizar. Omissão é não realizar o devido e possível. B.2 – Omissão imprópria: A omissão imprópria, também chamada comissão por omissão, e que dá lugar aos delitos omissivos impróprios ou comissivos por omissão, ou, ainda, comissivos omissivos, é a abstenção de um movimento corpóreo final que o sujeito devia e podia realizar para impedir a produção de um resultado lesivo de um bem jurídico. Para a definição desses crimes, não existe uma norma penal incriminadora que mande o sujeito agir, como na omissão pura. Ocorre um fato típico de crime omissivo impróprio quando, existindo norma penal impondo a determinado sujeito a obrigação de agir para impedir a ocorrência de resultados lesivos – conferindo-lhe, portanto, uma obrigação de realizar um comportamento positivo de modo a evitar que um bem jurídico seja atingido –, www.gustavobrigido.com.br ele, podendo, não o realiza, em razão do que ocorre o resultado que deveria ter sido evitado. Deixando de realizar a ação exigida e, em conseqüência dessa inação, ocorrendo o resultado, o sujeito que devia e podia agir responde pelo evento acontecido, como se o tivesse cometido. Veja-se o exemplo: João, à beira da piscina de sua casa, vê seu filho menor afogando-se e não tenta salvá-lo, podendo fazê-lo. O filho morre afogado. Do ponto de vista mecânico, meramente causal, não se pode dizer que João matou seu filho, uma vez que ele não realizou um comportamento destinado a obter o resultado morte. Não realizou uma ação. Não cometeu algo, não agiu. Ocorre que a lei ordena ao pai que proteja o filho, impedindo a ocorrência de qualquer mal com o menor. Manda-o agir para impedir todos e quaisquer resultados lesivos a seu filho. Ao manter-se inerte, diante do perigo representado pelo afogamento, o pai, podendo movimentar-se para evitar o mal, viola a norma, e por isso responderá pelo resultado, como se o tivesse produzido. É como se ele tivesse cometido o crime de homicídio, por omissão. Daí o nome de comissão por omissão. A omissão imprópria, portanto, não pode ser realizada senão por certas pessoas, aquelas que têm o dever de agir para impedir o resultado. O § 2º do art. 13 do Código Penal estabelece: “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.” Essas pessoas estão obrigadas a agir para evitar que o resultado ocorra. Se, podendo agir, não realizam uma ação, stricto sensu, a fim de impedir a ocorrência do resultado, serão consideradas, por força da norma, causadoras dele. É claro que só se pode considerá-las causadorasdo resultado do ponto de vista normativo, por força da norma, e não do ponto de vista físico, natural, causal, já que o que mata o filho afogado é a ingestão de água nos pulmões e a asfixia que se segue etc. Quem mata o filho que está pendurado num barranco ou num galho de uma árvore e cai no despenhadeiro não é o pai que, podendo, não o socorre, mas o traumatismo craniano decorrente do choque do corpo com o chão. Fisicamente, é isso, mas, do ponto de vista do Direito, da norma jurídica, quem tinha o dever de agir para impedir o resultado lesivo será considerado seu causador e por ele responderá. Assim, o pai, natural ou por adoção, o curador, o tutor, o carcereiro, o diretor do presídio, são pessoas que têm, por dispositivo legal, a obrigação de cuidar dos filhos, protegê-los e zelar por eles, pelos curatelados, tutelados e presos, respectivamente. Estando qualquer desses diante do risco de uma lesão, aqueles, seus garantes, estão obrigados a agir para impedir que a lesão ocorra. Se a pessoa, mesmo não tendo o dever legal de proteção, guarda ou vigilância, assumir, contratualmente, a responsabilidade de impedir o resultado, também estará obrigada a www.gustavobrigido.com.br agir. Não é necessária a existência de um contrato, e tampouco escrito, mas que a pessoa se coloque numa posição de garantidora, de protetora. É o caso do guia de turismo, da babá, do enfermeiro, em relação ao turista, à criança e ao doente. Entre eles há uma relação de confiança, em que os primeiros se obrigam a prestar uma atenção especial. Por isso, na situação em que se pode prever a possibilidade de um resultado indesejado, lesivo, de um bem jurídico, o garante deve agir para impedir o resultado. Se não o faz, podendo, e o resultado ocorre, por ele irá responder, pois que assumiu a responsabilidade de evitá-lo. A última situação é a da pessoa que, com um seu comportamento precedente, cria o risco de que o resultado venha a ocorrer. Por exemplo, João coloca fogo em pastagem de sua propriedade, costume da região Centro-oeste do país, e o fogo, em razão dos ventos do Planalto Central, ultrapassa os limites de sua propriedade, atingindo um galpão situado no terreno de seu vizinho Alfredo, onde estão guardados bens de sua propriedade, máquinas agrícolas, alguns animais, e até crianças brincando. O risco da ocorrência de um resultado lesivo a qualquer dos interesses dos vizinhos de João foi criado por seu comportamento voluntário de atear fogo na vegetação de sua propriedade. É certo que sua vontade não era de causar prejuízo a seus vizinhos; todavia, o fogo ultrapassou os limites de sua propriedade, e foi gerar perigo de lesão para interesses de terceiras pessoas. João tem o dever jurídico de, podendo, agir para impedir a ocorrência de quaisquer lesões a quaisquer bens jurídicos de quem quer que seja, pois foi o responsável pela criação da situação que os colocou sob o risco de sofrer qualquer lesão. Essas pessoas – as que têm o dever legal de proteção, guarda e vigilância, as que de outra forma assumiram a responsabilidade de impedir o resultado, e as que, com comportamento antecedente, criaram a situação de risco de ocorrer o resultado – são denominadas garantes, e estão obrigadas a agir para impedir que o resultado aconteça. Se, podendo, não agem, vale dizer, omitindo-se, respondem pelo resultado como se tivessem dado causa a ele. É essa a norma penal. A única possibilidade de se eximirem de responder pelo resultado, de não verem suas condutas tipificadas como comissivas por omissão, ou de omissão imprópria, é demonstrarem absoluta impossibilidade de agirem. Por exemplo: não pode impedir a morte do filho que se afoga na piscina o pai que se encontrava em outra cidade no momento em que a criança se atira na água. Apesar de ter o dever legal de proteção, guarda e vigilância, o pai encontrava-se trabalhando em outro local, e, mesmo tendo o dever de agir para impedir o resultado, não lhe era possível fazê-lo, até por não ter conhecimento da necessidade de agir, e, mesmo que avisado, não lhe era possível evitar o resultado. De conseqüência, só responde pelo delito comissivo por omissão aquele que tem o dever, legal ou jurídico, de agir para impedir o resultado e, podendo fazê-lo, omite-se. 1.1.3. DOLO: www.gustavobrigido.com.br O Direito Penal não poderia considerar crime o simples comportamento humano, a conduta, positiva (ação) ou negativa (omissão), independentemente da formação da vontade do sujeito. Longe se vai, na história, o tempo em que se punia pela simples relação de causa e efeito entre o comportamento do homem e o resultado lesivo. Um Direito Penal democrático só pode considerar crimes comportamentos humanos voluntários que poderiam ter sido evitados. Importa muito saber qual a atitude interna do homem quando se comporta de modo a causar dano a um bem jurídico alheio. Agiu com vontade de matar? Agiu com displicência? O que ocorre na esfera do pensamento humano, no interior da consciência do sujeito, no momento em que ele movimenta seu corpo ou abstém-se do movimento que devia realizar? A resposta a essa indagação é imprescindível para se determinar a existência de um crime. Não é crime qualquer causação de um resultado lesivo de um bem jurídico. Há mortes inevitáveis, como a causada por um raio que cai sobre a cabeça de um homem. Só serão considerados crimes resultados que poderiam ter sido evitados. Estabeleceu-se que os fatos definidos como crime serão dolosos ou culposos. Os primeiros constituem a regra e serão punidos mais rigorosamente, porque constituem comportamentos merecedores de maior resposta penal. Logo, somente haverá conduta típica dolosa ou conduta típica culposa. Por isso, é necessário entender tanto o conceito de dolo quanto o de culpa, em sentido estrito, que qualificam as condutas, respectivamente, de dolosas e de culposas. 1.1.3.1 – TEORIAS DO DOLO: Várias são as teorias que procuram explicar o que seja esta importantíssima categoria do Direito Penal, o dolo. Basta estudar as três mais importantes, a teoria da vontade, a da representação e a do assentimento ou do consentimento. A) Teoria da vontade: A teoria clássica, elaborada por Carrara, dizia que dolo é a intenção mais ou menos perfeita de praticar um fato que se conhece contrário à lei. Age com dolo, segundo a teoria da vontade, quem tem, como objetivo, a prática de um fato definido como crime. Em outras palavras, é dolosa a conduta em que o agente tem vontade de alcançar o resultado, de conseguir que ocorra, se materialize a conseqüência de seu comportamento. É doloso o comportamento de quem tem consciência do fato, de seu significado e, ao mesmo tempo, a vontade de realizá-lo. Exemplo: João tem consciência de que, se deixar cair uma pedra pesada, de aproximadamente 20 quilogramas, sobre a cabeça de Maria, sua mulher, que dorme, poderá matá-la. Desejoso de ficar viúvo, já que não consegue viver com sua mulher e está apaixonado por Mariana, desfere, contra sua mulher, o golpe www.gustavobrigido.com.br violento com a pesada pedra, acabando por matá-la. Agiu, a toda evidência, com dolo, com consciência de que, realizando aquele comportamento, causaria a morte de Maria, e com vontadede produzir esse resultado. Significa dizer que João tinha consciência e vontade de realizar o fato definido como crime no art. 121 do Código Penal. Tinha consciência dos fatos e vontade de dar causa ao resultado proibido. Quem assim agir, segundo essa teoria, age dolosamente. É quem consegue representar o futuro resultado, quem o prevê e, simultaneamente, deseja alcançá-lo. Dolo é, portanto, previsão do resultado e, a um só tempo, vontade de alcançá-lo. Dolo é consciência (previsão) e vontade. B) Teoria da representação:Uma segunda teoria entende o dolo de forma bem distinta. Não é necessário que o agente tenha vontade de alcançar o resultado, bastando que o preveja, que o represente. Se o agente antevê o resultado e não se detém, realizando uma conduta que dá causa ao resultado, mesmo não tendo desejado alcançá-lo, terá agido dolosamente, por tê-lo representado, porque o previu. Quem, dirigindo seu veículo por uma avenida movimentada – avistando à frente alguns transeuntes próximos da pista, que aparentam querer atravessá-la, e prevendo a possibilidade de uma travessia e possível atropelamento, com seu veículo –, continua, apesar da previsão do atropelamento, no percurso, sem se deter, e acaba por atropelar alguém, causando-lhe ferimentos, só por ter previsto a possibilidade do resultado, só por tê-lo representado, só por isso, já teria agido com dolo. Para essa teoria não é necessário que o agente tenha vontade de produzir o resultado, basta que o tenha previsto. Dolo seria a representação do resultado. C) Teoria do assentimento ou do consentimento: Esta teoria, tanto quanto a teoria da vontade, exige que o agente tenha consciência do fato, tenha previsão do resultado, mas não exige que ele queira alcançar o resultado, bastando que o aceite, que nele consinta, caso ele aconteça. Em outras palavras, para essa teoria é dolosa a conduta de quem, prevendo o resultado, não o deseja, mas dá seu assentimento, se o resultado, eventualmente, acontecer. Exemplo: João numa caçada, avistando um animal e próximo dele um homem, desejando atingir a caça, prevê que, se errar o tiro, poderá atingir o homem a quem não deseja matar. Fazendo a previsão, João, apesar disso, pensa: “não quero atingir o homem, mas se o atingir, tudo bem, não posso fazer nada”. Em seguida, atira e atinge o homem, em vez da caça. Nesse caso, para esta teoria, João agiu com dolo, porque, apesar de não querer o resultado, aceitou-o. 1.1.3.2 - DOLO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO: www.gustavobrigido.com.br Das três teorias, a da representação não pode, em nenhuma hipótese, ser aceita, pois não pode ser tido como doloso o simples “prever um resultado”, que não é comportamento, mas um puro acontecimento psicológico, não revelando nenhuma atitude, nem mesmo interna do sujeito, mas um simples pensamento, uma simples constatação, aliás, absolutamente indemonstrável. Quem apenas prevê o resultado não pode ser tratado igualmente ao que, além de prever, deseja alcançá-lo. É certo, portanto, que o dolo não pode ser apenas previsão. Não se pode esquecer que aqui se trata da construção de um elemento indispensável para considerar uma conduta como típica, merecedora de uma pena criminal, aliás, a mais severa das sanções jurídicas. Devem ser consideradas delituosas as condutas realizadas com deliberada vontade de realizar a figura típica, alcançando o resultado nela previsto. Aquele que age com a intenção de causar um dano a um bem jurídico deve merecer a maior reprovação. Com razão, pois, a teoria da vontade. Dolo deve ser consciência do fato e a vontade de produzir o resultado. Por outro lado, dolo não pode ser apenas consciência e vontade, previsão e vontade de alcançar o resultado, uma vez que a atitude daquele que, mesmo não desejando o resultado, aceita-o, se ele ocorrer, é tão grave que merece quase tanta censura quanto a do que quer o resultado. Quem, após prever um resultado, não se detém e age, com a atitude interna de aceitação da lesão, de indiferença em relação ao bem jurídico alheio, deve ser equiparado ao que busca realizar a lesão, alcançar o resultado. A atitude interna de não respeitar o bem jurídico alheio daquele que não deseja, mas aceita sua lesão, deve merecer, se não idêntico, pelo menos muito próximo tratamento, e ser equiparada à do que a deseja, pois que, apesar da diferença, significam, praticamente, o mesmo para os bens jurídicos colocados sob a proteção do Direito Penal. Nenhum dos agentes se detém diante da previsão do resultado lesivo. Um porque o deseja, o outro porque o aceita. As duas atitudes internas devem ser consideradas, igualmente, dolosas. Nenhum deles evita a conduta que o pode gerar, porque não está preocupado com a possibilidade da lesão. E as duas condutas provocam a lesão. A diferença entre querer e apenas aceitar não é suficiente para impor tratamento diferente às duas condutas. Por isso, o Código Penal brasileiro adotou as duas teorias, a da vontade e a do assentimento, no art. 18, I: “Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.” É dolosa a conduta quando o agente “quis o resultado”, e é também quando, mesmo sem querê-lo, o agente “assume o risco” de sua produção, o que significa “aceita-o, se ele ocorrer”. Não se deve afirmar que age com dolo o agente que arrisca um comportamento, mas o que aceita o risco de sua produção. Aceitar ou assumir o risco não tem o mesmo sentido www.gustavobrigido.com.br do popular “arriscar”, que significa, sim, um comportamento perigoso, arriscado, mas que não quer dizer, necessariamente, que o agente aceita o resultado lesivo, se ele vier a acontecer. A) Espécies de dolo: O dolo direto, ou determinado, é aquele em que o sujeito busca alcançar um resultado certo e determinado. Contrariamente, diz-se que o dolo é indireto ou indeterminado, quando a vontade do agente não se dirige a um resultado certo, preciso, determinado. O dolo indireto pode ser alternativo, quando o sujeito quer um ou outro resultado, por exemplo, matar ou ferir seu desafeto. Sua vontade dirige-se a qualquer dos resultados, não a um deles especificamente. Se acontecer o primeiro, estava na vontade do agente. Se acontecer o segundo, do mesmo modo, era resultado almejado. A outra espécie de dolo indireto é o dolo eventual, em que o agente não deseja o resultado previsto, mas o aceita, se ele, eventualmente, acontecer. Ocorre quando o agente, mesmo não querendo o resultado, assume, aceita o risco de sua produção. Sua vontade não se dirige ao resultado, mas, se este acontecer, será aceito pelo agente. Com vontade de alcançar o resultado ou apenas aceitando-o, a conduta é dolosa, o fato é doloso, igualmente. Assim, no que diz respeito à verificação da correspondência entre o fato natural e o tipo legal de crime, nenhuma diferença faz ter sido o dolo direto ou indeterminado. Já disse o doutrinador, o dolo eventual e o dolo direto são as faces de uma única moeda. 1.1.4 – CULPA: O Direito Penal deveria preocupar-se apenas com os comportamentos dolosos, que efetivamente representam uma atitude interna do homem que deve ser proibida e ter como conseqüência a severa sanção penal. Deveria ser assim, não fosse o Direito Penal o protetor dos bens jurídicos mais importantes, das lesões mais graves, que devem ser punidas, ainda que o fim pretendido por seus causadores seja outro. Modernamente, vêm ocorrendo cada vez mais lesões graves de bens jurídicos importantíssimos, causadas por comportamentos humanos não dolosos. É claro que pessoas morrem ou são feridas por causa de condutas humanas em que não se queria, nem se aceitava a lesão, mas em muitos casos elas poderiam ser evitadas se o agente tivesse tomado um pouco de cuidado. O número de mortes e danos à integridade corporal ou à saúde das pessoas, causados por comportamentos humanos não dolosos tem aumentado consideravelmente. O Direito Penal não poderia ignorar a existência desses ataques, razão por que, ao lado da conduta dolosa, se passou a punir também o fato chamado “culposo”, praticado com “culpa, em sentido estrito”. 6.1.4.1 – CONCEITO E ELEMENTOS DA CULPA: www.gustavobrigido.com.br Os doutrinadores ensinam que não existe um conceito perfeito de culpa, em sentido estrito, masque, com base no enunciado no art. 18, II, do Código Penal (diz-se o crime culposo quando o agente deu causa ao resultado, por imprudência, negligência ou imperícia), se poderia dizer que culposa é a conduta voluntária que produz resultado ilícito, não desejado, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado. A culpa, em sentido estrito, ou negligência, expressão mais técnica e precisa e que evita confusões desnecessárias, é a falta de cuidado do agente, numa situação em que ele poderia prever a causação de um resultado danoso, que ele não deseja, nem aceita, e às vezes nem prevê, mas que, com seu comportamento, produz e que poderia ter sido evitado. Desse conceito extraem-se os elementos que integram a culpa, em sentido estrito: (a) conduta voluntária; (b) inobservância do dever de cuidado objetivo; (c) resultado lesivo indesejado; (d) previsibilidade objetiva; (e) tipicidade. A) Conduta voluntária: Só haverá culpa, stricto sensu, e, de conseqüência, fato culposo, se nele estiverem reunidos todos os seus indispensáveis elementos. Ausente um deles, o fato não é culposo e, de conseqüência, não haverá crime culposo. Só interessam ao Direito Penal as condutas voluntárias. Por isso, para que haja culpa, a conduta, positiva ou negativa, deve ser voluntária e dirigida a determinada finalidade. De notar que, no fato culposo, a conduta não se dirige à produção do resultado, não se destina à realização de um tipo legal de crime, pois, se assim fosse, haveria dolo. A conduta é, todavia, final e dirige-se geralmente a um fim perfeitamente lícito, permitido pelo Direito. Se não for voluntária, não haverá conduta, mas ausência de conduta e o fato não será típico. Logo, não será crime. B) Inobservância do dever de cuidado objetivo: Este é um mundo farto de complexidade nas relações humanas. Os indivíduos vivem seu dia-a-dia intensamente. A moderna sociedade ocidental exige muito dos indivíduos, em todos os setores de sua vida. O mundo vive uma guerra constante, em que todos desejam alcançar o sucesso, vida digna, felicidade, paz, prosperidade, tranqüilidade, prazer, realização pessoal, profissional, afetiva, enfim, todos querem ser felizes, e essa tal felicidade está sempre num ponto onde – tudo leva a, quase sempre, acreditar – o braço não alcança, a vista não divisa, as pernas não conseguem levar o corpo, ou o barco não aporta. Talvez, por isso, as pessoas não se contentam com o que têm e estão, sempre, apesar dos perigos e dos riscos, e, quase sempre, sem considerar conseqüências indesejáveis, procurando o impossível, com comportamentos impensados, perigosos, arriscados. Apesar da competição em que todos estão lançados, os homens devem www.gustavobrigido.com.br comportar-se de modo a não causar prejuízo às outras pessoas. O direito posto na sociedade determina a todos o dever de agir de modo a respeitarem os bens e os valores dos outros indivíduos. O dever objetivo de cuidado é um dever que não precisa estar escrito, expressamente, em uma norma jurídica. Não é necessária norma que imponha ao motorista do veículo a desaceleração e a compressão do pedal dos freios, quando, diante da luz verde do semáforo, verificar um transeunte imprudente resolver atravessar a faixa, num momento para ele proibido. O sinal verde, se autoriza a travessia, não autoriza, contudo, o atropelamento. Não é necessário que um químico seja avisado de uma norma que o mande não acender fogo nas imediações de substâncias altamente sujeitas à combustão. Tal proibição decorre do bom-senso, que o conhecimento acerca das coisas naturais lhe impõe. A inobservância desse dever geral constitui comportamento proibido pelo direito, e, se dela decorrer a lesão a um bem jurídico, pode constituir o delito culposo. São formas de manifestação dessa violação: a imprudência, a negligência e a imperícia. B.1 – Imprudência: A imprudência é a prática de um fato perigoso. A cautela impõe a inação, a abstenção de um movimento, o cuidado de não realizar uma ação, mas o sujeito, mesmo assim, age colocando um processo causal em movimento. É, por exemplo, dirigir um veículo automotor em velocidade absolutamente incompatível com determinado local, num estacionamento, às portas de uma escola ou numa praça repleta de transeuntes. A imprudência é, sempre, a realização de um movimento do corpo. É, pois, positiva. B.2 – Negligência: A negligência é a ausência de precaução, a omissão, a não-realização de um movimento que deveria ter sido colocado em marcha, que a prudência mandava fazer e o agente não faz. É o descuido do pai que, ao chegar em casa, tira sua arma, carregada, e a deixa sobre a mesa da sala, local onde daí a pouco estarão seus filhos menores e adolescentes. A negligência é, sempre, a omissão, a abstenção de um movimento corporal; é, portanto, negativa. B.3 – Imperícia: Imperícia é a falta de aptidão ou de destreza para o exercício de determinada arte ou profissão, pressupondo, portanto, que o fato seja praticado no exercício das artes ou profissões. Médicos, engenheiros, farmacêuticos, químicos, pedreiros, motoristas, carpinteiros, enfim, todos os profissionais estão obrigados a desempenhar-se de acordo com as normas www.gustavobrigido.com.br técnicas de cada uma de suas profissões, a fim de não causarem lesões aos bens jurídicos das outras pessoas. O cirurgião deve, ao fazer as incisões sobre o corpo humano, atentar para as normas técnicas procedimentais, de modo a não cometer erros no momento em que faz o bisturi incidir sobre os tecidos do corpo humano, e a não fazer incisões mais profundas que o indispensável, lesionando partes que não deveriam ser atingidas, ou afetando órgãos outros que não os necessários à cirurgia proposta. C) Resultado naturalístico indesejado: Para que haja fato culposo, ou negligente, é imprescindível que seja produzido o resultado indesejado. Por mais que o sujeito tenha sido negligente, deixando de observar o dever de cuidado objetivo, só haverá fato culposo se com seu comportamento tiver causado a modificação do mundo externo, atingindo um bem jurídico. Se não houver resultado, não haverá crime culposo, podendo até ter havido outra infração penal, mas dolosa, e não culposa. Por exemplo, se João está a dirigir em alta velocidade pelas ruas da cidade, realizando manobras altamente perigosas com seu veículo, colocando a vida das pessoas em perigo, assustando-as, mas, sem atingir nenhuma delas, sem ferir ou matar quem quer que seja, não haverá fato culposo, mas poderá ter acontecido um desses fatos dolosos: a contravenção penal do art. 34 da LCP: “dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia”, ou o crime definido assim no art. 132 do Código Penal: “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente”. Qualquer dessas duas infrações terá sido cometida dolosamente. Não haverá fato culposo, sem resultado. Só haverá delito culposo, quando houver um resultado, e este resultado não pode ser desejado, nem aceito, pelo agente, pois, se assim for, o fato será doloso. D) Previsibilidade objetiva: Nem todas as lesões não dolosas a bens jurídicos podem ser evitadas. Algumas condutas humanas são causa de danos a bens importantes em situações em que era absolutamente impossível evitá-las, ainda que o homem se conduzisse com a mais perfeita e total observância do dever de cuidado objetivo. É que certos eventos são absolutamente inevitáveis, e, como tal, situam-se fora do âmbito da proteção do Direito Penal. O Direito somente pode proibir e punir os fatos que puderem ser evitados. Só pode considerar proibidas as condutas que derem causa a resultados que puderem ser impedidos.E só podem ser evitados os resultados que puderem ser antevistos pelo homem, o agente. Se este não tiver a possibilidade de antevê-los, não terá como agir ou abster-se para evitar que eles ocorram. www.gustavobrigido.com.br Por essa razão, só se pode falar na ocorrência de um fato culposo quando o sujeito tiver a possibilidade de prever o resultado lesivo, quando houver previsibilidade. Previsibilidade é a possibilidade de o sujeito, nas condições em que se encontra, antever o resultado lesivo. Previsível é aquele resultado que pode ser previsto. Para que o direito possa fazer incidir punição sobre alguém que não desejava um resultado lesivo, é indispensável que tal lesão pudesse ter sido evitada por ele, se tivesse agido com o devido cuidado. Trata-se de uma previsibilidade objetiva, normal, exigível ao comum dos cidadãos, de todos, porque comum, não de uma previsibilidade anormal, presente entre os paranormais, os videntes e clarividentes, ou aquela que só uma pessoa extremamente prudente pode ter. Dirigindo seu veículo por uma movimentada avenida da cidade, ao meio-dia de uma quarta-feira, não feriado, próximo de uma faixa de travessia de pedestre, estando alguns deles à margem da pista, é plenamente previsível, a qualquer motorista, que um dos pedestres, apressado, atravesse a avenida antes que o sinal o autorize. Não é previsível, contudo, que, dirigindo o mesmo veículo, no mesmo dia e lugar, um daqueles transeuntes resolva cometer suicídio atirando-se sob o veículo, no exato momento em que este, em velocidade moderada, se aproxima do grupo de pedestres. A previsibilidade objetiva é essencial para a existência do fato culposo, porquanto só em sua presença o agente poderia ter evitado o resultado lesivo e, não tendo adotado as precauções necessárias, por ter sido negligente, acaba por dar causa ao resultado e por isso por ele responderá. Sendo o resultado previsível, o sujeito pode ter duas atitudes: prevê ou não prevê o resultado. 