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Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. Versão Preliminar ANÁLISE MACROECONÔMICA CAPÍTULO VIII: A MACROECONOMIA DA ECONOMIA ABERTA Antônio Salazar P. Brandão* *Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 1 ÍNDICE 1. Introdução................................................................................................................. 2 2. Balanço de pagamentos ............................................................................................ 2 3. Mercado de Divisas ................................................................................................ 14 4. Fundamentos do modelo macroeconômico da economia aberta ............................ 34 5. Efeitos da política macroeconômica e de outras variáveis exógenas: economia com preços rígidos e regime de taxa de câmbio fixa.............................................................. 58 6. Efeitos da política macroeconômica e de outras variáveis exógenas: economia com preços rígidos e regime de taxa de câmbio flexível........................................................ 69 7. Mobilidade de capitais e a curva BP: O modelo Mundell – Fleming..................... 74 8. Política macroeconômica no modelo Mundell-Fleming com taxa de câmbio flexível. ........................................................................................................................... 77 9. O modelo macroeconômico da economia aberta: preços flexíveis ........................ 78 10. Política macroeconômica no regime de taxa de câmbio fixa. ................................ 80 11. Política macroeconômica no regime de taxa de câmbio flexível. .......................... 85 12. Exercícios ............................................................................................................... 87 13. Referências Bibliográficas...................................................................................... 90 14. Apêndice Matemático............................................................................................. 91 Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 2 1. Introdução Neste capítulo tratamos a macroeconomia da economia aberta, ampliando o escopo das análises anteriores. Isto nos levará a adicionar aos modelos que vimos estudando variáveis tais como a taxa de câmbio, o resultado das contas externas do país, a taxa de juro internacional e o risco associado ao não pagamento de empréstimos externos. O modelo clássico e o modelo de rigidez de preços e salários serão os principais paradigmas para a análise. Ainda que ambos representem situações extremas e que não correspondam exatamente aos fenômenos observados na realidade econômica, estas simplificações são de grande utilidade analítica. A primeira parte do capítulo apresenta uma revisão sobre o balanço de pagamentos, sua estrutura contábil e as relações entre a contabilidade do balanço de pagamentos e a contabilidade social. Em seguida estudamos o mercado de divisas externas, diferentes regimes cambiais e são discutidos os conceitos de taxa de câmbio de equilíbrio. Na última parte do capítulo estes conceitos são incorporados ao modelo macroeconômico para estudarmos os efeitos das políticas fiscal, monetária e cambial. 2. Balanço de pagamentos O balanço de pagamentos é o registro contábil de todas as transações econômicas entre residentes e não residentes de um país durante um determinado ano. Os registros no balanço de pagamentos são fluxos durante um período de tempo (anual, mensal, trimestral, etc.). Conseqüentemente os valores dos correspondentes estoques não aparecem neste registro contábil. Como exemplo note que: • contabilizam-se as amortizações da dívida externa do país, porém não o valor da dívida externa numa data específica; • contabilizam-se os investimentos externos feitos no país e feitos pelo país no exterior, porém o estoque de capital estrangeiro no país ou o estoque de capital do país no exterior não são contabilizados; e • contabilizam-se as variações das reservas do país, porém o total das reservas não aparece no balanço de pagamentos. O registro das transações segue o princípio das partidas dobradas. A cada operação corresponde um lançamento a débito, com sinal negativo, e um lançamento a crédito, com sinal positivo. Por construção, estabelece-se sempre a igualdade entre fluxos positivos e negativos, isto é o valor dos lançamentos a crédito será sempre igual ao valor dos lançamentos a débito. Em outras palavras, os princípios gerais da contabilidade são utilizados na construção do Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 3 balanço de pagamentos, o que garante sempre a igualdade entre ativo e passivo. Entretanto o equilíbrio contábil do balanço de pagamentos é de pouco interesse para a análise econômica. Freqüentemente o equilíbrio relevante sob o ponto de vista econômico é diferente, sendo obtido como resultado do comportamento dos agentes econômicos. A situação neste caso é semelhante àquela encontrada diversas vezes anteriormente em que a partir de uma identidade contábil define-se o equilíbrio econômico e este somente se estabelece sob condições mais restritas. Para exemplificar lembremo-nos de que a identidade entre produto e despesa se transforma no equilíbrio do mercado de bens ao ser imposta a condição de que os planos de produção e investimento das empresas coincidam com os planos de consumo das famílias. O conceito de equilíbrio externo relevante para a análise econômica será apresentado mais adiante. Iniciamos apresentando as grandes contas do balanço de pagamentos1. As duas principais divisões são: transações correntes e a conta de capitais. Na primeira contabilizam-se as transações que envolvem bens e serviços adquiridos ou vendidos pelo país. A conta corrente, por sua vez, divide-se em balança comercial, balanço de serviços e transações unilaterais. Na segunda são contabilizadas as transações de capitais e financeiras. As transações de capital incluem as transferências de patrimônio de migrantes e compra e venda ou alienação de ativos não financeiros e não produzidos, tais como patentes e marcas. As transações financeiras registram as movimentações de ativos e passivos financeiros entre residentes e não residentes, tais como, investimento direto, investimentos em carteira, derivativos e outros. Ao lado destas contas operacionais, fazem parte da contabilidade do Balanço de Pagamentos as contas de caixa e também contas de ajuste para variações nas cotações das diversas moedas estrangeiras, do ouro frente ao dólar e dos ganhos e perdas nas cotações dos títulos. Definição. Saldo do Balanço de Pagamentos é a soma algébrica do saldo de transações correntes e do saldo da conta de capitais. Por construção este saldo será igual ao saldo das contas de caixa mais as contas de ajuste com sinal trocado. Por exemplo, se o país apresenta saldo de +US$ 20 bilhões no Balanço de Pagamentos, as contas de caixa e de ajuste apresentarão um saldo de –US$ 20 bilhões. 1Uma boa apresentação relativa ao balanço de pagamentos é a de Simonsen e Cysne (1995). O tratamento apresentado nesta seção é mais simples do que o de Simonsen e Cysne, porém está muito influenciado por eles. Ver também Banco Central (http://www.bcb.gov.br/pec/NotasTecnicas/Port/2001nt01bpm5p.pdf),para atualizações metodológicas, fontes de dados e outras informações. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 4 A tabela 1 contém uma apresentação simplificada do Balanço de Pagamentos. Muitos dos itens que aparecem abaixo são auto explicativos. Não obstante o seguinte deve ser notado: • as contas de caixa contabilizam as variações das reservas do país. Como a contabilidade é feita em dólares americanos, estas contas apresentam contrapartidas, chamadas de contas de ajuste, para levar em consideração variações nas taxas e nos preços dos ativos; • ouro monetário refere-se às variações no estoque de ouro como reserva de valor. Não inclui, portanto ouro utilizado para fins industriais ou outros; • Direitos Especiais de Saque é a moeda emitida pelo Fundo Monetário Internacional e que pode ser utilizada para realizar pagamentos internacionais; • as transferências unilaterais são recursos sem contrapartida de serviços, tais como as doações feitas ou recebidas pelo país e remessas de migrantes. Neste item incluem-se apenas as transferências correntes. As transferências de patrimônio aparecem na conta de capital; e • a conta de capital e financeira registra as operações que envolvem movimentação de patrimônio de migrantes bem como operações de natureza financeira, tais como os investimentos diretos, os investimentos em carteira, as operações com derivativos financeiros (opções, contratos futuros, etc.) e outros empréstimos e financiamentos concedidos por empresas ou por organismos internacionais. Os lançamentos são feitos da seguinte forma: • as exportações de bens são lançadas a crédito da balança comercial (sinal positivo) e as importações são lançadas a débito (sinal negativo); • nas contas que compõem a balança de serviço as entradas são lançadas a