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Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original). O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
Editoria Marcial Pons do Brasil. Favor não circular ou citar. 
 
 
 
2.3 A generalidade das regras 
Embora a aplicação das regras jurídicas ao mundo seja caracterizada pelos casos 
fáceis, a adjudicação é dominada, pelas razões já examinadas, pelos casos difíceis. Esses 
casos difíceis, porém, aparecem de formas variadas. Há o caso na fronteira nebulosa de 
uma regra, o qual Stewart v. Dutra Barge Company é um exemplo típico. Um tipo bem 
diferente de caso difícil, entretanto, parece mais com o cenário do limite de velocidade do 
que o caso do Super Scoop. Quando você está argumentando para o policial que não 
estava de fato dirigindo de forma pouco segura, você não está afirmando que a regra não 
é clara nessa aplicação, como estaria fazendo caso tivesse sido parado por não ter seus 
faróis acesos depois de escurecer, dirigindo após o sol se pôr, ou se tivesse sido parado 
em Montana na vigência do regime do limite de velocidade “razoável e prudente”. 
Inversamente, a tentativa típica de um motorista para escapar de uma multa envolve o 
reconhecimento de que a regra, de acordo com seus termos literais, seria plenamente 
aplicável a ele – ele estava realmente a 70 em uma zona de 55 quilômetros por hora – 
contudo, ele alega que a aplicação dos termos da regra a esse caso não serviria às 
justificações subjacentes à regra. Ele admite que estava indo a mais de 55, mas ele 
certamente não estava dirigindo de forma pouco segura. Ou pelo menos é o que alega o 
motorista. 
Tais conflitos entre o resultado que os termos de uma regra indicam e o resultado 
indicado pela razão de ser dessa mesma regra são ubíquos. A Sétima Emenda à 
Constituição prevê o direito a um julgamento por júri em qualquer caso civil de common 
law em um tribunal federal sempre que o valor da causa seja “vinte dólares,” por 
exemplo, e é óbvio que o propósito por trás do mínimo de vinte dólares era limitar os 
julgamentos por júri a casos envolvendo somas substanciais. Mas, embora vinte dólares 
fosse uma quantia substancial em 1791, quando a Sétima Emenda foi adotada, 
dificilmente poderia sê-lo hoje em dia. O mesmo pode ser dito sobre a exigência, prevista 
no Artigo II da Constituição, de que o Presidente tenha alcançado a “Idade de trinta e 
cinco Anos,” criada quando a expectativa de vida ao nascer para um homem (ninguém 
àquela época contemplara que mulheres poderiam sequer votar, quanto mais ser 
Presidente) era abaixo de quarenta anos, comparada com a atual expectativa de vida, para 
homens e mulheres americanos, de mais de setenta e cinco anos. 1 Mas, assim como o 
efeito da inflação sobre o limiar de vinte dólares para julgamentos por júri, o fato de que 
o significado literal da regra de “idade de trinta e cinco anos” falha em servir o propósito 
subjacente dessa mesma regra não muda o significado da regra em si, um significado que 
se mantém amarrado ao significado dos termos nas quais a regra foi escrita. Se você tiver 
apenas trinta e dois anos de idade, você não pode ser Presidente, e beira o fantástico 
imaginar circunstâncias nas quais isso não deveria ser verdade, independentemente da 
 
1 Muitas crianças morreram em uma idade precoce pela doença no século XVIII, por isso os números 
brutos podem ser um pouco enganadores, porque a maioria dos homens adultos de fato viveram até seus 
anos cinquenta e sessenta. Mas mesmo para aqueles que chegaram à idade adulta, as diferenças entre 1787 
e agora ainda são substanciais. 
Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original). O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
Editoria Marcial Pons do Brasil. Favor não circular ou citar. 
 
 
 