1.1.4.2 – ESPÉCIES DE CULPA: A) Culpa Inconsciente: Ocorre quando o sujeito não realiza a previsão do resultado. É previsível, mas ele, não obstante isso, não o prevê e impulsiona, voluntariamente, a conduta, dando causa ao resultado. Com efeito, sua conduta é culposa, mas ele não teve consciência de que o resultado ocorreria, porque não realizou a previsão, não representou o resultado que era, plenamente, previsível. Por isso, agiu, e o fez sem a consciência de que poderia causar o resultado. Foi negligente porque não representou o resultado. Por isso, diz-se ser sua culpa inconsciente. B) Culpa Consciente e Dolo Eventual: Às vezes o sujeito realiza a previsão do resultado, mas confia sinceramente que poderá evitá-lo ou que ele não ocorrerá, agindo com a convicção plena de que, apesar da possibilidade de que o resultado ocorra, não acontecerá nenhum resultado lesivo. Essa é conduta culposa consciente. De notar que é muito próxima da conduta com dolo eventual. Neste, o agente prevê o resultado, não o deseja, mas o aceita, se ele eventualmente acontecer. Naquela, ele prevê o resultado, não o deseja e não o aceita, em nenhuma hipótese, se ele vier a acontecer. www.gustavobrigido.com.br A diferença entre condutas com culpa consciente e com dolo eventual é muito tênue, situando-se exclusivamente no interior da psique humana, na aceitação, ou não, do resultado, uma atitude puramente interna. Exemplo: Everaldo, saindo do estacionamento da Faculdade em seu veículo, tendo Arlindo, seu colega, a seu lado, e vendo, à frente, a colega de ambos, Cláudia, prestes a atravessar a rua, resolve assustá-la, passando com o carro bem próximo dela. Avistando- a, fala para Arlindo: “Vou dar um susto na Cláudia, tirando um fininho.” Arlindo, preocupado, faz a previsão de um resultado lesivo, e diz: “Cuidado, você pode atropelá- la!” Diante de um resultado lesivo previsível, o agente, Everaldo, após realizar a previsão, com o auxílio de Arlindo, pode ter três atitudes: a primeira delas é, observando o dever de cuidado objetivo, evitar a conduta perigosa para o bem jurídico de Cláudia. Se o fizer, ótimo, sem lesão ao bem jurídico, sem fato típico culposo, o fato não interessará para o estudioso do Direito Penal. Se, todavia, não quiser atentar para o que o Direito lhe recomenda e determina, seu comportamento, objetivo e subjetivo, poderá ser um desses dois: 1º mesmo prevendo um resultado lesivo, resolve prosseguir na conduta perigosa, na certeza de que, com sua habilidade, com sua destreza na condução do veículo, irá apenas e tão-somente assustar sua colega, convicto de que não haverá qualquer lesão, que ele, sinceramente, acredita que não acontecerá e, por isso, não a admite, não a aceita, nela não consente; ou então: 2º prevendo o atropelamento, a possibilidade de causar lesão à colega, mesmo não desejando que isso ocorra, pode ele, todavia, continuar na conduta com o pensamento de que, se, eventualmente, vier a atingir Cláudia, ferindo-a ou, mesmo, matando-a, essa hipótese será aceita: “se pegar, pegou”, “se matar, matou”, “se ferir, feriu”, “que se dane ela”, “não tô nem aí”. Na primeira hipótese, o agente, mesmo prevendo o resultado, não o quis nem o aceitou, não o admitiu. Terá agido com culpa consciente. Trata-se de fato típico culposo, com culpa consciente. Na segunda, mesmo não desejando o resultado lesivo, aceitou-o; por isso, terá agido com dolo eventual. D) Tipicidade: A regra do Direito Penal é punir fatos praticados dolosamente, porque, neles, o sujeito queria alcançar o resultado ou, pelo menos, o aceitou. Excepcionalmente, em situações muito próprias, o Direito também proíbe e pune a causação de lesões a certos bens jurídicos, quando praticadas sem dolo, mas, com culpa, em sentido estrito. Por isso, o fato culposo é excepcional, e só será punido quando houver expressa previsão legal. Tome-se o exemplo: Maria, grávida há seis meses, resolve subir em uma jabuticabeira para alcançar frutos que deseja saborear e, tendo chovido e estando a árvore escorregadia, cai de uma altura de quatro metros, provocando, com a queda, traumatismo abdominal que conduz ao abortamento do feto. www.gustavobrigido.com.br Examinando-se a conduta de Maria, verifica-se que ela, voluntariamente, subiu em uma árvore, deixando de observar o dever de cuidado objetivo (com imprudência), numa situação em que era objetivamente previsível a ocorrência de resultado lesivo não desejado (involuntário), infelizmente, deu causa à interrupção da gravidez, com a morte do produto da concepção. Seu comportamento realizou, como visto, todos os elementos até aqui demonstrados da culpa, em sentido estrito; todavia, não será punido pelo Código Penal, por faltar o último dos requisitos do fato culposo: a tipicidade, a determinação legal da punição do aborto em sua modalidade culposa. Não existe, pois o legislador não definiu como crime a prática de aborto com culpa, stricto sensu, tendo previsto apenas na forma dolosa. Não basta que o sujeito tenha causado, sem vontade, um resultado lesivo previsível e indesejado, com negligência. Se não estiver prevista na lei sua punição, se não houver o tipo culposo, não haverá crime. Os tipos culposos são construídos excepcionalmente, com base nos tipos dolosos. Por exemplo, no art. 121, caput, está definido o homicídio doloso, assim: “matar alguém”. No § 3º do mesmo artigo está definido o homicídio culposo, assim: “se o homicídio é culposo”. De conseqüência, no primeiro tipo deve-se entender: “matar alguém dolosamente”, e no segundo, “matar alguém culposamente” ou, neste tipo, em outras palavras, “matar alguém por negligência, imprudência ou imperícia”, o que significa dizer, “causar a morte previsível de alguém por negligência”. Não existem tiposculposos correspondentes a todos os tipos dolosos. Não há previsão legal de furto ou estelionato quando praticados culposamente. Tais fatos somente são puníveis quando praticados com dolo. Outros, como o roubo e o estupro, só podem ser cometidos com dolo. Já o homicídio e a lesão corporal podem ser cometidos e são punidos em ambas as modalidades, com dolo ou com culpa, em sentido estrito. Para saber se determinado fato é punido também na forma culposa, é preciso procurar na lei, ao lado da figura dolosa, no mesmo artigo, ou em seguida a ele, a previsão de sua punição, para concluir sobre se o legislador assim o definiu ou não. O crime culposo é excepcional, como, aliás, dispõe o parágrafo único do art. 18 do Código Penal: “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.” OBS.: COMPENSAÇÃO E CONCORRÊNCIA DE CULPAS: Diferentemente do Direito Civil, no Direito Penal as culpas não se compensam. A culpa de um não compensa a culpa do concorrente, aquele que concorre para o resultado. Se João, dirigindo seu veículo com imprudência, vem a atropelar Benedito, que, por sua vez, também agira com imprudência quando atravessou a avenida, pode-se concluir que os dois agiram culposamente. A culpa de Benedito não compensa a culpa de João, não a exclui. www.gustavobrigido.com.br O atropelador somente não responderá pelo fato se houver culpa exclusiva do atropelado. Apenas quando o resultado decorrer de culpa exclusiva da vítima é que o resultado não será atribuído ao agente. Por outro lado, se duas pessoas realizam condutas diferentes que concorrem para a produção de certo resultado lesivo, ambos por ele responderão, verificando-se que ambos agiram culposamente. Por exemplo: dois veículos colidem numa esquina, saindo feridas várias pessoas, que estavam nos veículos ou fora deles. Provando-se que os dois motoristas agiram com culpa, os dois serão responsabilizados. 2.2 – RESULTADO: Duas posições doutrinárias procuram esclarecer o que vem a ser o resultado de um crime. A teoria naturalística o considera como um ente concreto, a modificação do mundo causada pela conduta, ao passo que a teoria normativa entende que resultado é a lesão do bem jurídico protegido pela norma penal. 2.2.1 - TEORIA NATURALÍSTICA: Segundo essa teoria, o resultado é a modificação do mundo externo produzida pela conduta, positiva ou negativa, do agente. É uma entidade natural. No homicídio, o resultado é a morte da vítima. No furto, a mudança da posse da coisa subtraída. É uma conseqüência física, material, do comportamento do agente. Por essa teoria, existem crimes que têm resultado e crimes que não têm resultado, como na violação de domicílio, definida no art. 150 do Código Penal, assim: “entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências”. Como se verifica, este tipo descreve pura e simplesmente uma conduta que não produz qualquer conseqüência natural. Tal crime se consuma com a simples atitude do agente, entrando em casa alheia, ou, depois de ter entrado, nela permanecendo. O comportamento humano, é óbvio, já é uma mudança na vida; no mundo, todavia, não se pode ignorar que uma coisa é a conseqüência da conduta, outra é a própria conduta. A primeira segue-se ao comportamento, e este não se confunde com ela. 2.2.1 – TEORIA NORMATIVA: A outra corrente diz que o resultado é a lesão ou o perigo de lesão do bem jurídico protegido pela norma penal, pouco importando se a conduta deu ou não causa a uma modificação do mundo externo a ela. Sempre, num fato típico, independentemente da modificação do mundo externo, um bem jurídico é lesionado ou exposto a perigo. De conseqüência, todos os crimes têm resultado, pois em todos eles haverá sempre uma lesão ou um perigo de lesão de um bem jurídico. Na violação de domicílio, o resultado seria a lesão do direito à inviolabilidade da casa; na omissão de socorro, seria o perigo da lesão à saúde ou à integridade corporal da pessoa abandonada, extraviada ou ferida etc. Na omissão de notificação de doença, o resultado seria o perigo de contaminação, para a saúde de toda a população ou de parte dela. www.gustavobrigido.com.br Nos fatos definidos como crime em que, além de conduta, se exige a produção de um resultado, é imprescindível que entre o comportamento humano e o resultado verificado exista relação de causa e efeito, a fim de que se possa atribuí-lo ao agente da conduta. A conduta deve ser a causa do resultado; este, a sua conseqüência. É de toda obviedade, pois, que não se pode atribuir ou imputar a alguém a responsabilidade por algo que não produziu. Quando José desfere um golpe de facão que decepa a cabeça de Alfredo, que morre instantaneamente, dúvidas não restam de que a conduta de José foi a causa da morte de Alfredo. Nem sempre, todavia, entre conduta e resultado existe relação de causa e efeito tão simples e claramente verificável. Basta pensar algumas hipóteses: a) Sílvio atira no peito de Armando, que, minutos após ser socorrido, é atingido por outro disparo na cabeça, efetuado por Alexandre – que nem conhece Sílvio, nem sabia de sua conduta –, falecendo em seguida; b) Mário dispara contra Celso que, ao sair em direção ao hospital, é atingido por uma viga do telhado que desaba, matando-o; c) Sinval atira contra Marcos, que, após socorrido e levado ao hospital, recebe, ali, da enfermeira, uma dose excessiva do medicamento receitado, morrendo por isso; d) Luís atinge, com um tiro de revólver, Carlos, que, levado ao hospital, é tratado e contrai, dias depois, pneumonia, vindo a morrer algum tempo depois. Nessas situações, podem restar dúvidas sobre a quem atribuir o resultado, e até onde responsabilizar o agente da conduta. A relação de causalidade é um dos temas mais interessantes do Direito Penal e por isso merece atenção toda especial. 2.2.2 – NOÇÕES BÁSICAS: Causa de uma coisa é aquilo de que esta coisa depende para existir. Ou, então, é aquilo que determina a existência de uma coisa. Condição é o que permite a uma causa produzir seu efeito, seja como instrumento ou meio, seja afastando obstáculos à produção do resultado. Ocasião é uma circunstância acidental que cria condições que favorecem a produção do resultado. Concausa é a confluência ou a concorrência de mais de uma causa na produção de um mesmo resultado. Com base nessas noções elementares, os doutrinadores do Direito elaboraram diversas teorias com o objetivo de explicar o que é a causa de um resultado, devendo ser mencionadas apenas algumas delas. www.gustavobrigido.com.br A teoria da causalidade adequada entende que a causa de um resultado é a condição mais adequada a sua produção. A teoria da eficiência fala em condição mais eficaz, como sendo a causa do resultado. Outra teoria, a da relevância jurídica, diz que tudo o que concorre para o resultado, ajustado à figura penal, é a causa do resultado. Diante de intermináveis polêmicas, falhas e dificuldades na aplicação de soluções mais próximas dos interesses da justiça, o Código Penal adotou a teoria da equivalência das condições. 2.2.2.1 - TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES: Diz a teoria da equivalência das condições, ou da “conditio sine qua non”, no art. 13 do Código Penal: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.” Segundo essa teoria e a norma do Código Penal que a adotou, causa é toda a condição do resultado, e todos os antecedentes causais indispensáveis a sua produção são equivalentes, não havendo qualquerdistinção entre causa, concausa, condição ou ocasião. Tomando-se como ponto de partida a conduta do agente e de chegada o resultado, e verificando-se a existência de outras causas situadas entre os dois momentos, tem-se, a princípio, que todas elas – conduta e outras causas – são antecedentes causais equivalentes. Para se descobrir, então, se a conduta de determinado agente é causa do resultado, basta examinar a série causal construível com base nela, excluí-la mentalmente, e verificar o que ocorreria. Se o resultado continuar acontecendo, como aconteceu, a conclusão é de que tal conduta não é causa do resultado. Se, ao contrário, o resultado não ocorrer, como ocorreu, a conclusão é que a conduta é a causa desse resultado. Este é o chamado procedimento hipotético de eliminação. Por exemplo: Geraldo dispara um tiro de revólver contra Miguel, atingindo-lhe o tórax; Miguel é socorrido numa ambulância, onde desmaia; instala-se um processo de hemorragia; perda de sangue; chega ao hospital, é internado e submetido a uma cirurgia para a retirada do projétil que se alojara no pulmão; instala-se um processo infeccioso; Miguel morre, dias depois, constando do laudo de exame cadavérico e do atestado de óbito a causa mortis: pneumonia bilateral, secundária a ferimento por projétil de arma de fogo. Se retirarmos, mentalmente, da série causal, a conduta de Geraldo, o disparo do revólver, a morte de Miguel simplesmente não ocorre, porque, se não estivesse ferido, não teria ido ao hospital, nem contraído pneumonia. Conclusão lógica é a de que a conduta de Geraldo é causa da morte de Miguel. A teoria da conditio sine qua non, por sua extrema amplitude, recebe inúmeras críticas, inclusive a de que todos deveriam responder pelo homicídio, até o pai do agente, sem o www.gustavobrigido.com.br qual este não existiria, inexistindo, de conseqüência, o crime. É óbvio que, ao operador do direito, interessa conhecer a relação de causalidade com base na conduta do agente, não regredindo no tempo. 2.2.2.2 - SUPERVENIÊNCIA DE CAUSA RELATIVAMENTE INDEPENDENTE: Como se observou, a teoria da equivalência das condições equipara todos os antecedentes causais, sendo, por isso, bastante amplo o âmbito de sua aplicação. Para restringi-lo, o Código Penal estabelece no § 1º do art. 13 uma exceção: “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.” Após a conduta do agente, pode ocorrer outra causa que venha a interpor-se no curso do processo causal instalado e em andamento, alterando seu rumo e levando à produção do resultado por sua própria eficiência. Tome-se o exemplo: a vítima, após sofrer ferimentos abdominais por golpes de faca, é socorrida e colocada dentro de uma ambulância, que, no caminho, vem a ser abalroada por um ônibus, abrindo-se a porta traseira, e, com o choque, arremessada para fora do veículo a maca e com ela o corpo da vítima, que se choca com o asfalto, vindo ele a morrer por traumatismo crânio-encefálico. A conduta do agente, consistente em golpear a vítima na região abdominal com instrumento pérfuro-cortante, inaugurou um processo causal, que teria um curso normal até a chegada do ferido no hospital, onde seria tratado, e poderia morrer ou não. Antes que se concluísse o processo causal instaurado com a conduta do agente, uma nova causa a ele se interpôs, cortando seu fluxo, e levou, por si só, ao resultado morte. Essa nova causa, que se interpôs, que interrompeu e modificou o processo causal iniciado com a conduta do agente, é uma causa superveniente relativamente independente que, por si só, produziu o resultado. É relativamente independente, porque guarda com a conduta do agente uma relação de dependência relativa. A vítima somente sofreu o traumatismo craniano por estar dentro da ambulância, e só ali se encontrava por ter sofrido os golpes praticados pelo agente. Foi capaz de produzir o resultado por si só, porque este não resultou da confluência das duas causas. Independentemente do ferimento abdominal, produzido pela conduta, o ferimento do crânio produziria a morte, como produziu, de qualquer modo. Assim, sempre que uma causa superveniente for capaz de, por si só, levar ao resultado, o agente da conduta não responderá por ele, apenas pelos fatos anteriores praticados. Se o agente desejava matar a vítima, mas esta veio a morrer em razão da causa superveniente que por si só produziu o resultado, responderá apenas por tentativa de homicídio. Se desejava apenas feri-la, por lesão corporal dolosa. Se não queria causar o ferimento previsível, mas agira com negligência, responderá por lesão corporal culposa. www.gustavobrigido.com.br 2.2.2.3 - CONCAUSAS RELATIVAMENTE INDEPENDENTES PREEXISTENTES E CONCOMITANTES: Questão intrincada é saber se o resultado será atribuído ao agente quando concausas relativamente independentes preexistentes ou concomitantes interagirem com sua conduta, já que o Código Penal silenciou sobre elas. É o que acontece quando é produzido um ferimento numa vítima portadora de particular condição fisiológica (debilidade física, ferimento anterior, diabetes, hemofilia) que vem a falecer em razão do concurso das duas condições – a preexistente e a conduta. Ou a vítima que, diante da agressão, e por causa dela, emocionada, vem a sofrer uma parada cardíaca, falecendo pela insuficiência total do coração. Nesse caso, concorreram para o resultado a agressão e a causa concomitante. A Jurisprudência dos Tribunais é, em sua ampla maioria, no sentido de que, tendo-se o § 1º do art. 13 referido, exclusivamente, às concausas relativamente independentes supervenientes, é porque as preexistentes e concomitantes não têm o poder de romper o nexo causal. Dessa forma, se a concausa relativamente independente preexistir à conduta do agente, ou for simultânea a ela, responderá ele pelo resultado. Adotando esse entendimento, também as causas relativamente independentes, preexistentes e concomitantes, se tiverem sido capazes de, por si sós, produzir o resultado, excluirão sua imputação ao agente, que, igualmente, responderá apenas pelos atos praticados. 2.2.2.4 - CONCAUSAS ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTES: Já as concausas absolutamente independentes – preexistentes, concomitantes e supervenientes – têm o poder de excluir a imputação do resultado ao agente da conduta, porquanto constituem a única e exclusiva causa do resultado. 2.2.2.5 - TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA: O problema da imputação do resultado, um dos mais intrincados do Direito Penal, e as insuficiências da teoria da conditio sine qua non, fizeram com que os juristas procurassem novos rumos, chegando-se à construção da chamada teoria da imputação objetiva, desenvolvida principalmente entre os juristas alemães. A teoria da imputação objetiva, na verdade, não é uma teoria que nega a causalidade natural, mas que lhe acrescenta critérios valorativos, dando-lhe uma nova roupagem e dimensão. Esses critérios normativos podem ser sintetizados na idéia da criação ou aumento de um risco não permitido que se realiza no resultado típico, dentro do âmbito de proteção da norma. Sabendo-se que na vida e sociedade há um grande números de comportamentos que são, inevitalmente, perigosos, tem-se, entretanto, que muitos deles se situam no âmbito de uma permissão da própria sociedade, ao passo que outros são proibidos. DAMÁSIO explica: www.gustavobrigido.com.br “É possível que o sujeito, realizando uma conduta acobertada pelo risco permitido, venha a objetivamente dar causa a um resultado naturalístico danoso que integre a descrição de um crime. Exemplo: dirigindo normalmente no trânsito, envolve-se num acidenteautomobilístico com vitima pessoal. Nesse caso, o comportamento deve ser considerado atípico. Falta a imputação objetiva da conduta, ainda que o evento jurídico seja relevante. (...) Quem dirige um automóvel, de acordo com as normas legais, oferece a si próprio e a terceiros um risco tolerado, permitido. Se, contudo, desobedecendo as regras, faz manobra irregular, realizando o que a doutrina denomina ‘infração de dever objetivo de cuidado’, como uma ultrapassagem perigosa, emprego de velocidade incompatível nas proximidades de uma escola, desrespeito a sinal vermelho de cruzamento, ‘racha’, direção em estado de embriaguez etc., produz um risco proibido (desvalor da ação). Esse perigo desaprovado conduz, em linha de raciocínio, à tipicidade da conduta, seja na hipótese, em tese, de crime doloso ou culposo.” Segundo a teoria, a apuração da imputação do resultado se faz em dois momentos. Em primeiro lugar faz-se a aferição do nexo causal, segundo os mesmos critérios físico- mecânicos da causalidade natural. Constatado o vínculo causal, deve o intérprete, o juiz, aferir se está presente o vínculo normativo. Perguntará o julgador do caso concreto se o resultado é imputável ao agente da conduta, com as seguintes indagações: a) a conduta criou ou aumentou um risco não permitido? b) esse risco não permitido se materializou no resultado típico? esta materialização do risco permitido no resultado típico aconteceu na esfera do âmbito de proteção da norma? Se a resposta for negativa para qualquer dessas indagações, o resultado não poderá ser imputado ao agente da conduta. O fato será considerado atípico, segundo a teoria, por exclusão da imputação objetiva do resultado quando se tratar de risco permitido, quando o agente tiver atuado para diminuir o risco proibido, quando não tiver realizado risco proibido, ou quando o a concretização do risco proibido não se der dentro do âmbito de proteção da norma. Penso que, a despeito da engenhosidade da teoria da imputação objetiva e do respeito que tenho especialmente pelo professor DAMÁSIO E. DE JESUS, os problemas que ela diz que busca solucionar já são, perfeita e adequadamente, solucionados pela incidência da normas já comentadas e interpretadas no âmbito da relação de causalidade, ao longo da exposição deduzida neste item. 3. CRIMES QUALIFICADOS PELO RESULTADO: A lei penal, algumas vezes, ao lado de um tipo de crime, regula, como tipo derivado, e mais grave, por isso apenado com pena mais severa, a mesma conduta descrita naquele tipo, dito básico, descrevendo, todavia, um resultado mais grave. Esses são os chamados tipos legais de crimes qualificados pelo resultado.Exemplos desses tipos de crimes encontram-se no art. 129 do Código Penal. No caput do artigo está definido o tipo básico, fundamental, do crime de lesão corporal dolosa, assim: “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano.” www.gustavobrigido.com.br No § 1º, a lei descreve a mesma conduta, de ofender a integridade corporal ou a saúde de alguém; todavia, com a causação de um resultado mais grave que o do caput: “Se resulta: I – incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias; II – perigo de vida; III – debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV – aceleração de parto: Pena – reclusão, de um a cinco anos.” No § 2º, igualmente são descritos resultados mais graves ainda, produzidos por conduta idêntica à do caput. No caput está o tipo básico; nos §§ 1º e 2º, alguns dos vários tipos derivados, que são tipos de crimes qualificados pelo resultado. Se o agente ofende a integridade corporal da vítima e não ocorre nenhum dos resultados mais graves previstos nos §§ 1º e 2º, responderá por lesão corporal de natureza leve, definida no caput, mas, se de conduta idêntica decorre qualquer daqueles resultados, então responderá por eles, denominados respectivamente lesão corporal grave e gravíssima, que são crimes qualificados pelo resultado. Os crimes qualificados pelo resultado podem decorrer de dolo do agente, de negligência ou de mero nexo causal. Exemplo: pode ocorrer que determinado agente queira, com um golpe de machado, decepar o braço de seu desafeto. Age com dolo de que seu inimigo perca o braço, um membro. Quer, por isso, realizar o tipo legal de lesão corporal gravíssima, descrito no art. 129, § 2º, III, do Código Penal. Pode acontecer, entretanto, que o agente, querendo simplesmente ferir outra pessoa, empurra-a nas proximidades da guilhotina de uma fábrica de papéis, caindo a vítima no exato momento em que a faca desce e lhe decepa o braço. Nesse exemplo, o agente não tinha a intenção de que ela viesse a perder o braço, mas sua vontade era de tão-somente ofender sua integridade física. Foi negligente, pois era previsível que, naquele lugar, próximo de uma máquina perigosa, poderia ocorrer um resultado mais grave do que o desejado. Agiu, pois, sem dolo de realizar a forma agravada do crime de lesão corporal, mas com negligência. Finalmente, pode acontecer de o agente nem querer, nem agir com negligência, em relação à produção de um resultado mais grave. Fere um seu desafeto, superficialmente, no braço. A vítima, todavia, não cuida do ferimento que se infecciona, instalando-se a gangrena e a inevitável amputação do membro. Nesse caso, o agente não agiu com dolo, e tampouco com culpa, stricto sensu. O resultado mais grave decorreu de mero nexo causal. Se o resultado mais grave decorre de puro nexo causal, o agente não responderá por ele, pois falta o dolo ou a negligência. Se agiu dolosamente, ocorreu um crime doloso, em sua plenitude. Se o resultado mais grave decorreu de negligência, este é o crime preterdoloso. 