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TCC O mito como modalidade originária de pensamento

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TERMO DE ANUÊNCIA
 
Pelo presente Termo de Anuência, declaro estar de pleno acordo com as informações contidas neste Trabalho de Conclusão de Curso I, o qual se apresenta apto a ser protocolado na Central de Atendimento.
Orientador: Prof.º Dr. Jairo Ferrandin
 Curso: Filosofia
_____________________________ 
Assinatura do Professor Orientador
Curitiba, 17 de novembro de 2015.
ISRAEL FRANCO DE GODOY
O MITO COMO MODALIDADE ORIGINÁRIA DE PENSAMENTO 
CURITIBA
2015
ISRAEL FRANCO DE GODOY
O MITO COMO MODALIDADE ORIGINÁRIA DE PENSAMENTO 
Trabalho apresentado à disciplina de TCC II do curso de Filosofia da FAE Centro Universitário. 
Orientador: Prof. Dr. Jairo Ferrandin
CURITIBA
NOVEMBRO 2015
ISRAEL FRANCO DE GODOY
O MITO COMO MODALIDADE ORIGINÁRIA DE PENSAMENTO
Este trabalho foi julgado adequado para a obtenção de bacharel em Filosofia e aprovado na sua forma final pela Banca Examinadora da FAE Centro Universitário.
Curitiba, 08 de dezembro de 2015. 
BANCA EXAMINADORA 
Prof. Dr. Jairo Ferrandin
Orientador 
 
Prof. Dr. Vagner Sassi 
Prof.ª Ms. Ana Clarice Steinmetz
Agradecimentos
Aos professores e colegas da FAE que compartilharam dessa experiência rumo à filosofia enriquecendo enormemente a trajetória dessa jornada e especialmente ao meu professor e orientador pela paciência e dedicação oferecida à realização desse projeto.
... pois o pensamento não é de ninguém. Quem entendeu um pensamento e o usa ou quem pensa que teve o seu pensamento e o formula não está entrando na posse desse pensamento. E o pensamento vai aonde lhe apraz. É ridículo você achar que o ar que você respira é seu. 
HARADA, 2009. p. 25.
RESUMO
GODOY, Israel Franco de. O mito como modalidade de pensamento originário. 46 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Filosofia) – FAE Centro Universitário. Curitiba, 2015.
Este trabalho se propõe retomar o pensamento mítico buscando compreendê-lo como modalidade original de pensamento. Procura examinar o surgimento do preconceito que historicamente estabeleceu o mito como um pensamento ilusório e supersticioso. Mostra ainda como o mito foi retomado por pensadores modernos e contemporâneos que o reconduziram à uma forma singular de relacionar-se com a realidade. A retomada moderna do mito permitiu estabelecer esse pensamento como modalidade originária de pensamento dotado de linguagem própria e como um modo de ser no mundo. 
Palavras Chaves: Mito. Logos. Experiência. Linguagem
	SUMÁRIO
	
	
	
	
	
	1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................
	07
	
	
	
	
	2 CAPÍTULO I - DO MITO AO LOGOS: A ORIGEM DE UM PRECONCEITO COM RELAÇÃO AO PENSAMENTO MÍTICO .........................................................................
	
09
	
	
	
	
	3 CAPÍTULO II - A RETOMADA DO PENSAMENTO MÍTICO ......................................
	21
	
	
	
	
	4 CAPÍTULO III - O PENSAMENTO MÍTICO: UMA MODALIDADE DA EXPERIÊNCIA ORIGINÁRIA DO PENSAR ...................................................................
	
33
	
	
	
	
	5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................
	46
	
	
	
	
	6 REFERÊNCIAS ............................................................................................................
	48
INTRODUÇÃO
	De modo geral, o mito é considerado como uma forma de conhecimento associado aos povos primitivos. Essa associação costuma referir-se ao mito como uma forma ingênua de relação com o mundo, baseada num universo fantasioso da realidade, não justificada pela razão e, por conseguinte, já superada. Trata-se, pois, de uma visão reducionista dos mitos. Muito embora essa visão tenha sido questionada na modernidade, o fato de a estrutura mítica se fazer presente em vários âmbitos da sociedade, como na política, na ciência, no cinema, nas ciências humanas, entre outros, entende-se que o mito ainda permanece como algo controverso. 
O exame mais apurado das manifestações coletivas indica que o mito se conserva e se faz presente em múltiplos aspectos da vida cotidiana. Nesse sentido, pode-se perguntar: o modo convencional de apresentar o mito atinge seu sentido mais profundo? Ou ainda: a postura adotada pela tradição filosófica e científica não teria promovido uma redução do significado dos mitos? 
Esse trabalho tem como objetivo examinar o pensamento mítico reconduzindo-o no âmbito das discussões filosóficas e verificando a possibilidade da existência de um sentido mais originário e fundamental para essa modalidade de conhecimento. Para tanto, o trabalho procura: a) compreender a origem do preconceito com relação ao pensamento mítico; b) expor a retomada do mito na modernidade; e c) apontar um sentido em que o mito se constitui como forma de pensamento originário. 
O presente trabalho é desenvolvido em três capítulos: o primeiro capítulo trata do surgimento do preconceito que perpassou a compreensão tradicional de “mito” a partir de sua relação com o “logos”. O segundo capítulo, aborda a retomada do pensamento mítico pelos pensadores modernos, os quais colocam em evidência que a definição tradicional de mito, e que a concepção presente no senso comum é incapaz de abarcar a totalidade dessa experiência. Em outros termos, o pensamento mítico efetivamente não é um conhecimento já superado. O terceiro capítulo trata dos aspectos constitutivos do mito, tendo por base as propostas interpretativas dos pensadores contemporâneos, tanto da filosofia quanto de ciências humanas. Deverá ser observado como essas propostas reconduzem o mito à experiência originária de um modo próprio do pensar e do existir. 
Para fundamentar essa proposta, realizou-se uma pesquisa bibliográfica que abrangeu vários autores que tratam do assunto. Dentre eles, pode-se destacar: Joseph Campbell, Mircea Eliade, Claude Levi-Strauss, Rudolf Otto como os mais expressivos. Recorreu-se também a autores contemporâneos que tratam do assunto, cujas obras estão acessíveis. Foram utilizados ainda dicionários filosóficos e artigos disponíveis sobre o assunto.
A escolha desse tema deveu-se ao contato com o assunto a partir das aulas e exercícios na disciplina de Introdução à Filosofia. O autor desse trabalho pesquisou algumas experiências geradoras do pensar como, por exemplo, o encanto, a surpresa, o terror, a angústia, entre outros. Tal exercício despertou uma reflexão em relação a certa aproximação entre o modo de ser simbólico do mito e a filosofia em seu sentido mais original, enquanto experiência singular de ser-no-mundo que, de certa forma, conflitava diretamente com a geral leitura dos mitos corrente em nossos dias. Dessa experiência brotou o interesse pelo aprofundamento do tema.
Apesar do pensamento mítico apresentar uma conotação negativa, como forma inferior de pensamento, que fora assumida pelo senso comum na contemporaneidade, percebe-se sua inserção em vários aspectos culturais hodiernos evidenciando sua atualidade, assim como, a importância de se retomar o tema. Espera-se, portanto, que uma análise mais aprofundada do assunto restabeleça a dignidade do mito como forma de pensamento originário, tão presente hoje quanto houvera sido em tempos de outrora: Como modalidade de pensar e ser, original e significativa.
CAPÍTULO I - DO MITO AO LOGOS: A ORIGEM DE UM PRÉ-CONCEITO COM RELAÇÃO AO PENSAMENTO MÍTICO
Esse capítulo intenciona mostrar como se origina historicamente a noção convencional do mito. Deverá ser observado que a compreensão usual de mito tem sua origem com o surgimento do pensamento racional,no que costuma se denominar a passagem do pensamento mítico para o pensamento racional. Tal consideração será demonstrada a partir das referências ao mito fornecidas pelos pensadores originários e pensadores relevantes do pensamento ocidental. 
Costuma-se definir o “mito” como uma forma de saber de caráter primitivo, desconexo, ilógico e dotado de falsidade. 
Não é incomum ouvirmos expressões como “mitos da educação”, “mitos da motivação”, “dez mitos sobre estudar” e muito outros exemplos. O uso do termo “mito” nesses casos indica “ideias equivocadas” ou “falsas concepções” sobre os assuntos que abordam (JÚNIOR, 2014, p. 31). 
Essa noção comum compreende, pois, uma concepção de caráter negativo e supersticioso para o mito. Seria uma espécie de crença que algo inexistente, a falta de conhecimento técnico e racional, em suma, algo baseado na ignorância do pensamento.
Esse modo de conceber o mito é decorrente do que se costuma denominar “milagre grego”. Jareski situa o surgimento da concepção comum de mito na tese do surgimento histórico da filosofia como momento de ruptura do mito para o logos:
Nessa linha de compreensão – datada -, que sustenta o advento de um “milagre grego”, a explicação mítica dos fenômenos do mundo teria sido bruscamente substituída por uma nova visão racional, num processo semelhante ao ensejado pelo surgimento do Iluminismo, no século XVIII (JARESCKI, 2015, p. 13).
Como se pode observar, trata-se de um modelo interpretativo da história que considera o mito desde uma perspectiva linear e retrospectiva, que considera o mito a partir de sua diferença com relação ao logos. 
	Ainda com relação à mudança de perspectiva envolvendo a passagem do mito ao logos, o surgimento da racionalidade filosófica é caracterizado como: 
[...] o abandono das justificativas mitológicas e a adesão à explicação lógico-conceitual, no caso da filosofia – não mais narrações a partir de imagens sensíveis, mas sim de um lógos capaz de justificar aquilo pelo que tudo é - foi representado pelos estudiosos como a “passagem do mito a razão” ou, como preferem alguns, do mito à filosofia (JARESKI, 2015, p. 16).
A busca pela explicação racional face às justificativas mitológicas pressupõe, implicitamente, certa insatisfação com relação ao pensamento mítico. O mito deixa de ser considerado via única de explicação do mundo e modelo de verdade. 
Sob essa perspectiva o mito começa a encontrar resistências já entre os primeiros pensadores gregos que sentem a necessidade de uma explicação mais racional do universo, baseada em verdades estáveis, universais, possíveis de serem apreendidas pelo espírito humano. Essas se tornariam acessíveis através da pesquisa e da investigação. 
Nesse sentido, em seu surgimento, a filosofia grega acabou representando a recusa da fé, inabalável, em favor da razão que seria então, a única via capaz de superar os erros e enganos do pensamento comum, afastando-se de verdades ou explicações previamente postas, o que também significaria a exigência, para tudo, de justificativas lógicas e racionais, assim:
(...) A filosofia é uma criação original do espirito grego e uma condição permanente da cultura Ocidental. É um compromisso no sentido de qualquer investigação, em qualquer campo, deve obedecer somente às limitações ou as normas que ela mesmo reconheça com válidas em função de suas possibilidades ou de sua eficácia em descobrir ou confirmar. Nesse sentido a filosofia opõe-se a tradição, preconceito, mito e, em geral, a crença infundada que os gregos chama de opinião (...) (ABBAGNANO, 2002, p. 516).
Por outro lado, contudo, a filosofia não desconsiderava, de todo, a ordem lógica já presente no simbólico dos mitos, ou o conteúdo inspirado por eles.
O início da filosofia cientifica não coincide, assim, nem com o princípio do pensamento racional nem com o fim do pensamento mítico. Mitogonia autêntica ainda a achamos no interior da filosofia de Platão e Aristóteles. São exemplos o mito da alma, em Platão, e em Aristóteles a ideia do amor das coisas pelo motor imóvel do mundo (JAEGER, 1936, p. 178).
Junior (2015, p. 31) indica a existência de três linhas interpretativas básicas da origem do pensamento mítico situado no momento do surgimento da filosofia. Elas podem ser elencadas da seguinte forma: 
O abandono dos mitos ocorre em prol da razão;
Há influência fundamental dos mitos na formação da filosofia e, posterirormente eles são superados;
Os mitos provocaram uma profunda penetração no pensamento filosófico de tal modo que é a razão que é mitificada, conforme se observa na física de Aristóteles, no conceito de metempsicose presente no orfismo, no pitagorismo e no platonismo.
Conforme situa Abbagnano (2012), até as últimas décadas do século XIX, predomina historicamente a posição do mito como
[...] um produto inferior ou deformado da atividade intelectual. A ele era atribuída no máximo, “verossimilhança”, enquanto a “verdade” pertencia aos produtos genuínos do intelecto (ABBAGNANO, 2012, p.784).
Essa posição evidencia, portanto, a compreensão do surgimento da filosofia como passagem da visão mítica para o pensamento lógico racional. Tal modelo interpretativo pode ser observado em uma tradição de historiadores como Jean Pierre Vernant, Werner Jaeger, Sigmund Freud, especialmente em suas obras Totem e tabu (1913) e Moisés e o monoteísmo (1939). 
Postura similar também é encontrada nos autores da história da filosofia (BORNHEIM, 1998). Nestes casos, esses autores caracterizam o mito como visão pouco evoluída, supersticiosa e infantilizada.
Para Vernant por exemplo, ”o declínio do mito data do dia em que os primeiros sábios puseram em discussão a ordem humana, procurando defini-la e traduzi-la em fórmulas acessíveis à sua inteligência, à norma, ao número e à medida” (VERNANT, 2002, p.142). 
Esses autores concebem, portanto, a transição do mito ao logos de forma desenvolvimentista e linear, como se o pensamento humano atravessasse um processo progressivo, do primitivo até o mais evoluído, abandonando gradativamente a maneira simbólica de explicar o mundo. 
Na Antiguidade clássica essa visão pode ser observada já em Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo pela história da filosofia (BORNHEIM, 1998). A consideração de Tales como o primeiro filósofo se deve à sua pretensão de explicar a existência de todas as coisas a partir de um princípio único. Trata-se da primeira tentativa de formatar um discurso lógico e racional do mundo, atitude que caracteriza propriamente esse logos, distinto do mito. 
A esse respeito escreve Nietzsche:
	 