razão de ser por trás da regra. 2 O mesmo ocorre com uma exigência mais controversa, 
também prevista no Artigo II, de que o presidente seja um “cidadão nato”. Essa regra, 
que impediu Secretários de Estado como Madeline Albright e Henry Kissinger e 
governadores como Arnold Schwarzenegger e Jennifer Granholm de seriamente 
contemplarem uma candidatura à Presidência, é quase certamente uma personificação 
pobre da justificação subjacente original de se garantir lealdade e comprometimento com 
o país. Ainda assim, os termos da regra prevalecem. 
Embora os termos de uma regra triunfem sobre o seu propósito nessas e em várias 
outras instâncias, não é sempre assim. Um exemplo frequentemente citado de propósito 
prevalecendo sobre o significado literal é o do caso United States v. Church of the Holy 
Trinity. 3 Neste caso, uma igreja havia sido processada por violar uma lei federal que 
proibia qualquer empregador americano de pagar a passagem, de um país estrangeiro 
para os Estados Unidos, de um empregado estrangeiro com a finalidade de obtenção de 
emprego. A igreja ré havia feito exatamente isso. Pagamento havia sido parte de um 
processo de contratação de um novo pastor, e, assim a igreja violara literalmente da lei. 
Contudo, a Suprema Corte sustentou que a lei não deveria ser aplicada literalmente nesse 
caso. A lei, justificou o Ministro Breyer, tinha por alvo os empregadores que estavam 
importando grandes quantidades de trabalho estrangeiro barato para dentro dos Estados 
Unidos. E, porque o pagamento da Igreja da travessia oceânica de seu novo pastor estava 
bem distante do que a Corte considerava ser o propósito do Congresso ao aprovar a lei, 
concluiu-se que o significado literal dos termos do estatuto deveria ceder à razão 
subjacente do estatuto. Como resultado, a igreja foi julgada inocente de violação da regra. 
Ao atingir essa conclusão, o Ministro Breyer se apoiou em um caso anterior na 
mesma direção, United States v. Kirby. 4 Em Kirby, o réu era um policial de Kentucky 
que havia sido condenado com base em uma lei federal que torna crime interferir na 
entrega de correspondências. E havia sido exatamente isso o que Kirby fizera. Ele havia 
inquestionavelmente interferido na entrega da correspondência, mas o fizera no processo 
de embarque de um barco à vapor para prender um carteiro chamado Ferris que tinha 
sido validamente indiciado por homicídio por um tribunal de Kentucky. Assim como em 
Church of the Holy Trinity vinte e quatro anos depois, a Suprema Corte em Kirby alegou 
que os termos literais da lei não deveriam ser aplicados quando, como no caso, a sua 
aplicação dificilmente serviria ao propósito subjacente da lei. 
Nós iremos examinar outros exemplos de tensão entre linguagem e propósito no 
Capítulo Oito, quando enfrentarmos questões de interpretação legal. Por ora, porém, 
esses poucos exemplos são suficientes para ilustrar uma característica importante das 
 
2 Não está claro qual idade em 2008 seria equivalente a 35 em 1787. Em uma época em que é possível - em 
virtude da televisão, da Internet, dos avanços tecnológicos na publicação, e das viagens aéreas, por exemplo 
- para aprender muito mais muito antes do que era possível anteriormente, pode-se argumentar que o 
objetivo por trás da regra dos 35 anos seria servido por redução da idade mínima. Mas, se os autores da 
Constituição queriam garantir que o presidente fosse escolhido dentro do segmento mais velhos e 
experiente da população, então talvez a lógica subjacente iria aconselhar agora uma idade limite 
substancialmente maior do que 35. 
3 143 U.S. 457 (1892). 
4 74 U.S. (7 Wall.) 482 (1868). 
Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original). O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
Editoria Marcial Pons do Brasil. Favor não circular ou citar. 
 
 
 
regras – sua generalidade. Em contrastecom comandos específicos – você leve para fora 
esse saco de lixo agora – regras não falam meramente a um indivíduo engajado em um 
ato num dado momento. Ao invés, regras tipicamente são endereçadas a várias pessoas 
envolvidas em múltiplos atos durante um período estendido de tempo. O limite de 
velocidade se aplica a todos os motoristas em todos os dias e sob quaisquer 
circunstâncias, assim como a regra promulgada pela Agência de Segurança Ocupacional 
e Saúde (OSHA) [Occupational Safety and Health Administration] exigindo o uso de 
proteção auditiva para trabalhadores se aplica a todas as fábricas de um certo tipo e a 
todos os empregados daquelas fábricas. 
 Regras são caracterizadas por serem gerais exatamente nesse sentido, mas, como 
a maioria das generalizações – mesmo as que possuem um mínimo fundamento 
estatístico – elas podem não acertar o tempo todo. É uma boa generalização a de que o 
queijo suíço tem buracos, mas alguns deles não têm. E poucas pessoas iriam discordar da 
generalização de que é frio em Chicago em Janeiro, mas se conhece casos de dias de 
Janeiro quentes em Chicago. E o mesmo acontece com as generalizações que são parte 
das regras. Mas, precisamente porque regras são gerais, existe sempre um risco de que a 
generalização que a regra incorpora não será aplicável a algum caso particular. Mesmo 
que seja verdade na maioria dos casos que motoristas não deveriam dirigir a mais do que 
55 quilômetros por hora, existirão alguns casos nos quais a generalização de que dirigir a 
mais de 55 é perigoso não será aplicável, e, quando essa eventualidade surgir, pode-se 
dizer que a regra é sobre-inclusiva. A regra inclui ou abrange situações que a justificação 
subjacente à regra não abarcaria, como nos casos de Kirby e Church of the Holy Trinity, 
assim como com o motorista dirigindo de forma segura à 70, e como no caso de uma 
ambulância que pode cair dentro do escopo literal da regra de “É proibido veículos no 
parque”. Em tais casos, o alcance da regra é mais amplo do que o alcance de sua 
justificação subjacente e, assim, nós podemos dizer que a regra é sobre-inclusiva. 
Noutros momentos, a generalização da regra será sub-inclusiva, falhando em 
atingir situações que a direta aplicação da justificação subjacente iria abranger. Se o 
propósito da regra “É proibido veículos no parque” é prevenir o barulho, então ela será 
sobre-inclusiva em relação aos silenciosos carros elétricos (que certamente são veículos), 
mas será sob-inclusiva em relação aos instrumentos musicais, comícios políticos e rádios 
portáteis de alto volume – todos dos quais são barulhentos, mas nenhum dos quais é um 
veículo. O mesmo acontece com a regra em questão no caso Kirby, pois podemos 
imaginar todos os tipos de impedimentos para um serviço postal confiável que não iriam 
contar como uma “obstrução” às correspondências. 
Um exemplo moderno tanto de sobre-, quanto de sub-inclusividade pode ser visto 
nos esforços de um número crescente de estados de proibir dirigir enquanto se fala no 
telefone celular.5 A justificação para essas leis, que aparentemente se sustenta nas 
evidências disponíveis, é de que pessoas que estão falando em seus telefones celulares ao 
volante prestam menos atenção à direção do que se não estivessem ao telefone, e que essa 
 