3.1 - CRIMES PRETERDOLOSOS: O crime preterdoloso ou preterintencional é aquele em que o resultado vai além do dolo do agente. Sua conduta é dolosa, mas o dolo não abrange o resultado alcançado. Na verdade, ele age com a intenção de alcançar um resultado menos grave e, por www.gustavobrigido.com.br imprudência, negligência ou imperícia, dá causa, sem querer, a um resultado mais gravoso. O agente quer ferir a vítima, mas, por descuido, acaba por decepar-lhe o braço. Queria apenas empurrá-la, causando-lhe simples lesão, talvez até insignificante, mas, por negligência, acaba atirando-a sob a guilhotina, que lhe decepa o membro. A conduta é dolosa, mas o resultado é culposo. O agente quer um mínimo, seu comportamento negligente leva a um resultado além do desejado, causando lesão mais grave. O Código Penal brasileiro, lamentavelmente, nenhuma distinção faz entre o crime qualificado pelo resultado cometido dolosamente e o crime qualificado pelo resultado, cometido preterdolosamente, cominando pena igual nas duas hipóteses. Assim, a pena para o crime de lesão corporal gravíssima em que resulta perda de membro, praticado com dolo, é a mesma quando tal resultado promana de negligência do agente. É a norma do art. 19 do Código Penal: “Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.” Se o causou sem dolo, e sem culpa, stricto sensu, por ele não responderá. 4 - TIPICIDADE E TIPO: Para que se possa examinar o último elemento do fato típico, a tipicidade, é indispensável que se faça, previamente, um breve estudo sobre os tipos. O tipo é o modelo de comportamento humano, ao qual se segue, em regra, uma conseqüência, que constitui o fato proibido, o que não deve ser 4.1 - FUNÇÕES DOS TIPOS: O tipo é a descrição concreta da conduta proibida. É o modelo de conduta que a lei considera crime, proibida pela norma penal. Tipo de furto: “subtrair, para si ou ara outrem, coisa alheia móvel”. Tipo de estupro: “constranger mulher a conjunção carnal, mediante violênciaou grave ameaça”. Na lei penal, encontra-se o tipo, a descrição de um fato que deve ser evitado, porque proibido sob a ameaça de pena. O tipo tem duas funções da mais alta importância: a de garantia e a indiciária da ilicitude. Todos os cidadãos, tomando conhecimento da existência dos tipos, sabem, previamente, que só poderão ser perseguidos penalmente e sofrer a pena criminal se realizarem um comportamento exatamente ajustado a um tipo. Sua liberdade, portanto, só poderá ser atingida na hipótese de que venha a realizar um comportamento exatamente correspondente a um tipo. O cidadão fica, assim, protegido contra o arbítrio estatal, que não poderá exercer sua autoridade sobre a liberdade do indivíduo na ausência de uma prévia definição legal do crime, que se dá por meio dos tipos. www.gustavobrigido.com.br A segunda função dos tipos é indicar que a conduta por ele definida é proibida, ilícita, contrária ao ordenamento jurídico. Diz-se, pois, que sua função é indiciária da ilicitude. Os tipos são portadores da ilicitude, trazendo-a em seu interior. Dado um fato típico, tem-se que ele é, a princípio, ilícito, pois a relação de contrariedade ao direito está em seu interior. Contrariedade essa que pode ser afastada, mas que vem contida no interior dos tipos. Os tipos legais de crime deveriam ser construídos, preferencialmente, com elementos puramente objetivos, precisos e o mais pormenorizadamente possível. Essa necessidade, todavia, nem sempre pode ser alcançada, pois muitas vezes é necessária a construção de tipos abertos, que devem ser completados pelo aplicador da lei. Basta pensar nos tipos culposos, cuja incidência depende da interpretação e da valoração normativa que o juiz fizer acerca da conduta do agente, sobre a verificação do preenchimento de todos os requisitos da conduta culposa, com a presença de todos os seus elementos. Os tipos – enquanto descrições de fatos da vida – utilizam-se das palavras e das frases da língua pátria, que expressam os significados, as idéias, as coisas, os valores, as ações, as manifestações da vida. O fazer, o não fazer – a conduta – onde, quando, como, por quê, de que maneira, com quais características e com quem são alguns dos componentes dos vários tipos legais de crime. São seus elementos estruturais, que precisam ser analisados. Os elementos dos tipos são objetivos, relativos à materialidade do fato, subjetivos, atinentes ao estado psíquico do sujeito ativo, e normativos, referentes à ilicitude, ao injusto ou a alguma norma estabelecida. 4.2 - ELEMENTOS DOS TIPOS: 4.2.1 - ELEMENTOS OBJETIVOS: Todos os tipos legais de crime descrevem comportamentos humanos e a maior parte deles descreve também os resultados dessas condutas, caso em que exigem entre aqueles e estes uma relação de causalidade. Enquanto modelos de fatos da vida, os tipos são retratos vivos ou cenas animadas de acontecimentos que têm o homem como protagonista, e, conquanto sejam a base que sustenta o princípio da legalidade, seus enunciados compõem-se de signos lingüísticos que devem retratar, com precisão, todos os detalhes do fato incriminado, proibido pela norma penal. O elemento principal de todo e qualquer tipo, que constitui seu núcleo, é aquele que revela a ação, em sentido amplo, positiva ou negativa, que, como não poderia deixar de ser, é representada por um verbo: matar, subtrair, constranger, obter, deixar de, permitir. É a ação material do delito. 48 Os elementos objetivos dos tipos são os que se referem à materialidade do fato, do acontecimento. São aqueles que se referem à forma em que o fato é executado, ao tempo, à ocasião, ao lugar, aos meios empregados, aos sujeitos, ao objeto. www.gustavobrigido.com.br 4.2.2 - ELEMENTOS NORMATIVOS: Outros elementos que integram aquelas cenas típicas exigem, do operador do direito, a formulação de um juízo de valoração normativa, no âmbito da própria verificação da tipicidade, já no primeiro momento do crime, o fato típico. Esses componentes, diferentemente dos elementos objetivos, para serem compreendidos, devem ser apreciados com a elaboração de raciocínio valorativo que leve em conta outras normas jurídicas ou ético-sociais. É que, para a proteção de certos bens jurídicos importantes, a lei resolveu construir tipos que contêm tais elementos. Por exemplo, no art. 151 está protegida a inviolabilidade da correspondência, assim: “Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem.” O componente normativo está contido na expressão indevidamente, que significa “sem autorização” de quem de direito ou de uma norma jurídica, pelo que só será fato típico se o sujeito devassar o conteúdo da correspondência injustamente, contrariando outra norma. É que a algumas pessoas é lícito devassar a correspondência fechada dirigida a outra pessoa, por exemplo, a secretária, autorizada por seu patrão, e os pais, que podem fazê-lo em relação a seus filhos menores. Discute-se se o marido e a mulher podem violar a correspondência fechada dirigida ao outro, havendo posições num e noutro sentido, todos concordando que, na hipótese de suspeita sobre a fidelidade, o fato seria lícito. Ambos, marido e mulher, companheiro e companheira, casados ou unidos estavelmente num mesmo lar, devem respeitar a intimidade do outro e, é óbvio, só poderão violar a correspondência do outro se devidamente autorizados. Não é só pelo fato de viverem juntos e se amarem que não desejam, cada qual, preservar sua intimidade. Cada indivíduo, mesmo vivendo em comunhão com outro, tem sua personalidade, e seus direitos constitucionais a ela relativos devem ser mantidos, e, conquanto disponíveis, para se considerar a renúncia, esta precisa exsurgir no dia-a-dia do casal, expressa ou tacitamente. A tipicidade do fato, portanto, só não existirá se houver essa autorização, ainda que tácita, do outro, para conhecer o conteúdo das comunicações que lhe são dirigidas por meio de correspondência fechada. Como se viu, elementos como esses exigem uma valoração normativa do intérprete. Sempre que se encontrarem expressões semelhantes, como indevidamente, indevida, sem as formalidades legais, sem justa causa, sem prévia autorização, fraudulentamente, e outras de mesmo ou semelhante sentido, o operador do direito necessitará realizar um juízo de valor, de caráter normativo, para verificar a violação de uma regra jurídica de proibição. Também exigem uma valoração normativa, destinada a conceituar certos termos jurídicos ou, mesmo, extrajurídicos, expressões como cheque, função pública, documento, www.gustavobrigido.com.br dignidade, saúde, moléstia, pois necessitam ser interpretadas de acordo com normas jurídicas, legais ou costumeiras, bem assim outras de natureza técnicocientíficas. 4.2.3 ELEMENTOS SUBJETIVOS: Finalmente, integram muitas vezes o modelo de fato proibido certos componentes que vivem no interior do psiquismo do sujeito, na esfera de seu pensamento, em sua motivação, em sua intenção, em seu intuito, em seu ânimo, em sua consciência, na cabeça do homem. Em todos os tipos legais de crimes dolosos, há, pelo menos, um indispensável elemento subjetivo: o dolo, a consciência e a vontade. Só poderá existir o fato típico se o agente tiver agido com dolo. Sem o dolo, não há o fato típico doloso. Além do dolo, alguns tipos trazem outros componentes subjetivos. No tipo do art. 134 do Código Penal, está descrita a conduta: “expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria”. O fato objetivo descrito consiste na exposição ou no abandono de um recém-nascido. Para que a mulher realize tal tipo, é necessário que ela exponha ou abandone seu filho com um fim especial, o de ocultar sua desonra. Este fim é um elemento subjetivodo tipo, sem o qual ele não se realiza. Subjetivo porque integra o íntimo do sujeito do crime. Se a mulher tiver abandonado o recém-nascido, sem aquela intenção de ocultar sua desonra, não terá realizado este tipo, mas outro, o do art. 133 do Código Penal, que não contém aquele elemento subjetivo. De notar que a presença do elemento subjetivo, neste caso, torna o fato menos reprovável, pois faz corresponder-lhe pena máxima menor. Vê-se, pois, que alguns elementos subjetivos dizem respeito ao intuito do agente, a sua intenção, como no tipo do crime de perigo de contágio de moléstia grave, definido no art. 131, Código Penal: “praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio”, e no do crime de extorsão, do art. 158, Código Penal: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”. Nesses dois exemplos, a presença do elemento subjetivo vai importar numa maior reprovação da conduta do agente, pois revela uma intenção mais reprovável, mais censurável. 4.3 – CONSUMAÇÃO: 4.3.1 - ITER CRIMINIS E CONSUMAÇÃO: O art. 14, I, do Código Penal diz que o crime é consumado “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”. Para realizar o fato típico, o agente percorre um caminho, chamado iter criminis, que é o conjunto das várias etapas de sua realização: a cogitação, a preparação, a execução e a consumação. A cogitação, que ocorre na esfera do pensamento, jamais será punida. A preparação, conjunto dos atos meramente preparatórios, como se verá adiante no momento do exame www.gustavobrigido.com.br da tentativa de crimes, também não será por si só punível, salvo se for constituída de infrações penais autônomas consumadas. A execução do fato típico consiste nos atos que se dirigem à realização do procedimento típico, quando penetram em seu núcleo, no verbo indicador da ação ou da omissão. O fato típico é um trecho da vida, que tem começo e fim, conforme a descrição do tipo. A consumação ocorre quando o fato se ajusta por completo, integralmente, ao tipo. No tipo de homicídio, com a morte da vítima. No tipo de estupro, com a introdução, ainda que incompleta, do pênis na vagina. No tipo de corrupção passiva, definida no art. 317, Código Penal, “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”, a consumação ocorre no momento em que o funcionário público solicita a vantagem, ou quando aceita sua promessa, não quando a recebe, até porque nem é necessário que venha a recebê-la. A determinação do momento da consumação do fato é da mais alta importância para o estudo do crime, que deve e será estudada, com detalhes e profundidade, em cada tipo em espécie, pois as dificuldades não são poucas. 4.4 - TENTATIVA DE CRIMES: Não existem os tipos: “Tentar matar alguém”, “tentar constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”, e tampouco “tentar subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Se não existem tais tipos, a tais fatos não poderiam corresponder penas criminais. Para obedecer ao princípio da legalidade, a lei concebeu uma fórmula geral, que permite a punição da tentativa de realização de crimes, definindo-a e mandando punila. A norma que define a tentativa encontra-se no art. 14, II, do Código Penal: “Diz-se o crime: tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.” E, mais importante, a regra que manda punir a tentativa está inscrita no parágrafo único do mesmo artigo: “Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.” Quem tentar cometer um crime será punido com a pena do crime, se tivesse sido consumado, diminuída de 1/3 a 2/3. Assim, para se verificar a tipicidade de um fato, é necessário conjugar-se a norma do tipo com a norma do art. 14, II, parágrafo único. Tentativa de um crime é a execução inacabada, incompleta, do procedimento típico, por circunstâncias alheias à vontade do agente. Para existir tentativa, é necessário que o procedimento descrito no tipo seja iniciado, mas não se complete, em razão de alguma circunstância que esteja fora do âmbito da vontade do agente. É preciso que o procedimento típico seja iniciado. O primeiro desafio é distinguir atos de preparação de atos de execução do procedimento típico, pois aqueles não são puníveis, salvo se constituírem crime autônomo ou contravenção penal. Para configurar a tentativa, é indispensável que exista ato de execução. www.gustavobrigido.com.br Segundo o critério formal, ato executório é qualquer comportamento do agente que dá início à realização do tipo. Veja-se o tipo de homicídio. Mata-se comumente com disparo de arma de fogo, golpe de facas, venenos etc. Só haverá tentativa se o agente agia com dolo de alcançar o resultado. Sem dolo, não se fala em tentativa. Assim, não existe, porque é impossível, tentativa de crime culposo. Como regra geral, a tentativa não é crime autônomo; daí, não existir crime de tentativa, mas tentativa de crime. Tanto que a pena para a tentativa é dependente da pena para o crime consumado, conforme dispõe o parágrafo único do art. 14 do Código Penal: as tentativas de crimes serão punidas com a pena do crime consumado, diminuída de um a dois terços, salvo disposição expressa em contrário. Esta é a regra. Há exceções, entre elas a do tipo legal do art. 352 do Código Penal, que descreve, como crime autônomo, com pena idêntica ao consumado, a tentativa de fuga: “evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa”. A pena é igual para o crime consumado e para sua tentativa. Isto porque a tentativa de fuga é crime consumado. Igualmente, os tipos descritos nos arts. 17 e 18 da Lei nº 7.170, de 14-12-83, a Lei de Segurança Nacional: “Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito”, e “tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados”. Nesses casos, tais tentativas constituem crimes autônomos. 4.5 - DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ: Em certas situações, o agente, após iniciar a execução do procedimento típico, desiste de nela prosseguir e, em razão disso, o resultado não ocorre, ou o crime não se consuma. João, querendo matar a Pedro, dá-lhe um tiro que o atinge no braço, e, em seguida, podendo disparar outras vezes, desiste de continuar atirando e vai embora, deixando a vítima apenas ferida. Noutras situações, após concluir todo o procedimento típico, o agente arrependese e adota medidas capazes de impedir que o resultado aconteça. No mesmo caso, após =ferir o desafeto, querendo matá-lo, o agente o socorre e o conduz até o hospital, providenciando que o mesmo seja curado, o que acontece. Nesses casos, não há tentativa de crime, porque a não-consumação decorreu da vontade do agente e não de circunstâncias a ele alheias. Trata-se da desistência voluntária ou do arrependimento eficaz, que descaracterizam a tentativa, respondendo o agente apenas pelos atos praticados, se, por si sós, constituírem crime menos grave ou contravenção já consumados. É a norma do art. 15 do Código Penal: “O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza só responde pelos atos já praticados.” www.gustavobrigido.com.br4.6 - ARREPENDIMENTO POSTERIOR: O arrependimento posterior é uma causa obrigatória de diminuição de pena, aplicável aos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça contra a pessoa, quando o agente, antes da instauração do processo, pelo recebimento da denúncia ou da queixa, tiver reparado o dano causado ou restituído a coisa sobre a qual recaiu a conduta típica. Tal norma encontra-se no art. 16 do Código Penal. 4.7 – CRIME IMPOSSÍVEL: No art. 17 do Código Penal, cuida-se do crime impossível, também chamado de tentativa inidônea ou tentativa inadequada, assim: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.” O Direito Penal não se ocupa dos atos puramente internos, não punindo a simples intenção do agente. Em algumas situações, o homem, desejando realizar um tipo legal de crime, utiliza-se de meios absolutamente ineficazes, o que impossibilita a consumação do crime. Noutras, com meios eficazes, age sobre objeto absolutamente impróprio. Em ambas as situações, o crime jamais se consumaria. O bem jurídico, em qualquer dos casos, não esteve sequer ameaçado. Se não houve lesão, nem ameaça, nem era possível que houvesse, o Direito Penal não se interessa pela conduta, mesmo que ela estivesse eivada de vontade de causar um mal. Alguém resolve matar outrem, com uma arma descarregada, ou ministrandolhe açúcar, em vez de veneno. Tais meios são absolutamente ineficazes. Mas, e se a pessoa visada, no primeiro caso, assustando-se, vem a morrer de ataque cardíaco? Ou, sendo ela diabética, vem a morrer em função da ingestão do próprio açúcar? Bom, nestas hipóteses, o resultado terá acontecido, pelo que o crime terá se consumado e é óbvio que aqueles meios foram eficazes. Não se estaria diante de tentativa, mas de crime consumado. Já Maria, imaginando-se grávida, realiza em seu corpo vários atos visando interromper a gravidez imaginária e matar o inexistente feto. Está realizando condutas sobre um objeto absolutamente impróprio. O mesmo se dá quando alguém dispara contra um cadáver, imaginando que é o corpo do desafeto que dorme. Não se mata quem já morreu. Impossível a consumação do homicídio. A ineficácia do meio deve ser absoluta. Se apenas relativa, há tentativa; portanto, fato punível. O mesmo se dá com o objeto, que deve ser absoluta e não relativamente impróprio, caso em que haverá a tentativa de crime. Há ineficácia relativa do meio, por exemplo, quando alguém tenta matar outro com uma arma defeituosa, daquelas que “negam fogo”. Assim como falhou, poderia não ter falhado. A ineficácia não é absoluta, total. A possibilidade de consumação do crime existia. Igualmente, a impropriedade do objeto há de ser absoluta. Se, apenas relativa, subsiste a tentativa punível. Tentar subtrair a carteira no bolso esquerdo da vítima, que a trazia no www.gustavobrigido.com.br bolso direito, é realizar uma conduta sobre um objeto relativamente impróprio, é, pois, tentativa de furto. O mesmo quando se tenta subtrair o veículo com trava de segurança. A impropriedade é só relativa. CAÍTULO 5 - CONCURSO DE PESSOAS: 1. CONSIDERAÇÕES: O art. 29 do Código Penal dispõe: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.” A doutrina, autorizada pela lei penal brasileira, distingue duas modalidades de concurso de pessoas: autoria e participação. 1.1 – AUTORIA: Ao longo do tempo, a doutrina preocupou-se com a conceituação de autoria de crime, construindo várias teorias. Uma primeira teoria, denominada subjetivo-causal, dizia que autor do crime seria todo aquele que tivesse gerado uma condição para a causação do resultado descrito no tipo. Como se vê, é de uma amplitude muito grande, abarcando como autor todo aquele que desse a mínima colaboração, ainda que atípica, para o resultado. Por ela a distinção entre autor e partícipe ficaria comprometida, e, por essa razão, recebeu muitas críticas. Uma segunda doutrina, formal-objetiva, apresentava um conceito mais restrito de autor, que seria aquele que realiza, total ou parcialmente, uma figura típica. Esta teoria vincula o conceito de autor ao tipo legal de crime. Aqueles que realizassem comportamentos fora da descrição do tipo seriam meros partícipes, desde que houvesse a norma extensiva alcançando-os e mandando puni-los. A grande falha dessa teoria é deixar, na condição de partícipe, o indivíduo que organiza e comanda o procedimento típico, o chefe do bando, o que manda matar, o que contrata os executores de certo procedimento. Por essas e outras razões, construiu-se a teoria objetivo-subjetiva, também chamada de Teoria do Domínio do Fato, segundo a qual autor de um crime é quem possui o domínio final da ação, podendo decidir sobre a consumação do procedimento típico. A determinação da autoria está vinculada ao tipo legal de crime, mas depende da presença do elemento subjetivo, que é a vontade comandando o rumo do fato, isto é, do procedimento típico. Quem tiver poder de decidir sobre continuar ou interromper o procedimento típico, quem puder decidir sobre consumar o crime, quem puder arrepender-se, quem puder desistir, quem pode continuar, este é o autor, mesmo que não venha a realizar qualquer parte do procedimento típico, bastando tenha, previamente, determinado a outros que o fizessem, www.gustavobrigido.com.br ou planejado a ação, organizado a execução. Ao fazê-lo, começou a realização intelectual do procedimento, e, por essa razão, realiza conduta adequada ao tipo. Com base nesse conceito, podem-se distinguir modalidades distintas de autoria, a saber: o autor intelectual, o autor executor, o autor mediato. 1.1.2 - AUTOR INTELECTUAL: Aquele que, sem executar diretamente qualquer parte do procedimento típico, possuir, no entanto, o domínio final da conduta, tendo a possibilidade de decidir sobre a consumação ou não do crime, sobre sua interrupção, sobre a modificação, é autor intelectual, porque planejou e organizou a realização do procedimento típico. É o chefe da quadrilha, o mandante do homicídio, quem contrata o pistoleiro, enfim, aquele que, apesar de não realizar um único movimento corporal para realizar a figura típica, possui o domínio dela, por meio do poder moral que exerce sobre os que a vão executar. 1.1.3 – AUTOR EXECUTOR: Aquele que realiza, total ou parcialmente, a conduta descrita no tipo legal de crime é o chamado autor executor. É quem executa o comportamento proibido, diretamente, com sua atividade material. É quem dispara o revólver, quem subtrai a coisa, quem imprime a violência contra o ofendido. Basta a realização de uma parte do procedimento típico. 