A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição de que a água é a origem e o seio materno de todas as coisas. Será realmente necessário parar aqui e levar essa ideia a sério? Sim e por três razões: primeiro porque a proposição assere algo acerca da origem das coisas; em segundo lugar, porque faz isso sem imagens ou fábulas; e, finalmente, porque contém, embora em estado de crisálida, a ideia de que “tudo é um”. A primeira dessas razões ainda deixa Tales na comunidade dos homens religiosos e supersticiosos, a segunda separa-o dessa sociedade e mostra-o como investigador da natureza, a terceira faz de Tales o primeiro filósofo grego (NIETZSCHE, 1995, p. 27). 
De modo geral, entende-se que esse movimento lógico do pensamento iniciado por Tales de Mileto e seguido pelos demais pré-socráticos marca, portanto, o primeiro entendimento de que a concepção de mundo simbólica vai ao encontro de uma forma mais lógica e racional. 
A água seria a physis, que, no vocabulário da época, abrangia tanto a acepção de "fonte originária" quanto a de "processo de surgimento e de desenvolvimento", correspondendo perfeitamente a "gênese". Segundo a interpretação que dará Aristóteles séculos mais tarde, teria tido início com Tales a explicação do universo através da "causa material" (Os Pré-Socráticos, 2000, p. 15).
Dentre os pré-socráticos encontramos, por exemplo, Xenófanes que assume uma postura bastantecética com relação aos mitos. Para ele, Deus seria equivalente ao nous, uma espécie de pensamento puro ou uma inteligência primordial. Nesse sentido, os mitos não passavam de uma antropomorfização dos deuses, ou seja, a projeção do homem da sua imagem à um Deus que se expressaria em sua forma mais pura, em o pensamento. 
Tivessem os bois, os cavalos e os leões mãos, e pudessem, com elas, pintar e produzir obras como os homens, os cavalos pintariam figuras de deuses semelhantes a cavalos, e os bois semelhantes a bois, cada (espécie animal) reproduzindo sua própria forma (JUNIOR, 2014, p. 33). 
Ponto de vista semelhante foi adotado muitos séculos depois por Vico. Este, via nos poetas e rapsodos, os primeiros historiadores da humanidade, ou seja, que os mitos e as fábulas tratavam-se de narrativas verdadeiras que se alteraram através das gerações.
Os caracteres poéticos nos quais consiste a essência das fábulas nasceram, por necessidade natural, da incapacidade de extrair as formas e as propriedades dos fatos; por conseguinte, devia ser maneira de pensar de povos inteiros que se encontravam em tal necessidade natural, que ocorreu nos tempos de sua maior barbárie. Desse ponto de vista “os poetas devem ter sido os primeiros historiadores das nações” e os caracteres poéticos contem significados históricos que, nos primeiros tempos, foram transmitidos de memória pelos povos (ABBAGNANO, 2012, p. 785). 
Conforme se observa, a atitude dita filosófica, acaba caracterizando-se justamente pela supressão da explicação meramente mística ou alegórica, própria da visão simbólica dos mitos e cujo distanciamento, acabou por situá-lo também na categoria de mera ilusão, assim como, houvera também criado a desconfiança com relação aos sentidos, fazendo com que a razão se tornasse, cada vez mais, o principal instrumento para a verdade.
Como implicação dessas primeiras incursões filosóficas, não apenas os deuses, mas a imediata evidência dos próprios sentidos da pessoa poderia ser uma ilusão; era preciso confiar apenas na mente humana para descobrir racionalmente o que é real (TARNAS, 2000, p. 38).
Entende-se assim que com os pré-socráticos já se deu uma primeira distinção entre mito e logos, embora tanto o mythos quanto o logos, fizessem referência a palavra, ao discurso propriamente dito, mas que então, passaria a apresentar diferença no âmbito da atitude, ou seja, o mythos passaria a referir a palavra dita, revelada, dotada de contemplação e reverência ante a totalidade das coisas ou da grandiosidade da natureza e dos deuses, e o logos, a palavra questionadora que mostra ou evidencia algo. Desta feita, seria o logos, aquele capaz de responder ou desvelar as verdades do ser. 
É interessante observar que a palavra mythos significa “palavra”, “o que se diz”. A palavra antes da escrita, liga ao suporte vivo que a pronuncia, repete e fixa o evento por meio da memória pessoal (ARANHA, 1986. p. 33).
Na narração e no canto heroicos, o logos designava o dito (mais precisamente seu significado) ou o relato dos heróis. Na filosofia, ele passou a expressar a fala do sábio: o sentido veiculado pelas suas palavras. (...). Daí a imperiosa necessidade de se articular o logos (palavra) com o logos (pensamento), porque somente a palavra acompanhada de inteligência é um logos vivo: é capaz de dizer alguma coisa, de tornar-se inteligível (SPINELLI, 2006, p. 52,53).
O período clássico da filosofia trouxe a vertente antropológica da filosofia, cuja pretensão, era de investigar o homem. Conforme Tarnas (2000) altera-se o equilíbrio anterior entre mito e logos e o peso tende a favor do homem e da razão. 
O trabalho embrionário de Hipócrates na Medicina, as perspicazes historias e descrições de viagens de Heródoto, o novo calendário de Meton, as impressionantes, análises históricas de Tucídides, as audaciosas especulações científicas de Anaxágoras e Demócrito – tudo isso ampliou os horizontes do pensamento helênico e fomentou sua compreensão das coisas em termos de causas naturais racionalmente inteligíveis. O próprio Péricles conhecia intimamente o físico e filósofo Anaxágoras; daí disseminava-se um novo rigor intelectual, cético em relação as antigas explicações sobrenaturais (TARNAS, 2000. p. 41).
No final do século V, os templos que outrora foram erguidos com suas grandiosas pinturas e esculturas, tentando aliar a antiga ordem social, marcadamente dotada da mentalidade mítica, com a nova racionalidade humana, acabou sendo cada vez solvida mais pelo espírito racional. Nesse sentido, a tragédia grega refletia o teor religioso e tradicional do espírito grego que, através da narrativa, elaborava um discurso que se apropriava do universo mítico e religioso. Falava-se mais sobre os mitos e não, como ocorrera outrora através dos aedos e rapsodos quando se falava com os mitos. Esse foi o caso das criativas produções de Esquilo e Sófocles. [1: Os aedos eram compositores que, inspirados pelas próprias musas, cantavam o som da cítara ou da arpa os feitos dos Deuses e Heróis. Já o rapsodos, acredita-se que são apenas viajantes declamadores das obras dos Aedos e que, de festivais a festivais, ajudaram muito a difundir tais obras assegurando-lhe sua posteridade. Credita-se a eles a fixação e divulgação dos Poemas Homéricos. ]
Apesar desta reafirmação do mito na poesia e na prosa, paralela ao seu uso nas pinturas dos vasos do sec. VI, em nenhum lado já é veículo dos grandes ideais que agitam a época. E como já não vale pelo seu conteúdo nem desempenha uma função ideal, fica reduzido a uma coisa meramente convencional e decorativa. Quando na poesia aparece um movimento realmente espiritual não é pelo mito que se realiza, mas sim de forma puramente conceitual (JAEGER, 1936. p. 269).
A suposta evolução racional diante da velha ordem mitológica foi ainda mais favorecida com a chegada dos Sofistas que trouxeram enormes contribuições para a educação e cultura do homem grego, isto é, para a paidéia (JAEGER, 1936, p. 311). Ganhava-se então, cada vez mais força, a postura crítica e secular, de tal forma que no final do século V, essa considerada evolução atingiu uma fase fundamental em sua formação cultural.
Os sofistas eram educadores profissionais que ofereciam além de instrução intelectual, uma orientação para o sucesso da vida prática, especialmente no contexto da vida política.
O pensamento desses filósofos era marcado pelo racionalismo e naturalismo, “tendo introduzido elementos de pragmatismo cético, afastando a filosofia de suas preocupações iniciais, mais especulativas e cosmológicas” (TARNAS, 2000, p. 42). Nesse sentido “o valor máximo de qualquer crença ou religião só poderia entrar em julgamento por sua utilidade prática para atender às necessidades pessoais na vida” (TARNAS, 2000, p. 42).
Assim, o surgimento da polis acabou por imprimir um conteúdo pouco religioso no ethos grego (JARESKI, 2015).
Nessa nova tensão entre a filosofia e a tradição mítica emanada do Olimpo, Sócrates se apresentaria como uma figura de grande importância. Nesse tempo, foram levantadas uma série de questões consideradas então, muito mais relevantes do que as míticas, pois estaria deslocando os temas “do céu para a terra” (TARNAS, 2000, p. 46). 
E se “a polis é o marco social da história da cultura helênica” (JAEGER, 1936, p. 99) temas como a vida melhor ou mais feliz (eudaimonia) passaram a ser o centro das discussões, colocando as questões míticas ao nível do supérfluo. É quando ocorre certo afastamento dos modelos míticos que se pautavam em uma ética que sempre fora baseada na aristocracia guerreira em vistas da necessidade de aproximação ao novo modelo democrático de sociedade que emergia. As questões de estado, ganhavam cada vez mais importância de modo que “os Sofistas mediavam assim a transição de uma era de mito, para uma da razão pragmática” (TARNAS, 2000, p. 44). 
Sócrates, por sua vez, tornou-se tão importante na propagação dessa filosofia voltada ao ethos e a política, que a história passou a marcar os pensadoresem antes e depois dele. Segundo Jaeger, “Sócrates é o mais espantoso fenômeno pedagógico da história do Ocidente” (JAEGER, 1936, p. 475).
O próprio termo pré-socrático já é um indicativo de uma convenção histórica que estabelece uma divisão muito clara dentro da filosofia – entre os primeiros pensadores da antiguidade e a filosofia posterior a esse célebre personagem – muito devido ao conteúdo bastante crítico das questões que ele abordava.
Já com Platão, tem-se o uso da alegoria como instrumento essencial para o filosofar. Porém, esse processo figurativo marcaria tão somente, o entendimento do mythos como prefiguração de um pensamento mais próximo da verdade ou da verdadeira filosofia.
[...] há, novamente, o reconhecimento de que os mitos “pertencem à pedagogia do gênero humano” pois eles incitam que se fixe a atenção em seus conteúdos figurativos. Mas, segundo sua interpretação, a despeito dessa validade educativa, urge reconhecer a inadequação fundamental da exposição mítica em Platão. Circunscrito à forma interior e à representação de imagens sensíveis, o mito seria uma forma de pensamento ainda não amadurecida, algo dispensável quando o conceito atinge seu pleno desenvolvimento (JARESKI, 2015, p. 64).
Assim, entende-se que no universo platônico, a alegoria dos mitos e seu sentido simbólico é comumente usada como mimese da realidade. Uma imitação da perfeição do mundo das ideias, ou a representação imperfeita de algo mais essencial.
[...] Platão contrapõe o Mito à verdade ou à narrativa verdadeira (Górgias., 523 a), mas ao mesmo tempo, atribui-lhe verossimilhança, o que, em certos campos, é a única validade a que o discurso humano pode aspirar (Timeu., 29 d) e, em outros, expressa o que de melhor e mais verdadeiro se pode encontrar (Górgias., 527 a). Também para Platão o mito constitui a “via humana mais curta” para a persuasão (ABBGNANO, 2012, p. 784).
Ainda conforme Platão, somente com a razão seria possível aproximar-se da essência, do ideal e, o status superior do logos estava agora, efetivado. O universo mítico e religioso não passaria de inspiração intuitiva, mesmo anímica, do mundo das ideias: um mero instrumento pedagógico. 
Uma concepção da qual Aristóteles compartilhava.
Na Antiguidade clássica, o mito é considerado um produto inferior ou deformado da atividade intelectual. A ele atribuída, no máximo “verossimilhança” enquanto a “verdade” pertencia aos produtos genuínos do intelecto. Esse foi o ponto de vista de Platão e de Aristóteles (ABBAGNANO, 2012, p. 784).
