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O mito da liberdade - Mario Gomes Figueiredo

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O MITO DA LIBERDADE: RELAÇÃO ENTRE BEM-ESTAR INDIVIDUAL E 
CULTURA PARA O BEHAVIORISMO RADICAL 
 
Autor: Mário Gomes de Figueirêdo (ACPC – Núcleo de Estudos Análise do 
Comportamento e Prática Cultural, da UNIVALE – Universidade Vale do Rio Doce, cidade 
de Governador Valadares, Estado de Minas gerais) 
Endereço eletrônico: mariodefigueiredo@yahoo.com.br 
 
Uma questão da existência humana que há muito tempo ocupa pensadores é quanto 
à liberdade do indivíduo e sua relação com a cultura. Tradicionalmente têm-se procurado 
explicar a liberdade a partir da idéia do livre-arbítrio. Segundo dicionário de filosofia, livre-
arbítrio é “...o poder criador da vontade, capaz de agir como causa primeira...e escolher 
para si com completa independência” (DUROZOI; ROUSSEL, 1999). 
 Este conceito de liberdade prevaleceu (e ainda prevalece), ao longo dos tempos, na 
cultura ocidental. Diferentemente desta vertente de pensamento, Skinner propõe uma outra 
forma de compreender a liberdade, a partir de sua teoria da seleção pela conseqüência, 
firmada no Behaviorismo Radical para a explicação do comportamento (SKINNER, 1983; 
1999). 
 Em oposição à idéia de um poder criador interno ao indivíduo, como causa de suas 
ações e, portanto, origem de sua liberdade, Skinner (1999) propõe a história genética e 
ambiental do indivíduo como determinantes de seu comportamento. A liberdade do 
indivíduo, assim, estaria atrelada a estes fatores determinantes. A história genética refere-se 
à seleção natural da espécie, caracterizando os aspectos filogenéticos do indivíduo, tanto 
em termos fisiológicos, quanto comportamentais. A história ambiental trata dos contextos 
onde transcorreu a trajetória de vida da pessoa, onde ela aprende um singular repertório de 
comportamentos A história ambiental ocorre dentro de um grupo, de uma comunidade, que 
através de suas práticas perfaz uma cultura, sendo esta outro aspecto importante na 
compreensão dos elementos envolvidos no comportamento e, portanto, na liberdade do 
indivíduo. 
 