1.1.4 - AUTOR MEDIATO: Se o agente, para realizar a conduta típica, abusa de uma terceira pessoa, imprimindo-lhe uma força física, para alcançar o resultado típico ou a consumação do delito, estará servindo-se de outrem como instrumento para o alcance de seus objetivos. Este é o chamado autor mediato. 1.1.5 - CO-AUTORIA: O co-autor é outro autor. Não há distinção entre autor e co-autor. Se dois homens planejam e organizam um assalto a ser executado por outros dois, os quatros são coautores, os dois primeiros, co-autores intelectuais e os dois últimos, co-autores executores. Entre todos, não há tratamento típico diverso. 1.1.5.1 - CO-AUTORIA EM CRIME CULPOSO: Plenamente possível é a co-autoria em crime culposo. Duas pessoas, com negligência, imprudência ou imperícia, podem realizar, conjuntamente, a mesma conduta, produzindo um resultado indesejado por elas. Por exemplo, dois homens resolvem atirar, pela janela do 10º andar de um edifício, um objeto qualquer, que, indo ao chão, atinge um transeunte,causando-lhe ferimentos. O comportamento de ambos foi negligente, causando o resultado por eles não almejado. 1.1.5.2 – PARTICIPAÇÃO: www.gustavobrigido.com.br Com base no conceito de autoria, diz-se que participação é a contribuição – sem realização direta de qualquer ato do procedimento típico – para um fato típico que está sob o domínio final de outra pessoa. É a conduta acessória, daquele que não possui domínio final da ação, do que não tem qualquer poder de decidir sobre a consumação, interrupção, ou modificação do procedimento típico. Apenas quer, conscientemente e com vontade, contribuir para a realização de um fato típico dominado por outra pessoa. Para haver participação, deve haver um fato típico alheio, a colaboração do partícipe, que não tem poder de decisão. Aquele que simplesmente auxilia, sem executar, o procedimento típico desenvolvido por outra pessoa está participando do fato. Para haver participação é indispensável que haja vontade, dolo, de colaborar com o fato típico. Não se pode pensar em participação negligente em delito doloso. A norma do art. 29 seja ampla, no sentido de que a concorrência se dá de qualquer modo, é importante verificar que a participação no crime pode dar-se das mais diferentes formas. Segundo DAMÁSIO E. DE JESUS, a participação pode ser moral ou material. A determinação ou o induzimento, a instigação, o ajuste e a promessa de ajuda são exemplos de participação moral18. Importante, a propósito, verificar até que ponto o partícipe tem possibilidade de influir na consumação do crime, pois, se houver poder de decisão, em vez de participação, haverá co-autoria. É preciso analisar com bastante cuidado o fato concreto e verificar se a “determinação” foi simples indução ou instigação, ou uma verdadeira ordem ao executor. Havendo entre o que determina e o que executa relação de domínio psicológico, de autoridade, a situação transmuda-se, de participação para autoria intelectual. Importante observar que a simples conivência não significa participação, pois, para que alguém possa responder pelo crime, deve ter, no mínimo, a vontade de com ele colaborar, não podendo ser responsabilizado por simplesmente não ter impedido fisicamente a execução de um fato típico, salvo se houvesse o dever jurídico de agir para impedir o resultado (art. 13, § 2º, CP). A colaboração levada a efeito posteriormente ao fato típico não é participação no crime, mas pode constituir o delito autônomo de favorecimento real ou pessoal, definidos nos arts. 348 e 349 do Código Penal. 1.2.5.2.1 – PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA: O § 1º do art. 29 estabelece que, se a participação tiver sido de menor importância, a pena será reduzida, de um sexto a um terço. Significa que a participação de cada um dos concorrentes deverá ser analisada e graduada conforme sua importância para a realização da figura típica. Existirão participações de grande e de pequena importância, de maior e de menor eficiência causal. www.gustavobrigido.com.br Diferentemente da autoria, a participação exige esta graduação objetiva, e ao partícipe de menor importância será aplicada pena reduzida, obrigatoriamente, em até um terço da pena, podendo, até mesmo, ser fixada abaixo do grau mínimo. Aquele que informa o agente sobre a ausência dos donos da casa, para que ele nela entre e subtraia à vontade, está participando de um fato típico de furto. Esta participação, a princípio, é de menor importância, mas, se, em vez da informação, ele deixar a porta dos fundos destrancada, tal participação passa a ser um pouco mais importante, e, se em vez disso, tiver desligado um sistema de alarme, então, tal participação será de importância relevante para a execução do procedimento típico. Caberá ao juiz, no caso concreto, analisar o grau de eficiência causal, para concluir pela maior ou menor importância da participação. 1.2.5.2.1 - COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DIVERSA: Às vezes, um dos concorrentes deseja realizar um tipo legal de crime em concurso com outro que, não obstante isso, realiza um tipo mais grave. Por exemplo: João deseja participar ou ser co-autor de um delito de furto a ser executado por José, que se encarrega de entrar na casa alheia e subtrair objetos de propriedade do dono, Paulo. João, íntimo de Paulo, informara a seu amigo que todos os moradores estariam viajando de férias para outra cidade, onde ficariam 15 dias, e a casa estaria completamente desguarnecida. No dia seguinte à viagem de Paulo, José entra na casa e, enquanto está subtraindo os objetos, Paulo retorna e, entrando em luta corporal, vem a ser morto por José. O retorno de Paulo era inesperado, e deu-se em virtude do falecimento repentino de sua sogra. Como se viu, João queria participar de um furto, ao passo que José realizou um tipo de roubo seguido de morte, latrocínio, muito mais grave. A solução para problemas como este está no § 2º do mesmo art. 29: “Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.” No exemplo dado, João responderá pelo furto, uma vez que, tendo Paulo de férias, era- lhe absolutamente imprevisível que a vítima retornasse antes de alguns dias. Imprevisível seu retorno, imprevisíveis o resultado mais grave, a violência e a morte que caracterizam o latrocínio. Se, no mesmo exemplo, Paulo tivesse ido ao cinema, e José informado a João que a casa estaria vazia por algumas horas, tempo suficiente para a subtração, e o dono da casa retornasse, tal resultado era previsível, pois não se tratava de uma viagem longa, por tempo longo. Neste caso, José responderia pelo tipo de furto, com pena aumentada de até metade. 1.2.5.2.3 - CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNICÁVEIS: Circunstâncias são dados objetivos ou subjetivos acessórios que integram os tipos, com a exclusiva finalidade de fazer aumentar ou diminuir a pena. As circunstâncias objetivas ou www.gustavobrigido.com.br reais são as que dizem respeito à materialidade do fato – a seu modo de execução, aos meios utilizados, tempo, lugar, qualidades do sujeito passivo. As circunstâncias subjetivas ou pessoais são as que se referem ao agente do fato, sua motivação, suas relações com o sujeito passivo, com seus concorrentes, suas qualidades pessoais. Excepcionalmente, algumas das mencionadas circunstâncias, em vez de simples acessórios dos tipos, integram suas estruturas como elementos essenciais, indispensáveis a sua configuração, e que, por isso, são chamadas elementares do tipo. Quando duas ou mais pessoas concorrem para a realização de um mesmo procedimento típico, importa saber se, quando e quais as circunstâncias que se comunicam entre eles. Dispõe o art. 30 do Código Penal que as circunstâncias e as condições pessoais não se comunicam entre os concorrentes, salvo se elas forem elementares do crime. A primeira conclusão é de que – como a norma explica que as circunstâncias subjetivas ou pessoais, em regra, não se comunicam – deve-se entender que as circunstâncias de natureza objetiva ou real se comunicam aos concorrentes. É claro que só haverá comunicação de uma circunstância que venha a agravar a pena ou qualificar o crime, se o concorrente tiver se comportado, relativamente a ela, com dolo ou, pelo menos, culposamente. Se João determina a Alfredo que aplique uma surra em Mário, e o executor causa na vítima lesão corporal com emprego de tortura, essa circunstância objetiva, que agrava a pena, segundo manda o art. 61, II, c, somente será comunicada a João se, em relação a ela, tiver ele agido pelo menos culposamente. Se ele sabia que Alfredo iria usar de tortura para lesionar e quis, ou aceitou, é óbvio que a agravante será comunicada,bem assim se lhe fosse previsível que Alfredo utilizaria o referido meio. Do contrário, não se comunica a circunstância real. A segunda observação é de que, em regra, as circunstâncias subjetivas ou pessoais são incomunicáveis. Se Célio comete um homicídio por motivo de relevante valor moral – está matando o estuprador de sua filha – com a colaboração de Jorge, que não tem a mesma motivação, seja por não saber do motivo de seu concorrente, seja por não estar imbuído desse espírito, a este não será comunicada a causa de diminuição de pena prevista no § 1º do art. 121. Finalmente, a terceira conclusão: se as circunstâncias são elementares do tipo, sejam elas objetivas ou subjetivas, reais ou pessoais, vão-se comunicar entre os concorrentes, desde, é óbvio, que entrem na esfera da previsibilidade de cada um. Nos tipos legais dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral, definidos nos arts. 312 e seguintes do Código Penal, uma circunstância de natureza subjetiva é elementar, essencial, indispensável à configuração de cada um daqueles tipos, peculato, concussão, corrupção passiva etc.: ser o agente funcionário público. Quem, portanto, concorrer com um funcionário público para a realização de qualquer desses tipos, mesmo não sendo funcionário público, responderá em concurso – co-autoria ou participação – pelo crime que é próprio de funcionário público. É claro que isso apenas se o concorrente tiver, pelo menos, previsibilidade quanto a essa circunstância. É preciso www.gustavobrigido.com.br que ele saiba ser seu concorrente um funcionário público, ou que lhe fosse, pelo menos, previsível tal circunstância. Além das circunstâncias pessoais que, em regra, são incomunicáveis, a lei dá idêntico tratamento às condições de caráter pessoal. MIRABETE explica que as “condições referem-se às relações do agente com a vida exterior, com outros seres e com as coisas (menoridade, reincidência etc.), além de indicar um estado (casamento, parentesco etc.)” Assim, a condição de reincidente do executor do fato não será comunicada a seu partícipe ou co-autor, porquanto não integra, enquanto elementar, tipos legais de crimes. 1.2.5.2.4 – PARTICIPAÇÃO IMPUNÍVEL: Algumas formas de participação, como o ajuste, a determinação, a instigação ou o auxílio, não serão puníveis se o crime não chegar a ser, pelo menos, tentado. Não se punirá o partícipe que instigou, auxiliou, ajustou, determinou, se seu concorrente nem chegou a iniciar a execução do procedimento típico. Não poderia ser diferente, pois o Direito Penal somente pune os fatos típicos consumados – realizados na integridade dos tipos – e a tentativa de sua realização, que tem como elemento indispensável o início de execução. O dispositivo ressalva a hipótese de que uma das formas de participação mencionadas integre a estrutura de outro tipo. Assim, por exemplo, os tipos dos arts. 227, 228 e 248 do Código Penal, cujo núcleo é a ação de “induzir”. Nesses casos, não há participação em delito de outrem, mas fato típico autônomo. 2. LISTA DE EXERCÍCIOS – CONCURSO DE PESSOAS: 01 - Prova: ND - 2006 - OAB-DF - Exame de Ordem - 3 - Primeira Fase No que diz respeito ao agente que, à distância, participa da idealização do crime, propicia os recursos necessários à aquisição dos instrumentos do crime, mas não participa dos atos executórios, assinale a alternativa CORRETA: a) o agente é considerado co-autor do crime; b) o agente é considerado partícipe do crime, respondendo apenas pelos seus atos; c) a participação do agente é considerada de menor importância; d) o agente não será punido, pois não se pude o ajuste, determinação ou instigação e auxílio ao crime. 02 - Prova: ND - 2006 - OAB-DF - Exame de Ordem - 1 - Primeira Fase Em tema de concurso de pessoas, assinale a alternativa correta: a) comunicam-se as circunstâncias objetivas ainda que o partícipe delas não tivesse conhecimento; b) responde pelo resultado quem, sem o dever de impedi-lo, mas podendo fazê-lo, se omitiu, assentindo com sua produção; c) uma vez provada a ausência do vínculo subjetivo entre os agentes e, havendo incerteza quanto a quem imputar o resultado lesivo, devem todos ser absolvidos se um deles utilizou meio absolutamente impróprio para produzi-lo; www.gustavobrigido.com.br d) é necessário que o executor material da infração tivesse conhecimento da atuação dos demais, que agiram com o propósito de auxiliá-lo a viabilizar o resultado lesivo. 03 - Prova: ND - 2005 - OAB-MT - Exame de Ordem - 2 - Primeira Fase Tício e Caio, com deliberado propósito de atingirem Mévio, postam-se de emboscada, cada um ignorando a atitude do outro. Ambos atiram na vítima que vem a falecer unicamente em razão dos disparos partidos de Tício. A hipótese consubstancia-se em: a) co-delinqüência; b) concurso formal de agentes; c) participação binária; d) autoria co-lateral. 04 - Prova: ND - 2005 - OAB-DF - Exame de Ordem - 2 - Primeira Fase Disciplina: Direito Penal | Assuntos: Concurso de Pessoas; Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade. Se a participação for de menor importância: a) O agente poderá ser isento de pena; b) A pena poderá ser diminuída de um sexto a um terço; c) A pena poderá ser diminuída de um a dois terços; d) A pena poderá ser diminuída de um sexto até a metade. 05 - Prova: FEPESE - 2013 - DPE-SC - Analista Técnico Assinale a alternativa correta, de acordo com o Código Penal brasileiro. a) O Código Penal brasileiro adota, no concurso de pessoas, a teoria monista. b) No concurso de pessoas, cada um dos agentes responde por um tipo de infração diversa. c) Praticado o crime em concurso de pessoas a pena será aumentada de um a dois terços. d) Na teoria dualista, adotada pelo Código Penal brasileiro para casos de concurso de pessoas, o autor e o partícipe respondem por infrações penais autônomas. e) Verificada a pluralidade de agentes e de condutas estará configurado o concurso de pessoas. 06 - Prova: IESES - 2012 - TJ-RO - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento por remoção Disciplina: Direito Penal | Assuntos: Concurso de Pessoas; Dos Crimes Contra o Patrimônio.; Analise o que consta dos itens I a III e depois identifique a assertiva correta: I. Segundo o expressamente previsto pelo Código Penal quanto ao concurso de pessoas, estabelece o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. www.gustavobrigido.com.br II. Segundo o expressamente previsto pelo Código Penal, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida. III. Segundo o expressamente previsto pelo Código Penal quanto ao furto, a pena aumenta-se se o crime é praticado durante o repouso noturno. Identifique a assertiva correta: a) Está incorreto o que consta do item I e correto o que consta do item II. b) Está incorreto o que consta do item II. c) Está correto o que consta do item I e incorreto o que consta do item III. d) Está correto o que consta do item III. 07 - Prova: IESES - 2012 - TJ-RO - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Provimento por remoção Analise o que consta dos itens I a III e depois identifique a assertiva correta, quanto ao que consta do Código Penal: I. Quem de qualquer modo concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade, sendo que se participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída em até um sexto. II.É isento de pena o agente que, por doença mental r era, ao tempo da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. III. A respeito de causa independente, a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado. Identifique a assertiva correta: a) Está incorreto o que consta do item III e correto o que consta do item II. b) Está correto o que consta de todos os itens. c) Está correto o que consta do item I e incorreto o que consta do item III. d) Está correto o que consta do item II e incorreto o que consta do item I. 08 - Prova: CESPE - 2012 - TCE-ES - Auditor de Controle Externo - Direito No que diz respeito ao concurso de pessoas para a realização de crimes dolosos, a teoria do domínio do fato considera autor o coautor que realiza uma parte necessária do plano global — o que se denomina domínio funcional do fato — que, mesmo não sendo um ato típico, integra a resolução delitiva comum. Certo Errado 09 - Prova: MOVENS - 2009 - PC-PA - Delegado de Polícia Quanto ao concurso de pessoas, assinale a opção correta. a) Se a participação no delito for de menor importância a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. www.gustavobrigido.com.br b) Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, mesmo quando elementares do crime. c) O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio são puníveis em qualquer situação. d) Se restar comprovado que algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, será absolvido. 10 - Prova: CESPE - 2012 - TJ-BA - Juiz Com relação a arrependimento posterior, medidas de segurança, causas de exclusão, crime e concurso de pessoas, assinale a opção correta. a) Suponha que João, Pedro e Tonho, todos de vinte e dois anos de idade e portando arma de fogo municiada, decidam praticar um roubo em uma padaria e que, durante o assalto, Pedro alveje e mate o caixa do estabelecimento. Nessa situação, somente Pedro deve responder pelo resultado morte. b) A natureza jurídica do arrependimento posterior é causa de extinção da punibilidade. c) Constatando-se que João, de vinte e dois anos de idade, ao matar seus genitores e cinco irmãos a facadas, não possuía plena capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento, em razão de perturbação em sua personalidade, deve ser-lhe aplicada medida de segurança. d) Considere que Jonas, policial militar, no exercício de sua função, tenha determinado que um indivíduo em fuga parasse e que este tenha sacado uma arma e disparado tiros contra Jonas, que, revidando os disparos, tenha alvejado o indivíduo e o tenha matado. Nessa situação, Jonas agiu no estrito cumprimento de dever legal. e) Não será punida a conduta de indivíduo maior de idade que, com a intenção de subtrair dinheiro de terceiro desconhecido, lhe tome a bolsa e, ao percebê-la vazia, jogue- a na rua. 11 - Prova: PGR - 2012 - PGR - Procurador QUANTO AO CONCURSO DE AGENTES, É CORRETA A AFIRMAÇÃO: a) consoante a teoria objetivo-formal autor é aquele que realiza, totalmente, os atos descritos na norma incriminadora; b) consoante a teoria objetivo-material autor é aquele que realiza a contribuição objetivamente mais importante para o resultado; c) consoante a teoria concebida por Claus Roxin autor é aquele que detém o dominio do fato pelo critério exclusivo do dominio da vontade; d) o Código Penal Brasileiro não é compatível com a teoria do dominio do fato. 12 - Prova: FUMARC - 2012 - TJ-MG - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Critério Remoção Para que o partícipe venha a ser punido por uma infração penal, é preciso que, além da presença dos requisitos do concurso de pessoas, o autor tenha iniciado a execução do delito, nos termos do artigo 31 do Código Penal. Em que momento poderá ter ocorrido a contribuição do partícipe para que este seja punido pela mesma infração do autor? a) Após a consumação delitiva. b) Desde a ideação até a consumação. c) Em qualquer momento, até o exaurimento do delito. www.gustavobrigido.com.br d) Nos crimes permanentes, em qualquer momento da execução, ainda que irrelevante tenha sido a conduta. 13 - Prova: CETRO - 2012 - TJ-RJ - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Critério Provimento Sobre concurso de pessoas, é correto afirmar que a) é inadmissível coautoria em crime culposo. b) na autoria colateral, duas ou mais pessoas intervêm na execução de um crime, buscando o mesmo resultado, sem ignorar a conduta alheia. c) autoria incerta é igual a autoria desconhecida. d) na participação, o partícipe também pratica o núcleo do tipo penal. e) o autor mediato é aquele que realiza indiretamente o núcleo do tipo, valendo-se de pessoa sem culpabilidade ou que age sem dolo ou culpa. 14 - Prova: CESPE - 2012 - TJ-RO - Analista - Processual Em relação ao concurso de pessoas, assinale a opção correta. a) Os requisitos para o concurso de pessoas incluem a pluralidade de agentes e de condutas, identidade da infração penal e a existência de prévio acordo entre os agentes. b) No concurso de pessoas, comunicam-se as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, ainda que não sejam elementares do crime. c) Em sede de concurso de pessoas, o simples ajuste, a instigação ou o auxílio são puníveis a título de participação, mesmo que o autor não tenha iniciado a execução do delito. d) O servidor público somente será processado por crime funcional próprio se desconhecia, quando do crime, a condição de servidor público do comparsa. e) Aquele que se serve de pessoa inimputável ou inconsciente para realizar ação delituosa é responsável pelo evento na condição de autor indireto ou mediato. 15 - Prova: FUNCAB - 2012 - PC-RJ - Delegado de Polícia Alfredo, querendo matar Epaminondas, sobe até o terraço de um prédio portando um rifle de alta precisão, com silencioso e mira telescópica. Sem ser visto, constata a presença de Gildenis, outro atirador, em prédio vizinho, armado com uma escopeta, também preparado para matar a mesma vítima, tendo Alfredo percebido sua intenção. Quando Epaminondas atravessa a rua, ambos começam a atirar, vindo a vítima a morrer em face, unicamente, dos disparos efetuados por Gildenis. Analisando o caso concreto, leia as assertivas a seguir: I. Há, no caso, autoria colateral incerta. II. Alfredo eGildenis devemresponder por homicídio consumado, inobstante o disparo fatal ter sido produzido unicamente pela arma de Gildenis. III. Tanto Alfredo, quanto Gildenis, agiam em concurso de pessoas. IV. Alfredo é o autor direto e Gildenis o autor mediato. Agora, assinale a opção que contempla a(s) assertiva(s) verdadeira(s). www.gustavobrigido.com.br a) Apenas a I. b) Apenas a II. c) Apenas II e III. d) Apenas I e II. e) I, II, III e IV. 16 - Prova: MPE-PR - 2012 - MPE-PR - Promotor de Justiça Sobre autoria e participação, assinale a alternativa incorreta: a) Se o terceiro, utilizado como instrumento pelo autor mediato, por defeito de pontaria acerta pessoa diversa da pretendida, então as consequências jurídicas da aberratio ictus são aplicáveis ao autor mediato; b) A autoria mediata admite, dentre outras, hipóteses de inimputabilidade, de erro de proibição inevitável e de inexigibilidade de comportamento diverso do terceiro utilizado como instrumento pelo autor mediato para a prática do crime; c) A futilidade, que de forma exclusiva motiva o autor na prática do crime de lesões corporais graves, realizado em concurso de agentes, não se comunica aos demais coautores ou partícipes; d) A e B, em decisão comum, resolvem praticar lesões corporais contra a vítima C, mas A se excede dolosamente,produzindo a morte da vítima: se o resultado de morte da vítima era previsível, B também responde pelo homicídio; e) Se o particular oferece e o funcionário público recebe valores em dinheiro, para que este último deixe de praticar ato de ofício, não há concurso de agentes, respondendo cada qual por crime diverso. 17 - Prova: CESPE - 2004 - AGU - Advogado Considere a seguinte situação hipotética. João, José e Joaquim, policiais civis, saíram em perseguição ao condutor de um veículo que não havia atendido ordem de parar em uma blitz, desfechando, cada um, vários tiros de revólver em direção ao veículo perseguido, tendo um dos projéteis deflagrados da arma de Joaquim atingido o motorista, causando-lhe a morte. Nessa situação, excluída a possibilidade da existência de alguma excludente de antijuridicidade, de acordo com o STJ, todos os policiais responderão pelo crime de homicídio: Joaquim, como autor, e João e José em co-autoria. Certo Errado 18 - Prova: CESPE - 2012 - PC-AL - Delegado de Polícia No concurso de pessoas, o partícipe terá obrigatoriamente reduzida a pena pelo crime em relação ao autor, porquanto a participação é considerada como forma de concorrência diferente da autoria ou coautoria. Certo Errado 19 - Prova: CESPE - 2012 - DPE-RO - Defensor Público A respeito do concurso de pessoas, assinale a opção correta. a) De acordo com a teoria objetivo-material, autor é aquele que pratica a conduta descrita no núcleo do tipo; todos os demais que concorrerem para a consumação dessa infração www.gustavobrigido.com.br penal, mas que não pratiquem a conduta expressa pelo verbo que caracteriza o tipo, são partícipes. b) Aplica-se aos crimes dolosos e culposos a teoria do domínio do fato, considerada objetivo-subjetiva e segundo a qual, senhor do fato é aquele que o realiza de forma final em razão de uma decisão volitiva, ou seja, autor é o que detém o poder de direção dos objetivos finais da empreitada criminosa. c) Segundo a teoria monista, há tantas infrações penais quantos forem o número de autores e partícipes: com efeito, a cada participante corresponde uma conduta própria, um elemento psicológico próprio e um resultado igualmente particular. d) De acordo com a teoria dualista, deve-se distinguir o crime praticado pelo autor daquele que tenha sido cometido pelos partícipes, havendo, portanto, uma infração penal para os autores, e outra para os partícipes. Por outro lado, segundo a teoria pluralista, todo aquele que concorre para o crime incide nas penas ao autor cominadas, na medida de sua culpabilidade, ou seja, existe um crime único, atribuído a todos aqueles que para ele tenham concorrido. e) Verifica-se, nos parágrafos do art. 29 do CP, que determinam punibilidade diferenciada para a participação no crime, aproximação entre a teoria monista e a teoria dualista, o que sugere que, no CP, é adotada a teoria monista temperada. 