Fora do contexto propriamente filosófico grego, encontramos uma posição que auxiliou o entendimento dos mitos de modo preconceituoso: a tradição judaico-cristã (JÚNIOR, 2014).
Essa tradição sempre viu os deuses pagãos de forma negativa, como ilusões. Um verdadeiro atentado as suas crenças. Apesar da apropriação de certo conteúdo filosófico pagão, seja do universo platônico ou posteriormente, do pensamento de Aristóteles, o advento do cristianismo manteve tal postura e se viu com o problema de desenvolver uma filosofia que eliminasse seus elementos mitológicos, considerados fábulas.
A filosofia cristã é criada em circunstâncias bem complexas, pois ao mesmo tempo que precisa da herança greco-romana, tem de rejeitar os elementos mitológicos que, como vimos, estão entranhados nela (JUNIOR, 2014, p. 37).
É nesse sentido que Santo Agostinho, elabora um pensamento que tentava conciliar a filosofia pagã da cristã e, inspirado no mundo das ideias de Platão, fundamenta a concepção cristã de Deus como essência de todas as coisas. Consequentemente de toda a verdade.
Um exemplo da solução que Agostinho dá ao problema que enfrenta (conciliar a filosofia pagã à cristã) é sua doutrina da iluminação divina: a verdade vem de Cristo. Essa doutrina inspira-se na doutrina da reminiscência de Platão, e ambas pressupõem que a alma, quando se une ao corpo, já possui conhecimento (JUNIOR, 2014, p. 38).
A doutrina do Logos, como forma interpretativa do mundo, que de certa forma, sempre fora religiosa (ABBAGNANO, 2012, p. 728), desde Heráclito e posteriormente, dos estoicos, identificava o Logos (Razão) como uma substância ou causa do mundo e, posteriormente, à pessoa divina, cujo modelo, foi assumido por filósofos cristãos.
Na “Introdução a vida bem-aventurada” (1806), Fichte utiliza o prólogo ao Evangelho de São João para demonstrar a concordância do seu idealismo com o cristianismo; portanto, reconhece no logos aquilo que ele chama de existência ou revelação de Deus (além do qual fica o ser de Deus), ou seja, o saber, o eu, a imagem, cujo fundamento é a vida divina (ABBAGNANO, 2012, p. 728).
Esse movimento filosófico de valorização, por vezes radical, do logos, ainda que refletida sobre o ponto de vista da fé cristã, tal como propõe Zilles (2002) acabou promovendo uma compreensão dualística de toda realidade, ou seja, a relação corpo/alma, razão e sensação, entre o divino e o mundano e, em muitos aspectos, também ampliaria a rejeição dos mitos, mas agora, sob a perspectiva da fé, perfazendo uma tradição histórica que perduraria séculos, seja na simples recusa dos mitos ou mesmo, em uma negação total da religião:
Segundo Hegel, a religião e a filosofia tem em comum a busca da verdade: “A filosofia tem seus objetivos em comum com a religião porque o objetivo de ambas é a verdade, no sentido mais amplo da palavra, isto é, enquanto Deus, e somente Deus é a verdade” (ZILLES, 2002, p. 11).
A rejeição dos mitos que se deu pela razão, pela a fé e por vezes, por ambas, chegou até o Iluminismo. Esse movimento, por sua vez, haveria de deslocar o pré-conceito com os mitos também para o pensamento religioso, principalmente o cristão (à igreja) novamente em favor da razão, influenciando grandemente o pensamento moderno.
Voltaire considera que as histórias sagradas, judaicas ou cristãs são superstições na maior parte das vezes contrárias a razão, tendendo somente a formar pessoas fanáticas. Para Voltaire, a crítica judaico-cristã à mitologia pagã carecia de honestidade, pois o cristianismo também estava repleto de histórias fantásticas, como milagres, e de heranças pagãs (JUNIOR, 2014, p. 39).
Tem-se então uma forte rejeição que declara, tanto as narrativas míticas quanto a religião, como falsa consciência ou pura ideologia.
Essa postura de negação passou então a ser determinante no pensamento contemporâneo ocidental:
Essa atitude encontra-se em Feuerbach, Nietsche e Freud e em alguns marxistas. Trata-se de uma atitude com caráter mais romântico que, em Feuerbach, parte da concepção de vida, de vida natural não alienada do homem e da humanidade. Alimenta-se, pois, da saudade do paraíso perdido. Na forma mais cética, como em Freud, espera que, no futuro, com o fim da ilusão religiosa, a humanidade esteja na condição de, com a ajuda da ciência e da razão crítica, construir a harmonia total. Essa atitude conduz à liquidação da religião em nome da razão, que pretende ser única possuidora da verdade, considerando a religião como ilusão (ZILLES, 2002, p. 13).
Essa perspectiva, contempla ainda, as propostas de Hegel e Comte que concebem a história dentro de um processo evolutivo:
Ele (Augusto Comte) concebeu a história da humanidade como um processo de evolução em três estágios: o religioso, o metafísico e o positivo ou científico. Assim, classifica todo pensamento religioso e, consequentemente, os mitos, como manifestação de um espirito ingênuo da humanidade, como se fosse a “infância” humana (JUNIOR, 2014, p. 41).[2: Grifo meu.]
A religião e os mitos passaram a ser entendidas como um estágio de desenvolvimento da humanidade e essa reflexão acabou por encerrar uma oposição clara entre o modo de ser do homem moderno e dos povos, que vivem sob mentalidade mítica ou religiosa. Estes passaram a ser considerados como primitivos. Como sociedades pouco conscientes, ainda dotados de uma mentalidade ingênua.
De acordo com Junior a palavra mito assumia em todos os campos o significado de lenda ou fantasia oude ideias equivocadas sobre um assunto (JUNIOR, 2014, p. 45). 
Conforme se pode observar, ao longo da história do pensamento filosófico, científico e teológico, o mito foi considerado como saber primitivo e pré-lógico. Observa-se ainda que vigora uma concepção evolutiva nessa análise do mito que o situa como algo imaturo e supersticioso. Nesse sentido, entende-se que o preconceito sobre o pensamento mítico tem sua origem no surgimento da filosofia enquanto pensamento racional.
Tendo demonstrado a formação dessa compreensão comum do mito, o esforço seguinte será de verificar outra concepção de mitologia conforme aparece em autores que procuram ver no mito uma modalidade própria de pensamento. É o que se verá no próximo capítulo.
CAPÍTULO II - A RETOMADA DO PENSAMENTO MÍTICO
O pensamento mítico foi retomado com pensadores modernos e contemporâneos que buscaram além de inspiração, uma nova compreensão dos mitos reconduzindo-os ao centro de estudos e discussões. Essa retomada proporcionou novas interpretações sobre o mito e a religião que lançaram perspectivas diferentes influenciando vários estudos. Dentre essas abordagens, podemos elencar pontos de vista como os da antropologia, da sociologia, da psicologia ou da fenomenologia, entre outros, evidenciando que o pensamento mítico não foi verdadeiramente superado conforme propôs a tradição filosófica.
A reflexão que supõe o advento do milagre grego e que foi adotada pela tradição, passou a ser questionada por pensadores como F. M. Conford. Para ele:
O advento das cosmologias filosóficas deixa entrever a continuidade de certas estruturas fundamentais presentes nos antigos mitos cosmogônicos. Até mesmo a figura do filosofo estaria associada às figuras do poeta e do sábio (JARESKI, 2015, p. 17).
De acordo com Jareski (2015, p. 17), as conclusões de Conford sinalizavam para uma racionalização intensa da herança mítica e seu trabalho influenciou outros pensadores como Pierre Vernant, já mencionado anteriormente.
Tais questionamentos sobre conceitos adotados pela tradição, seja em relação a posição inferior do pensamento mítico, seja sobre o surgimento da razão como algo inovador (como se o pensamento anterior ao advento do milagre grego fosse ausente de racionalidade), conduziram novas abordagens que levaram muitos pensadores a conclusão de que a distinção entre o pensamento mítico e o racional não se dava de forma tão hierarquizada, ou seja, que a mentalidade mítica se constituísse em algo inferior.
Seguindo nessa reflexão, entendeu-se que a forma pré-lógica de pensamento, sua estrutura metafórica ou poética, poderia abarcar uma forma original de relacionar-se diretamente com a vida.
Assim, essa forma nova de ver o mito o compreende
(...) como uma forma autônoma de pensamento e de vida. Nesse sentido, a validade e a função do mito não são secundarias e subordinadas em relação ao conhecimento racional, mas originarias e primárias, situando-se num plano diferente do intelecto, porém dotado de igual dignidade (ABBAGNANO, 2012, p. 710).
De acordo com Junior, as primeiras propostas modernas que constituem a retomada dos mitos, ainda partiam de princípios muito influenciados pela perspectiva evolucionista de Comte, Hegel e Vico (JUNIOR, 2014, p. 47). Seus trabalhos, no entanto, serviram de modelo a muitos estudiosos que, embora fizessem ainda a leitura dos mitos como algo primitivo, passaram a coletar grande material sobre vários povos e culturas consideradas então primitivas (inferiores) ou pouco desenvolvidas, mas que agora eram vistos como detentores de singularidade. Junior destaca que:
Lucien Levy-Bruhl (1857-1939) foi um desses estudiosos. Dedicou-se a estudar os povos “primitivos” e concluiu que sua mentalidade era pré-lógica, ou seja, os indivíduos não se diferenciavam de suas raízes; seu raciocínio não é lógico, mas metafórico e poético, portanto vivem sob o domínio do pensamento mítico (JUNIOR, 2014, p. 47).
Em certa medida, essa postura acaba por concordar com o raciocínio aristotélico de que a linguagem não-apofântica diz respeito a algo mais original, além do discurso lógico.
Sob essa nova orientação proporcionada, a princípio, pela antropologia comparando povos e culturas distintas, entendeu-se que as sociedades atingiam estágios diferentes de desenvolvimento, mas que havia certa unidade, com relação ao pensamento mítico e religioso.
Essa abordagem dos mitos estimulou uma série de estudos onde se buscava comparar a culturas e tradições de diferentes povos, dando a entender que era “possível identificar padrões universais no pensamento mítico” (JUNIOR, 2014, p. 48). É nesse sentido que o trabalho de James George Frazer se destacou no século XIX, ou seja, na “mitologia comparada”.
Junior (2014) ainda observa que a tese de Frazer seguia a concepção evolucionista de Hegel da história. Assim, para Fraser, o pensamento humano evoluíra do estágio mágico para o religioso culminando por fim no estágio científico.
Contudo, Vico foi o primeiro a interpretar o mito no sentido de verdade e não como mera ilusão ou superstição. Para Vico, o mito não se tratava de uma verdade intelectual, mas uma verdade fantástica ou poética, fundada em alguma realidade factual que foi vivenciada e interpretada diferentemente. A partir de uma visão de mundo incapaz ainda de pensar cientificamente. Para Vico: 
(...) as fábulas, ao nascerem, eram narrações verdadeiras e graves que no mais das vezes nasceram obscenas e, por isso depois se tornaram impróprias, a seguir alteradas, então inverossímeis, adiante obscuras, daí escandalosas, e finalmente incríveis, que são as sete fontes da dificuldade das fábulas (ABBAGNANO, 2012, p. 785).
O padrão observado na comparação da cultura e religiosidade de vários povos além de reafirmar a proposta desenvolvimentista do pensamento humano, proporcionou também uma compreensão que relacionava as formas de organização social às narrativas míticas. O sociólogo Durkheim, por exemplo, 
Afirmou que o verdadeiro modelo do mito não é a natureza, mas a sociedade, e que, em todos os casos, ele é a projeção da vida social do homem: projeção que reflete as características fundamentais dessa vida social (ABBAGNANO, 2012, p. 786).
Outro estudioso que produziu um volumoso trabalho relacionando as semelhanças entre o conteúdo mítico foi George Duménzil (1898-1986). Para ele essas diferenças explicavam as formas de organização social em diferentes comunidades humanas (JUNIOR, 2014).