crédito (sinal positivo) e as saídas a débito (sinal negativo); • nas transferências unilaterais as doações recebidas são lançadas a crédito (sinal positivo) e as doações feitas são lançadas a débito (sinal negativo); Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 5 • na conta de capital e financeira as entradas são lançadas a crédito e as saídas são lançadas a débito; Tabela 1 Principais Contas do Balanço de Pagamentos 1. Balança Comercial Exportações Importações 2. Serviços e Rendas Serviços Viagens Internacionais Transportes Seguros Serviços Governamentais Outros serviços (Royalties, licenças, etc.) Rendas Lucros, Juros e Dividendos Salários e ordenados 3. Transferências Unilaterais 4. Saldo do Balanço de Pagamentos em Conta Corrente (1+2+3) 5. Conta de Capital e Financeira Transferências de patrimônio e aquisição ou alienação de bens não financeiros e não produzidos Investimentos diretos Empréstimos e financiamentos Amortizações Outras transações financeiras 6. Saldo do Balanço de Pagamentos [(4+5) = (-7)] 7. Contas de caixa e de ajuste Contas de Caixa (variação das reservas) Haveres a Curto Prazo Ouro Monetário Direitos Especiais de Saque Posição das Reservas no Fundo Monetário Internacional Contas de ajuste • seguindo os princípios usuais da contabilidade, os lançamentos nas contas de caixa seguem sistemática diferente das demais contas. As entradas são lançadas a débito e as saídas a crédito; e • por fim faz-se necessário observar que como as variações nas taxas de câmbio ou no preço do ouro afetam a posição das contas de caixa, os lançamentos referentes a estas operações têm que ser contabilizados no balanço de pagamentos. A título de ilustração, suponhamos que o país possua cem milhões de ienes e que a taxa Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 6 de câmbio iene/dólar passou de 100 ienes por dólar para 125 ienes por dólar. As reservas que estavam avaliadas em US$ 1.000.000 (=100.000.000/100) passaram para US$ 800.000 (=100.000/125). Esta redução de US$ 200.000 deve ser contabilizado como crédito da conta haveres a curto prazo e débito da contrapartida para valorização e desvalorização associada a esta conta. Antes de prosseguirmos, um exemplo numérico simplificado irá ajudar o leitor a assimilar os conceitos acima. Para tanto admita que no corrente ano os fatos geradores de lançamentos no balanço de pagamentos são aqueles apresentados a seguir. 1. O país importou US$ 500 pagando à vista. 2. O país importou US$ 300 com financiamento externo. 3. Os investimentos diretos, em moeda, realizados por estrangeiros no país totalizaram US$ 30. 4. Remessas de emigrantes (em moeda) no valor de US$ 100 foram recebidas pelos residentes. 5. O país exportou US$ 1.800 recebendo o pagamento à vista. 6. Foram pagos ao exterior US$ 100 referentes a fretes internacionais. 7. O pagamento de juros ao exterior foi de US$ 1.000. 8. Houve recebimento de juros no valor de US$ 50. 9. Pagamento de royalties no valor US$ 60. 10. Os residentes realizaram empréstimos para não residentes no valor de US$ 30. 11. Foram remetidos para o exterior US$ 20 na forma de lucros. 12. Os lucros retidos pelas empresas multinacionais foram US$ 10 13. Donativos recebidos (em forma de mercadorias): US$ 150 14. Alimentos doados a países vizinhos vitimados por um terremoto: US$ 20 15. A taxa de câmbio dólar/euro passou de 1 dólar por euro para 1,15 dólares por euro. Este país mantém E$ 300 como parte de suas reservas. 16. Foram realizados pagamentos de US$ 20 para amortizar a dívida externa. Estas operações estão contabilizadas na tabela 2. A tabela 3 apresenta o uma versão simplificada do balanço de pagamentos deste país. Este exemplo ressalta os principais aspectos conceituais relativos ao balanço de pagamentos. Senão vejamos: • a entrada líquida de capitais de US$ 290, conforme mostra o saldo da conta capital e financeira, financiou o déficit de igual valor apresentado pela conta corrente. Diz-se, neste caso, que o país foi um importador líquido de capital; Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 7 • as contas de caixa e de ajuste apresentaram déficit de US$ 250. O saldo de –US$ 295 das contas de caixa indicam que as reservas aumentaram neste mesmo montante; • a entrada de líquida de capitais relativamente elevada, US$ 290, permitiu que o país financiasse seu déficit em transações correntes e ainda contribuiu para o aumento das reservas. Um aspecto interessante, também evidenciado no exemplo, é que o saldo do balanço de pagamentos é diferente da variação das reservas do país. Conforme vimos acima, o primeiro foi US$ 250 e a segunda foi de US$ 295. No caso em apreço, a valorização do euro em relação ao dólar aumentou o valor em dólares das reservas existentes sem que houvesse aumento de seu valor em euros. Conclui-se deste exemplo que a variação das reservas do país é igual ao saldo do Balanço de Pagamentos depois de feitos os ajustes referentes às variações das taxas de câmbio das diversas moedas em relação ao dólar, do preço do ouro e de outros ativos financeiros. Tabela 2 1 Importações: -500 Haveres a Curto Prazo: +500 2 Importações: -300 Financiamentos: + 300 3 Investimentos: +30 Haveres a Curto Prazo: -30 4 Transferências Unilaterais:+ 100 Haveres a Curto Prazo: -100 5 Exportações: + 1.800 Haveres a Curto Prazo: -1.800 6 Fretes: - 100 Haveres a Curto Prazo: +100 7 Juros pagos: - 1.000 Haveres a Curto Prazo: +1.000 8 Juros recebidos: + 50 Haveres a Curto Prazo: -50 9 Royalties: - 60 Haveres a Curto Prazo: +60 10 Empréstimos realizados: - 30 Haveres a Curto Prazo: +30 11 Lucros remetidos: - 20 Haveres a Curto Prazo: +20 12 Lucros retidos:-10 Reinvestimentos: + 10 13 Importações: -150 Transf. Unilaterais: +150 14 Exportações: + 20 Transf. Unilaterais: -20 15 Haveres a Curto Prazo: -45 Contrapartida p/ Valorização: +45 16 Amortizações: -20 Haveres a Curto Prazo: + 20 Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 8 Tabela 3 Balanço de Pagamentos 1. Balança Comercial: + 870 Exportações: +1.820 Importações: - 950 2. Serviços e Rendas: - 1.140 Serviços: -160 Fretes: -100 Royalties: -60 Rendas: - 980 Lucros Remetidos: -20 Lucros Reinvestidos: -10 Juros: -950 3. Transferências Unilaterais: +230 4. Saldo em Conta Corrente (1+2+3): - 40 5. Conta de capital e financeira: 290 Investimentos Diretos: + 30 Reinvestimentos: + 10 Empréstimos: - 30 Financiamentos: +300 Amortizações: - 20 6. Saldo do Balanço de Pagamentos [(4+5) = (-7)]: 250 7. Contas de caixa e de ajuste: - 250 Haveres a Curto Prazo: -295 Contrapartida para Valorizações e Desvalorizações: +45 Pagamentos a fatores de produção. Os componentes do balanço de serviços foram divididos em duas partes: aqueles que se referem a pagamentos e recebimentos feitos diretamente a fatores de produção, também chamados de rendas, e os demais serviços. Exemplos do primeiro tipo são juros e lucros (remunerações do capital e do empresário), e salários e ordenados (remuneração do trabalho). Os fretes, as viagens, e os serviços governamentais são exemplos de itens que não envolvem pagamentos diretos a fatores de produção. Estes últimos se assemelham, para fins de análise econômica, aos componentes da balança comercial. Afinal, constituem-se em exportações e importações de serviços. Como tal, respondem às variáveis econômicas de forma similar às exportações de mercadorias. Consideremos, para exemplificar, os efeitos de uma desvalorização cambial. Da mesma forma que há um incentivo para reduzir as importações de bens, digamos automóveis, também ocorre redução das importações de serviços, como viagens internacionais realizadas por residentes. Da mesma forma, as exportações de bens, como Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 9 suco de laranja, devem aumentar, mas também aumentam as vendas de serviços para não residentes, como viagens realizadas por estrangeiros para o nosso país. Notemos que o pagamento de juros sobre a dívida externa ou a remessa de lucros não são afetados pela desvalorização, pois refletem compromissos associados a decisões passadas como a contração de dívida ou investimentos diretos anteriormente realizados. Para fins analíticos é conveniente que adotemos uma classificação distinta da conta corrente do balanço de pagamentos. Em primeiro lugar, consolidamos as contas que refletem serviços relativos a fatores de produção e a conta transferências unilaterais. Este resultado, que denotaremos por R, é chamado renda líquida externa. Observemos que R pode ser positivo ou negativo. Quando a renda líquida externa é negativa, o país envia liquidamente recursos para o exterior. Este tem sido o caso do Brasil: a contribuição dos fatores de produção externos para a produção nacional tem sido sempre superior à contribuição dos fatores de produção domésticos para a produção no resto do mundo mais as transferências líquidas recebidas do exterior2. Os demais itens da conta corrente do balanço de pagamentos serão agrupados no saldo líquido das transações com bens e serviços não fatores, denotado por Tnf. No crédito desta conta aparecem as exportações de bens, contabilizadas a crédito da balança comercial, e as exportações de serviços não fatores, contabilizadas a crédito do balanço de serviços. No débito aparecem as importações de bens e as importações de serviços não fatores. Utilizando os dados do exemplo da tabela 3 temos os seguintes valores para R e Tnf: R = - 980 + 230 = - 750 Tnf = 870 - 160 = 710 O saldo da conta corrente do balanço de pagamentos, que será denotado por T, é: T = Tnf + R = - 40 Saldo em conta corrente e contas nacionais: conceitos. Começamos nossa análise recordando conceitos: • o Produto Nacional Bruto, PNB, é o somatório dos valores de todos os bens e serviços finais produzidos por nacionais, no território nacional ou fora dele; e 2É importante que o leitor esteja atento para a convenção de sinal adotada. R > 0 indica que houve entrada de recursos. Normalmente nos textos de contabilidade nacional utiliza-se o conceito de renda líquida enviada para o exterior. Quando a renda líquida enviada para o exterior é positiva R < 0. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 10 • o Produto Interno Bruto, PIB, é o somatório dos valores de todos os bens e serviços finais produzidos no território nacional. A Despesa Nacional Bruta corresponde à destinação dada ao PNB. Mais especificamente temos: Despesa Nacional Bruta = Despesas com o consumo de bens e serviços produzidos domesticamente + Despesas de investimento com bens e serviços produzidos domesticamente + Despesas de consumo do governo com bens produzidos domesticamente + Exportações de bens e serviços não fatores + Exportações de serviços fatores + Transferências unilaterais feitas para outros países Esta identidade, entretanto, não é a que usualmente aparece nos textos de contabilidade social. Para obtermos a identidade usual consideremos que as importações de bens e serviços incluem despesas com bens e serviços importados para consumo, para investimento, para o governo as despesas com importações de serviços dos fatores produção. Algebricamente: Importações de bens e serviços = Despesas com bens e serviços importados para consumo + Despesas com bens e serviços importados para investimento + Despesas do governo com bens e serviços importados + Importações de serviços dos fatores de produção = Importações de bens e serviços não fatores + Importações de serviços fatores. Notemos agora que: Consumo total = Despesas com o consumo de bens e serviços produzidos domesticamente + Despesas com bens e serviços importados para consumo + Transferências unilaterais recebidas do exterior Investimento total = Despesas de investimento com bens e serviços produzidos domesticamente + Despesas com bens e serviços importados para investimento Gastos do governo = Despesas do governo com bens produzidos domesticamente + Despesas do governo com bens e serviços importados Levando em conta estas identidades, podemos escrever a equação da Despesa Nacional Bruta, que, é idêntica ao PNB, tal como abaixo: PNB = Consumo total + Investimento total + Gastos do Governo + [Exportações de bens e serviços não fatores + Exportações de bens e serviços fatores - Importações de bens e serviços não fatores – Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 11 Importações de bens e serviços fatores + Transferências unilaterais feitas para o exterior – Transferências unilaterais recebidas do exterior] = Consumo total + Investimento total + Gastos do Governo + Saldo do Balanço de Pagamentos em Conta Corrente Para obtermos o PIB devemos subtrair do PNB as exportações de serviços fatores e as transferências unilaterais feitas ao exterior e adicionar a importações de serviços fatores e as transferências unilaterais recebidas do exterior. Ou seja, PIB = PNB – (Exportações de serviços fatores + Transferências unilaterais realizadas para o exterior) + (Importações de serviços fatores + Transferências unilaterais recebidas do exterior) = PNB - R3 Temos assim que: PIB + R = Consumototal + Investimento total + Gastos do Governo + Saldo em Conta Corrente do Balanço de Pagamentos Donde se segue que: PIB = Consumo total + Investimento total + Gastos do Governo + [Saldo em Conta Corrente do Balanço de Pagamentos – R] = Consumo + Investimento Bruto + Gastos do Governo + Tnf Neste capítulo o PIB é o agregado macroeconômico de interesse e, em conseqüência trabalharemos com a identidade apresentada acima. O Balanço de Pagamentos do Brasil. Informações sobre o Balanço de Pagamentos do Brasil estão disponíveis na página do Banco Central do Brasil na internet, www.bcb.gov.br e também na página IPEAData, www.ipeadata.gov.br. Os dados são apresentados com um detalhamento bem maior do que a Tabela 1 ou a Tabela 3, uma vez que o grau de complexidade para a elaboração do Balanço de Pagamentos de um país é muito maior do que nossa discussão simplificada. Não obstante, a discussão simplificada capta os principais aspectos conceituais permitindo que aqueles que compreenderam a explicação do texto possam interpretar os dados sem maiores dificuldades. Na década de 1980 o Brasil passou por um período de pouco crescimento econômico, taxas de inflação em ascensão e dificuldades extremas em relação ao setor externo em função dos pagamentos de juros e amortizações da dívida externa. A partir da segunda metade da década de 1990 a inflação foi significativamente reduzida, porém, até o início dos anos 2000 o crescimento continuou baixo. As dificuldades com o setor externo foram significativamente reduzidas a partir de 2002 até o presente. Tendo este quadro esquemático da 3Outra vez chamamos a atenção do leitor para a diferença entre a convenção de sinal utilizada neste texto e a que usualmente se faz nas apresentações das contas nacionais. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 12 economia em mente, com a ajuda do gráfico 1 apresentamos a seguir fatos estilizados sobre o comportamento do Balanço de Pagamentos do Brasil: • a balança comercial brasileira apresentou saldos positivos em praticamente todo o período posterior a 1980. Exceções importantes ocorreram em 1980, e no período compreendido entre 1995 e 2000; • balanço de serviços e rendas apresenta-se consistentemente deficitário. Todas as suas rubricas apresentam saldos negativos, sendo de ressaltar que as rendas constituem-se no principal componente do déficit. É importante observar que um componente que freqüentemente apresenta o maior valor na rubrica rendas são os juros sobre a dívida externa; • as transferências unilaterais apresentavam valores inexpressivos no começo do período. Entretanto, a partir de 1991 os superávits passam a ser elevados e com tendência de crescimento; • o saldo em transações correntes é quase sempre negativo, porém se reduz na década de 1980. Este comportamento reflete a situação macroeconômica do período: baixa liquidez internacional e compromissos elevados a serem saldados frente aos credores externos. Para um país em desenvolvimento, que precisa de capital externo para se financiar, os elevados saldos positivos em transações correntes nos anos de 1988, 1989 e 1992 demonstram a grande pressão que a crise da dívida externa exerceu sobre nossa economia. A partir de 1994 entretanto o déficit em transações correntes começa a aumentar, revelando fraquezas importantes da economia brasileira. A situação se modifica a partir de 2003 quando se verificam superávits na conta corrente até 2007. Entretanto deve- se ressaltar que em 2007 o superávit já foi bem menor do que nos anos anteriores e a tendência para os próximos anos é de aparecimento de déficits nesta conta; • a conta de capitais e financeira deteriora-se continuamente entre 1980 e 1988, sendo que neste ano apresenta saldo negativo de cerca de US$ 2 bilhões. A partir de 1992 a situação é revertida com significativas entradas de capitais externos; • ao longo do período o balanço de pagamentos apresenta déficits e superávits. Entretanto, devem ser observados os expressivos superávits no início da década de 1990 e os expressivos déficits que se observaram no final da década. A partir de 2001 o balanço de pagamentos volta a apresentar superávits em decorrência da entrada de capitais externos e da redução no déficit em conta corrente. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 13 -60.000 -50.000 -40.000 -30.000 -20.000 -10.000 0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 19 75 19 78 19 81 19 84 19 87 19 90 19 93 19 96 19 99 20 02 20 05 20 08 US $ m ilh õe s Balança Comercial Serviços e rendas Transferências Unilaterais Transações Correntes -35.000 -25.000 -15.000 -5.000 5.000 15.000 25.000 35.000 45.000 55.000 65.000 75.000 85.000 19 75 19 78 19 81 19 84 19 87 19 90 19 93 19 96 19 99 20 02 20 05 20 08 US $ m ilh õe s Transações Correntes Conta Capital e Financeira Saldo do Balanço de Pagamentos Gráfico 1 Fonte: Banco Central do Brasil Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 14 3. Mercado de Divisas O mercado de divisas externas é o local para onde convergem os agentes interessados em adquirir ou vender meios de pagamento internacionais. Com a crescente integração dos mercados financeiros, tais operações de compra e venda se realizam em qualquer centro financeiro no mundo e de forma extremamente simples. É possível para qualquer pessoa adquirir ienes em Nova York, euros em Tóquio, libras esterlinas em Cingapura e assim por diante. Estas operações são realizadas eletronicamente ao simples apertar de algumas teclas. Deve-se ressaltar que o grau de liquidez de uma determinada moeda no mercado mundial está associado ao grau de aceitabilidade da mesma nas trocas internacionais. Enquanto o dólar tem liquidez em qualquer país, o mesmo não se pode dizer do peso argentino ou do boliviano (moeda da Bolívia). Estas moedas apresentam liquidez apenas nos mercados dos países emissores das mesmas. O mercado para o real inclui-se nesta última categoria, pois nossa moeda não tem aceitabilidade nas transações internacionais. Os brasileiros interessados em adquirirem divisas externas e os estrangeiros interessados em adquirirem reais terão que fazê-lo no mercado local. Para compreendermos a formação do preço da moeda estrangeira no Brasil, procuremos caracterizar os agentes que participam deste mercado. Isto pode ser feito de maneira sistemática a partir da estrutura do Balanço de Pagamentos. Na conta corrente podemos identificar como os potenciais vendedores de divisas estrangeiras no mercado doméstico os exportadores de bens e serviços não fatores, os proprietários dos fatores de produção nacionais que exportaram serviços para o exterior e os nacionais que receberam doações e outras transferências do exterior. Os potenciais compradores são os importadores de bens e serviços não fatores, os agentes que necessitam adquirir serviços de fatores de produção externos e os nacionais que desejam fazer doações para o exterior. O movimento de capitais dá origem às operações de natureza financeira no mercado de câmbio. Na parte de captação de recursos, portanto como vendedores de divisas, operam os bancos que tomam empréstimos no exterior para aplicação no mercado interno e que atuam como agentes de investidores e financiadores externos. Na parte das aplicações, os bancos ao emprestar no exterior e atuar como agentes para as operações externas de investidores e financiadores domésticos atuamcomo compradores de divisas. Por fim, cabe mencionar o Banco Central. Este, por ser o depositário das reservas do país e por ter o monopólio de emissão de moeda, tem um peso específico muito grande no mercado de divisas. Seu comportamento é um dos Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 15 determinantes principais do nível da taxa de câmbio, conforme veremos mais adiante. A interação destes agentes no mercado de divisas determina a taxa de câmbio. Esta, por sua vez, influencia os volumes demandados e ofertados de divisas, principalmente no tocante às exportações e importações de bens e serviços não fatores. A taxa de câmbio. A taxa de câmbio é o preço da moeda estrangeira. No Brasil ela é definida como a quantidade de moeda doméstica necessária para comprar uma unidade de moeda estrangeira4. Denotaremos a taxa de câmbio por e, ou quando for necessário fazer uma referência ao tempo, por et, para indicar o valor da taxa de câmbio na data t. Por exemplo, e = 2 significa que são necessários dois reais para adquirir uma unidade de moeda estrangeira, digamos o dólar. Note que se ocorrer um aumento no valor da taxa, digamos e = 3, a moeda doméstica perde valor. Neste caso diz-se que ocorreu uma depreciação ou desvalorização da moeda doméstica. É comum expressarmos o mesmo fato dizendo que houve uma desvalorização cambial. Esta expressão é bem menos precisa e devemos evitá-la mesmo que esteja consagrada no jargão profissional. Analogamente, quando o valor da taxa de câmbio diminui dizemos que houve uma apreciação ou valorização da moeda doméstica. Aqui também devemos evitar a expressão valorização cambial. A taxa de câmbio é um dos determinantes da rentabilidade dos setores da economia que produzem bens exportáveis ou bens que competem com as importações. Considere o exemplo de uma empresa que produz soja. Suponhamos que o preço da soja no mercado internacional seja US$ 100,00 por saca. Caso a taxa de câmbio seja igual a R$ 2 o preço da soja no mercado interno deverá ser R$ 200,00 por saca, admitindo para simplificar o raciocínio que não existam impostos ou taxas na exportação. Na eventualidade de ocorrer uma desvalorização da moeda doméstica e a taxa aumentar para R$ 3, o preço da soja passará para R$ 300,00, incentivando os produtores a aumentar sua produção o que levará ao aumento das exportações. Consideremos agora um produtor de trigo, produto importado pelo Brasil. Caso o preço internacional do trigo seja US$ 200,00 por saca, os produtores domésticos estarão recebendo R$ 400,00 com a taxa de câmbio de R$ 2 por dólar. A desvalorização da moeda doméstica, também beneficiou os produtores de trigo, pois o preço recebido passou para R$ 600,00. Estes se sentirão estimulados a produzir o que resultará em redução das importações deste cereal. 4Por simplicidade de exposição utilizaremos o dólar como representativo da moeda estrangeira. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 16 A desvalorização da moeda doméstica beneficiou os produtores nacionais que produzem bens para exportação ou aqueles que produzem bens que competem com as importações. Este grupo de produtores é usualmente denominado de produtores de bens comercializáveis. Isto quer dizer que os preços de seus produtos são determinados nos mercados internacionais, não dependendo exclusivamente da economia do país em questão. Outros produtos têm seus preços determinados inteiramente no mercado doméstico. Isto ocorre normalmente quando há uma barreira natural que impede sua exportação ou importação, sendo esta barreira freqüentemente o custo de transporte. Estes produtos são chamados de não comercializáveis. O exemplo clássico de produto não comercializável é corte de cabelo. De maneira geral, os bens não comercializáveis são serviços, como é o caso de aluguéis de moradia, serviços condominiais e outros. Quando há uma desvalorização da moeda doméstica o preço relativo dos produtos comercializáveis aumenta e isto estimula o aumento da produção e atrai fatores (trabalho, terra, capital) para o setor. Por outro lado, o preço relativo dos bens não comercializáveis diminui, provocando a contração do setor e o menor uso dos fatores de produção. Faz-se necessária uma qualificação ao raciocínio anterior, pois não levamos em conta que a desvalorização da moeda doméstica pode ocorrer em meio a um processo inflacionário. Nesta situação uma desvalorização da moeda doméstica poderá não garantir aumento de rentabilidade para os produtores de bens comercializáveis. Retomemos o exemplo do produtor de soja e suponhamos que a desvalorização da moeda doméstica ocorreu durante um período em que os preços domésticos subiram. Digamos que quando a taxa de câmbio era R$ 2,00 por dólar, o índice geral de preços, P, era igual a 110. Para fixar idéias, esta data será denotada por t = 0. Quando a taxa de câmbio passou para R$ 3,00 por dólar o valor de P passou para 240. Esta data será denotada por t = 1. Recordemo-nos que o preço internacional da soja não mudou, permanecendo em US$ 100,00 por saca. Desta forma, na data zero o produtor de soja recebeu R$ 200,00 por saca em moeda da data zero. Na data um, o produtor recebeu R$ 300,00 por saca em moeda da data um. Como saber se o poder de compra do saco de soja aumentou ou diminui entre as datas zero e um? Para tanto é necessário fazer a comparação em moeda de uma mesma data. Vamos escolher a data base do índice de preços para fazer esta comparação. Assim, o produtor recebeu na data zero o equivalente a R$ 181,82 (=[200 x 100]/110) em moeda da data base do índice. O correspondente valor para a data um é R$ 125,00 (=[300 x 100]/240). Isto quer dizer que o poder de compra do saco de soja diminuiu entre as datas zero e um, pois enquanto a desvalorização da moeda doméstica foi de 50% a inflação foi de 118,18%. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 17 Notamos, portanto que aos produtores de bens comercializáveis interessa olhar o poder de compra, em moeda doméstica, de seu produto. Denotando a taxa de câmbio na data t por et, o índice geral de preços na data t por Pt e o preço internacional do produto em questão por j*t, o poder de compra do produto é dado pela expressão: t tt P je *× A expressão acima é adequada para o cálculo do poder de compra de um produto determinado. Entretanto, para a análise macroeconômica faz-se necessária a definição de um índice que reflita o poder de compra de todos os bens comercializáveis. Para fazê-lo procederemos de maneira análoga ao anterior, porém substituindo o preço internacional do produto específico por um índice dos preços internacionais dos produtos comercializáveis. Denotando por P*t este índice de preços, este índice é dado pela expressão: t tt P Pe *× Esta expressão é denominada de taxa de câmbio real e usaremos a letra grega θ para representá-la. Portanto: t tt P Pe *× =θ Seguem-se alguns comentários relativos ao cálculo da taxa de câmbio real: • o cálculo acima deve ser feito com base na moeda de um país. Em outras palavras, se estamos interessados na taxa de câmbio real em relação ao dólar, utilizaremos um índice de preços internacionais que reflita o comércio com os Estados Unidos e usaremos a taxa de câmbio entre o real e o dólar. Caso o interesse seja a comparação com o euro, será utilizado um índice de preços internacionais que reflita o comércio com os países da União Européia que aderiram a esta moeda e a taxa de câmbio será aquela entre o real e o euro; • quando existe interesse em calcular um índice da taxa de câmbio real que reflitao comércio com mais de um país ou região de moeda única, faz-se uma média ponderada das várias taxas de câmbio e índices de preço com base nas participações de cada um no comércio internacional. Este índice é denominado de taxa efetiva de câmbio; Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 18 • a escolha dos índices de preços externo é um aspecto importante no cálculo da taxa de câmbio real. Conforme argumentamos acima, a taxa de câmbio real é também um indicador do preço dos produtos comercializáveis em relação ao preço dos produtos não comercializáveis. Assim sendo o índice de preços externos deve conter os produtos comercializáveis ou, na ausência de índice construído com esta finalidade específica, um índice onde o peso dos bens comercializáveis seja elevado. Como o que usualmente se faz é utilizar um índice já existente para o país em questão, deve-se procurar aquele em que o peso dos produtos comercializáveis seja grande, como é o caso dos índices de preço ao produtor ou índices de atacado; e • a escolha do índice de preços interno, usado no denominador, deve refletir a variação do poder de compra da moeda doméstica, o que inclui os produtos comercializáveis como também os não comercializáveis. Normalmente os índices de preço ao consumidor têm esta característica, o que recomenda sua utilização na prática5. No gráfico 2 apresentamos o índice da taxa de câmbio real em relação ao dólar calculado com a utilização de dois deflatores distintos: o índice de preços por atacado (IPA-DI) e o índice de preços ao consumidor. Como índice de preços externos foi utilizado o índice de preços no atacado dos Estados Unidos. As grandes discrepâncias evidenciadas por estes cálculos ilustram as dificuldades na escolha do índice de preço mais adequado. Observemos particularmente o período entre agosto de 1994 e janeiro de 1999, período em que o Brasil manteve a taxa de câmbio quase fixa, provocando um grande descolamento entre os índices de preço no atacado e o índice de preço ao consumidor (ver Brandão e Martini, 1996 e 1997). 5No Brasil, freqüentemente faz-se este cálculo utilizando o índice de preços por atacado da Fundação Getulio Vargas. Este procedimento não é inteiramente adequado uma vez que os produtos não comercializáveis têm pequena participação neste índice. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 19 A determinação da taxa de câmbio nominal: um modelo simplificado. Nesta seção apresentaremos um modelo simples de determinação da taxa de câmbio nominal. Admitimos que a entrada líquida de capitais, denotada por F6, não depende da taxa de câmbio7. O modelo desta seção considera os efeitos de variações na taxa de câmbio nominal sobre a oferta líquida de divisas externas. Suponhamos que a economia produz dois tipos de bens: bens comercializáveis e bens não comercializáveis. Seja Q a quantidade produzida de bens comercializáveis no país e seja Z a quantidade consumida no país de bens comercializáveis. A equação seguinte representa a oferta de bens comercializáveis: = nc c p pAqQ , pc representa o índice de preços dos bens comercializáveis, pnc representa o índice de preços dos bens não comercializáveis e A representa, de forma simplificada, outras variáveis que influenciam a produção e vamos admitir que elevações em A aumentam Q. Quando a relação entre os preços dos bens 6F é o saldo da conta capital e financeira. Quando F > 0 a entrada de capitais superou a saída, ocorrendo o contrário quando F < 0. 7Posteriormente nos preocuparemos em analisar os determinantes da entrada líquida de capitais. Taxa de Câmbio Real: Diferentes Deflatores 50,00 70,00 90,00 110,00 130,00 150,00 170,00 190,00 210,00 230,00 jan /9 4 m ai /9 4 se t/9 4 jan /9 5 m ai /9 5 se t/9 5 jan /9 6 m ai /9 6 se t/9 6 jan /9 7 m ai /9 7 se t/9 7 jan /9 8 m ai /9 8 se t/9 8 jan /9 9 m ai /9 9 se t/9 9 jan /0 0 m ai /0 0 se t/0 0 jan /0 1 m ai /0 1 se t/0 1 jan /0 2 m ai /0 2 se t/0 2 jan /0 3 m ai /0 3 se t/0 3 IPA_DI IPC_DI Fonte: Fundação Getulio Vargas. Elaboração do autor. Gráfico 2 Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 20 comercializáveis e não comercializáveis aumenta, aumenta a produção do país. O consumo de bens comercializáveis é dado por: = nc c p pYzZ , Quando os preços dos bens comercializáveis aumentam em relação aos preços dos bens não comercializáveis, o consumo dos primeiros diminui. A variável Y representa a renda do país: quanto maior a renda maior será o consumo dos bens comercializáveis. A próxima equação mostra a relação entre o preço doméstico dos produtos comercializáveis e o preço no mercado internacional, denotado por p*: *eppc = A equação mostra que o preço doméstico é determinado pela taxa de câmbio nominal e pelos preços externos. Uma elevação dos preços externos ou uma desvalorização da moeda doméstica aumentam o preço dos bens comercializáveis. Substituindo nas equações anteriores temos: = = nc nc p epYzZ p epAqQ * * , , A diferença entre a produção e o consumo dos bens comercializáveis, Q – Z, constitui as exportações líquidas do país. A diferença entre o valor da produção e o valor do consumo a preços internacionais é igual ao saldo da conta corrente do balanço de pagamentos, que será denotado por T: − = ncncnc p epYz p epAqp p epYAT ** * * ,,,, A variável *p é o preço internacional dos produtos comercializáveis. Para simplificar a apresentação, faremos as seguintes hipóteses: Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 21 • que todos os preços internacionais sejam cotados em dólares e que a taxa de câmbio é o preço do dólar em moeda doméstica; • que este é um país pequeno, o que quer dizer que *p não se modifica em conseqüência de variações nas exportações líquidas; e • que o preço dos bens não comercializáveis é fixo. Uma desvalorização da moeda doméstica aumenta as exportações líquidas do país. Isto ocorre devido ao fato de que a desvalorização aumenta o preço relativo dos bens comercializáveis ncp ep* o que por sua vez aumenta a produção e diminui o consumo dos bens comercializáveis. Esta relação esta representada graficamente na Figura 1. Se a taxa de câmbio for igual a e0 a conta corrente do balanço de pagamentos não apresenta superávit nem déficit; se a taxa de câmbio for superior a e0 haverá superávit na conta corrente e se a taxa de câmbio for inferior a e0 haverá déficit na conta corrente. O saldo do balanço de pagamentos, B, é dado por: F p epYATB nc + = * ,, T e e0 Figura 1 Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 22 B é a oferta líquida de divisas para este país. Quando B = 0, a entrada de divisas é igual à saída de divisas: 0=+ F p epYAT nc * ,, Neste caso podem ocorrer as seguintes situações: • T = 0 e F = 0, indicando que o saldo da conta corrente e a entrada líquida de capitais são nulos;• T < 0 e F > 0 indicando que o déficit em transações correntes é compensado pela entrada líquida de capitais; e • T > 0 e F < 0 indicando que o superávit em transações correntes é compensado pela saída líquida de capitais. Valores positivos de B indicam que a entrada de divisas é maior do que a saída, caracterizando uma situação que denominaremos de excesso de oferta de divisas. Valores negativos de B caracterizam uma situação de excesso de demanda de divisas. Na Figura 2 representamos uma situação onde a entrada líquida de capitais é igual a F1. Com a taxa de câmbio e1 o balanço de pagamentos apresenta superávit. Neste caso há um déficit na conta corrente, igual a T1, que é mais do que compensado pela entrada líquida de capitais, F1. Um regime de taxa de câmbio flexível é aquele onde a taxa de câmbio é determinada pela oferta e demanda de moeda estrangeira. A taxa de câmbio de equilíbrio é aquela que torna nulo o saldo do balanço de pagamentos, T + F e e1 T T + F1 T1 T1 + F1 Figura 2 Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 23 conforme ilustrado por e* na Figura 3. Notar que o saldo negativo da conta corrente é compensado pela entrada líquida de capitais, F1. Caso a taxa de câmbio seja superior a e*, o que indica que a moeda doméstica está mais desvalorizada, o saldo na conta corrente será maior do que T* e o balanço de pagamentos apresenta superávit. O excesso de oferta de moeda estrangeira leva à valorização da moeda doméstica, fazendo com que a taxa de câmbio se aproxime de e*. Caso a taxa de câmbio seja inferior a e*, ocorrerá déficit do balanço de pagamentos e o excesso de demanda de moeda estrangeira provoca desvalorização da moeda doméstica. Vejamos agora de que forma a taxa de câmbio de equilíbrio se modifica em resposta a variações nos parâmetros