20 - Prova: FGV - 2012 - OAB - Exame de Ordem Unificado Zenão e Górgias desejam matar Tales. Ambos sabem que Tales é pessoa bastante metódica e tem a seguinte rotina ao chegar no trabalho: pega uma xícara de café na copa, deixa-a em cima de sua bancada particular, vai a outra sala buscar o jornal e retorna à sua bancada para lê-lo, enquanto degusta a bebida. Aproveitando-se de tais dados, Zenão e Górgias resolvem que executarão o crime de homicídio através de envenenamento. Para tanto, Zenão, certificando-se que não havia ninguém perto da bancada de Tales, coloca na bebida 0,1 ml de poderoso veneno. Logo em seguida chega Górgias, que também verifica a ausência de qualquer pessoa e adiciona ao café mais 0,1 ml do mesmo veneno poderoso. Posteriormente, Tales retorna à sua mesa e senta-se confortavelmente na cadeira para degustar o café lendo o jornal, como fazia todos os dias. Cerca de duas horas após a ingestão da bebida, Tales vem a falecer. Ocorre que toda a conduta de Zenão e Górgias foi filmada pelas câmeras internas presentes na sala da vítima, as quais eram desconhecidas de ambos, razão pela qual a autoria restou comprovada. Também restou comprovado que Tales somente morreu em decorrência da ação conjunta das duas doses de veneno, ou seja, somente 0,1 ml da substância não seria capaz de provocar o resultado morte. Com base na situação descrita, é correto afirmar que a) caso Zenão e Górgias tivessem agido em concurso de pessoas, deveriam responder por homicídio qualificado doloso consumado. b) mesmo sem qualquer combinação prévia, Zenão e Górgias deveriam responder por homicídio qualificado doloso consumado. c) Zenão e Górgias, agindo em autoria colateral, deveriam responder por homicídio culposo. www.gustavobrigido.com.br d) Zenão e Górgias, agindo em concurso de pessoas, deveriam responder por homicídio culposo. GABARITO OFICIAL: 1-A 2-C 3-D 4-B 5-A 6-D 7-D 8-C 9-A 10-E 11-B 12-B 13-E 14-E 15-B 16-D 17-E 18-E 19-E 20-A CAPÍTULO 6 – CONFLITO APARENTE DE NORMAS 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: Algumas vezes, a um mesmo fato concreto, natural, da vida, parecem ajustar-se duas normas diferentes, dois tipos legais de crime.É óbvio que tal não pode ocorrer, pois para um fato haverá sempre uma única norma reguladora, e o conflito é apenas aparente. Haverá conflito aparente quando houver um só fato e aparentemente duas normas a ele se ajustando. Para resolver tais conflitos, a doutrina elaborou três princípios. 1.1 - PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE: Existem normas penais incriminadoras que guardam, umas com as outras, uma relação de gênero para espécie, de especialidade. Uma norma é genérica, as outras são, em relação a ela, específicas. Uma norma é especial em relação a outra, geral, quando contiver, em sua descrição, todos os elementos objetivos, normativos, subjetivos, da norma geral e mais alguns, objetivos, normativos ou subjetivos, que a tornam especial. Tais são os elementos especializantes. 1.2 - PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: Em outros casos, a relação existente entre duas normas penais incriminadoras não seria de gênero para espécie, mas de subsidiariedade. Uma norma seria subsidiária da outra, primária, quando descrevesse grau de violação do bem jurídico de menor gravidade que a descrita na norma primária, principal. A subsidiariedade chega a ser, em alguns casos, explícita, como no tipo do art. 132 do Código Penal: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, se o fato não constitui crime mais grave.” Essa norma é subsidiária em relação a várias outras, pois descreve violação menos grave dos bens jurídicos: vida e saúde, que podem ser atacados de formas mais graves – tentativa de homicídio e abandono de incapaz (art. 133), por exemplo. Noutras situações, a subsidiariedade seria implícita, com um tipo constituindo uma circunstância de outro, como ocorre com o tipo do art. 147, de ameaça, que é subsidiário do tipo do art. 146, de constrangimento ilegal. Diante do aparente conflito, o intérprete deve analisar o fato em sua totalidade, para verificar qual dos tipos incidirá. Se a conduta www.gustavobrigido.com.br tiver violado no maior grau o bem jurídico, é evidente que a norma primária é que vai ajustar-se ao tipo. Se o tiver ofendido mais levemente, incidirá a norma subsidiária. 1.3 – PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO OU DA ABSORÇÃO: A terceira hipótese é a existência de normas que guardam entre si relação de conteúdo a continente, de parte a todo, de meio a fim, de fração a inteiro, ou seja, um tipo é parte integrante de outro, ou meio para sua realização. Um tipo é fraçãodo outro, que é o inteiro. Um tipo está contido no outro. Se isso acontece, não se irá punir o agente por dois fatos, mas apenas ao fato continente, ao fato-fim, ao fato todo. Assim, o tipo de homicídio doloso simples contém a tentativa de homicídio, como fase normal ou conduta anterior de sua realização, contendo, ainda, a lesão corporal, e o tipo de disparo de arma de fogo, e, além dele, pode conter tipo de porte ilegal de arma de fogo. O tipo de furto em casa habitada contém a violação do domicílio. Por esse princípio, o tipo-fim, continente, todo, absorve o tipo-meio, o conteúdo, o tipo-parte. O furto absorve a violação do domicílio, o homicídio absorve a tentativa, a lesão corporal e o porte ilegal de arma. O agente responderá por apenas um crime. Se Marcos falsifica a cédula de identidade de Geraldo para, exclusivamente, com ela, apresentar-se ao notário público e vender a única propriedade da vítima a terceira pessoa, obtendo, com isso, vantagem ilícita, terá realizado o tipo do art. 297, Código Penal, “falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro”, em seguida o do art. 304, Código Penal, “fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302” e, finalmente, o tipo do art. 171, estelionato, Código Penal: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.” Responderá pelos três crimes? Óbvio que não, pois a falsificação e o uso do documento falso foram meios necessários para a realização do tipo-fim, o do estelionato que, por isso, absorve os demais. O Superior Tribunal de Justiça, a propósito, formulou a Súmula 17, assim: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.” 1.4 – PRINCÍPIO DA ALTERNATIVIDADE: Já o princípio da alternatividade consiste na aplicação alternativa de uma ou outra conduta, quando o tipo penal prevê mais de uma conduta em seus variados núcleos. Estes são considerados como crimes de ação múltipla ou conteúdo variado. De acordo com alguns doutrinadores, o princípio da alternatividade será aplicado se o agente de crimes de ação múltipla for punido por apenas uma das condutas presentes no tipo, mesmo que venha a praticar duas ou mais destas condutas. www.gustavobrigido.com.br OBS.: NÃO CONFUNDIR O PRINCÍPIO DA ALTERNATIVIDADE COM O PRINCÍPIO DA ALTERIDADE: O princípio da alternatividade se aplica aos crimes de conteúdo múltiplo (plurinuclear), cujos tipos penais contêm várias condutas típicas. Nesses casos, se o agente realiza mais de um desses verbos, no mesmo contexto fático, responderá por um único crime, posto que tais comportamentos criminosos devem ser compreendidos e analisados alternativamente.Já o princípio da alteralidade determina que a ofensa ao bem jurídico deve necessariamente, atingir terceira pessoa. Entende-se que, a ofensa a bem jurídico próprio não é crime. CAPÍTULO 7 - CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA DOS TIPOS DE CRIMES: 1.1 - CRIMES MATERIAIS, FORMAIS E DE MERA CONDUTA: Quando se toma como critério classificador o resultado, enquanto modificação do mundo externo causada pela conduta, segundo a teoria naturalística, verifica-se que os tipos serão materiais, formais ou de mera conduta. Material ou crime de resultado é o crime cujo tipo legal de crime contém a descrição de uma conduta e de um resultado, e que somente se consuma com a produção do resultado. Homicídio, lesão corporal, aborto, furto, roubo, estelionato são todos crimes materiais, pois que os tipos descrevem condutas, resultados e exigem, para sua consumação, que o resultado seja produzido. Sem o resultado, remanesce apenas a tentativa. Formal é o crime cujo tipo descreve uma conduta, menciona um resultado, mas não exige que este ocorra para sua consumação. São chamados de crimes de consumação antecipada ou de resultado cortado. O tipo do art. 158, de extorsão, é o mais perfeito exemplo de um crime formal: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”. Como se vê, o tipo descreve uma conduta, e menciona a produção de um resultado: a obtenção de uma vantagem econômica indevida, mas, para a consumação desse crime, não é necessária a produção do resultado, não é necessário que o agente consiga obter a vantagem, bastando o constrangimento da vítima. Tal crime se consuma no momento em que a vítima faz, tolera que se faça ou deixa de fazer alguma coisa. De mera conduta ou de mera atividade são os crimes cujos tipos descrevem pura e simplesmente um comportamento, uma conduta, sem qualquer menção a qualquer conseqüência, qualquer resultado. Consumam-se tais crimes com o simples comportamento do sujeito, como na violação do domicílio (art. 150), no crime de desobediência (art. 330), no de infração de medida sanitária preventiva (art. 268), e na maior parte das contravenções penais. 1.2 - CRIMES SIMPLES, PRIVILEGIADOS E QUALIFICADOS: www.gustavobrigido.com.br Classificam-se os crimes em simples, privilegiados e qualificados, em razão da gravidade da lesão causada ao mesmo bem jurídico. Simples é o tipo básico, fundamental, do qual derivam os outros dois, o qualificado, mais grave, e o privilegiado, menos grave. Há, como tipo básico, o do homicídio doloso simples, do caput do art. 121, cuja descrição é simplesmente “matar alguém”, sem qualquer outra qualificação no sentido de considerar o fato nem mais, nem menos grave. Derivados dele há três tipos de homicídio doloso privilegiado, que se encontram descritos no § 1º do art. 121: a) cometido por motivo de relevante valor social; b) cometido por motivo de relevante valor moral; c) cometido sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. Os tipos privilegiados, derivados do tipo simples, contêm elementos especializantes que tornam o fato merecedor de menor reprovação, por constituírem fatos menos graves que o fato básico. São circunstâncias que tornam o fato menos grave, ainda que o resultado não se altere. Dizem respeito a circunstâncias de natureza subjetiva que levam a uma menor ou mais branda punição. No caso do homicídio, a pena do tipo básico é diminuída de 1/6 até 1/3. Já os tipos qualificados são, exatamente, o oposto, derivando do tipo básico, especializam-se por conterem circunstâncias, objetivas ou subjetivas, que fazem aumentar o grau de reprovação do fato. Derivam do homicídio doloso simples vários tipos de homicídio qualificado, descritos no § 2º do art. 121, cometidos: a) mediante paga, promessa de recompensa, por outro motivo torpe; por motivo fútil; b) com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; c) para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Os tipos qualificados exigem maior reprovação, maior reprimenda penal, em razão das circunstâncias especializantes que os tornam mais graves, seja pela motivação, seja pela forma de execução, seja pela conexão finalística com que age o sujeito. Há, ainda, derivados dos tipos simples, básicos, os qualificados pelo resultado, dos quais já se falou anteriormente. 1.3 - CRIMES COMUNS, ESPECIAIS, PRÓPRIOS E DE MÃO PRÓPRIA: Crimes comuns são os definidos no Direito Penal comum, que é o aplicado pela justiça comum, e crimes especiais, os descritos na legislação penal especial – os crimes militares, oscrimes de responsabilidade, os crimes eleitorais. Diz-se, ainda, comum o crime praticado por qualquer pessoa, e próprio o praticado por pessoa que tenha uma condição ou qualidade pessoal própria, como o funcionário público. De mão própria o crime que só pode ser cometido pelo sujeito, pessoalmente, como no caso do delito tipificado no art. 342 do Código Penal: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou www.gustavobrigido.com.br calar a verdade, como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, policial ou administrativo, ou sem juízo arbitral.” Tal fato típico só pode ser cometido pela testemunha, ou pelo perito, ou pelo contador, ou pelo tradutor, ou pelo intérprete. Estes não podem cometê-lo por meio de interposta pessoa; por isso, são chamados crimes de mão própria, porque por outra mão não se pode fazer o que se faria. 1.4 - CRIMES DE DANO, DE PERIGO E DE OPINIÃO: Crime de dano é o que se consuma com a produção de um resultado, que é a modificação do mundo externo causada pela conduta, como ocorre no homicídio, na lesão corporal, no roubo, no furto, no estelionato. Crime de perigo é o que se consuma com a existência da probabilidade da ocorrência de um resultado naturalístico. É o que ocorre nos delitos tipificados nos arts. 130, de perigo de contágio venéreo, 131, 132 etc. Crime de opinião é o que consiste no abuso da liberdade de expressão do pensamento, como a calúnia, a injúria, a difamação, cometidos com o uso da palavra, do gesto, com instrumento de comunicação da expressão do pensamento. 1.5 - CRIMES INSTANTÂNEOS, PERMANENTES E INSTANTÂNEOS DE EFEITOS PERMANENTES: Crime Instantâneo é o que se consuma em determinado instante, num único momento, não havendo continuidade temporal. Quando alguém profere calúnia contra outrem, mediante o uso de uma única frase, atribuindo-lhe a prática de um fato definido como crime, tal crime é instantâneo, assim como o é aquele homicídio em que, disparando o tiro e alvejando a vítima, esta morre imediatamente. O homicídio foi instantâneo. O Crime Permanente é aquele cujo resultado continua no tempo, com a prolongação, no tempo, de seu momento de consumação. É o que acontece no tipo do seqüestro ou cárcere privado, definido no art. 148, “privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado”. Seu momento consumativo perpetua-se, é permanente. Crime Instantâneo de Efeitos Permanentes é o que, após consumado, tem suas conseqüências perpetuadas. Na verdade, a consumação ocorreu, mas continua produzindo suas conseqüências, como o homicídio, o furto, o roubo. 2. LISTA DE EXERCÍCIOS – CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES: 01 - Prova: FCC - 2005 - OAB-SP - Exame de Ordem - 2 - Primeira Fase Considere o seguinte crime: “Art. 205. Exercer atividade, de que está impedido por decisão administrativa.” a) Trata-se de crime de mera conduta. b) Trata-se de crime de forma vinculada. c) Não se trata de crime próprio. www.gustavobrigido.com.br d) Não é crime comissivo. 02 - Prova: ND - 2006 - OAB-DF - Exame de Ordem - 1 - Primeira Fase Sobre o momento consumativo do crime, assinale a alternativa incorreta: a) nos crimes materiais, a consumação ocorre com o evento ou resultado; b) nos crimes culposos, só há consumação com o resultado naturalístico; c) nos crimes formais a consumação ocorre com a própria ação, já que não se exige o resultado naturalístico; d) nos crimes omissivos impróprios, a consumação ocorre com a simples omissão do agente. 03 - Prova: ND - 2006 - OAB-DF - Exame de Ordem - 1 - Primeira Fase É CORRETO que no crime progressivo há: a) pluralidade de condutas delitivas encadeadas por uma seqüência causal e certa unidade de contexto, sendo a posterior mais grave que a anterior, com desdobramento do elemento subjetivo em momentos distintos; b) um tipo penal, abstratamente considerado, que contém implicitamente outro, o qual deve necessariamente ser realizado para se alcançar o resultado; c) o cometimento de duas infrações penais, sendo a primeira menos grave que a segunda, a qual, por isso, considera-se pós-fato não punível; d) o cometimento de duas ou mais infrações penais, num mesmo contexto e contra a mesma vítima, com unidade de desígnios. 04 - Prova: ND - 2006 - OAB-DF - Exame de Ordem - 1 - Primeira Fase Crime vago é aquele que: a) não tem objeto jurídico; b) não tem objeto material; c) tem como sujeito passivo uma coletividade destituída de personalidade jurídica; d) não tem sujeito passivo. 05 - Prova: ND - 2005 - OAB-MT - Exame de Ordem - 2 - Primeira Fase São considerados crimes formais: a) aqueles que, apesar da alusão ao resultado naturalístico, não exigem para fins de consumação que ele ocorra; b) aqueles que se consumam com a ocorrência do resultado naturalístico da ação; c) aqueles em que o tipo penal não faz alusão ao resultado naturalístico da ação, bastando, para a consumação, a ação ou omissão prevista e punida na norma penal incriminadora; d) aqueles em que a fase consumativa se prolonga no tempo. 06 - Prova: PGR - 2012 - PGR - Procurador ANALISE OS ITENS ABAIXO E RESPONDA EM SEGUIDA: I) a distinção entre crimes especiais próprios e crimes especiais impróprios tem relevância no exame da atribuição de responsabilidades em hipóteses de concurso de agentes; II) o crime de gestão temerária de instituição financeira é um crime especial impróprio; www.gustavobrigido.com.br III) a nomenciatura da doutrina alemã "crimes de infração de dever" abrange a classe dos crimes especiais; IV) a doutrina e a jurisprudôncia pátrias sustentam a possibilidade de atribuição, ao extraneus, de responsabilidade a qualquer titulo, sempre que, em concurso com um intraneus, pratique atos subsumiveis em tipos penais especiais. PODE-SE AFIRMAR QUE: a) todos os itens estão corretos. b) somente os itens II e IV estão corretos. c) somente o item II estå incorreto. d) somente os itens I e III estão incorretos. 07 - Prova: CETRO - 2012 - TJ-RJ - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Critério Remoção O crime de abandono intelectual descrito no artigo 246 do Código Penal, nos termos: “Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar”, pode ser classificado como crime a) material. b) omissivo impróprio. c) instantâneo. d) plurissubjetivo. e) próprio. 08 - Prova: CETRO - 2012 - TJ-RJ - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Critério Remoção No que concerne ao ato de fazer apologia a crime ou criminoso, descrito na legislação penal, nos termos: “Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”, é correto afirmar que a) a tentativa é teoricamente possível, desde que o meio de fazer apologia não seja o oral. b) se trata de contravenção penal. c) se trata de crime conta a incolumidade pública. d) se trata de crime próprio. e) se trata de crime material. 09 - Prova: FCC - 2012 - MPE-AL - Promotor de Justiça Por exigir a ocorrência de resultado para a consumação, é de natureza material o crime de a) condescendência criminosa. b) concussão. c) prevaricação. d) corrupção ativa. e) sonegação de contribuição previdenciária. www.gustavobrigido.com.br 10 - Prova: CESPE - 2012 - DPE-AC - Defensor Público Há delitos em que a ação encontra-se envolvida por determinado ânimo cuja ausência impossibilita sua concepção, ou seja, nesses crimes, não é somente a vontade do autor que determina o caráter lesivo do acontecer externo, mas outros extratos específicos, inclusive inconscientes. Esses delitos são classificados como delitos a) formais. b) de intenção. c) de tendência. d) putativos. e) materiais. 11 - Prova: MPE-SP- 2012 - MPE-SP - Promotor de Justiça Em relação aos crimes, é INCORRETO afirmar: a) Nos crimes materiais, o tipo penal descreve a conduta e o resultado naturalístico exigido. b) Preterdoloso se diz o crime em que a totalidade do resultado representa um excesso de fim (isto é o agente quis um minus e ocorreu um majus), de modo que há uma conjugação de dolo (no antecedente) e de culpa (no subsequente). c) Crimes de mera conduta são de consumação antecipada. d) Crime progressivo ocorre quando, da conduta inicial que realiza um tipo de crime, o agente passa a ulterior atividade, realizando outro tipo de crime, de que aquele é etapa necessária ou elemento constitutivo. e) Nos crimes unissubsistentes, o processo executivo da ação ou a omissão prevista no verbo núcleo do tipo consiste num só ato, coincidindo este, temporalmente com a consumação. 12 - Prova: CESPE - 2012 - TJ-AC - Juiz A respeito da classificação dos crimes, assinale a opção correta. a) Classifica-se como bipróprio o crime cujo agente é simultaneamente sujeito ativo e passivo em relação ao mesmo fato. b) A denunciação caluniosa e a extorsão mediante sequestro são consideradas crimes complexos em sentido estrito. c) A conduta de alguém que induza ou instigue outrem a suicidar- se ou preste auxílio para que o faça configura crime multitudinário ou de ação múltipla. d) O aborto com consentimento da gestante e a violação de sepultura são exemplos de crime vago. e) A injúria e a ameaça verbais são exemplos de crimes não transeuntes. 13 - Prova: CESPE - 2012 - TJ-AC - Juiz Assinale a opção correta no que se refere aos crimes em espécie. a) É atípica, no ordenamento jurídico brasileiro, a conduta daquele que, não sendo casado, contraia casamento com pessoa casada, ainda que esteja ciente dessa circunstância. b) O comerciante que, tendo recebido, de boa-fé, uma nota falsa de R$ 100,00, resolva, após constatar a falsidade da moeda, restituí-la à circulação comete crime de moeda falsa, punido com a mesma pena aplicável àquele que tiver falsificado a nota. www.gustavobrigido.com.br c) No caso de crime de peculato culposo, a reparação do dano, desde que anterior à denúncia, extingue a punibilidade. d) O agente que dá causa à instauração de investigação policial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, comete o crime de comunicação falsa de crime. e) O agente que exerce atividade para cujo exercício está impedido por decisão administrativa pratica crime contra a organização do trabalho. 14 - Prova: CESPE - 2012 - MPE-PI - Promotor de Justiça Considerando as disposições contidas no CP e na doutrina sobre crimes, imputabilidade penal e penas, assinale a opção correta. a) A pena imposta para crime de homicídio simples será aumentada em um terço se o agente não procurar diminuir as consequências do seu ato. b) Considere que João, no intuito de auxiliar José a ceifar a própria vida, o ajude a colocar a corda ao redor do pescoço, a subir em um banco e, ao final, chute o banco. Nessa situação, João deve responder pelo crime de auxílio ao suicídio, de acordo com o que dispõe o CP, desde que José faleça ou, se sobreviver, sofra lesões corporais de natureza grave. c) O crime de mão própria, também chamado de atuação pessoal ou de conduta infungível, só pode ser cometido pelo sujeito em pessoa. d) Estará isento de pena o agente que, por embriaguez culposa, seja, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. e) As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando a pena aplicada não for superior a quatro anos, o crime não for cometido com violência e grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, for o crime culposo, bem como a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do condenado, os motivos e as circunstâncias indicarem que a substituição seja suficiente e desde que o réu não seja reincidente em crime doloso, sendo, no último caso, absoluto o impedimento. 15 - Prova: FCC - 2012 - TRT - 4ª REGIÃO (RS) - Juiz do Trabalho - Prova TIPO 4 Consumam-se com o resultado os crimes a) formais e omissivos próprios. b) omissivos impróprios e materiais. c) formais e omissivos impróprios. d) materiais e omissivos próprios. e) materiais e de mera conduta. 16 - Prova: CESGRANRIO - 2012 - Caixa - Advogado Um comerciante, com exploração de mercearia no município Y, é surpreendido pela fiscalização dos órgãos de proteção ao consumidor, que lograram autuá-lo pela exposição de mercadorias com prazo de validade vencido. Consoante à normativa aplicável ao caso, trata-se de tipo vinculado a crime a) próprio b) material www.gustavobrigido.com.br c) omissivo d) de dano e) de perigo 17 - Prova: CESPE - 2012 - Polícia Federal - Papiloscopista da Polícia Federal Em cada um dos próximos itens é apresentada uma situação hipotética, acerca dos crimes contra a pessoa, contra o patrimônio, contra a fé pública e contra a administração pública, seguida de uma assertiva a ser julgada. Luiz, proprietário da mercearia Pague Menos, foi preso em flagrante por policiais militares logo após passar troco para cliente com cédulas falsas de moeda nacional de R$ 20,00 e R$ 10,00. Os policiais ainda apreenderam, no caixa da mercearia, 22 cédulas de R$ 20,00 e seis cédulas de R$ 10,00 falsas. Nessa situação, as ações praticadas por Luiz — guardar e introduzir em circulação moeda falsa — configuram crime único. Certo Errado 18 - Prova: FCC - 2012 - TRE-PR - Analista Judiciário - Área Administrativa Os crimes que encerram dois ou mais tipos em uma única descrição legal denominam-se crimes a) de mão própria b) complexos. c) plurissubjetivos. d) qualificados. e) de ação múltipla. 