Ainda na proposta da mitologia comparativa outro grande pensador, contemporâneo, que se destaca é Claude Lévy-Strauss (1908-2009). Para ele uma observação atenta sobre determinadas condutas sociais haveria por revelar uma estrutura mítica comum (STRAUSS, 1978). De acordo com Abbagnano:
Lévi-Strauss estudou a estrutura dos mitos nas sociedades primitivas analisando alguns em seus elementos mais simples (mitemas) e estudando suas combinações possíveis, que explicam também as semelhanças e diferenças entre mitos vigentes entre grupos humanos diversos (ABBAGNANO, 2012, p. 786).
Sua visão dos mitos fazia referência a experiência original de ser do homem, em que certos aspectos como a luta pela vida, a fome ou a morte, compunham formas representativas ou significativas da vida e que, de certa forma, se opunham a situação real (ABBAGNANO, 2012, p. 786), caracterizando a sua relação com a realidade e influenciando diretamente sua cultura. 
De acordo com Jareski:
Claude Levy-Strauss atacou o problema do mito lançando mão do conceito de “mitema”, elemento mínimo fundamental e não-significativo que, em combinação com outros mitemas, forma o tecido de significação próprio a cada narrativa: é da estrutura combinada de tais núcleos que deriva a valência semântica do mito (...) (JARESKI, 2015, p. 72).
Para Strauss, por traz, ou melhor, na base dos mitos, certamente há uma razão ou um sentido e assim, qualquer visão preconceituosa com relação aos mitos deve-se ao fato de serem olhados a partir de perspectivas históricas ou descontextualizadas.Sobre isso, ele mesmo diz: 
Ora, o que eu tenho tentado mostrar é que de fato o pensamento dos povos sem escrita é, por um lado um pensamento desinteressado (...) e, por outro um pensamento intelectual (...) (STRAUSS,1978, p. 30).
Em grande medida o que Strauss propõe é uma oposição ao funcionalismo de Malinowski que entendia que “o pensamento de um povo era ou é determinado inteiramente pelas necessidades básicas da vida” (STRAUSS, 1978, p. 29). Para Strauss, essa postura foi tendência comum na antropologia.
O que tentei mostrar por exemplo em Toteisme ou La Pensée Sauvage, é que esses povos que consideramos estarem totalmente dominados pela necessidade de não morrerem de fome, de se manterem num nível mínimo de subsistência, em condições materiais muito duras, são perfeitamente capazes de pensamento desinteressado; ou seja, são movidos por uma necessidade ou desejo de compreender o mundo que os envolve, a sua natureza e a sociedade em que vivem. Por outro lado, para atingirem esse objetivo, agem por meios intelectuais, exatamente como faz um filósofo ou até, em certa medida, como pode fazer e fará um cientista (STRAUSS, 1978, p. 29).
Conforme Junior (2014), a abordagem do mito através da mitologia comparada continuava a tratá-lo como algo primitivo. Visão que foi compartilhada pelo fundador da psicanálise Sigmund Freud. 
No contexto da psicanálise Freud manteve uma postura crítica com relação ao pensamento mítico e religioso, entendendo-o como a infância do pensamento humano. Porém, não deixou de se apropriar desse universo extremamente rico de significações para a formulação de seus conceitos, como por exemplo, Complexo de Édipo, Narcisismo, Eros, Tanatos, entre muitos outros. Conforme Eliade (1991) a psicanálise fez riqueza no aspecto simbólico do universo mítico, bastante revelador, considerando sua capacidade em transmitir significativamente uma experiência.
Além da psicanálise, outras ciências tornaram os mitos seu objeto de estudo tal como a psicologia, a etnologia, a sociologia, a teologia, a filologia clássica, a arqueologia e a história da arte, assim como, a própria filosofia (ABBAGNANO, 2012, p. 787).
Segundo Junior, a perspectiva filosófica buscava, “entender o que significa ser um ser humano” (JUNIOR, 2014, p. 50). O que não ocorria de forma efetiva, devido a insistência em propostas mais antropológicas, em tratar o pensamento mítico sob a compreensão desenvolvimentista.
Ainda conforme Junior nessa abordagem filosófica que buscaria tratar “de compreender o ponto de vista de povos do mundo tentando entender o que, para cada um, significa ser humano” (JUNIOR, 2014, p. 50) alguns pensadores se destacam tais como Rudolf Otto, Mircea Eliade, Carl Gustav Jung e Joseph Campbell devido as reflexões extremamente inovadoras que propuseram.
Quando Otto publicou em 1917 O Sagrado, sua obra causou uma forte impressão em muitos pensadores e estudiosos. Para Abbagnano, seu estudo basicamente:
[...] identifica na essência do mito a originaria palavra verdadeira do divino, que apreende a existência humana em todos os seus aspectos, permanecendo estranha a própria distinção de verdadeiro e falso (ABBAGNANO, 2012, p.787).
A intenção de Otto era investigar a “experiência religiosa em si” escapando as propostas da sociologia, da ciência da religião assim como da filosofia de até então que, segundo Junior, estariam mais voltadas ao estudo do “transcendente” (JUNIOR, 2014, p. 51).
Otto buscou entender esse elemento numinoso (poder divino) comum a todas as religiões, algo como um “sentimento de Deus e da fé” (JUNIOR, 2014, p. 51) ou uma revelação do poder sagrado de que fala a própria experiência do sagrado.
Portanto, é necessário encontrar uma designação para esse aspecto visto isoladamente, a qual, em primeiro lugar, preserve sua particularidade e, em segundo lugar, abranja e designe também eventuais subtipos ou estágios de desenvolvimento. Para tal cunho o termo “o numinoso” (já que do latim omen se pode formar “ominoso”, de numen, então numinoso) referindo-me a uma categoria numinosa de interpretação e valoração bem como a um estado psíquico numinoso que sempre ocorre quando ela é aplicada, ou seja onde se julga tratar-se de objeto numinoso (OTTO, 2007, p. 38).
Para Otto o numinoso “apresenta um elemento ou momento bem específico, que foge ao acesso racional” (OTTO, 2007, p. 38). Portanto, a experiência do sagrado, não pode ser meramente conceitualizada dando a entender que “nossa sensação a seu respeito subtende claramente algo mais” (OTTO, 2007, p. 38) e nesse sentido, a força da experiência do sagrado só pode ser entendida na própria experiência, embora não negasse a possibilidade de discutir essa mesma experiência, ou seja, para ele trata-se de uma categoria sui generis e enquanto dado fundamental e primordial, “ela não é definível em seu sentido rigoroso, apenas pode ser discutida” (OTTO, 2007, p. 38).
Assim, Otto procura se aproximar da experiência do sagrado “pelas beiradas”, utilizando-se de dois conceitos que vale a pena elencar: O de mysterium tremendum e mysterium fascinans. 
O primeiro trata-se de um sentimento de temor e respeito ante o desconhecido, como a sensação de algo maior, misterioso, que inspira sentir o numen. Trata-se de um sentimento que pode variar de “uma suave maré a invadir nosso ânimo” à eclosão de surtos e convulsões que “pode induzir estranhas excitações, inebriamento, delírio, êxtase” (OTTO, 2007, p. 44). O segundo se refere a um sentimento de total humildade ante uma grandiosidade inacessível do mistério do sagrado que o diferencia propriamente do profano. Trata-se de um sentimento de arrebatamento que invade a alma inspirando devoção.
Se por um lado a posição de Otto leva em consideração o aspecto místico da religiosidade, por outro, da mesma forma que em propostas de pensadores anteriores, entende-se que ele continua na tentativa de abarcar aspectos universais presentes na religiosidade.
 Outro pensador que realizou um importante trabalho na área da psicologia e da psicanálise foi Carl G. Jung. Este identificou algo nos mitos e na religiosidade profundamente relacionado a psique humana a qual denominou de estruturas arquetípicas, ou arquétipos.
Por existirem inúmeras coisas fora do alcance da compreensão humana é que frequentemente utilizamos termos simbólicos como representação de conceitos que não podemos definir ou compreender integralmente. Esta é uma das razões porque todas as religiões empregam uma linguagem simbólica e se exprimem através de imagem (JUNG, 2008, p. 19).
Embora se apresentando de modo cético em relação ao objeto da religião, pois para ele o indivíduo é a única realidade, Jung mergulhou de cabeça no universo mítico e místico tentando entender a fundamentação das crenças e da religiosidade como a manifestação de algo mais original. Algo relacionado com a própria existência humana no mundo (JUNG, 2008, p. 68).
Seu aprofundamento em relação aos símbolos, diz respeito, portanto, da busca por sentido, de uma relação com a vida, indicando que tais características são propriamente humanas. Assim, seu estudo da psique, o levou a identificar representações comuns presentes no consciente e inconsciente coletivos e foi nesse sentido que todo o conteúdo simbólico dos mitos ficaram reduzidos ao conceito de arquétipo, como linguagem anímica, ou ainda, como “os modelos originários do inconsciente coletivo” (ABBAGNANO, 2012, p. 91). De fato
A descoberta do inconsciente coletivo e seus arquétipos estendeu radicalmente a amplitude do interesse e da percepção da psicologia. A experiência religiosa, a criatividade artística, os sistemas esotéricos e a imaginação mitológica eram analisados em termos não-redutivos (...). Um grande número de fatores anteriormente deixados de lado pela ciência e pela psicologia agora eram reconhecidos como significativos na psicoterapia e recebiam uma clara formulação conceitual; a criatividade e continuidade do inconsciente coletivo; a realidade psicológica e a potência das formas simbólicase figuras míticas autônomas produzidas espontaneamente; a natureza e a força das imagens refletidas; a centralidade psicológica da busca de significado; a importância de elementos teológicos e auto-reguladores nos processos da psique; o fenômeno da sincronicidade (TARNAS, 2000, p. 412).
Carl Gustav Jung acabou por produzir uma extensa obra que mesmo hoje, influencia muitos pensadores em diversas áreas do conhecimento.
Outro importante trabalho sobre os mitos foi o de Joseph Campbell. Este produziu um grande número de obras que se tornaram referência no estudo dos mitos e da religiosidade dos povos como por exemplo: O herói de mil faces (1992), Para viver os mitos (2000), O voo do pássaro selvagem - Ensaios sobre a universalidade dos mitos (1997), O poder do mito (2004), As máscaras de Deus (2004), Todos os nomes da deusa (1997), entre outras.
Campbell assimilou o conceito de arquétipos ao estudar o mundo do sagrado, a mitologia e as religiões, no sentido de estrutura original. Sua abordagem ligava estudos antropológicos à uma análise da psicologia profunda do homem e tinha, por intento, explorar aspectos originariamente universais que constituem o conteúdo simbólico, “a partir das sociedades que vivem o mito” (JUNIOR, 2014, p. 54).
Em sua reflexão, Campbell alertava sobre os aspectos negativos proporcionados pelo positivismo e cientificismo dominantes na sociedade moderna e, cujo império da razão, provocou uma crise espiritual profunda, devido ao fato de a razão “ser insuficiente para oferecer uma experiência completa da vida” (JUNIOR, 2014, p. 54).
Para Campbell:
Em qualquer visão abrangente dos grades e pequenos sistemas mitológicos dos quais foram extraídas as crenças da humanidade, a ideia bíblica de Deus tem de ser claramente distinguida como representando um princípio que em nenhum outro lugar foi afirmado com exclusividade, ou seja: o da transcendência absoluta da divindade. Nos livros sagrados do Oriente afirma-se que o mistério ultimo da existência é transcendente, no sentido de que ele “transcende” (está acima ou além) do conhecimento humano, seus pensamentos, visão ou expressão. Entretanto, como é explicitamente identificado como o mistério de nossa própria existência, bem como de qualquer outra, ele é declarado também como imanente: na verdade esse é o principal ponto da iniciação oriental, bem como da maioria das pagãs, primitivas e místicas (CAMPBELL, 2004, p. 98).