 No processo de construção do repertório comportamental de um indivíduo, o fator 
fundamental da teoria de Skinner é a seleção pela conseqüência, que se define quanto a um 
evento contingente a uma resposta ou classe de respostas fortalecer tal resposta ou classe de 
respostas; ou, de outra forma, quando aumentar a probabilidade de ocorrência futura de 
uma resposta ou classe de respostas em circunstâncias semelhantes.(SKINNER, 1983; 
1999). A este processo, Skinner dá o nome de aprendizagem operante, na medida em que o 
organismo opera sobre o ambiente produzindo conseqüências que fortalecem a 
probabilidade de ocorrência futura da resposta, a partir de uma condição antecedente na 
forma de estímulos discriminativos e operações estabelecedoras. Sintetizou tal processo na 
forma de uma tríplice contingência; ou seja, uma unidade composta de três eventos 
contingentes, que são o estímulo discriminativo, a resposta e o estímulo conseqüente. 
 Sobre esta propriedade de aprender pela conseqüência produzida no ambiente, 
Skinner afirma tratar-se de algo natural, determinado pela seleção natural da espécie 
(SKINNER, 1999). Segundo ele, a luta pela sobrevivência implica no recurso individual de 
um poder operante, que opera sobre o ambiente. Desta forma, todos nós nascemos com a 
característica intrínseca à nossa condição biológica de agir sobre o ambiente a nossa volta, 
modificando-o e, conseqüentemente, sendo modificado por ele, na medida em que a 
conseqüência seleciona a resposta. Nesse sentido, Skinner afirma que somos dotados de um 
poder operante, uma capacidade de agir para controlar o mundo tão natural quanto a 
respiração ou a reprodução (SKINNER, 1983). Assim, podemos inferir que, para Skinner, 
lutar pela liberdade é algo natural ao homem. 
 Entretanto, para Skinner, apesar de sermos dotados de um poder natural para agir 
sobre o mundo, esse poder não se origina em uma suposta vontade interior. Assim, não se 
pode compreender a liberdade individual aqui como algo imanente ao sujeito, no sentido de 
ser desvinculado do mundo externo à ele. Nessa direção, para Skinner o conceito de sujeito 
é de uma relação entre o organismo e o ambiente. A liberdade, para Skinner, portanto, 
envolve indissoluvelmente essa relação do indivíduo com seu ambiente, onde a 
determinação do movimento do indivíduo em direção a ser livre não está nem em um nem 
no outro, mas na relação entre ambos. 
 O ambiente, que mantém essa relação com o organismo, envolve aspectos físicos, 
que vão desde alimentos, roupas e outros objetos, até as pessoas que interagem entre si. Os 
indivíduos agrupados constituem o ambiente social, o qual controla o comportamento de 
cada um do grupo, favorecendo ou não o bem-estar das pessoas. 
 Nesse contexto, a liberdade em Skinner não significa a abolição total de controle, 
visto que esta palavra em sua teoria diz respeito a uma inevitável relação funcional entre 
comportamento e suas variáveis ambientais. O termo, portanto, diferencia-se do sentido 
usual, que é de caráter pejorativo e indica que uma pessoa ou agência qualquer manipula 
outra em benefício exclusivo de si mesma. A liberdade, para Skinner, implica no indivíduo 
livrar-se de controles aversivos ou punitivos e buscar controles por reforçamento positivo 
(SKINNER, 1983). A liberdade, sob essa ótica, é a condição corporal sentida pelo 
indivíduo e gerada pelas contingências de reforçamento. Para Skinner, portanto, liberdade 
não é fruto do exercício de algo intrínseco ao indivíduo, como o livre arbítrio, na medida 
em que estabelece em sua teoria um determinante relacional entre o indivíduo e o ambiente. 
Mais especificamente ainda, nos sentimos plenamente livres quando somos positivamente 
reforçados e não precisamos escapar do contra-controle exercido pelo ambiente social 
(SKINNER, 1999). 
 Avançando nessa direção, temos que a libertação do indivíduo para Skinner exige 
um planejamento explícito, um plano de ação o qual deve fundamentar-se numa análise 
científica do comportamento humano, visto que, o comportamento sempre é controlado 
pelo ambiente e, de forma especial, pelo ambiente social. Análise científica para Skinner 
significa investigação das relações funcionais entre comportamento e suas conseqüências 
produzidas no ambiente. Assim, a liberdade do indivíduo, vista como uma condição que lhe 
favoreça seu bem-estar, está inapelavelmente ligada ao seu ambiente social, visto que é 
nessa relação que o indivíduo pode tirar o máximo de proveito de seu potencial genético 
(SKINNER, 1983). Na tentativa de uma analogia, poderíamos dizer que o livre-arbítrio no 
sentido tradicional, como fruto da racionalidade humana, seria, para o behaviorismo 
radical, comportamento governado por regras; isto é, comportamento sob controle de 
estímulos discriminativos verbais (SKINNER, 1978). 
 A luta pela liberdade individual, portanto, implica em questionar e modificar 
relações de controle entre pessoas e destas com agências sociais. Visto tratar-se de 
convivência humana, esta relação exige uma regulação. A busca da liberdade pelo 
indivíduo, então, estará inevitavelmente limitada por controles de um mundo coercitivo 
(SIDMAN, 1995), constituído de regras de conduta e práticas culturais da comunidade da 
qual faz parte. Ou seja, a liberdade individual, é apenas uma questão de livrar-se de 
controles coercitivos e buscar reforçadores positivos, mas também é uma questão de 
discriminar quais são os aspectos das metacontingências (GLENN citado por TODOROV; 
MOREIRA, 2004) e das contingências coercitivas, próprias da regulação do 
comportamento do grupo e do indivíduo. Neste ponto, Skinner formula uma questão ética, 
quanto a que tipo decontrole é bom ou mau, assim como quais são efetivamente os 
controles coercitivos sociais úteis à preservação da cultura, sendo esta uma prescrição 
moral da teoria skinneriana (SKINNER, 1983; ABIB, 2001; DITTRICH, 2003). 
 Isto posto, para Skinner a busca da liberdade em direção ao bem-estar individual 
está indissociada do compromisso do indivíduo com a sociedade. O bem-estar individual 
deve estar em harmonia com práticas que garantam a sobrevivência da cultura; isto é, da 
vida. Para Skinner, “...o que é bom para a cultura é aquilo que lhe ajuda a garantir sua 
sobrevivência; e o que é bom para o indivíduo é aquilo que lhe promova seu bem-estar” 
(SKINNER,1999, p. 177). O desafio para o indivíduo, então, é equilibrar seus interesses 
individuais com os interesses coletivos. 
 Cultura, para Skinner, é definida como o conjunto de contingências de reforço 
organizadas e mantidas por um grupo social (SKINNER, 1999). Dentre tais contingências, 
aquelas responsáveis pela educação do indivíduo devem modelar, ou favorecer, a aquisição 
de repertório comportamental que atenda a essa prescrição moral. Nesse intuito, as pessoas 
não devem ser deixadas livres para se desenvolver por si mesmas, uma vez que, para 
Skinner, a virtude moral não é produto de uma essência intrínseca ao indivíduo, mas sim é 
comportamento e, como tal, modelado pelas contingências de reforçamento (SKINNER. 
1999). A liberdade individual, portanto, não é algo que se encontra “aprisionado” dentro do 
indivíduo, mas envolve a análise sistemática e a modificação do ambiente social, assim 
como a modificação de comportamentos aprendidos (ou negligenciados) pela educação. 
Para Skinner, o comportamento do homem não é naturalmente moral, nem o homem é 
dotado de sentimentos nobres essenciais, que lhes são inerentes. O comportamento virtuoso 
e moral é produto do ambiente social e o julgamento ético e a moral do homem é produto 
da evolução da cultura. Buscar a liberdade individual com uma conduta moral, ética e com 
senso de decência não é uma condição essencial do indivíduo, porém produto do ambiente 
social (SKINNER, 1999). 
 Assim, a liberdade do indivíduo implica nele livrar-se da coerção, mas também não 
transgredir indiscriminadamente todos os controles sociais coercitivos. Particularmente, 
algumas contingências coercitivas fazem parte do processo de educação do homem, uma 
vez que, para a construção e manutenção da civilização, em alguma medida a coerção é 
inevitável (SIDMAN, 1995). Para tornar sua conduta moralmente correta e responsável 
pela sobrevivência da cultura, o indivíduo tem seu comportamento mantido sob controle 
coercitivo do ambiente social, na forma de princípios legais e éticos. Nesse sentido, em 
busca de libertar-se, o comportamento do indivíduo está continuamente sob controles 
concorrentes, entre “auto-regras de libertação” e contra-controles das contingências sociais 
verbais e não verbais, além de metacontingências da cultura (GLENN citado por 
TODOROV; MOREIRA, 2004). 
 Nesse sentido, Skinner (1983) relaciona a liberdade à dignidade. Se a liberdade é 
um problema criado pelas conseqüências coercitivas, a dignidade, por sua vez, diz respeito 
ao reforçamento positivo social, em como obtê-los ou não perdê-los (SKINNER, 1983). A 
remoção de um reforço positivo é aversiva e as pessoas reagem protestando quando são 
privadas de reconhecimento e admiração. Assim, a luta pela liberdade possui muitos 
aspectos comuns e conflitantes com a luta pela manutenção da dignidade, uma vez que 
ambos, liberdade e dignidade, envolvem poderosos reforçadores sociais. 
 Por fim, concluímos que a liberdade, para Skinner, não é algo que deva ser 
procurado dentro do sujeito. Ser livre implica em operar sobre o ambiente, discriminando e 
escolhendo a que controle se sujeitar. Por outro lado, para o behaviorismo radical, a 
liberdade em seu sentido tradicional deve ser vista como uma ilusão ou um mito. A 
liberdade, efetivamente, é, antes de tudo, uma condição corporal gerada por contingências 
de reforço. Pode ainda ser explicada como um estímulo discriminativo verbal (SKINNER, 
1978) que aumenta a probabilidade do homem operar sobre seu ambiente social, em função 
da conseqüência de gerar-lhe bem-estar e, ao mesmo tempo, transformar a sociedade em 
uma organização mais favorável ao desenvolvimento de todos. 
 