19 - Prova: ND - 2007 - OAB-SC - Exame de Ordem - 1 - Primeira Fase Assinale a alternativa correta: a) Entre as várias classificações dos crimes, pode-se classificá-los como: crimes comuns e próprios; crimes instantâneos e permanentes; crimes comissivos, omissivos, comissivos por comissão e omissivos por omissão; crimes de atividade e de resultado. Crimes unissubjetivos e plurissubjetivos. Crime habitual. Crimes unissubsistentes e plurissubsistentes. b) Para o cálculo da prescrição é considerado a pena total na qual o cidadão foi condenado, mesmo na ocorrência do concurso de crime. c) A diferença entre progressão criminosa e crime progressivo está no elemento subjetivo. d) Nos crimes permanentes a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, é contada da data em que o fato se tornou conhecido. 20 - Prova: CESPE - 2008 - OAB-SP - Exame de Ordem - 2 - Primeira Fase Assinale a opção correta acerca da classificação dos crimes. a) O crime é qualificado quando, ao tipo básico, ou fundamental, o legislador agrega circunstâncias que elevam ou majoram a pena, tal como ocorre com o homicídio. b) O delito de ameaça pode ser classificado como crime material. c) Os crimes de quadrilha e rixa são unissubjetivos. www.gustavobrigido.com.br d) O delito de infanticídio pode ser classificado como crime comum. GABARITO OFICIAL: 1-A 2-D 3-B 4-C 5-A 6-C 7-E 8-A 9-E 10-C 11-C 12-D 13-E 14-C 15-B 16-E 17-C 18-B 19-C 20-A CAPÍTULO 8 - ERRO DE TIPO: O erro, portanto, é uma falsa apreciação da realidade, próprio do ser humano e, conquanto esteja presente na vida de todos, não podia o Direito Penal ignorar sua existência, pelo que lhe dá um tratamento especial na teoria do crime. Muitas vezes, em sua vida, em seu dia-a-dia, o homem realiza certos comportamentos que violam a norma jurídica exatamente por ter apreciado a realidadede forma inexata, o que lhe vicia a consciência e, de conseqüência, a vontade. Nessas ocasiões, o homem age errando. Certa feita, durante uma caçada, ao final de uma tarde, quando o sol já se punha, Joaquim viu, a uns cem metros de distância, próximo de alguns arbustos, um vulto movendo-se e teve a certeza de que se tratava de um animal, e, de pronto, disparou sua arma de fogo contra o mesmo, acertando-lhe o corpo. Correndo para lá, deparou-se, surpreso, com o corpo morto de um homem. Evidente que Joaquim errou, pois apreciou mal a realidade, captando-a de modo diverso do que ela era. Viu um animal, onde havia um homem. De conseqüência, sua vontade formou-se com vício, pois acabou realizando algo que não faria, se não tivesse errado. Joaquim, sem querer, matou alguém. Seu erro incidiu sobre um dos elementos do tipo legal de homicídio: alguém. Queria matar um animal, mas matou um ser humano. Não era esse seu desejo, sua vontade. Joaquim não agiu dolosamente. Dolo é consciência do fato e a vontade de realizar o tipo legal de crime, ou, pelo menos, aceitar o resultado previsto. Ele nem tinha consciência de que, com sua conduta, causaria a morte de um homem – o resultado – nem, é lógico, tinha vontade de, com seu comportamento, produzir o resultado que causou – a morte de um homem. Sem consciência e sem vontade, não há dolo, isso já foi explicado. Se é assim, qual é o tratamento que o Direito Penal dispensa a situações como essa, em que o sujeito erra sobre elemento do tipo legal de crime? Exatamente este: “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei” (art. 20, CP). O erro de tipo é, portanto, o que incide sobre elemento do tipo legal de crime, podendo ser evitável ou inevitável, como se passa a demonstrar. 1.1 - ERRO DE TIPO EVITÁVEL: www.gustavobrigido.com.br O erro de tipo é evitável quando, nas circunstâncias em que o sujeito se encontrava, era- lhe possível evitá-lo, com a adoção das cautelas exigidas do homem comum, normalmente prudente. É só pensar no exemplo do caçador. Estando ele numa área povoada, onde era previsível a presença de pessoas transitando, deveria – ao avistar um vulto, a uns 100 metros de distância, ao fim da tarde, quando a luz do sol já se ia, dificultando sua visibilidade – certificar-se de que o que via era, efetivamente, um animal e não uma pessoa. O dever geral de cuidado objetivo impunha-lhe algumas atitudes concretas para alcançar um grau de certeza, aproximando-se mais do vulto, firmando melhor sua visão, procurando um ângulo onde a luminosidade lhe permitisse verificar detalhes do corpo do vulto, enfim, chegar ao máximo grau possível de certeza sobre ser o alvo um animal. Se o caçador não teve nenhum desses ou de outros cuidados, agiu com negligência e – apesar de não ter desejado alcançar aquele resultado, nem tê-lo aceito – poderia tê-lo evitado, caso tivesse sido cauteloso. Se é óbvio que não agiu dolosamente, igualmente claro é que agiu culposamente. Por isso, o agente, laborando em erro evitável, responderá pelo tipo culposo, se previsto em lei. No caso do caçador, tendo matado a pessoa, sem dolo, mas culposamente, responderá pelo homicídio culposo do art. 121, § 3º do Código Penal, porque seu erro poderia ter sido evitado. Em algumas situações, o agente erra sobre um elemento do tipo, por negligência, o erro podia ter sido evitado, e, apesar disso, não responderá por infração penal. Na sala de aula, a aluna Maria subtrai para si o exemplar do Código Penal de Sílvia, pensando que é o de sua propriedade. São livros iguais, mesma capa, sem identificação que os distinga. A subtração deveu-se a um erro sobre um dos elementos do tipo legal de furto, do art. 155: ser a coisa alheia. Tal erro poderia ter sido evitado, pois, numa sala de aula, onde dezenas de alunos possuem livros idênticos, é provável que, ao fim da aula, na pressa de irem todos para o trabalho ou para casa, um leve o livro do outro. Sendo provável, pode ser evitado tal erro. Trata-se de um erro de tipo evitável; todavia, Maria não será punida, porque não existe a previsão legal de punição do furto praticado culposamente. 1.2 - ERRO DE TIPO INEVITÁVEL: O erro inevitável é aquele no qual, nas circunstâncias em que se encontrava o agente, qualquer pessoa normal também incorreria, mesmo utilizando todos os procedimentos recomendados pela cautela, mesmo com toda a atenção exigível ao comum dos homens. Na verdade, só há erro inevitável quando ausente a possibilidade de previsão do resultado. O mesmo caçador do exemplo anterior, estando agora, em outro lugar, num clube de caça, numa área fechada por cercas eletrificadas, reservada apenas para sócios do clube, destinada exclusivamente a ele em determinado período, para o exercício de seu esporte preferido. Munido de sua arma, sabe que na área não existe ninguém mais a não ser ele e seus companheiros. www.gustavobrigido.com.br Pois bem, estando todos juntos, avistam um vulto a distância, e, após certificar-se o caçador de que todos os caçadores presentes estão fora da linha de tiro, dispara e acerta uma pessoa que, inadvertidamente, ignorando todos os avisos, todas as normas, e conseguindo ludibriar toda a vigilância, conseguira penetrar no clube. Evidente que o caçador errou sobre um elemento do tipo legal de homicídio, e, nas circunstâncias mencionadas, esse é um erro invencível, inevitável, em que qualquer pessoa incorreria, pois que era impossível prever a invasão daquela área do clube pela vítima, não tendo o agente agido com negligência. Esse erro exclui o dolo e, também, a culpa. Não há tipicidade do fato. Não houve homicídio, mas uma fatalidade, um acidente, um caso fortuito. Nesse exemplo, não houve consciência, não houve vontade, não houve previsibilidade; logo, não houve nem dolo, nem culpa. Tal fato é atípico. Em conclusão, o erro de tipo evitável exclui o dolo, o inevitável exclui o dolo e a culpa, stricto sensu. 1.3 - ERRO SOBRE A PESSOA: O erro que incide sobre a pessoa contra a qual se dirige a conduta do agente não lhe retira a consciência sobre o fato, tratando-se, pois, de um erro meramente acidental, que, por essa razão, não afeta o dolo. Nessa modalidade de erro, o sujeito queria voltar sua conduta contra João e, por falsa apreciação da realidade, atinge Antônio. O dolo é o mesmo, pois que, no tipo de homicídio, a proibição é de matar alguém, não importa se João, Antônio ou outra pessoa. No tipo de lesão corporal, a proibição é ofender a integridade corporal de outrem, qualquer que seja ele. Por isso, a norma do § 3º do art. 20, primeira parte, do Código Penal: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.” Assim, esse erro, além de não excluir a tipicidade do fato, ainda vai fazer com que o agente responda pelo fato como se não tivesse errado. Se queria matar Pedro, seu pai, e acabou matando Mauro, um estranho, o agente vai responder como se tivesse matado, efetivamente, o próprio pai, com a agravante do art. 61, II, e. 1.4 – ERRO NA EXECUÇÃO E RESULTADO DIVERSO DO PRETENDIDO: Muitas vezes, o agente comete um crime laborando em erro sobre a pessoa que desejava atingir. Em algumas situações, por falha na execução do procedimento típico, ofende pessoa diferente da que pretendia. Outras vezes, obtém, por acidente ou erro na execução, um resultado diferente do que desejava. São três modalidades de erro que, diferentemente do que acontece no erro de tipo – que exclui o dolo, permitindo a punição por crime culposo, se tipificado – e no erro de proibição – que exclui a culpabilidade,se inevitável, ou a diminui, se evitável –, não isentam o agente de pena, porquanto não se trata de erros essenciais, mas puramente acidentais. www.gustavobrigido.com.br Nos três casos, o agente culpado será punido, com observância de regras específicas, como se vê adiante. 1.4.1 - ERRO SOBRE A PESSOA: Dispõe o § 3º do art. 20: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.” Como se sabe, um tipo é “matar alguém”, outro, “ofender a integridade corporal de outrem”, vale dizer, a pessoa humana pode ser sujeito passivo de vários crimes. Se alguém quer matar Paulo e mata João, não poderá ser desculpado, porque o crime é matar alguém, e não “matar Paulo” e, nesse caso, terá o agente realizado o tipo de homicídio doloso, mesmo quando sua vontade era dirigida para a morte de outra pessoa e não para a morte da pessoa efetivamente atingida. Ocorre o chamado erro sobre a pessoa quando o agente, desejando matar certa pessoa, erra sobre sua identidade, sua identificação. Tal erro decorre de falsa representação da realidade, e não de falha na execução. Exemplo: Cláudio, querendo matar Sálvio, mata Sílvio, por estar escuro e não ter observado que Sílvio era muito parecido com a vítima que desejava matar, aliás, seu irmão-gêmeo. Não se trata de erro na execução. Conquanto o dolo, segundo Welzel, abrange o fim pretendido, os meios escolhidos, e os efeitos secundários, não podia o Direito deixar de levar em conta a hipótese desse erro. Manda o § 3º do art. 20 que o agente responda penalmente como se tivesse praticado o crime contra a pessoa que desejava atingir, e não contra a que, efetivamente, atingiu. Assim, se alguém, querendo matar o próprio pai, mata, todavia, o tio, irmão-gêmeo do pai, responderá como se tivesse matado o pai, o que importará na incidência da circunstância agravante do art. 61, II, e, do Código Penal. Todavia, se desejando matar um estranho, vem, pelo erro, atingir e matar o pai, a agravante não incidirá. 12.4.2 - ABERRATIO ICTUS: O erro na execução está assim definido no art. 73 do Código Penal: “Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.” Esta modalidade de erro não decorre de falsa representação do agente, mas de acidente ou ineficiente utilização dos meios de execução do procedimento típico. Por exemplo: Ciro está com a arma apontada em direção a Juarez, a quem pretende matar, e no momento www.gustavobrigido.com.br em que dispara a arma, Sebastião atravessa a linha de tiro e recebe o projétil, morrendo em conseqüência do ferimento. O erro na execução do homicídio pretendido contra Juarez decorreu de um acidente, que foi a colocação de Sebastião no espaço por onde a bala passava. Haverá erro na execução também quando, utilizando uma arma defeituosa, dispara o agente contra a vítima pretendida, desviando-se o projétil do alvo e atingindo a pessoa que se encontrava próxima. O mesmo ocorre quando o agente erra o alvo, por sua imperícia no manejo de arma de fogo. São duas as espécies de aberratio ictus: aquele com resultado único e o que produz mais de um resultado. 12.4.2.1 - ABERRATIO ICTUS COM RESULTADO ÚNICO: Com resultado único é o que acontece na seguinte situação: Fábio, desejando matar a Celso, dispara contra o mesmo, atingindo e matando Arlindo, que se encontrava nas proximidades de seu desafeto, que nada sofreu. Rigorosamente falando, teria havido uma tentativa de homicídio, contra Celso – não consumado por circunstâncias alheias à vontade do agente –, e um homicídio culposo contra Arlindo, pois que Fábio não tinha vontade de matá-lo, mas, negligentemente, causou-se a previsível e evitável morte. A solução que o direito dá, todavia, não é essa, mas a de considerar a existência de um único homicídio doloso. Ou seja, o agente responderá como se tivesse praticado um só homicídio doloso contra Celso, e não o homicídio realmente ocorrido contra Arlindo, que, aliás, não foi doloso, mas culposo. Essa solução decorre da vontade da lei de que o agente responda “como se tivesse praticado o crime” contra quem pretendia praticar. Considera a lei o dolo do agente – vontade de matar – e o resultado “morte” alcançado, embora esta tenha sido de pessoa diversa, construindo assim uma ficção jurídica. Esta solução, inegavelmente, é prejudicial ao agente, pois, se se aplicasse a regra do concurso material para os fatos realmente ocorridos, receberia ele pena por uma tentativa de homicídio (com diminuição máxima no homicídio simples: dois anos) somada com outra por homicídio culposo (mínima: um ano), inferior à pena de um só homicídio consumado (mínima: seis anos). Outro exemplo: se, desejando matar a Silas, Arnaldo dispara e acerta Nelson, produzindo- lhe lesões corporais, haveria na realidade uma tentativa de homicídio contra Silas e um crime de lesões corporais culposas, mas a solução que a lei manda adotar é outra: responderá Arnaldo puramente por uma tentativa de homicídio, que, nesse caso, absorverá as lesões culposas. Como o resultado morte desejado não ocorreu, não seria justo que se considerasse consumado o crime, em face de que não ocorreu a morte da vítima efetiva. Vale repetir, deve-se considerar como praticado o crime contra a pessoa pretendida, não contra a atingida. 12.4.2.2 - ABERRATIO ICTUS COM RESULTADO DUPLO: www.gustavobrigido.com.br Aberratio ictus com resultado duplo ocorre quando, além da pessoa visada, é atingida outra pessoa. Juvenal, querendo matar a Paulo, atira e, além de atingi-lo, atinge também Mauro. Manda a parte final do art. 73 que, nesse caso, se deve aplicar a regra do art. 70, que define o concurso formal de crimes. Podem ocorrer as seguintes situações e soluções: a) Paulo é morto e Mauro também. b) Paulo é morto e Mauro sofre lesões corporais. c) Paulo sofre lesões corporais e Mauro é morto. d) Paulo sofre lesões corporais e Mauro também. No primeiro caso (a), em que ocorrem a morte desejada de Paulo e a morte indesejada de Mauro, forma-se um concurso formal, entre um homicídio doloso e um culposo, devendo Juvenal responder por um homicídio doloso, com pena aumentada de um sexto até metade. No segundo caso (b), em que acontecem a morte pretendida de Paulo e lesões corporais involuntárias em Mauro, terá havido concurso formal entre um homicídio consumado e um crime de lesões corporais culposas, com o aumento da pena do homicídio doloso, de um sexto até metade. No terceiro caso (c), a solução será considerar o homicídio como se tivesse sido consumado contra a vítima pretendida, Paulo, embora este só se tenha ferido, em atenção ao preceituado na primeira parte do art. 73, devendo Juvenal receber a pena por homicídio consumado, aumentada, todavia, de um sexto até metade, em obediência à determinação da parte final do art. 73, que manda aplicar a regra do concurso formal. No último caso (d), com uma tentativa de homicídio contra Paulo e uma lesão corporal culposa contra Mauro, novo concurso formal, devendo Juvenal receber a pena pela tentativa de homicídio, aumentada de um sexto até metade. Apesar de não haver regra expressa, vale a observação do parágrafo único do art. 70, segundo a qual a pena não pode exceder a pena pertinente, caso fosse aplicada a Aplicação da Pena - 69 regra do concurso material. Em todos esses casos,é de ver que, no segundo resultado, a morte ou a lesão da pessoa que o agente não desejava atingir decorre de sua negligência, configurando, assim, crime culposo. Por isso, a solução correta é compreender os dois crimes como formando um concurso formal, pois que, mediante uma só ação, lato sensu, realizamse, todavia, dois crimes. É claro que, em qualquer dessas hipóteses, se o agente tiver previsto o outro resultado – matar ou ferir Mauro – e, em face desse previsível resultado, tiver se portado com atitude interna de aceitá-lo, estarão presentes desígnios autônomos, impondo-se, de conseqüência, a aplicação da pena cumulativamente, pela regra do concurso material, segundo determina o art. 70, última parte. A aceitação do resultado não desejado constitui outro desígnio. 12.4.3 - ABERRATIO DELICTI: www.gustavobrigido.com.br Essa modalidade de erro na execução do procedimento típico, também chamada aberratio criminis, encontra-se regulada pelo art. 74 do Código Penal, assim: “Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.” No erro anterior, aberratio ictus, o processo de execução se desvia de uma pessoa para outra de tal modo que, apesar de possibilitar a ocorrência de um crime, em lugar de outro, ambos tinham como objeto a pessoa humana, ainda que num caso sua integridade física, e noutro a própria vida. Em vez de homicídio contra Tiago, cometiase lesão corporal contra Mateus, ou vice-versa. Enfim, no aberratio ictus é persona in personam. No aberratio delicti, o desvio na execução alcança o bem jurídico e, em vez de uma lesão corporal, realiza o agente um crime de dano. Em vez de atingir uma pessoa, atinge uma coisa material ou, ao contrário, em vez de atacar o objeto, o agente fere ou mata uma pessoa. Pode ocorrer que: a) José, desejando quebrar os vidros de uma casa, atira uma pedra em direção a ela, vindo a atingir a pessoa de Miguel, que estava próximo. Quis cometer o crime de dano, e realizou uma lesão corporal culposa. Responderá por lesão corporal culposa. Se tivesse matado a Miguel, responderia por homicídio culposo. b) José, desejando matar a Miguel, erra e atinge a vidraça da casa. Não há crime de dano em sua modalidade culposa; por isso, não responderá por nenhum crime em relação à coisa atingida. Apenas estará, civilmente, obrigado a reparar o dano. Conquanto queria matar a Miguel, responderá por tentativa de homicídio. Se sua intenção fosse apenas a de ferir a Miguel, responderia apenas por tentativa de lesão corporal. Se o tivesse atingido, por lesão corporal consumada. c) José, querendo danificar a vidraça da casa do vizinho, atira uma pedra contra ela, vindo a acertá-la e, também, o rosto de Maria, produzindo-lhe lesões corporais. Nesse caso, há um concurso formal de crimes, entre um crime de dano, doloso, e um crime de lesão corporal culposa. Aplicar-se-á a pena do crime mais grave, aumentada de um sexto até metade. A regra só poderia ser, mesmo, a adotada pelo Código, posto que, efetivamente, o agente não deseja o outro resultado e, é óbvio, age negligentemente com relação ao bem que não deseja atingir. Se, todavia, ficar evidenciado que o resultado diverso do pretendido decorreu pura e simplesmente de nexo causal, sem qualquer negligência, imprudência ou imperícia do agente, ou, ainda, numa situação absolutamente imprevisível – um caso fortuito –, não terá havido culpa, em sentido estrito, não respondendo o agente pelo resultado diverso do pretendido. www.gustavobrigido.com.br Se o agente tiver agido, com relação ao outro resultado com dolo eventual – prevendo e aceitando o outro resultado –, dever-se-á aplicar a regra do concurso material de crimes, porquanto os crimes terão decorrido de desígnios autônomos (art. 70, caput, parte final). CAPÍTULO 9 - ILICITUDE 1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS: A segunda característica do crime é denominada, pela maior parte de nossos doutrinadores, de antijuridicidade. A expressão antijuridicidade remete à prévia locução: antijurídico. Anti é prefixo que significa o contrário, contra, oposto, logo, antijurídico só poderia querer significar o fato “contrário ou contra o jurídico”, ou “oposto ao jurídico”. O crime é um fato contra o direito e não contra o jurídico; por isso, melhor, por mais apuradas tecnicamente, as expressões ilícito e ilicitude. 2 - ILICITUDE FORMAL E ILICITUDE MATERIAL A doutrina distingue a ilicitude formal da material, dizendo que seria formalmente ilícita a conduta humana que violasse a norma penal, e substancialmente ilícito o comportamento humano que ferisse o interesse social tutelado pela própria norma. Do ponto de vista formal, portanto, a ilicitude seria a simples contradição entre o fato realizado pelo agente e a norma penal incriminadora. No entanto, sabe-se, a norma penal está contida no tipo. Em matar alguém está contida a ordem: não matar, de sorte que contrariar a norma penal incriminadora é adequar-se ao tipo. De conseqüência, o conceito formal de ilicitude é o mesmo conceito de tipicidade, pois contrariar a norma incriminadora é adequar-se ao tipo. Em outras palavras, adequar-se à descrição da conduta proibida é contrariar a vontade da norma incriminadora. Ou então: ilicitude formal é a tipicidade. De uma óptica material, a ilicitude é a lesão ou o perigo de lesão do bem jurídico protegido pela norma penal. Determinado comportamento será ilícito quando for a causa da lesão a um bem jurídico, quando atingi-lo, atacá-lo, ou, pelo menos, colocá-lo em situação de perigo. 2. CARÁTER OBJETIVO DA ILICITUDE A ilicitude é puramente objetiva, independendo das condições pessoais do agente, de sua capacidade de responder pelo que fez. Como já se disse, e não é demais repetir, a ilicitude é resolvida num juízo de valor acerca da lesividade do bem jurídico. Houve lesão, houve perigo de lesão ao bem protegido? Se a resposta é positiva, há ilicitude. Se negativa, não há ilicitude. Se não há lesão, o fato é permitido, e não interessa ao Direito Penal, cuja missão é tutelar os bens jurídicos mais importantes, protegendo-os das lesões ou ameaças mais graves de lesões. www.gustavobrigido.com.br Não importa seja o agente do fato incapaz de entender seu gesto, ou absolutamente incapaz de se autogovernar. Mesmo que seja um menor de 18 anos, seu comportamento, se lesivo de um bem jurídico, é e será ilícito, pois que a ilicitude existe por si só, não estando vinculada às qualidades ou condições pessoais do sujeito ativo do fato. De conseqüência, os incapazes do ponto de vista penal podem cometer fatos típicos e ilícitos. Sua incapacidade penal implicará outra conseqüência, adiante analisada. 4 – EXCLUSÃO DA ILICITUDE: Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo Acontecendo um fato, e sendo ele típico, ao operador do direito é indispensável saber se o mesmo é ou não ilícito. Se for ilícito, continuará em seu estudo, para verificar se houve, efetivamente, um crime. Se, apesar de típico, não tiver causado lesão a um bem jurídico protegido pelo Direito Penal, não tiver sido ilícito, proibido pelo ordenamento jurídico, estará diante de um fato permitido, não diante de um crime. Já vimos como descobrir se um fato da vida é, ou não, típico. Agora, o momento é o de verificar como se faz parasaber se o fato típico é ou não ilícito. Uma das funções do tipo é ser indiciário da ilicitude, dela portador, o que significa dizer que o tipo traz, em seu interior, a ilicitude, a proibição. É de toda obviedade. No tipo matar alguém, está inserida a proibição de matar. Se alguém mata outrem, tem-se a idéia, a princípio, de que tal comportamento é proibido, é ilícito, pois, ao realizar a figura descrita no tipo, infringiu a norma proibitiva nele contida, implicitamente. A conclusão a que se chega é: toda vez que houver um fato típico, deve-se dizer: este fato é, a princípio, ilícito, proibido. Conquanto o Direito Penal não seja exclusivamente o conjunto de normas penais incriminadoras, mas contém outras normas, as permissivas justificantes – as que tornam lícitas condutas definidas como crime –, é preciso, então, verificar se o fato típico examinado foi ou não cometido numa situação que se ajuste a uma das normas penais permissivas justificantes. Se o fato tiver sido cometido ao amparo de uma dessas normas permissivas, então a ilicitude que vinha com o tipo, com a tipicidade, fica afastada, pela incidência da norma de justificação, que realiza a tarefa de afastar, do tipo, a ilicitude que ele portava. O Direito, atendendo à vontade da sociedade, em certas e especialíssimas circunstâncias, permite ao homem voltar seu comportamento contra bens que, em situações normais, são protegidos. Considera justo o ataque aos mesmos, pois, em circunstâncias de anormalidade, deixam de estar sob a proteção do Direito; por isso, excepcionalmente, podem ser atacados. www.gustavobrigido.com.br Essas normas permissivas justificantes são chamadas de causas de exclusão da ilicitude, também conhecidas por causas de justificação, justificativas, excludentes, eximentes, descriminantes, ou excludentes de ilicitude, antigamente denominadas excludentes de criminalidade. Se dado fato típico tiver sido praticado numa situação em que também se amolde a uma das chamadas causas de exclusão da ilicitude, terá havido um fato típico lícito, justificado. Um fato típico lícito, ou justificado, é o que se ajusta a um tipo legal de crime, mas que, por realizar todos os pressupostos de uma norma penal permissiva justificante, e por orientar-se para esse fim, é permitido pelo Direito. É indispensável que o fato típico preencha todos os requisitos estabelecidos na norma penal permissiva justificante, para que seja justificado. O Código Penal contém várias normas penais que excluem a ilicitude dos fatos típicos. Na parte geral, há quatro dessas causas, e na parte especial estão inseridas outras eximentes. 