Assim, seu estudo das mitologias e religiões sob uma perspectiva que abrangesse a análise profunda da psicologia humana, o levou a formular certas concordâncias que compunham uma estrutura comum. Trata-se da tese do monomito. Nesse sentido, certos aspectos coincidentes entre várias estruturas míticas tal como a jornada do herói, concebem uma orientação da vida humana, como uma verdadeira aventura e que, salvaguardada pequenas diferenças, permeia inúmeras culturas em diferentes povos, ainda que cada qual, a contasse à sua maneira.
Desta feita, os mitos, em grande parte refletem a necessidade de uma orientação modal para a vida, tanto quanto, refletem a necessidade de um sentido. Principalmente levando-se em conta que a vida humana perpassa uma aventura interior tanto quanto uma aventura exterior. 
(...) Céu e inferno estão dentro de nós, e todos os deuses estão dentro de nós. Este é o grande esforço conscientizador dos Upanixades, na Índia, nove séculos antes de Cristo. Todos os deuses, todos os céus, todos os mundos estão dentro de nós. São sonhos amplificados, e sonhos são manifestações, em forma de imagem, das energias do corpo, em conflito umas com as outras(...) (...) Você pode ter tudo isso misturado com complexos, você sabe, coisas desse tipo, mas na verdade, como afirma o dito polinésio, você está “em pé numa baleia, pescando carpas miúdas”. Estamos em pé numa baleia. A base do ser é a base do nosso ser, e, quando simplesmente nos voltamos para fora, vemos todos esses problemas aqui e ali. Mas, quando olhamos para dentro, vemos que somos a fonte deles todos (CAMPBELL, 1990, p. 41). 
Nota-se que em Otto, assim como em Jung e Campbell, os mitos e as religiões passam a ser refletidas a partir da experiência no sentido de proporcionar uma conexão do homem com a vida e consigo mesmo.
É nesse passo, em que a compreensão dos mitos se desloca para o mais originário da experiência, que Mircea Eliade produz suas reflexões. 
Em sua obra O sagrado e o profano publicado em português em 1992, Eliade analisa assim como Otto, o fenômeno do sagrado, mas agora, a partir da sua oposição e relação ao profano. Nesse sentido o profano assume um aspecto valorativo na sua interação com o sagrado. O profano estaria para o sagrado assim como a morte se apresentaria à vida, ou seja, é na angústia permanentemente presente na certeza da morte, que o valor da vida se explicitaria. Desse modo, a relação entre o sagrado e o profano, se apresentariam como dois modos de ser no mundo que dialogam entre si.
Para Eliade, o mito é “como uma história sagrada que narra a origem de um acidente geográfico, de um animal, de uma instituição social, do ser humano e do próprio universo“ (JUNIOR, 2014, p. 57) e deste modo, o rito se apresentaria como a vivificação do próprio mito.
O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve início no começo do Tempo, ab initio. Mas contar uma história sagrada equivale a revelar um mistério, pois as personagens dos mitos não são seres humanos: são os deuses ou os Heróis civilizadores. Por essa razão suas gesta constituem mistérios (ELIADE, 1992, p. 80).
O rito constitui-se então em “trazer para perto o sagrado”. Trata-se, portanto de uma prática religiosa rememorativa cuja função principal é, além de fazer próximo, “o distante”, de efetivamente realizar o transcendente.
Assim como nas reflexões de Campbell, a coincidência entre temas e enredos nos mitos e nas religiões são para Eliade, os arquétipos. Um conjunto de significações comuns tais como:
[...] os cultos do sol e da lua [...]; os simbolismos aquáticos dos rios, lagos e mares; os ciclos vegetais, histórias de sacrifícios de seres humanos ou de animais que permitiram que essa ou aquela planta viesse a nascer; pedras e lugares sagrados; ciclos das estações do ano; do dia e da noite; seres sobrenaturais como sereias, uiaras, nereidas; animais ou anjos portadores de mensagens; a grande mãe terra e muitos outros (JUNIOR, 2014, p. 58).
	Tratam-se, portanto, de símbolos que se repetem em diferentes formas religiosas.
Eliade, contudo, lança mão de dois conceitos fundamentais para se aproximar-se da compreensão da experiência mítica e religiosa em toda sua autenticidade: o de epifania e o de hierofania.
Afim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado propusemos o termo hierofania. Este termo é cômodo pois não implica qualquer precisão suplementar: Exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo epistemológico, a saber, que algo de sagrado se nos revela. (...) A Manifestação de algo “de ordem diferente” – de uma realidade que não pertence ao nosso mundo – em objetos que fazem parte de nosso mundo “natural”, “profano” (ELIADE, 1992, p. 15).
Significariam a súbita e arrebatadora percepção de uma realidade superior (do grego epi) e da manifestação dessa força ou poder sagrado (do grego hiero) diferente da realidade profana e que se revela ao homem. 
Esses conceitos trazem à experiência do sagrado, o caráter de uma experiência aberta. Que 	escapa à uma definição ou tentativa de racionalização, ao passo que é sempre única e particular.
Assim como Campbell, Eliade critica o processo que ele chamou de desmitologização da sociedade por acarretar a perda de sentido para as coisas e na dificuldade do homem moderno em criar vínculos. Para ele esse processo provoca um desencantamento do mundo e da vida, que justificaria a grande dificuldade desse homem em compreender o modo de ser mítico e religioso e sua busca e necessidade de continua aproximação do sagrado.
Essa conclusão de Eliade aproxima-seda reflexão de Nietsche com relação a morte de Deus no sentido de uma advertência à perda de propósito para a vida acarretada pela racionalidade cada vez mais dominante do mundo ocidental. Segundo Eliade, o homem moderno vive uma experiência fechada, carente de vínculos, devido ao seu afastamento de uma vivência aberta e mais rica de significados.
Nesse passo, a experiência fechada do homem moderno, de negação do sagrado, o coloca numa relação de oposição à natureza. De dominação técnica e científica, deixando-o numa espécie de confusão existencial pois o caráter sagrado, emerge mesmo na experiência do profano. Consequência de estar vivo.
Já o homem religioso reconhece, na natureza, seu caráter sagrado e tenta viver em harmonia com ela, pois vê sentido em tudo que o cerca. 
Para a consciência moderna, um ato fisiológico – a alimentação, a sexualidade, etc. – não é, em suma, mais do que um fenômeno orgânico, qualquer que seja o número de tabus que ainda o envolva (que impõe, por exemplo, certas regras para “comer convenientemente” ou que interdiz um comportamento sexual que a moral reprova). Mas para o “primitivo”, um tal ato nunca é simplesmente fisiológico; é, ou pode tornar-se, um “sacramento”, quer dizer, uma comunhão com o sagrado (ELIADE, 1992, p. 17).
Assim, por exemplo, quando um guerreiro Sioux matava um búfalo ele não o fazia por se achar superior ao búfalo, mas o fazia se reconhecendo como parte da natureza e seguindo uma ordem natural, orientada pelos ancestrais míticos. Daí que ele não matava, mas sacrificava o animal em prol da sobrevivência de sua tribo. É nesse sentido que o caráter sagrado se insere em todos os atos da vida assim como, acaba dotando todas as coisas de uma enorme gama de significados e, portanto, constituindo uma vida muito mais rica.
Enfim, conforme observa-se, a retomada dos mitos por autores modernos mostra que a insuficiência de pensar os mitos sob a perspectiva de pensamento primitivo, muito cedo incitou a retomada do assunto evidenciando que o pensamento simbólico não foi superado conforme a tradição supôs. Mas foi a partir do iluminismo (sec. XVIII) que o tema passou a ser amplamente discutindo muito embora ainda sob uma perspectiva evolucionista.
Tais propostas tomaram por base um grande número de pesquisas, inicialmente na área da antropologia e sociologia, que coletaram um grande material permitindo o estudo de mitologias comparadas e abrindo espaço para o aprofundamento do tema. Embora tenham sido despertos novos modos de ver os mitos e as religiões, bastante significativos tal como foi pelas propostas da psicologia e da sociologia, foi com os pensadores contemporâneos, como Otto, Campbell e Eliade, que surgiram as reflexões mais originais. 
Sob essas perspectivas os mitos passaram a referenciar uma experiência original, dotada de caráter sagrado e mesmo, ontológico, no que concerne a sua estrutura simbólica, originária e universal. Nesse sentido, qualquer conteúdo mítico ou religioso escapa a tentativa de conceptualização que pretenda abarcar a totalidade dessa experiência particular e única de forma que o preconceito ao modelo simbólico de caracterização, do mundo e de si, evidencia-se como o afastamento teórico da experiência, ou seja, em olhar os mitos e a religiosidade estando fora dos mitos e da religiosidade.
Portanto, o mito que até então fora visto de modo preconceituoso, a partir de sua diferença com o logos, passou a ser visto como algo ”vivo” e atual. É o que será tratado no próximo capítulo.
CAPÍTULO III - O PENSAMENTO MÍTICO: UMA MODALIDADE DA EXPERIÊNCIA ORIGINÁRIA DO PENSAR
Apesar dos esforços em resgatar o mito pela perspectiva da mitologia comparada ele não deixou de ser tratado como algo primitivo. Assim, autores contemporâneos como os já mencionados, se puseram no esforço de pensar o mito a partir da experiência do próprio mito. Levando-se em conta essa proposta, o mito será definido sob o ponto de vista de uma experiência originária. A mesma experiência que serve de base ao aparecimento da filosofia e da ciência.
Na experiência cotidiana o homem se fabrica, busca e recolhe significados ante o medo, a perplexidade e o encanto com que se depara diante da vida e do mundo que o cerca. Assim, ele não é um ser marcado por uma natureza própria, como os demais, mas tem em sua existência a capacidade de interagir com a realidade.
Ante a perplexidade e angústia de sua finitude, urge a necessidade de construir a si-mesmo fazendo importar a busca por sentido ou propósito para sua existência.
[...]. Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso ser e da nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos (CAMPBELL, 2004, p. 05).
Sendo assim, o universo mítico traduz, na relação do homem com a vida, uma compreensão que lhe fornece sustentação para refletir e construir seus próprios caminhos, isto é: para ser.
Mas afinal, o que é viver senão um constante aprender a viver? Em resposta a essa pergunta, diz Buzzi:
Por estar na mediatez do real o ser humano é sempre aprendiz. Deve aprender a morar no real. Pode, porém, a esquivar-se dessa aprendizagem. Sua existência nunca é feita, mas algo por fazer na incerteza e no risco (BUZZI, 1991, p. 11).
Em O poder do mito, numa conversa com Campbell, Bill Moyers conclui que “a mitologia é um mapa interior da experiência, traçado por alguém que empreendeu a viagem” (CAMPBELL, 2004, p. 11 da introdução). Campbell contudo, entende nessa relação com a experiência, algo mais profundo, como a experiência própria da viagem.
Ainda assim, nota-se que o mito compõe a primeira forma efetiva de educação dada à experiência humana.
Retomando o poeta Hesíodo, pode-se afirmar que
[...]. Esta, encerrava um grande acervo que funcionava como uma espécie de enciclopédia. História, geografia, conhecimentos sobre os Deuses, anatomia, agricultura, estratégias de guerra e padrões de conduta eram preservados e transmitidos na linguagem do mito, com o recurso a Deuses e heróis (HESÍODO, 2011, p. 20).
Nesse processo, em que as totalidades das manifestações e representações de um povo, assim como sua compreensão e relação com o mundo, eram transmitidas às gerações posteriores, o hábito de contar histórias auxiliava na construção de sua cultura, história e tradições. É nesse sentido que os mitos se anunciam.