A, Y, p* e pnc. Um aumento da renda doméstica, Y, provoca um aumento de consumo dos bens comercializáveis para todos os valores da taxa de câmbio. Consequentemente há redução no saldo em transações correntes e deslocamento da curva T + F1 para a esquerda, conforme mostrado na Figura 4. Note que no novo equilíbrio há desvalorização da moeda doméstica: a taxa de câmbio passa de e0* para e1*. Uma elevação em A, aumenta a produção de bens comercializáveis, aumenta o saldo em transações correntes e desloca a curva T + F1 para a direita, conforme mostrado na Figura 5. Neste caso ocorre valorização da moeda doméstica no novo equilíbrio. T + F e e* T T + F1 T* Figura 3 Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 24 T + F e e0* T(A, Y1, ep*/pnc) + F1 T(A, Y0, ep*/pnc) + F1e1 * Y1 > Y0 Figura 4 T + F e e1* T(A0, Y, ep*/pnc) + F1 T(A1, Y, ep*/pnc) + F1e0 * A1 > A0 Figura 5 Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 25 A Figura 6 ilustra o efeito de um aumento em p*. Notar que um aumento no preço internacional dos bens comercializáveis provoca valorização da moeda doméstica. A análise acima admitiu que o Banco Central não interferisse no funcionamento do mercado de câmbio. Isto caracteriza o que é chamado de regime de taxa de câmbio flexível. No regime de taxa de câmbio fixa o Banco Central estabelece o preço,da moeda estrangeira e se dispõe a comprar e vender a este preço. Quando há excesso de demanda, o Banco Central vende divisas e para tanto deverá ter um volume de reservas internacionais suficientes para dar tranqüilidade aos participantes do mercado. A figura 7 ilustra este tipo de situação, sendo e0 a taxa de câmbio fixada. Note que enquanto esta situação perdurar o Banco Central deverá vender moeda estrangeira em montante equivalente àquele representado pelo segmento [T0 + F1, 0]. T + F e e1* T(A, Y, ep0*/pnc) + F1 T(A, Y, ep1*/pnc) + F1e0 * p1* > p0* Figura 6 Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 26 Os dois regimes cambiais apresentados acima são paradigmas úteis para representar a maioria dos regimes cambiais modernos. Após a reunião de Bretton Woods, que criou o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, a economia mundial passou a adotar o regime de taxa de câmbio fixa. Entretanto, ao longo do tempo esta situação se modificou radicalmente e no momento prevalecem taxas flexíveis em grande número de países. A mobilidade internacional de capitais e a crescente volatilidade destes capitais estão entre os principais fatores que levaram os países a adotarem taxas de câmbio flexíveis. Vejamos, de maneira simplificada, de que forma a volatilidade de capitais influencia as economias nos dois regimes cambiais. Vamos iniciar com uma economia em que a taxa de câmbio é fixa e que experimenta uma grande saída de capitais. Partindo da situação inicial representada na figura 7 com a taxa de câmbio em e0, a curva de oferta líquida de moeda externa, T + F1 desloca-se para a esquerda forçando o Banco Central a vender um valor ainda maior de divisas. O volume de reservas internacionais existentes é a variável estratégica para avaliar os impactos desta saída de capitais. Caso existam muitas reservas, o Banco Central poderá atender à demanda sem causar expectativas negativas e nem afetar o fluxo de importações. Entretanto caso o volume de reservas seja pequeno ou comece a diminuir rapidamente, expectativas negativas podem se generalizar acelerando o processo de saída de capitais. Com isto as reservas atingem níveis ainda mais baixos o que poderá comprometer a capacidade de importar e causar prejuízos para os produtores nacionais que precisam dos insumos importados para manter a produção e a competitividade. T + F e T + F1 e0 T 0T0 + F1T0 Figura 7 Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 27 Naturalmente que se há um grande influxo de capitais, o Banco Central terá que adquirir moeda externa. Ao agir desta forma a base monetária irá se expandir ou, caso o Banco Central queira evitar isto, haverá colocação de títulos públicos no mercado aberto, aumentando a dívida do setor público. As conseqüências de uma ação ou outra dependerão de diversos outros fatores que analisaremos posteriormente. Caso a economia tenha um regime de taxa de câmbio flexível a saída de capitais provocará desvalorização da moeda doméstica, porém não haverá impacto expressivo sobre as reservas devido ao aumento das exportações líquidas. No caso de um influxo de capitais, a moeda doméstica se valorizará, reduzindo a rentabilidade nos setores de bens comercializáveis e aumentando no setor de bens não comercializáveis. A contração do setor de bens comercializáveis reduzirá as exportações líquidas. A volatilidade do capital externo é o fenômeno que mais tem causado dificuldades para países que já atingiram certo grau de desenvolvimento e que ainda têm suas economias muito dependentes destes recursos. Os chamados países emergentes passaram por profundas crises cambiais nos últimos anos, crises estas que muitas vezes tiveram início em outras economias e que acabaram por afetar todo o sistema econômico mundial. No Brasil duas crises tiveram impactos negativos muito grandes sobre a economia: aquela que se iniciou na Tailândia e Hong Kong em 1997 e a da economia da Rússia logo em seguida. Estas crises provocaram perdas de reservas e levaram o país a pedir apoio aos organismos internacionais para evitar um maior agravamento da situação. Mesmo recebendo o apoio do FMI, do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e de diversos países desenvolvidos, não foi possível mantero sistema de taxa de câmbio fixa que vigorava então. Em 1999 o Brasil adota o sistema de taxa de câmbio flexível o que permitiu que fossem reduzidos os efeitos da volatilidade dos capitais sobre nossas reservas. Taxa de câmbio, taxa de juro e fluxos de capitais. Na seção anterior tratamos os movimentos de capital como variável exógena. Este tratamento, contudo, não é satisfatório. Os movimentos internacionais de capitais assumem hoje uma característica dominante na economia mundial. Os mecanismos que determinam as direções destes fluxos são complexos, refletindo decisões de investidores em diferentes partes do globo terrestre. Estes investidores, procurando maximizar retornos e minimizar riscos, compõem carteiras de ativos financeiros que apresentam grande diversificação em relação à natureza dos títulos (renda fixa ou renda variável) e em relação aos países emissores de tais títulos. Este texto não é o lugar para que se faça uma análise exaustiva dos determinantes do fluxo de capitais para um determinado país. Entretanto, aspectos deste processo que têm relação com a política macroeconômica precisam ser considerados. Estudaremos nesta seção o papel do diferencial entre as taxas de juros interna e externa e a expectativa de Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 28 desvalorização cambial. Para tanto, começamos com o exemplo de um investidor que tem US$ 50 milhões para aplicar pelo período de um ano e deve decidir entre comprar papeis de renda fixa nos Estados Unidos ou comprar papeis de renda fixa no Brasil. Caso a taxa de juro nominal naquele país seja 7% ao ano, ao final do período, a aplicação naquele país fará com o capital investido aumente para US$ 53.50 milhões (=50*(1+0,070)). Suponhamos que no Brasil a taxa de juro seja 20% ao ano. Para realizar a aplicação em títulos no mercado brasileiro, o investidor deverá inicialmente converter seus dólares para reais. Admitindo que a taxa de câmbio no momento de fazer esta conversão seja e0 = 2, este indivíduo a aplicação será de R$ 100 milhões. Como a taxa de juro doméstica é de 20% ao ano, ao final do período o capital será R$ 120 milhões (=100*(1+0,2)). Supondo que a taxa de câmbio tenha passado para e1 = 3, o valor correspondente em dólares será US$ 40 milhões. Sob estas circunstâncias, a aplicação em títulos brasileiros teria sido pior do que em títulos denominados em dólar. De fato o investidor externo teria uma perda de capital se a aplicação fosse feita no Brasil. É conveniente notar que o resultado seria o oposto se a taxa de câmbio tivesse passado para R$ 2,10. Neste caso o capital final em dólares seria de US$ 57,14, milhões tornando a aplicação no Brasil mais atrativa. A figura seguinte representa os fluxos, em dólares, das duas possibilidades de investimento. Sejam; K o valor em dólares do capital inicial, i* a taxa de juro internacional, i a taxa de juro doméstica, e0 a taxa de câmbio nominal na data da aplicação e e1 a taxa de câmbio ao final do período. Caso a aplicação seja feita em dólares o fluxo de caixa pode ser representado como abaixo: Caso a aplicação seja feita em títulos denominados em reais o fluxo de caixa pode ser representado como se segue: Comparando os valores do capital do investidor ao final do período sob nas duas situações acima, é fácil concluir que uma condição necessária para tornar o Brasil mais atrativo ao capital externo é a seguinte: K (K x (1 + i) x e )/e0 1 K K(1 + i*) Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 29 )*i(i)( e e +>+× 11 1 0 Esta condição pode ser