4.1 – ESTADO DE NECESSIDADE: Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir- se. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. Para que o agente possa ter seu comportamento justificado pela norma do art. 23, I, do Código Penal, deve realizar todos os pressupostos, objetivos e subjetivos, do estado de necessidade, que estão definidos no art. 24: “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato, para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.” Com base nessa norma explicativa, são extraídos os requisitos dessa excludente. 4.1.1 – REQUISITOS: A) Perigo atual: Perigo é um trecho da realidade, a situação concreta que antecede a lesão, que reúne as condições indispensáveis à produção do resultado, perceptíveis pelo sujeito. É o soltar-se do cão bravo e sua vinda em direção ao agente ou à terceira pessoa. É o incêndio que irrompe na mata, em direção à casa onde as crianças se encontram brincando. É a www.gustavobrigido.com.br verificação, pelo médico, da altíssima probabilidade, a quase certeza da morte da gestante, se não for provocado o abortamento. É o balançar da árvore, em situação que antecede sua queda sobre diversos objetos. São situações em que o sujeito vê a indiscutível probabilidade da ocorrência do resultado. O perigo deve ser concreto, e não apenas abstrato, uma simples representação psíquica, mas uma probabilidade real. Para justificar a prática de um fato típico, é indispensável que haja um perigo atual, que ele esteja acontecendo. O perigo deve existir no momento imediatamente anterior ao instante em que o agente vai realizar a conduta. Não pode ser um perigo passado, tampouco um perigo futuro, ainda que iminente. Perigo passado não é mais perigo. O bem jurídico já terá sido lesionado. Iminente é o que, não sendo atual, está prestes a ocorrer. Para legitimar a ação do sujeito em estado de necessidade, ele só pode realizar a conduta quando o perigo se tornar atual, não lhe sendo autorizado comportar-se enquanto o perigo é, apenas, iminente. Contudo, a doutrina majoritária vem permitindo a possibilidade do reconhecimento do Estado de Necessidade ainda que o perigo não seja atual, mas iminentes. B) Qualquer direito, próprio ou de terceiro Pode agir em estado de necessidade aquele que sacrifica um interesse, para salvar um direito próprio ou alheio, de quem quer que seja. Todos os bens jurídicos que estiverem em situação de perigo atual podem ser salvos sob o estado de necessidade: a vida, a liberdade, o patrimônio, a integridade corporal, a saúde, a família. Independentemente da vontade do titular do direito, ele poderá ser salvo por qualquer pessoa, desde que esteja em perigo atual de lesão. Há estado de necessidade próprio – em que o agente atua para salvar um bem próprio – e estado de necessidade de terceiro quando a conduta destina-se a salvaguardar o interesse de outra pessoa. C) Perigo não causado dolosamente pelo sujeito O agente só pode invocar o estado de necessidade se a situação de perigo não tiver sido causada, dolosamente, por ele. Isso significa que a pessoa que tiver dado causa à instalação do perigo concreto não pode sacrificar outro bem, para salvar o bem jurídico ameaçado pelo perigo que ele mesmo, dolosamente, causou. Se Fernando, dolosamente, ateou fogo no cinema, durante a exibição do filme, causando enorme pânico entre os presentes, não pode, para livrar-se da multidão que lhe impede a saída, dizer que está em estado de necessidade quando se põe a agredir, atropelar, causar lesões corporais em terceiras pessoas. É verdade que o faz para salvar sua vida, ou saúde, ou integridade corporal, de um perigo atual; todavia, tendo sido o causador, com dolo, da situação de perigo, não pode invocar a excludente. Se o perigo tiver sido causado por Fernando culposamente, por negligência, por um descuido ao jogar fora o resto de um cigarro que fumara, sem qualquer intenção de causar aquela situação perigosa, aí, sim, se necessitar agredir ou lesionar alguém, na luta www.gustavobrigido.com.br para fugir do fogo, agirá em estado de necessidade, presentes, é evidente, todos os demais requisitos. D) Ausência do dever legal de enfrentar o perigo: Se o agente tiver, por lei, o dever de enfrentar o perigo, se for uma daquelas pessoas cuja atividade é, por sua própria natureza, perigosa, e que, por isso, a lei a obriga a enfrentar situações de perigo, não poderá, por essa razão, alegar o estado de necessidade. Os policiais, civis e militares, têm como atividade normal prender agentesde fatos típicos, ou condenados pela prática de crimes, perseguindo-os, indo a busca de provas, enfim, realizando diversas tarefas perigosas e, em vários momentos de suas vidas, encontram- se em situações que podem caracterizar os pressupostos do estado de necessidade: perigo atual para bens jurídicos não provocados dolosamente por eles. O mesmo acontece com o soldado do corpo de bombeiros, cuja atividade principal é enfrentar incêndios. A enfermeira, o médico, o sanitarista, que devem entrar em contato com pessoas acometidas de doenças contagiosas, epidemias, o funcionário público que deve fiscalizar instituições que cuidam da saúde, enfim, há uma categoria grande de pessoas que estão, por força de lei, obrigadas a enfrentar situações de perigo. Tais pessoas não podem alegar estado de necessidade, diante de momentos de perigo. Seu dever é o de não causar lesão a nenhum bem jurídico, num estado daqueles, pois escolheram uma atividade naturalmente perigosa e estão, ou devem estar, em seu dia-a- dia, preparadas para enfrentar situações como apresentadas. Essas pessoas estão obrigadas a enfrentar o perigo apenas quando em serviço. O policial, durante suas férias, o enfermeiro, quando está em outro hospital, visitando um amigo, são, nessas circunstâncias, simples cidadãos e aí não têm o dever de enfrentar o perigo. Como bem alerta DAMÁSIO E. DE JESUS10, não se pode confundir o dever legal de enfrentar o perigo com o dever legal ou jurídico de impedir o resultado. Uma coisa é o dever de enfrentar o perigo, de que trata o § 1º do art. 24, a outra é o de impedir o resultado, referido no art. 13, § 2º. O dever de agir para impedir o resultado é tema da tipicidade dos crimes omissivos impróprios. O dever de enfrentar o perigo é norma que impede a exclusão da ilicitude por estado de necessidade. Quando a lei diz que determinadas pessoas, diante de situações de perigo para bens alheios, têm o dever de agir para impedir a ocorrência de resultados lesivos, quer, simplesmente, afirmar uma obrigação para elas, pois que, se não agirem, responderão pelo resultado. Têm o dever de realizar um comportamento positivo, para que o resultado não ocorra. Omitindo-se, respondem pelo resultado, seu comportamento é típico. É certo, todavia, que aquelas pessoas – os garantes – só estão obrigadas a agir com vistas a impedir a ocorrência do resultado se puderem fazê-lo, conforme a lição: a www.gustavobrigido.com.br omissão é não fazer algo devido e possível. É evidente que o pai tem o dever de agir para impedir que o filho se afogue se ele, pai, souber nadar. Se não souber nadar, apesar de ter o dever de agir para impedir resultados lesivos para bens de seu filho, não estará obrigado a atirar-se no lago, porque não lhe é possível fazê-lo, sem risco pessoal. Aliás, atirando-se, não só não salvará o filho, como também poderá morrer afogado. Não é isso que o Direito quer. Apesar do dever de agir para impedir o resultado, pode alguém não estar em condições de fazê-lo. Outra coisa é o dever de enfrentar o perigo. Aqui, fala- se da impossibilidade de justificar o comportamento do sujeito que, diante de uma situação de perigo para um bem jurídico, e tendo, por lei, o dever de enfrentá-lo, não o faz, preferindo sacrificar outro bem para salvar o ameaçado. Estes, e somente estes, é que não podem invocar o estado de necessidade. E) Inevitabilidade do sacrifício do outro bem: Para que haja estado de necessidade, é indispensável que o sacrifício do bem jurídico alheio seja a única maneira de salvar o bem em perigo. Se houver outra solução, qualquer outra possibilidade, inclusive fugir do perigo, chamar alguém, evitá-lo, de qualquer outra forma, sem o sacrifício do bem jurídico, enfim, se existir outra saída, qualquer que seja, deve ser trilhada, e, se o agente não o fez, preferindo sacrificar um interesse alheio, aí não haverá estado de necessidade. É o caso do indivíduo perdido na floresta há alguns dias, sem ter-se alimentado como de costume, por não haver arroz, feijão, carne, fogão, tempero, frutas etc. Está faminto e, então, resolve entrar na casa alheia e de lá subtrair alimentos, sem que os donos, aí presentes, percebam. É claro este não é um furto em estado de necessidade, apesar da situação de perigo atual – fome – não provocada dolosamente pelo perdido. Porque ele poderia ter-se apresentado aos moradores, solicitado a refeição para lhe matar a fome. Não era o furto a única saída. A lesão ao patrimônio alheio não era inevitável. Bem poderia ele ter evitado a ação típica, pedindo, comprando e prometendo pagar pelo alimento com seu trabalho; poderia, de alguma outra forma, evitar a conduta típica. F) Inexigibilidade do sacrifício do bem em perigo: O estado de necessidade não é uma autorização para o homem lesar todo e qualquer bem jurídico, com o objetivo de salvar outro bem, próprio ou de terceiro. Se o automóvel do homem está em perigo, em situação tal que a única maneira de evitar uma colisão com um poste é desviar e atingir uma pessoa que transita, não se pode sacrificar a vida humana para salvar o veículo. Os bens em colisão devem guardar, entre si, certa proporcionalidade de valor. O bem a ser sacrificado não pode ser muito mais importante que o bem a ser salvo. Não se admite sacrificar uma vida humana para salvar a vida de um animal de estimação. Nem salvar um bem material, por exemplo, uma jóia, ainda que de astronômico valor monetário, sacrificando a vida de um mendigo. A integridade corporal ou a saúde do Presidente da República não vale mais do que a vida de um recém-nascido abandonado, de quem não se sabe quem é o pai e a mãe, daí www.gustavobrigido.com.br por que não está em estado de necessidade aquele que, para preservar o Chefe da Nação de uma lesão corporal, acaba por matar um bebê qualquer, sem pai, nem mãe. Quando se trata de estado de necessidade, nunca se deve perder de vista que a finalidade desse instituto é a proteção do bem jurídico. De conseqüência, só se pode admiti-lo quando o bem sacrificado seja, no máximo, de valor aproximadamente igual ao bem preservado, nunca de valor a ele consideravelmente superior. O Direito Penal jamais poderia justificar a lesão de um interesse muitíssimo importante para salvar outro, de menor valor, sob pena de deixar de ser o protetor dos bens jurídicos. É claro que essa relação de proporcionalidade não pode ser colocada em esquemas rígidos, de peso ou medida, absolutos ou exatos. Não se trata de pesar ou de medir, em quilogramas ou metros. Os bens da vida, especialmente os colocados sob a proteção do Direito, nem sempre podem ser mensurados, aquilatados, com precisão milimétrica, ou com aparelhos de precisão, que não foram e, certamente, jamais serão inventados. Por outro lado, aquele que, diante da situação de perigo para o bem, próprio ou alheio, que deseja protegê-lo, vendo-se na necessidade de agir, não está em condições de medir, pesar, com precisão, e decidir sobre qual dos bens é o mais importante, qual vale mais. O que o Direito exige é razoável proporcionalidade entre os bens em conflito, para justificar o sacrifício de um deles, mesmo que um pouco mais valorado, executado para a salvação do outro, mesmo que um pouco menos valioso. 4.1.2 - CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA ILICITUDE: Dispõe o § 2º do art. 24 que, “embora seja razoável exigir-se o sacrifício do Direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços”. Cuidou a lei de determinar a diminuição da resposta penal ao agente que, numa situação de perigo para um interesse juridicamente protegido, para salvá-lo de lesão, acabou por sacrificar um interesse jurídico de importância bastante superior. Nas circunstâncias, deveria ter permitido fosse sacrificado o bem, próprio ou de terceiro, uma vez que o bemque com aquele colidiu era de maior valor. Apesar disso, a lei manda seja ele reprovado com pena menor, tendo em vista a presença da situação de perigo para o bem salvo. 4.1.3 - ELEMENTO SUBJETIVO: Não basta que a conduta do sujeito tenha se realizado sob a égide de todos os elementos objetivos, anteriormente descritos. Não é suficiente que tenha havido perigo atual para um bem próprio ou alheio, não causado dolosamente pelo sujeito, que não tinha o dever legal de enfrentar o perigo. Nem que a lesão seja a única saída para salvar o bem, que era mais valioso que o bem sacrificado. É preciso algo mais, que o agente tenha agido com a consciência de que a situação de perigo era concreta e que a única saída era o sacrifício do outro bem, e, mais, com vontade de salvar o bem ameaçado. Só haverá estado de necessidade, que exclui a ilicitude do fato, justificando-o, quando o agente tiver se comportado com consciência da realidade fática e com vontade de atuar www.gustavobrigido.com.br conforme o direito, sacrificando um bem com o único fim de salvar outro. Sem essa consciência e sem essa vontade, ainda que todos os requisitos objetivos restem comprovados, não se pode falar tenha havido fato lícito, por estado de necessidade. 4.2 – LEGÍTIMA DEFESA: Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem O conceito de legítima defesa há de ser extraído da norma explicativa do art. 25 do Código Penal, que estabelece seus requisitos: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.” Legítima defesa é a repulsa a uma agressão injusta, atual ou iminente, a qualquer direito, próprio ou alheio, por meio do uso moderado dos meios necessários. Seus requisitos são: agressão injusta, atual ou iminente, a qualquer direito, e repulsa com a utilização dos meios necessários, usados moderadamente, além, é claro, do elemento subjetivo: consciência e vontade. 4.2.1 - REQUISITOS: A) Agressão injusta: O primeiro requisito da legítima defesa é que ela se dirija contra uma agressão. Agressão é um comportamento humano dirigido à lesão de um bem jurídico. É um ataque humano a um interesse juridicamente protegido. Não é toda e qualquer agressão que autoriza a resposta legítima, mas apenas as injustas. É que podem ocorrer agressões lícitas, autorizadas pelo Direito, como a praticada pelo policial que prende alguém em flagrante-delito ou mediante ordem judicial. Ao fazê-lo, estará agredindo a liberdade do que está sendo preso, a qual, por ser uma agressão justa, lícita, não pode ser repelida licitamente. Quem assim fizer não estará em legítima defesa. Igualmente lícita é a agressão da pessoa que se defende, em legítima defesa, contra o que a agrediu. Este não pode repelir a defesa promovida por quem está em legítima defesa, pois nesse caso estará repelindo uma agressão justa. O agressor inicial não pode repelir a agressão praticada em legítima defesa. O comportamento do pai que aplica algumas palmadas no filho menor, corrigindo-o, é uma agressão que, igualmente, não é injusta, posto que socialmente aceita e adequada, de conseqüência, atípica, sem qualquer ilicitude. A agressão que possibilita a legítima defesa deve ser injusta, ilícita, não devendo ser necessariamente um ilícito penal. Há de ser, isso sim, um comportamento objetivamente www.gustavobrigido.com.br proibido pelo Direito. Assim, constitui agressão injusta a praticada por Ilicitude um doente mental, absolutamente incapaz de compreender a ilicitude de seu gesto. A agressão não necessita ser praticada com violência real, pois não se exige que ela constitua uma violência física contra o bem jurídico. Agressões verbais, à honra das pessoas, ensejam repulsa legítima, bem assim as praticadas com astúcia contra o patrimônio. B) Agressão atual ou iminente: A agressão injusta deve ser atual ou iminente. Deve estar acontecendo ou prestes a acontecer. Não se podem repelir licitamente agressões já passadas, nem se antecipar repelindo as que ainda não aconteceram, nem estão prestes a ocorrer, mas se situam ainda no futuro, e, como tal, são apenas expectativas de agressão, meras representações espirituais do que não é concreto, de algo inexistente. Não é legítima a defesa contra agressão passada, porque já não há necessidade de proteger o bem jurídico, que já terá sido lesionado. Se o Direito a admitisse, estaria legitimando a vingança. Não o será também se não passar de uma ameaça, ainda que idônea, de agressão. Se João afirma que vai matar a Pedro, amanhã pela manhã, não está este autorizado a antecipar-se e reagir legitimamente. Só é admitida a reação quando o bem jurídico já está sendo agredido ou quando estiver prestes a sofrer a lesão. Quando houver perigo concreto de lesão, não quando este perigo é apenas uma suposição, distante ainda no tempo, de modo que pode sequer instalar-se. Se há uma ameaça de agressão, o agressor terá realizado um fato típico, o do art. 147 do Código Penal, podendo a vítima acionar o Estado, que, então, deverá intervir, realizando o Direito, dando proteção ao bem jurídico. A agressão que autoriza a defesa lícita deve ser atual ou iminente. Atual porque já se terá iniciado o ataque ao bem jurídico, que já sofre uma violação proibida. Por isso, pode ser repelida, seja para que se interrompa, seja para que não se intensifique mais ainda. Iminente é a lesão que vai acontecer imediatamente. Não pode o Direito exigir do agredido que espere a agressão concretizar-se, podendo impedi-la no momento antecedente de sua instalação concreta. É a situação de perigo concreto de lesão, em que estão reunidas todas as condições indispensáveis à produção do resultado. Determinar ao agente que espere a agressão tornar-se atual pode tornar inócua a autorização para a defesa. Se o agressor leva a mão à cintura para dela tirar o revólver com o qual vai disparar contra alguém, não pode o Direito exigir do defendente esperar que a arma esteja na mão do agressor, engatilhada, apontada, para, só então, poder repelir a agressão. C) Qualquer direito, próprio ou de terceiro: É legítima a repulsa praticada contra agressão injusta, atual ou iminente, a todo e qualquer direito. Qualquer direito, do próprio agente ou de outra pessoa – sofrendo ou se www.gustavobrigido.com.br encontrando na iminência de sofrer qualquer ataque –, pode ser defendido. A vida, a integridade corporal, a liberdade, o patrimônio, a honra, enfim, todos os direitos, todos os bens jurídicos, podendo ser agredidos, devem ser defendidos. Finalmente, no âmbito ainda dos direitos que podem ser defendidos, importa ressaltar que o defendente pode reagir a qualquer agressão, mesmo àquela dirigida a um bem de outra pessoa, inclusive da pessoa jurídica. Há assim a legítima defesa própria, quando o bem defendido é do sujeito, e a legítima defesa de terceiro, quando o bem agredido tem outra pessoa como titular. D) Uso dos meios necessários: Só é legítima a repulsa praticada com a utilização dos meios necessários para fazer cessar, ou impedir que ocorra, a agressão injusta, atual ou iminente, a qualquer direito, próprio ou de terceiro. A necessidade dos meios é das questões mais interessantes do Direito Penal. O meio utilizado deve ser o necessário para impedir a agressão iminente de concretizarse, atualizar-se, ou para fazer cessar a agressão atual. Nem mais do que o necessário, nem menos, pois aí não haveria defesa eficiente. Para se dizer que o agente utilizou o meio necessário, é preciso, em primeiro lugar, verificar quais eram os que se encontravama sua disposição no momento da agressão. Um meio pode ser mais do que suficiente, todavia, pode acontecer de não haver outro, naquelas circunstâncias, na medida exata da suficiência, à disposição do agente. A lição de Nelson Hungria, é clara: “Para medir a adequação ou demasia da defesa, não se deve fazer o confronto entre o mal sofrido e o mal causado pela reação, que pode ser sensivelmente superior ao primeiro, sem que por isso fique excluída a justificativa. O confronto deve ser feito entre os meios defensivos que o agredido tinha a sua disposição e os meios empregados. Se estes eram os únicos que in concreto tornavam possível a repulsa da violência de outrem,não haverá excesso, por maior que seja o mal sofrido pelo agressor.” Uma arma de fogo pode ser o meio necessário para obstar uma agressão praticada com os próprios punhos. Um sujeito franzino, raquítico, que tenha uma arma de fogo à sua disposição, agredido a murros por um lutador de artes marciais, deve utilizar o revólver como o meio necessário para se defender, ainda que junto dele exista um porrete, ou uma barra de ferro. Tais instrumentos, nas mãos do frágil cidadão, podem, a toda evidência, ser aquém do necessário para impedir a agressão do exímio lutador. Se o sujeito tem a seu dispor vários instrumentos, ou pode utilizar-se de vários meios contra a agressão, deve, é evidente, escolher aquele que, com eficiência, resulte no menor dano ao agressor. O direito, todavia, não obriga uma apreciação com a exatidão da Matemática, pois que não se pode exigir daquele que, agredido injustamente, reage cálculos milimétricos sobre a necessidade dos meios. A lição de NELSON HUNGRIA não pode ser esquecida: “A www.gustavobrigido.com.br apreciação deve ser feita objetivamente, mas sempre, de caso em caso, segundo um critério de relatividade ou um cálculo aproximativo. Não se trata de pesagem em balança de farmácia, mas de uma aferição ajustada às condições de fato do caso vertente. Não se pode exigir uma perfeita equação entre o quantum da reação e a intensidade da agressão, desde que o necessário meio empregado tinha de acarretar, por si mesmo, inevitavelmente, o rompimento da dita equação.” Por isso, ao apreciar o caso concreto, o julgador deve, após verificar quais eram os meios disponíveis, considerar necessário o que tiver sido utilizado, desde que inexistente outro menos gravoso para o fim de impedir ou fazer cessar a agressão, não se preocupando com a exata proporção entre ataque e defesa. Até porque esta, em face da emoção que alcança o homem agredido injustamente, pode ultrapassar, dentro dos limites da razoabilidade, aquilo que seria o necessário. Para os que entendem que o marido traído tem sua honra agredida pela mulher adúltera, caberia a indagação: o meio necessário para fazer cessar a agressão é a morte da mulher? Matando-a, é claro, a agressão deixa de existir, mas, induvidosamente, a morte da adúltera é muito, mas muito mesmo, além do necessário. A infidelidade conjugal é a violação de um dos deveres do matrimônio, que, no Brasil, é dissolúvel pelo divórcio. Não é um bem que mereça proteção extremada do Direito. Diante da violação de um dos deveres conjugais, nasce, para o outro cônjuge, o direito à separação judicial, e é esse o meio necessário para fazer cessar a situação de adultério, com as conseqüências civis previstas na lei. Por isso, admitindo-se haver, no flagrante de adultério, agressão à honra do marido, o meio para fazer cessá-la não pode, jamais, ser a morte da mulher ou do amante, e tampouco de ambos. E) Moderação na utilização dos meios necessários: Não basta que o agente escolha o meio necessário, é indispensável que o utilize com moderação, sem exageros, sem excessos. Muitas vezes, o agente, diante de uma agressão atual injusta, utiliza-se do meio necessário, mas não o faz moderadamente. Por exemplo, após cessada a agressão, continua com seu comportamento anterior, agredindo o ex-agressor, quando já não existe agressão. Dessa forma, não se pode falar esteja ele repelindo agressão, pois não se repele o que já não existe. Nesse caso, a ação não é mais legítima, não podendo ser excluída a ilicitude da conduta. Esse é outro requisito que enseja muitas discussões. Aqui, como na escolha dos meios, não se pode fazer uma análise rigorosamente matemática, com afirmações do tipo: bastava um tiro e o agente deu dois. Ou três golpes e ele chegou a um quarto, desnecessário. A primeira observação é aquela de que o agredido injustamente não está em condições de medir, com precisão, a intensidade ou a extensão da defesa que realizará, nem pode correr o risco de, por excesso de cuidado, não conseguir evitar ou interromper a agressão, sofrendo o ataque injusto. Em seguida, novamente, o julgador haverá de examinar o caso concreto e ter em mente que o objetivo da legítima defesa é impedir que a agressão iminente se concretize ou www.gustavobrigido.com.br interromper a agressão atual. Em ambas as hipóteses, o comportamento do agressor deve ser analisado, pois o