(...). Todo povo que atinge certo grau de desenvolvimento se sente naturalmente inclinado a prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual (JAEGER, 1936, p. 03).
Ao traduzirem o encanto e a perplexidade humana os mitos sugerem um acesso que apela à intuição formando um complexo de representações provenientes de suas relações, antagonismos e paradoxos.
[...] a mitologia era “a canção do universo”, “a música das esferas” – música que nós dançamos mesmo quando não somos capazes de reconhecer a melodia. Ouvimos seus refrões, “quer quando escutamos, com altivo enfado, a ladainha ritual de algum curandeiro do Congo, quer quando lemos, com refinado enlevo, traduções de poemas de Lao Tsé, ou rompemos a casca de um argumento de S. Tomás de Aquino, ou apreendemos, num relance, o sentido radiante ou bizarro de uma lenda esquimó (CAMPBELL, 2004, p. 10).
Assim, entender os mitos como modelos não encerra todo o seu significado. Para Campbell, por exemplo, “os mitos são pistas para as potencialidades da vida humana” (Campbell, 2004, p. 06), ou seja, ainda que contemplem uma orientação modal para a vida, lhe indiquem um sentido, eles referem-se a própria experiência da vida, de forma que, a mente é que lhe confere sentido.
Dessa forma, enquanto modelo, os mitos contemplam a profundidade do ser e seu mistério, sugerindo a experiência através de uma narrativa que originalmentese dava de forma oral e poética. Afinal, que melhor forma de guardar uma narrativa do esquecimento que compondo rimas ou canções? É nesse sentido que
[...] Muitas histórias se conservavam, de hábito, na mente das pessoas. Quando a história está em sua mente, você percebe sua relevância para com aquilo que esteja acontecendo em sua vida. Isso dá perspectiva ao que lhe está acontecendo (CAMPBELL, 2004, p. 15).
É por isso que “O mito é incansavelmente repetido pois há sempre a ameaça do esquecimento” (CARRIÈRE, 2003, pág. 21).
Então não se tratam apenas de histórias, mas de um modo de ser e ver o mundo, diferente e também, em alguma medida, dota a vida e o mundo de sacralidade. Assim
O pensamento simbólico não é uma área exclusiva da criança, do poeta e do desiquilibrado: ela é consubstancial ao ser humano; precede a linguagem e a razão discursiva. O símbolo revela certos aspectos da realidade – os mais profundos – que desafiam qualquer outro meio de conhecimento. As imagens, os símbolos e os mitos não são criações irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessidade e preenchem uma função: revelar as mais secretas modalidades do ser (ELIADE, 1991, p. 08).
Desse modo, entende-se que todos os entes naturais e sobrenaturais, deuses e deusas, personificam através dos mitos uma realidade ou uma experiência do real, respondendo, pois, a uma necessidade: 
(...). Os sonhos, os devaneios, as imagens de suas nostalgias, de seus desejos, de seus entusiasmos etc., tantas forças que projetam o ser humano historicamente condicionado em um mundo espiritual infinitamente mais rico que o mundo fechado do seu “momento histórico” (ELIADE, 1991, p. 09).
É isso que distingue o modo de ser mítico assim como o religioso, do modo de ser profano, desmitologisado, característico do homem moderno: cientifico e racional. 
Na nova teoria das ciências essa realidade da percepção imediata, em sendo como totalidade-mundo, se chama realidade pré-científica, que a teoria ingênua das ciências dogmatizada, [...], confunde com mundo primitivo, imersa na obscuridade da vitalidade irracional, ainda infante e sem consciência. Na realidade ela é presença e plenitude da totalidade dinâmica da possibilidade da vida, no nosso viver, em sendo, na pregnância da evidencia imediata da coisa ela mesma. Edmund Husserl chamou essa realidade na concreção-vida de “Lebenswelt”. Esse termo alemão é usado sem tradução na nova teoria das ciências e, poderia ser traduzido como “mundo vital circundante”. Esse Lebenswelt é o espaço aberto da plenitude da possibilidade, que poderíamos chamar de insondável abismo desvelante das possibilidades do ser (HARADA, 2009, p. 78).
São como a um farol distante a iluminar um ponto ante o oceano, longe de se tratar de um dogmatismo, não fornecem caminhos prontos, mas sugerem um encontro a profundidade da experiência original e universal de ser. Assim:
Não seria demais considerar o mito a abertura secreta através da qual as inexauríveis energias do cosmos penetram nas manifestações culturais humanas. As religiões, filosofias, artes, formas sociais do homem primitivo e histórico, descobertas fundamentais da ciência e da tecnologia e os próprios sonhos que nos povoam o sono surgem do círculo básico e mágico do mito (CAMPBELL 2007, p. 15).
Assim, os mitos contextualizam os mais diversos temas que perpassam a condição de ser do homem, do universo, sobre o Ser, a verdade e a justiça, etc. Temas sob os quais fundamentaram-se culturas, religiões e civilizações e que, estiveram sempre presentes na construção histórica do homem. Nesse sentido, eles inspiram ideias, entendimentos e saberes em torno da totalidade da vida. Tanto quanto a filosofia e a ciência.
“Ter imaginação” é gozar de uma riqueza interior, de um fluxo ininterrupto e espontâneo de imagens. [...]. Ter imaginação é ver o mundo na sua totalidade; pois as imagens têm o poder e a missão de mostrar tudo o que permanece refratário ao conceito. Isso explica a desgraça e a ruína do homem a quem “falta imaginação”: ele é cortado da realidade profunda da vida e de sua própria alma (ELIADE, 1991, p. 16).
Então, no mundo arcaico grego, assim como em outras culturas primeiras ou mais originais, os mitos atuam na formação do pensamento e da cultura, proporcionando uma rica forma de abarcar as experiências cotidianas. Proporcionando inclusive o que Eliade denomina de uma experiência forte do tempo (Eliade, 1992, p. 88) e da vida. Onde mesmo o tempo, não se dispõe como linear pois ao vivenciar o sagrado se vivencia o eterno. Tudo isso acaba propondo um modo de ser e agir onde o sagrado e a história não se diferenciam.
[...]. Para o modo de pensamento vigente então, conhecer algo era saber como aquilo aconteceu pela primeira vez e por obra de quem. Assim sendo, quando algo em questão era um fenômeno da natureza, como uma montanha ou um eclipse, o agente só podia ser um Deus. Nenhum mortal daria conta sequer de testemunhar, que dirá executar tal façanha (HESÍODO, 2011, p. 20).
Ao falar de um ente da natureza, da physis (vigente), uma espécie de vigor permanente, algo que “é”, fala-se então, do sagrado. Da manifestação divina ou da qualidade de um Deus que é tão presente na vida cotidiana quanto o próprio manifestar-se da água, do fogo, do raio, ou seja, dos elementos que aparecem aos sentidos. Ou seja, é no natural que está o sobrenatural.
Desta forma, entende-se que é na natureza que os deuses se revelam, de modo que falar da natureza equivale a falar de uma força primordial que compreende a totalidade. Que anima o mundo e o homem e, por isso mesmo, pode ser sentida ou vivenciada em tudo.
Para o homem religioso a Natureza nunca é exclusivamente “natural”: está sempre carregada de um valor religioso. Isso é facilmente compreensível pois o Cosmos é uma criação divina: saindo das mãos dos deuses, o mundo fica impregnado de sacralidade (ELIADE, 1992, p. 95).
O problema principal para o homem religioso ou para o modo de ser mítico, não trata então da coincidência entre natureza e os mitos ou entre a história e os mitos, nem entre real e imaginário, mas da sua relação com a harmonia cósmica. Seja com Deus ou deuses, ou com seus heróis fundadores ou ainda, conforme ocorre com algumas culturas, com seus ancestrais. 
Desta feita, as reflexões a respeito da verdade, da justiça e da beleza são diretamente relacionadas à ordem cósmica.
Assim, para o homem grego, por exemplo: 
[...]. O conceito de natureza elaborado por eles em primeira mão, tem indubitável origem na sua constituição espiritual. Muito antes do espírito grego ter delineado essa ideia, eles já consideravam as coisas do mundo numa perspectiva tal que nenhuma delas aparecia como parte isolada do resto, mas sempre como um todo ordenado em conexão viva, na e pela qual tudo ganhava posição e sentido (JAEGER, 1936, p. 10).
Por isso as verdades dos mitos não tratam apenas daquilo que se dá na sua forma mais imediata, mas tentam com propriedade, abarcar essa totalidade que se surge e se oculta na imediatez da experiência de ser-no-mundo. Assim, os mitos tentam aproximar o homem do inefável e talvez por isso “para Platão, a primeira virtude de um filosofo é admirar-se”. (ARANHA, 1986, p. 44). 
Tentam, pois, dizer daquilo que é indizível, como nota-se nessa passagem do Tao Te King chinês que Campbell situa: “Aquele que pensa que sabe, não sabe. Aquele que sabe que não sabe, sabe. Pois, neste caso, saber é não saber. E não saber é saber” (CAMPBELL, 2004, p. 58). 
Estão a priori do conceito e sob esse aspecto, a linguagem mítica se aproxima expressivamente da linguagem filosófica e artística, superando as limitações do discurso lógico de modo que é possível afirmar que o mito delineia a primeira e mais original filosofia. É nessa original filosofia que se manifesta segundo Jaeger, “a percepção clara da ordem permanente que está no fundo de todos os acontecimentos e mudanças da natureza e da vida humanas” (JAEGER, 1936, pág. 11).
Nesse sentido os mitos indicam um acesso àoriginalidade de ser do próprio ser, constituindo uma modalidade de pensamento originário que como a filosofia, se dá a partir dessa experiência. A experiência de ser. 
É sobre essa compreensão de filosofia que diz Harada: 
Na filosofia, propriamente, não se tem conteúdos. Tudo que ali aparece como conteúdo, como explicações, argumentos, descrições da realidade, termos, conceitos, são materiais do exercício da colocação das questões, que são no fundo um único empenho e intrépido movimento de, em sondando e auscultando, buscar o sentido do ser que emerge na Lebenswelt, da imensidão abissal do ser. O sentido do ser não é um conteúdo determinado, mas um desvelar-se do abismo da serenidade do nada, que afeiçoa cada vez mais a busca, para sabermos cada vez menos, a fim de nos dispormos cada vez mais a melhor ouvir, a melhor auscultar e a melhor receber as novas possibilidades de ser emergentes dessa plenitude abissal do nada (HARADA, 2009, p. 91).
A experiência filosófica tratada aqui não diz respeito à uma filosofia exotérica, voltada ao que está fora, mas uma filosofia esotérica, ou seja, mais voltada para um conhecimento enigmático e por vezes impenetrável, que liga ao mesmo tempo o natural ao sobrenatural e, por isso mesmo, não pode ser vulgarizada.
É dentro e a partir desse não saber, como disposição de ausculta do fundo que dissolve e se faz permeável o fundamento de uma ciência, é, o horizonte fundante, que uma ciência levanta seu edifício (HARADA, 2009, p. 92).
É nesse sentido que é possível afirmar que em sua mitologia, o homem grego já fazia filosofia. Intuitivamente buscava no visto aquilo que não era visto. Seja na busca por uma essência responsável por animar ou dar forma a todas as coisas ou ainda, em uma norma comum passível de ser observada na realidade presente à sua volta. Tal como que pode-se observar nas obras de Homero e Hesíodo, como por exemplo na passagem da Teogonia: “Em um tempo sem tempo, em um instante sem princípio e sem fim, quatro potestades se uniram para engendrar todas as coisas” (LEITE, 2002, p. 21).[3: Lourenço Leite opta pelo termo engendrar (do latim: ingenerare) em contraposição ao termo criar pois na mitologia grega não se trata de uma criação a partir de um nada de modo que “engendramento”, ocasionar ou projetar o aparecimento de alguma coisa sem origem aparente lhe parece mais adequado.]
Assim os mitos gregos insinuam no espírito da época, as verdades imanentes manifestas no ser. Tentam reconduzir à percepção original dada a profundidade da experiência de ser. 
 