rescrita como abaixo8: * * i ii e ee + − < − 10 01 No lado esquerdo da desigualdade temos a desvalorização da taxa de câmbio durante o período da aplicação e no lado direito temos a diferença entre as taxas de juros doméstica e internacional. Notemos que ao tomar a decisão o investidor desconhece a taxa de câmbio que irá vigorar no momento do resgate. Assim sendo, e1 é de fato a taxa de câmbio esperada para a data de vencimento do empréstimo. Denotamos a desvalorização esperada da taxa de câmbio por ê. Notamos ainda que para valores usuais das taxas de juros internacionais a expressão do lado direito da desigualdade pode ser aproximada de maneira relativamente boa apenas pelo numerador. Podemos então expressar a condição necessária para que o investidor internacional escolha títulos denominados em reais como mostrado a seguir: 0 ˆ ˆ ˆ *** >−−⇔+>⇔−< eiiieiiie Esta relação impõe um limite superior para a taxa de desvalorização da moeda doméstica de um país caso este esteja interessado em atrair capital. Este limite será maior quanto maior for o diferencial de juros. Mas isto não é tudo, pois existem riscos nesta operação. Um deles é a desvalorização esperada, um segundo é a interrupção dos fluxos de pagamento internacionais e um terceiro é a insegurança quanto aos direitos de propriedade naquele país. Desta forma, os investidores internacionais exigirão ainda um prêmio de risco para internalizar seus capitais; este prêmio será tanto mais elevado quanto maior a percepção deste risco. Denotando por σ o prêmio de risco, escrevemos a seguir a equação da paridade da taxa de juro: σ++= eii ˆ* Notemos que a taxa de desvalorização esperada da moeda doméstica é determinada pela expectativa do investidor quanto ao valor da taxa de câmbio no momento de resgatar os títulos. Naquelas economias onde existe um 8Para chegar à expressão o leitor deve multiplicar ambos os membros da inequação por *ie e + × 1 1 0 1 e, em seguida, subtrair a unidade dos dois lados do sinal de desigualdade. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 30 mercado futuro de taxa de câmbio, o investidor pode utilizar o valor da taxa de câmbio no mercado futuro para eliminar o risco da variação cambial. Quando esta possibilidade existe, a relação acima é denominada paridade coberta da taxa de juro9; em caso contrário a relação é denominada de paridade descoberta da taxa de juro. Política cambial, conta corrente e movimento autônomo de capitais. Notamos anteriormente que a taxa de câmbio é um elemento importante na determinação do saldo do balanço de pagamentos em conta corrente. Uma desvalorização da taxa de câmbio real tem o efeito de estimular as exportações e desestimular as importações de bens e serviços. Num regime de taxa de câmbio fixa, se o objetivo do governo é realizar uma política neutra em relação à conta corrente o governo deverá procurar manter a taxa de câmbio real constante. Para conseguir este objetivo quando há variações nos preços internos e externos será necessário ajustar a taxa de câmbio nominal. Vejamos como deve ser feito este ajustamento. Denotaremos por θ0 e θ1 os valores inicial e final da taxa de câmbio real; por P0 e P1 os valores inicial e final do índice de preços doméstico; por P*0 e P*1 os valores inicial e final do índice de preços externo; e por e0 e e1 os valores inicial e final da taxa de câmbio nominal. Para que θ0 = θ1 devemos ter: * * * ** )ˆ( pi pi + + =+⇔ =⇔= 1 11 0 1 0 1 0 1 1 11 0 00 e P P P P e e P Pe P Pe onde pi e pi* indicam respectivamente as taxas de inflação doméstica e externa no período considerado. Subtraindo a unidade de ambos os lados da última igualdade segue-se que: * * ˆ pi pipi + − = 1 e Considerando os níveis de inflação usuais dos nossos principais parceiros comerciais (UniãoEuropéia e Estados Unidos da América do Norte), podemos aproximar o valor desta expressão por: * ˆ pipi −=e 9Naturalmente que este tipo de operação tem custo e este deve ser deduzido da taxa de juro doméstica. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 31 Caso o governo tenha por objetivo adotar uma política cambial neutra em relação à conta corrente deve desvalorizar a taxa de câmbio nominal de acordo com o diferencial entre as inflações interna e externa. Caso queira promover desvalorizações reais deverá desvalorizar o câmbio nominal a uma taxa mais elevada do que esta. Assim, a política cambial favorável para a conta corrente deve satisfazer a seguinte desigualdade: * ˆ pipi −≥e Esta relação estabelece um limite mínimo para a desvalorização. Ao considerarmos a paridade da taxa de juro, sabemos que para manter a atratividade para o capital externo, o limite máximo para a desvalorização é dado por: * ˆ iie −≤ A comparação das duas últimas desigualdades mostra que algumas vezes para administrar o regime de taxa de câmbio fixa o Banco Central terá que escolher entre fazer uma política voltada para a conta corrente ou fazer uma política voltada para a conta de capitais. A política cambial no Brasil, entre 1994 e 1998, favoreceu nitidamente a conta de capital, conforme pode ser visto no gráfico 3. No diagrama superior da figura notamos que a taxa de câmbio real apreciou-se sensivelmente o que provocou déficits crescentes na conta corrente do balanço de pagamentos. No diagrama inferior observa-se que a diferença entre a taxa de juro interna, taxa de juro externa e desvalorização do real foi na maior parte do período positiva. Uma exceção digna de nota ocorre em março de 1995 em decorrência da moratória do México no final de 1994. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 32 Taxa real de câmbio 0,6000 0,7000 0,8000 0,9000 1,0000 1,1000 1,2000 jan /9 4 jul /9 4 jan /9 5 jul /9 5 jan /9 6 jul /9 6 jan /9 7 jul /9 7 jan /9 8 jul /9 8 Diferença entre taxa de juro interna, externa e desvalorização do real -0,060 -0,040 -0,020 0,000 0,020 0,040 0,060 0,080 0,100 jan /9 4 jul /9 4 jan /9 5 jul /9 5 jan /9 6 jul /9 6 jan /9 7 jul /9 7 jan /9 8 jul /9 8 Fonte: Banco Central e IPEA Data Taxa de câmbio real = (Taxa nominal de câmbio R$/US$*IPA Estados Unidos)/IPC FGV Taxa de juro interna: Selic; Taxa de juros externa: fundos federais dos EUA Gráfico 3 Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 33 Regimes cambiais. Tomemos como ponto de partida desta breve descrição o acordo de Bretton Woods, celebrado pelos países desenvolvidos e por alguns países em desenvolvimento em julho de 1944. Este acordo, no qual o Brasil esteve presente, levou à criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) do Banco Mundial e foi uma resposta às agressivas desvalorizações feitas pelos países do hemisfério norte que ainda tentavam recuperar-se da grande depressão dos anos 30 e reconstruir suas economias profundamente afetadas pela segunda guerra mundial. Este processo de desvalorizações em seqüência provocou grande instabilidade de preços internacionais e danos tanto aos próprios países desenvolvidos como também aos países em desenvolvimento. Um dos mais importantes aspectos do acordo foi a concordância de todos os signatários em adotar taxas de câmbio nominais fixas. Ao FMI caberia autorizar desvalorizações cambiais para os países que apresentassem problemas estruturais em seu balanço de pagamento e financiar os países que apresentassem problemas de natureza conjuntural em seu balanço de pagamentos. Este sistema funcionou de maneira satisfatória até o ano de 1971, permitindo a expansão das economias dos principais países bem como o crescimento do comércio internacional. Entretanto, em 1971, especulações contra o dólar levaram o Federal Reserve System dos Estados Unidos a parar a venda de ouro para os demais Bancos Centrais e o dólar foi desvalorizado em 8%. Entretanto tais medidas não foram suficientes para acalmar os mercados que continuaram a especular contra o dólar e em 1973, após nova desvalorização insuficiente do dólar, a maioria dos países da OCDE adotou o sistema de taxa de câmbio flutuante, dando início a um novo momento do mercado internacional de capitais. O sistema criado em Bretton Woods foi paulatinamente perdendo importância. Atualmente todos os países desenvolvidos têm taxas de câmbio flutuantes, mas os respectivos Bancos Centrais exercem algum tipo de monitoramento para evitar movimentos especulativos muito acentuados, sistema conhecido como flutuação suja ou bandas cambiais. É importante observar que os mercados de moedas estrangeiras movimentam valores extremamente elevados o que torna praticamente impossível que os Bancos Centrais consigam atuar para evitar movimentos que refletem tendências das taxas de câmbio. A flutuação suja procura apenas evitar movimentos transitórios de caráter nitidamente especulativo. Os regimes cambiais dos países em desenvolvimento apresentam maior diversidade. Com a crescente integração dos mercados de capitais e a natureza essencialmente volúvel dos capitais especulativos, observa-se um crescente movimento de adesão ao sistema de flutuações sujas por parte dos países em desenvolvimento. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 34 4. Fundamentos do modelo macroeconômico da economia aberta Vamos agora incorporar as variáveis da economia aberta ao modelo macroeconômico dos capítulos anteriores. Para tanto vamos supor que existam dois bens: um bem doméstico utilizado por residentes (consumo, investimento e gastos do governo) e por não residentes (exportações); e outro bem produzido no exterior que é importado. Iniciamos revendo as curvas IS e LM para depois tratarmos do balanço de pagamentos. Curva IS. A curva IS representa o equilíbrio do mercado de bens o qual, por sua vez, é definido pela igualdade ex-ante entre produto interno e despesa interna. Apresentamos a seguir uma derivação alternativa do equilíbrio do mercado de bens10. Para tanto, consideremos a seguinte identidade: Y = Cd + Id + Gd + x A notação usada na identidade acima é a seguinte: • Y representa o PIB a preços constantes; • Cd representa as despesas de consumo das famílias com os bens e serviços produzidos no país, a preços constantes; • Id representa as despesas de investimento das empresas com bens produzidos no país, a preços constantes; • Gd representa as despesas do governo com bens e serviços produzidos no país, a preços constantes; e • x representa o valor das exportações do país a preços constantes. Dizendo e outra maneira: x é o valor das despesas dos residentes no exterior com bens e serviços produzidos no país, a preços domésticos constantes. O consumo total dos residentes de nosso país também inclui bens e serviços produzidos no exterior. Cm representa as despesas de consumo das famílias com os bens e serviços produzidos no exterior a preços domésticos constantes. O consumo total é dado por: C = Cm + Cd 10 Esta exposição esta baseada em Sachs; J. D e Felipe Larrain B., cap. 13. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 35 Usando notação análoga, podemos escrever: I = Im + Id G = Gd + Gm11 O valor das importações de bens e serviços a preços constantes,mc, é dado por: mc = Cm + Im + Gm Usando as definições acima, podemos reescrever a identidade anterior tal como se segue: Y = (Cd + Cm) + (Id + Im) + (Gd + Gm) + (x – Cm – Im – Gm) ou Y = C + I + G + (x – mc) Esta é a identidade que aparece nas contas nacionais e a partir da qual se define o equilíbrio do mercado de bens e serviços. Ressaltamos que (x – mc), que será denotado por Tnf, está avaliado a preços constantes em moeda doméstica. Para calcularmos Tnf a preços constantes em moeda doméstica, denotemos por P o preço do produto produzido no país, por Pm o preço doméstico dos produtos importados, por m a quantidade de produtos importados e notemos que valor nominal de Tnf é dado por: (TNnf) = (P.x – Pm.m) O saldo das exportações de bens e serviços não fatores a preços constantes em moeda doméstica é calculado dividindo ambos os lados da equação acima pelo preço doméstico: N nf m nf T P T x m P P = = − Admitiremos também que prevalece a lei do preço único para os bens e serviços domésticos e importados. Denotando os preços internacionais de x e m por Px* e Pm* temos: 11 As despesas do governo com bens domésticos constituem parcela muito mais elevada da despesa total do governo do que as despesas de consumo e investimento. Alguns textos admitem que Gm = 0 (ver Sachs, J. D. e Felipe Larrain B., cap. 13). Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 36 Px* = P/e Pm = e.Pm* A primeira equação mostra que o preço ao qual o produto exportado pelo nosso país é vendido no exterior é igual ao preço doméstico dividido pela taxa de câmbio. Assim se o preço doméstico aumenta ou se ocorre valorização da moeda doméstica o preço ao qual o produto é vendido no exterior aumenta. Quando há queda do preço domesticou ou desvalorização da moeda doméstica, o preço de venda no exterior diminui. Observe, portanto que Px* não é fixo, variando em função do preço doméstico e da taxa de câmbio. Por outro lado, o preço ao qual o produto importado é adquirido no nosso país é igual ao seu preço internacional multiplicado pela taxa de câmbio. Quando ocorre uma valorização da moeda doméstica ou uma redução do preço internacional, o preço doméstico diminui. O preço doméstico aumenta se há aumento do preço internacional ou desvalorização da moeda doméstica. Admitiremos que nosso país seja pequeno e, portanto o preço internacional dos produtos importados não é influenciado pelo volume das nossas importações. Convém observar que neste modelo existem apenas bens comercializáveis. Em vista disto, a taxa de câmbio real é definida por: P Pe m *× =θ A taxa de câmbio real é o preço relativo das importações. Quando ocorre aumento de θ há desvalorização real da moeda doméstica ou, dito de maneira equivalente, o preço relativo das importações aumentou. Quando ocorre diminuição de θ há valorização real da moeda doméstica e redução do preço relativo das importações. É interessante observar que a taxa de câmbio real também indica a maneira através da qual o consumidor do resto do mundo percebe o preço relativo. É fácil ver que: * ** x mm P P e P P = =θ Reescrevemos agora Tnf usando a taxa de câmbio real: Tnf = x - θm Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 37 A soma dos gastos de consumo, de investimento e do governo é denominada de absorção doméstica do PIB e será denotada por A. Lembramos que: • o consumo agregado depende da renda12 — maior renda maior consumo, e da taxa de juro — maior taxa de juro menor consumo13; e • o investimento depende da taxa de juro — maior taxa de juro menor investimento. Reescrevemos a condição de equilíbrio como a seguir: Y = A(r,Y) + (x - θm) = A(r,Y) + Tnf Conforme considerações feitas anteriormente, x é uma função crescente da taxa de câmbio real e m é função decrescente da taxa de câmbio real e função crescente da renda. A equação de equilíbrio do mercado de bens pode ainda ser apresentada como: Y = A(r,Y) + {x(θ) - θm(θ,Y)} = A(r,Y) + Tnf(θ,Y) Lembramos que: • A(r, Y) é função decrescente de r, isto é, 0< ∂ ∂ r A ; • A(r,Y) é função crescente da renda sendo o valor absoluto das variações em A inferiores ao valor absoluto das variações na renda, isto é: 10 < ∂ ∂ < Y A ; e • Tnf (θ,Y) é função decrescente da renda, isto é: 0<∂ ∂ −= ∂ ∂ Y m Y Tnf . Vejamos agora de que forma uma variação da taxa de câmbio real, mantendo a renda constante, influencia o saldo das exportações e importações de bens e serviços não fatores, Tnf. Sabemos que: 12O consumo, e consequentemente a absorção depende da renda disponível, não da renda. Entretanto, sabemos que a renda disponível é igual à renda menos os impostos diretos mais as transferências. Por simplicidade de notação os impostos e as transferências não aparecem explicitamente na formulação do texto. 13 O consumo agregado depende apenas da renda, embora a divisão do consumo entre bens e serviços produzidos no país e bens e serviços importados dependa da taxa de câmbio real. Rio de Janeiro, 14 de maio de 2009. ASPB / Análise Macroeconômica 38 • x é função crescente de θ. Para melhor compreendermos esta relação no contexto deste modelo suponhamos que ocorra uma desvalorização real da moeda doméstica. Preços relativos mais caros dos produtos importados desviam a demanda externa para os bens produzidos no país, levando ao aumento das exportações. • m é função decrescente de θ. De maneira análoga ao exposto acima, uma desvalorização real da moeda doméstica aumenta o preço relativo dos bens importados e, em conseqüência, diminui a demanda por estes bens. Deve-se observar, entretanto, que o efeito de uma variação da taxa de câmbio real sobre o saldo das exportações e importações de bens e serviços não fatores é ambíguo. Para fixar idéias, suponhamos que haja uma desvalorização real da moeda doméstica. Em conseqüência, x aumenta e m diminui, mas nada se pode dizer sobre θm. Em vista disto temos que: • se θm diminuir, Tnf aumentará; • se θm permanecer constante, Tnf aumentará; e • se θm aumentar nada poderá ser dito sobre a variação de Tnf. Note que θm irá diminuir se a redução na quantidade importada, m, for mais do que proporcional ao aumento da taxa de câmbio real. Isto quer dizer que o valor absoluto da elasticidade da demanda por importações de bens e serviços não fatores14 em relação à taxa de câmbio é maior do que a unidade. Caso a redução em m ocorra na mesma proporção que o aumento em θ, o produto θm permanecerá constante. Isto quer dizer que o valor absoluto da elasticidade da demanda por importações de bens e serviços não fatores em relação à taxa de câmbio real é igual à unidade. A situação em que θm aumenta ocorrerá se o valor absoluto da elasticidade da demanda por importações é inferior à unidade, pois neste caso a redução em m será proporcionalmente menor que o aumento no valor de θ. É necessário verificarmos sob que condições o saldo das exportações e importações de bens e serviços não fatores será função crescente da taxa de câmbio real. Por simplicidade, vamos admitir que inicialmente o saldo das exportações e importações de bens e serviços não fatores seja nulo: Tnf = x(θ) - θm(θ,Y) = 0 14 Lembrete: a elasticidade da demanda por importações é negativa, indicando que um aumento em θ diminui m.
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