defendente está autorizado a utilizar-se do meio até o quanto e até quando seja imprescindível para alcançar seu objetivo. Nessa operação, todas as circunstâncias que envolvem o fato são essenciais para a conclusão da análise. Local, tempo, condições pessoais, especialmente compleição física, de ambos os sujeitos, antecedentes do fato, a natureza do bem agredido, tudo deve ser observado para que se consiga verificar certa proporcionalidade entre o ataque e a defesa. Essa proporcionalidade, todavia, não é matemática, mas a reação deve ser relativamente, razoavelmente, proporcional ao ataque. Se o agressor, munido de faca, caminha na direção do defendente, com nítida intenção de feri-lo, pode este, armado de revólver, disparar sua arma uma, duas, quantas vezes forem necessárias para impedir que o outro chegue próximo de si, de modo a poder atingi-lo com a faca. Enquanto a agressão não estiver evitada, o meio necessário pode continuar sendo utilizado. Não importa quantos disparos, quantos golpes sejam desferidos, importa, sim, saber se, enquanto eram perpetrados, permanecia a iminência ou a atualidade da agressão. F) Consciência e vontade de agir conforme o direito: Em toda e qualquer causa de justificação, seja ela da parte geral, seja da parte especial, um dos requisitos indispensáveis é o elemento subjetivo: a consciência e a vontade de agir conforme o Direito. O Direito não justifica o comportamento do sujeito que se aproveita de uma situação objetiva de legítima defesa para alcançar um fim proibido, a morte de alguém. Tome-se o exemplo: Jorge deseja matar Alfredo, que costuma beber em certo bar, onde, normalmente, entra em atrito com freqüentadores, chegando, invariavelmente, às vias de fato. Então, Jorge dirige-se ao referido bar, postando-se a certa distância de Alfredo e aguardando que ele, como faz costumeiramente, se desentenda com outra pessoa. Não muito tempo decorre e começa uma discussão entre Alfredo e Marcos, provocada pelo primeiro, a qual evolui para um desforço físico, iniciado por Alfredo que, em dado momento, inesperadamente, toma de uma cadeira de madeira, levanta-a e vai, com ela, atingir a cabeça de Marcos, instante em que Jorge saca de sua arma e dispara um único tiro, que acerta o braço, atravessando-o e atingindo, em seguida, o peito esquerdo de Alfredo que, em virtude do único ferimento, vem a morrer. Observando o fato, pode-se concluir que Alfredo estava prestes a realizar uma agressão injusta, contra a pessoa de Marcos, podendo inclusive matá-lo com o golpe no crânio, com instrumento contundente. Jorge, vendo-a, usa do meio necessário e o faz moderadamente, disparando um único tiro, aliás, atingindo o braço, o que revelaria sua intenção de defender a integridadecorporal ou a vida do terceiro. Estaria, assim, a princípio, configurada a legítima defesa de terceiro, porquanto realizados todos os pressupostos objetivos da excludente. Todavia, Jorge tinha a intenção deliberada de matar Alfredo, não de defender Marcos, tendo-se aproveitado de uma situação objetiva, para vir depois alegar legítima defesa. www.gustavobrigido.com.br Não agiu de acordo com o Direito, pois não agiu com o intuito de defender a vida de terceira pessoa, mas com vontade exclusiva de matar. Faltou-lhe a vontade de realizar a causa de justificação. Não há legítima defesa nessa hipótese. É claro que a prova dessa situação é difícil, mas não é impossível. O que interessa é que, para se configurar a excludente de ilicitude, o agente deve agir com consciência e vontade de defender o bem jurídico. Não podia ser diferente. Só é lícita a conduta que realiza o fim do Direito, a proteção do bem jurídico. Só é justa a destruição de uma vida quando seu destruidor se tiver comportado com consciência de que realizava o fim da norma jurídica e com vontade de proteger, repelindo a agressão a outro bem jurídico. Nunca se poderia legitimar um comportamento previamente imbuído da vontade clara e indiscutível de destruir um interesse juridicamente tutelado. 4.2.2 - QUESTÕES DIVERSAS SOBRE A LEGÍTIMA DEFESA A) Embriaguez do defendente: Questão interessante é saber se uma pessoa embriagada pode atuar em legítima defesa. Há posições jurisprudenciais divergentes. Umas entendem plenamente possível ao ébrio agir sob o pálio do Direito, ao passo que outras, por considerarem que lhe faltaria consciência, e também vontade, entendem que não pode realizar qualquer comportamento justificado. A solução não é simples e exige reflexão. Se o defendente está completamente embriagado, de sorte que lhe falta a consciência, então pode não ter havido sequer conduta, por faltar um requisito indispensável, que é a vontade de movimentar-se ou abster-se de um movimento. Logo, o fato será atípico, e não se analisa a ilicitude, pois, se atípico, é um indiferente penal. Se há inconsciência, falta conduta, e, sem conduta, não há fato típico. Se, todavia, há consciência, ainda que mínima, e, também, vontade de agir, ou de se omitir, não se pode falar que não tenha ele, igualmente, desejado repelir a agressão e atuar conforme o Direito. Concluindo-se que o ébrio realizou um fato típico, é porque tinha consciência e vontade de agir, e, da mesma forma, realizaram-se os pressupostos objetivos da excludente, poderá ter, igualmente, realizado o subjetivo, isto é, ter agido com consciência e vontade de defender-se, a não ser que se tenha aproveitado da situação objetiva para agredir o bem jurídico, como no exemplo dado no item anterior. B) Embriaguez do agressor: A embriaguez do agressor deve ser analisada com cuidado. É que a agressão deve ser idônea, e não pode ser confundida com simples provocação. Geralmente, os muito ébrios não têm condições de realizar agressões, mas limitam-se a provocar as pessoas. A defesa só é justa quando houver uma agressão e, como tal, idônea, concreta, ainda que www.gustavobrigido.com.br apenas iminente. Nada impede, contudo, venha uma pessoa embriagada a encetar agressão injusta, a justificar repulsa legítima. C) Legítima defesa e estado de necessidade: Entre a legítima defesa e o estado de necessidade, algumas diferenças devem ser ressaltadas. No estado de necessidade, o pressuposto é a colisão de interesses jurídicos, de modo que um – qualquer deles – pode ser sacrificado. Trata-se de uma situação de perigo atual para o bem jurídico. Na legítima defesa, deve existir agressão, ataque ao bem jurídico, ainda que iminente, de modo que pode ser repelida pelo defendente. Só o bem do agredido será preservado. No estado de necessidade, o perigo pode resultar de um comportamento humano, de um ataque de um animal, ou de um fenômeno da natureza, uma inundação, por exemplo, e o sujeito pode dirigir seu comportamento contra qualquer bem, de qualquer pessoa. Já na legítima defesa, a agressão deve partir, necessariamente, de um ser humano, e a reação do defendente deve ser dirigida exclusivamente contra o agressor, não contra um terceiro. Finalmente, de se lembrar que na legítima defesa a agressão deve ser injusta, ao passo que, no estado de necessidade, a situação de perigo pode ser criada licitamente por uma pessoa; daí que é plenamente possível a existência de duas pessoas, simultaneamente, em estado de necessidade, podendo, cada uma delas, dirigir sua conduta contra a outra, como no exemplo clássico dos dois náufragos na tábua de salvação. Vença o mais forte, mais hábil, ou mais inteligente, o que sobreviver. Qualquer deles que matar o outro, para salvar-se, estará em estado de necessidade e terá agido conforme o Direito. Diferentemente, é impossível a existência de duas pessoas, uma contra a outra, em legítima defesa recíproca, porque só uma das agressões será justa. A agressão contra a agressão justa será injusta, não será legítima. D) Legítima defesa e erro na execução: Se alguém, diante de uma agressão injusta e atual, a bem próprio ou de terceiro, promover sua repulsa com o uso moderado dos meios necessários, mas, ao fazê-lo, atingir, todavia, outra pessoa que não a do agressor, terá agido em legítima defesa? A resposta deve ser afirmativa. O erro na execução não altera seu comportamento, não elimina a agressão, nem a necessidade dos meios utilizados em sua repulsa, nem a moderação com que foram utilizados. Nos casos de erro na execução, ou de obtenção de resultado diferente do visado pelo agente, têm aplicação as regras dos arts. 73 e 74 do Código Penal. Na hipótese, houve apenas e tão-somente um acidente, que não retira a licitude da conduta, pois ela foi realizada com a consciência dos fatos e com o fim de realizar a vontade do Direito, protegendo o bem jurídico agredido injustamente. www.gustavobrigido.com.br E) Ofendículos: Ofendículos são obstáculos ou engenhos utilizados pelas pessoas com vistas na defesa da propriedade e da posse. Assim, os cacos de vidro sobre os muros, as lanças pontiagudas nas cercas, sua eletrificação, a presença de cães de guarda, que se destinam a reagir, em caso de agressão à propriedade, ferindo o agressor. Alguns doutrinadores consideram que, ao fazê-lo, o sujeito está no exercício regular do direito de proteger sua propriedade, ao passo que outros consideram tratarse o fao de verdadeira legítima defesa preordenada. O correto é dizer que, quando da instalação e da preparação dos mecanismos de defesa, o proprietário age no exercício regular do direito de propriedade. Se o mecanismo funciona, repelindo uma agressão injusta do que tenta invadir a propriedade, trata-se, à evidência, de legítima defesa, desde que os demais requisitos sejam observados. O mecanismo deve conter reação não além da necessária para repelir a invasão, por exemplo, a corrente da cerca eletrificada não pode ser de voltagem excessiva, mas apenas dentro do suficiente para imobilizar ou repelir um homem normal. Além disso, deve o defendente cercar-se de cuidados para prevenir inocentes, crianças e até amigos e parentes, que devem ser alertados para os perigos da defesa preordenada. Os excessos e a negligência na construção e no funcionamento dos ofendículos descaracterizam a legitimidade da defesa. 4.3 - ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL E EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO: As outras duas causas de exclusão da ilicitude previstas na parte geral do Código Penal são o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito (art. 23). São situações distintas, apesar de terem a norma jurídica como fonte de sua existência. 4.3.1 - ESTRITO CUMPRIMENTODO DEVER LEGAL: Sempre que alguém estiver cumprindo, estritamente, um dever imposto pela lei, só poderá estar realizando um comportamento lícito, uma vez que a lei não impõe a ninguém a realização de uma conduta proibida. Seria um absurdo imaginar que, ao cumprir, estritamente, uma obrigação emanada da lei, a pessoa pudesse estar realizando algo proibido, algo contra a lei. O comportamento realizado nos estritos limites do comando legal não pode, em nenhuma hipótese, ser lesivo de qualquer bem jurídico. A justificativa alcança os funcionários públicos e os agentes – inclusive o particular em exercício de cargo ou função pública, ainda que temporariamente – do poder público encarregados de executar um mandamento da lei. São exemplos de ações típicas permitidas por essa causa de justificação a prisão em flagrante efetuada pelo policial e a danificação do patrimônio executada pelo oficial de www.gustavobrigido.com.br justiça em cumprimento de um mandado demolitório expedido pela autoridade judiciária competente, com a observância das formalidades processuais. Os requisitos para a presença da excludente são os traçados na norma jurídica que impõe ao agente o dever de realizar o comportamento, os quais deverão ser observados integralmente, e mais o elemento subjetivo, qual seja, o conhecimento de fato, de que está agindo em cumprimento de um dever e, evidentemente, a vontade de fazê-lo. Ultrapassados os limites da norma reguladora do mandamento legal, não haverá excludente. Exemplo: o juiz de determinada vara cível, nos autos de uma ação de manutenção de posse, determina a demolição de uma cerca de arame edificada pelo turbador da posse, numa extensão de 600 metros. Munido do respectivo mandado, o oficial de justiça – inimigo pessoal do turbador – dirige-se ao local da turbação e lá promove a demolição de 800 metros de cerca, cortando os fios do arame e destruindo os postes. Na hipótese, o funcionário da justiça exorbitou de seu dever que era de, exclusivamente, demolir 600 metros de cerca, e nada mais que isso. Não tinha o dever de cortar os fios do arame, nem de destruir os postes. Não cumpriu, assim, estritamente seu dever legal; por isso, não agiu licitamente. 4.3.2 - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO: Esta causa de justificação guarda profunda semelhança com a anterior, pois que o fundamento é basicamente o mesmo: aquele que estiver exercendo regularmente um direito não pode, ao mesmo tempo, estar realizando uma conduta proibida pelo Direito, pois, se assim fora, não seria coerente o ordenamento jurídico. A diferença é que no estrito cumprimento do dever legal trata-se de um deverlegal, e aqui de um direito, uma faculdade conferida pela ordem jurídica ao indivíduo. É certo que os requisitos para a presença da justificativa serão os estabelecidos nas normas jurídicas que criam o respectivo direito e mais o elemento subjetivo, a consciência e a vontade de agir conforme o Direito. Exemplo clássico de fato típico cometido no exercício regular de Direito: a prisão em flagrante efetuada pelo particular. Como é sabido, a autoridade policial tem o dever de prender quem estiver em flagrante delito, e o particular tem o direito de fazê-lo (Código de Processo Penal, art. 301 – Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito). Outro exemplo é a defesa da posse dos bens imóveis, estabelecida no § 1º do art. 1.210 do Código Civil brasileiro: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse.” Aquele que possuir um imóvel, independentemente de ser seu proprietário, tem o direito de defendê-lo contra invasões, desde que a reação seja imediata, realizada imediatamente, e com a prática apenas dos atos indispensáveis à obtenção de sua www.gustavobrigido.com.br manutenção no imóvel ou de sua restituição. Se o invasor ingressa no imóvel, pode dele ser expulso. Se constrói, as edificações podem ser destruídas. A norma do art. 1.210, § 1º, do Código Civil estabelece requisitos para o exercício desse direito: resposta imediata e necessidade dos atos de desforço ou de defesa. O agente não pode ultrapassar os limites do exercício do direito, sob pena de restar descaracterizada a eximente. Alguns doutrinadores ensinam que os casos de violência esportiva e intervenções médicas e cirúrgicas constituem situações em que há, igualmente, exercício regular de direito. As lesões praticadas pelo médico ou pelo boxeador, porquanto atividades lícitas, admitidas e, inclusive, reguladas pelo ordenamento jurídico, desde que não constituam excessos, seriam lícitas porque cometidas no exercício regular de um direito. Outros autores incluem, entre o exercício regular de direito, as atitudes corretivas dos pais para com os filhos, o castigo correcional. Essas situações, bem assim a do soldado que, na guerra, mata o inimigo, e a do carrasco que executa o sentenciado, no país que consagra a pena capital, não constituem sequer fatos típicos, uma vez que são aceitos e adequados socialmente. Não há tipicidade em tais fatos, excluída que resta pela incidência do Princípio da Adequação Social. É claro que, havendo negligência ou imperícia do médico, excesso do esportista, que viola as regras do esporte, dolosa ou culposamente, em vez de corretivo, tortura por parte do pai, nesses casos, o princípio não incide, eis que as condutas não foram adequadas nem são aceitas. A considerar tais condutas típicas, tornar-se-ia necessária a instauração de inquérito policial toda vez que o pai corrigisse o filho, o médico realizasse intervenção cirúrgica, houvesse uma luta de boxe, para, ao depois, na melhor das hipóteses, o órgão do Ministério Público pedir o arquivamento do inquérito policial. 5 - CONSENTIMENTO DO OFENDIDO: Apesar de não integrar uma norma penal permissiva justificante, discute-se acerca de o consentimento do ofendido poder ou não excluir a ilicitude de certos fatos típicos. Para responder à indagação, é preciso ver duas questões básicas. Quanto ao consentimento da vítima, há duas espécies de tipos legais de crime: aqueles que contêm, como elemento, o dissenso do ofendido e aqueles em que essa divergência não é elementar. Segunda: há duas espécies de bens jurídicos: os disponíveis e os indisponíveis. 5.1 - CONSENTIMENTO COMO EXCLUDENTE DA TIPICIDADE: Nos tipos legais de crime em que o dissenso do ofendido constitui um de seus elementos, o consentimento exclui a tipicidade. O tipo legal de estupro, do art. 213, contém, como elementar, tácita, a falta do consentimento da ofendida, seu dissenso, de modo que só se configura o estupro quando a vítima não consente, opõe-se, rejeita a conjunção carnal. www.gustavobrigido.com.br O mesmo se diga no delito da violação de domicílio, do art. 150, em que o dissenso é expresso: “contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito”. Só se realiza o delito de violação do domicílio quando o agente entra ou permanece na casa contra a vontade, tácita ou expressa, do morador. Se o ofendido consente, não se pode falar que o tipo se realizou, que o fato se ajustou ao tipo. Se a mulher consente na conjunção carnal, não há estupro. Se o dono consente no ingresso ou na permanência do sujeito em sua casa, não houve violação do domicílio. Então, nos tipos em que o dissenso for um dos elementos do tipo, diante do consentimento, não há tipicidade. Nesses casos, não se aperfeiçoa a primeira característica do crime. Não havendo tipicidade, o fato não interessa ao Direito Penal. Diz- se, portanto, que nos tipos em que o dissenso, o não-consentimento,é elementar, o consentimento é excludente da tipicidade. 5.2 - CONSENTIMENTO COMO EXCLUDENTE DA ILICITUDE: Nos demais tipos, em que o dissenso não é elementar, como no homicídio, no roubo, na calúnia, na violação do direito do autor, o consentimento do ofendido poderá excluir a ilicitude se presentes duas condições indispensáveis: (a) a disponibilidade do bem jurídico; (b) a capacidade de consentir do ofendido. Se o bem é disponível, se estiver contido na esfera de disponibilidade de seu titular, este poderá renunciar à tutela jurídica. Se não, trata-se de um bem de interesse geral da sociedade e do próprio Estado, do qual não pode seu titular livremente dispor, alienar, dar, renunciar. Assim é, por exemplo, com a vida. Dessa forma, ainda que o doente esteja em estado terminal, atravessando sofrimento indizível e vivendo dores insuportáveis, não pode, todavia, dispor de sua vida, pelo que, aquele que matá-lo, atendendo a sua súplica e por ele autorizado, cometerá fato típico de homicídio não justificado. A eutanásia é um fato ilícito. Tratando-se de um homicídio cometido por motivo de relevante valor moral, seu agente terá sua pena diminuída, como manda o § 1º do art. 121. Já a honra é um bem disponível, de modo que o ofendido pode, simplesmente, ignorar a ofensa contra ele dirigida, deixando de promover a ação penal. Não terá havido crime, em face do consentimento tácito do ofendido, que torna a conduta lícita. Só vale o consentimento dado por quem tenha capacidade de consentir, no Direito Penal brasileiro aquele que tiver mais de 14 anos de idade. 6. EXCESSO NAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE: As causas de exclusão da ilicitude, como se viu, estão definidas em normas penais permissivas que fixam seus requisitos, estabelecendo limites objetivos, dentro Ilicitude dos quais a conduta do agente deve realizar-se. www.gustavobrigido.com.br Na legítima defesa, a reação deve ser com o meio necessário, o qual deve ser usado com moderação. No estado de necessidade, o bem sacrificado deve guardar certa e razoável proporção com o bem salvo. O exercício de direito deve ser regular, dentro dos limites estabelecidos pela norma autorizadora, e o dever legal deve ser cumprido estritamente, sem excessos. Por isso, prevendo a possibilidade concreta de o agente ultrapassar os limites das justificativas, o parágrafo único do art. 23 do Código Penal expressamente esclarece: “o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”. A lei, pois, prevendo as várias hipóteses de ultrapassagem dos limites por ela fixados para considerar lícita a conduta típica, determina que, nessas hipóteses, a causa de justificação descaracteriza-se, devendo o agente ser punido conforme tenha excedido dolosa ou culposamente. 6.1 - EXCESSO DOLOSO: O excesso será doloso quando o sujeito, com plena consciência dos limites da eximente, conhecendo até que ponto ou em que medida podia atuar, ultrapassa aqueles limites com vontade. Assim ocorre com o agredido injustamente que, podendo repelir a agressão com um ferimento no agressor, tendo disso total consciência, resolve, deliberadamente, matá-lo. Nesse caso, usa de meio além do necessário, o que descaracteriza a legítima defesa, respondendo por homicídio doloso. O mesmo se diga do indivíduo que, perdido há dias numa região desabitada, encontra uma casa fechada, invade-a e, após subtrair alimento e saciar a fome, continua, consciente e voluntariamente, subtraindo outros alimentos. Terá excedido os limites do estado de necessidade, já que a continuidade da subtração já não se destina a salvar sua vida de perigo, então já inexistente. O policial ou o particular que efetua a prisão em flagrante não pode ir além do indispensável a suprimir a liberdade de movimentos do preso, não podendo espancá-lo, torturá-lo, nem humilhá-lo ou mantê-lo em situação que não se harmonize com sua condição humana. Agindo assim, intencionalmente, estará ultrapassando, dolosamente, os limites da justificativa, que resta, por isso, descaracterizada. Excedendo, dolosamente, os limites da justificativa, esta não se aperfeiçoa, mantida a ilicitude do fato. 6.3 - EXCESSO CULPOSO: É culposo o excesso que deriva da inobservância do dever de cuidado objetivo e que será punível se o resultado decorrente da conduta estiver definido na lei como fato culposo. O sujeito, diante de uma agressão injusta, por descuido, escolhe um meio além do necessário, ou utiliza o meio necessário imoderadamente, sem ter a intenção de www.gustavobrigido.com.br ultrapassar os limites da eximente. É o caso do sujeito que avalia indevidamente a gravidade da agressão sofrida, ou não atenta para o poder da reação que vai empreender, não medindo suas forças, ou o potencial lesivo do meio utilizado. Em vez de disparar uma vez, o que seria suficiente, dispara duas ou três, não com a vontade deliberada de vingar-se, nem por ódio do agressor, mas porque, desatento, descuidado, não verificou a desnecessidade do segundo disparo. Ultrapassando o limite da justificativa por negligência, e disso resultando a lesão de um bem jurídico, o sujeito que se encontrava inicialmente em legítima defesa responderá pelo tipo culposo, se previsto em lei. 6.4 - EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA INTENSIVO E EXTENSIVO: É na legítima defesa que o excesso adquire grande importância. Diz-se que o excesso é intensivo quando o agente utiliza um meio com potencial lesivo além do necessário ou utiliza o meio necessário com desproporcionalidade em relação à agressão. Será extensivo o excesso quando a repulsa continua após cessada a agressão, quando a defesa prolonga-se além da atualidade da agressão. No excesso intensivo, diante dos pressupostos da legítima defesa, o sujeito ultrapassa seus limites e, por isso, responderá. Tendo havido excesso intensivo, incidirá a atenuante da pena prevista no art. 65, III, c, última parte, do Código Penal. No excesso extensivo, o sujeito, inicialmente em legítima defesa, reage licitamente, e, quando já não há agressão, quando já não há a presença do pressuposto fático indispensável, agride o outro. Esse comportamento é autonomamente ilícito. É outro fato. Se o agente, repelindo a agressão injusta praticada contra si com arma de fogo, dispara um tiro de revólver, caindo o agressor ferido e perdendo, na queda, a arma, já não pode o defendente continuar atirando. Até o primeiro tiro, seu comportamento é lícito, pois usou do meio necessário, moderadamente. Se continuar disparando e matar o outro, terá cometido homicídio doloso. Já não havia agressão, e por isso nem se pode falar em excesso de legítima defesa, pois esta se tinha exaurido no momento do primeiro disparo. 6.5 - EXCESSO ACIDENTAL: Se o excesso não for doloso, nem culposo, será acidental e, como tal, não será punível, mantida a justificativa, em sua plenitude. Nunca é demais lembrar que só são puníveis condutas realizadas dolosa ou culposamente. Um sujeito diante de uma agressão injusta, com arma de fogo, tem, próximo de si, uma arma automática. Incontinenti, toma-a, aponta-a em direção ao agressor e preme uma única vez a tecla do gatilho, sendo, entretanto, lançados contra a vítima 15 projéteis que a atingem, matando-a. Houve, à evidência, excesso, pois o meio necessário foi usado sem moderação. O sujeito, entretanto, não agiu com vontade de exceder-se, e tampouco foi negligente, até porque premiu a tecla do gatilho uma única vez. Não se pode falar em imperícia, pois não se www.gustavobrigido.com.br tratava de um policial, ou atirador, mas de um homem comum. Esse excesso não derivou nem de dolo, nem de culpa. Foi um acidente. Era inevitável. Não é punível, e o sujeito agiu em legítima defesa. 7