O ascetismo dos santos medievais e dos iogues da Índia, as iniciações nos mistérios helenísticos, as antigas filosofias do Oriente e do Ocidente são técnicas para elevar a consciência individual a retirar a ênfase das vestes. As meditações preliminares do aspirante afastam-lhe a mente e os sentimentos dos acidentes da vida, levando-o ao ponto essencial. “Não sou isso nem aquilo” ele medita, “não sou minha mãe, nem meu filho que acabou de morrer, nem meu corpo que está enfermo ou velho; nem meu braço, meus olhos, minha cabeça; nem a soma de todas essas coisas. Não sou meu sentimento, nem minha mente, nem minha intuição” (CAMPBELL, 2007, p. 371).
Entende-se assim que o pensamento mítico, tanto quanto a filosofia, ou a ciência apelam à intuição, na perplexidade de “ser” do ser. Algo anterior a qualquer conceptualização. Em um nada que é tudo, ou seja, nesse fundo que é dado pela perplexidade impactante da própria existência. 
O logos, a razão, só faz organizar, fundamentar, questionar... Está portanto, a posteriori. Como mediadora, estabelece um sentido jurídico ao universo.
Assim, a verdadeira filosofia não diz respeito à um amontoado de saberes, mas antes, levando em conta a afirmação de Kant de que “não há filosofia que se possa aprender, só se pode aprender a filosofar”, a verdadeira e mais original filosofia diz respeito a deixar-se ouvir a profundidade do ser (ARANHA, 1986, p. 44).
É por isso que os primeiros filósofos não se distinguiam de sábios e místicos.
A diferença, portanto, entre o modo de ser mítico assim como o modo de ser religioso de outros modos de ser no mundo, se dá na construção de linguagens especificas a partir de um conjunto de saberes que assumem uma posição de base e estruturam uma visão de mundo.
Quando a filosofia é tomada na sua forma de aparecimento exotérico e usada como conteúdos de saber, opiniões, doutrinas, sabedoria, experiências, ciências, ideologias, expressões culturais etc., ela como filosofia se retrai, e o que sobra ali são mundividências de um ou mais sujeitos ou de uma certa época da história (HARADA, 2009, p. 92).
Nessa mundividência, abarca-se uma posição que se revela na sua atitude ante o tempo e o espaço. É por isso que a própria relação com a natureza e a vida, acaba dotada de valores distintos.
Enquanto o homem religioso, por exemplo, assume uma posição de beatitude e reverência, o homem racional, assume uma posição de domínio e superação tendo em vista sua própria finitude e nesse processo, acaba por vezes, objetivando a si mesmo. Como um produto histórico ou social.
 