 
Referências 
 
ABIB, J. A. D. Teoria Moral de Skinner e Desenvolvimento Humano. Revista 
Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 14, n. 1, Porto Alegre, 2001. 
DITTRICH, A. Introdução à filosofia moral skinneriana. In: COSTA, C. E. (Org.) 
Primeiros Passos em Análise do Comportamento e Cognição. Santo André: ESETEC, 
2003, p. 11-24. 
DUROZOI,G.; ROUSSEL, A. Dicionário de filosofia, 3 ed. Campinas: Papirus, 
1993. Tradução de Marina Appenzeller. 
SIDMAN, M. Coerção e suas implicações, Campinas: Editora Psy, 1995. Tradução 
de Maria Amália Andery e Tereza Maria Sério 
SKINNER, B. F. O mito da liberdade, 3 ed, São Paulo: Summus, 1983. Tradução de 
Elisane Reis Barbosa Rebelo. 
SKINNER, B.F. Comportamento Verbal. São Paulo: Cultrix, 1978. Tradução de 
Maria da Penha Villalobos. 
SKINNER, B. F. Questões Recentes na Análise do Comportamento. 2 ed. 
Campinas: Papirus, 1995. Tradução de Anita Liberalesso. 
SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. 11 ed, São Paulo: Cultrix, 1999. Tradução 
de Maria da Penha Villalobos. 
TODOROV, J. C.; MOREIRA, M. Análise experimental do comportamento e sociedade: 
um novo foco de estudo. Revista Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 17, n. 1 Porto Alegre, 
2004.

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