O homem religioso assume uma humanidade que tem um modelo trans-humano, transcendente. Ele só se reconhece verdadeiramente homem na medida em que imita os deuses, os Heróis civilizadores ou os Antepassados míticos. Em resumo, homem religioso se quer diferente do que ele acha que é no plano de sua existência profana. O homem religioso não é dado: faz-se a si próprio ao aproximar-se dos modelos divinos (ELIADE, 1992, p. 84).
Mas não se trata aqui de elaborar uma crítica quanto ao modo de ser do homem moderno. São inquestionáveis seus avanços técnicos que propiciaram uma melhor qualidade de vida e de subsistência. Trata-se antes de distingui-lo na sua diferença como modo de ser, muito embora, no plano básico da experiência, se possa observar o ponto em comum, ab origine, com o modo de ser abarcado pelo pensamento mítico. Ponto que surge “nesse movimento de busca do sentido do ser” e não em uma disciplina (HARADA, 2009, p. 92).
Para Harada, é na própria existência humana no mundo, que o homem se vê na necessidade de construir a si mesmo em meio ao encantamento e o terror da “perplexidade do ser ante a esse abismo infindável das possibilidades do ser” (HARADA, 2009, p. 78).
Nesse sentido toda experiência humana se enlaça com signos e símbolos pois não recebe passivamente a realidade circundante e, embora a experiência perca alguma substância ao ser necessariamente mediada pelo logos, a linguagem é condição imprescindível para captação do real surgindo como espontânea na imediatez da própria experiência de ser. Para Ernest Cassirer (1874-1945) por exemplo, o símbolo não deve ser visto como um obstáculo e nesse sentido continua a indicar a originalidade do ser:
Descartes afirmou que a ciência teórica permanece sempre a mesma, em sua natureza e essência, seja qual for o objeto a que se refira, assim como a luz solar permanece sempre a mesma, por mais numerosos e diversos que sejam os objetos por ela iluminados. Algo idêntico podemos dizer de qualquer forma simbólica da linguagem, assim como da arte ou do mito, já que cada uma delas é uma espécie à parte do ver e abriga, em seu último, um foco de luz próprio e peculiar (CASSIRER, 1992, p. 25).
 
Ocorre que a linguagem se constitui num conjunto de imagens, símbolos e sinais que mediam a relação do homem com a realidade formatando um modo de ser, seja mítico, religioso, filosófico, artístico ou científico. Não obstante o filósofo Martin Heidegger afirma em Carta ao Humanismo que:
(...) a linguagem é a casa do ser. Nesta habitação do ser mora o homem. Os pensadores e os poetas são os guardas desta habitação. A guarda que exercem é o ato de consumar a manifestação do ser, na medida, que a levam à linguagem e nela a conservam (HEIDEGGER, 2010, p.08).
Desta forma, é difícil crer em um horizonte humano destituído da filosofia, assim como também é difícil vê-lo sem uma religiosidade ou mesmo sem a presença

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