5 Ver, por exemplo, Cal. Stat. Ch. 290 (2006), Cal. Vehicle Code § 23123 (2006); N.J. Stat. Ann. 39:4-97.3 
(West 2004); N.Y. Vehicle & Traffic Law § 1225-c (Consol. Cum. Supp. 2004). 
Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original). O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
Editoria Marcial Pons do Brasil. Favor não circular ou citar. 
 
 
 
prática é uma causa significativa de acidentes automobilísticos. Mas aqueles que se 
opuseram a tais leis dizem que elas são sobre-inclusivas em relação aos motoristas que 
estão falando ao telefone mas continuam prestando atenção. Portanto, os opositores da lei 
insistem que o alcance de uma regra “nada de telefone celular” é mais amplo do que a sua 
justificação “nada de distração”. Além disso, os críticos afirmam, as proibições 
propostas são sub-inclusivas em relação a outras fontes de distração ao volante, tais como 
comer ou ouvir a um empolgante evento esportivo no rádio. Essas objeções por vezes 
prevaleceram, às vezes não,6 mas é importante reconhecer a maneira pela qual, assim 
como ilustrado no exemplo relativamente incontroverso do limite de velocidade, ao 
menos algum grau de sobre- e sob-inclusividade é uma inevitável parte da tentativa de se 
reger o comportamento humano por meio de regras gerais. 7 
O fato de que as regras podem produzir resultados ruins em casos particulares 
devido à sua intrínsieca generalidade foi noticiado por Aristóteles muito antes de 
existirem telefones celulares e muito antes da Suprema Corte ter decidido casos como 
Kirby e Church of the Holy Trinity. Ao explicar porque é necessário haver uma maneira 
de se evitar erras de sobre- e sob-inclusão, Aristóteles assinalou que “toda lei é 
universal”, e que “a lei considera o caso mais usual, se bem que não ignore a 
possibilidade de erro. E nem por isso tal modo de proceder deixa de ser correto, pois o 
erro não está na lei, nem no legislador, mas na natureza da própria coisa, já que os 
assuntos práticos são dessa espécie por natureza.8 
A solução de Aristóteles para esse problema – equidade – irá ocupar parte de 
nossa atenção no Capítulo Seis. Por ora, é importante apenas que se entenda que regras 
são inevitavelmente gerais. Regras funcionam precisamente por causa de sua 
generalidade, e mesmo se fosse possível antecipar toda possível aplicação de uma regra e 
incorporar o resultado certo para toda aplicação à regra, tal regra seria complexa demais 
para fornecer o tipo de orientação que esperamos das regras. E, mesmo que estivéssemos 
dispostos a sacrificar a inteligibilidade e a orientação útil pela precisão, nós ainda 
seríamos incapazes de prever perfeitamente o futuro. Assim como não podemos culpar os 
autores originais das leis de patente por serem incapazes de antecipar, no início do século 
XVIII, que organismos vivos poderiam ser criados em laboratório,9 também devemos 
 
6 Ver Note, The 411 on Cellular Phone Use: An Analysis of the Legislative Attempts to Regulate Cellular 
Phone Use By Drivers, 39 Suffolk U.L. Rev. 233 (2005); Note, Driving While Distracted: How Should 
Legislators Regulate Cell Phone Use Behind the Wheel, 28 J. Legis. 185 (2002). 
7 Um exemplo ainda mais controverso vem dos esforços de algumas municipalidades de banir determinadas 
raças de cães – pit bulls, mais comumente – alegando que algumas delas tendem a ser mais agressivas e 
perigosas do que outras. Como a maioria dos pit bulls não é perigosa, entretanto, o banimento iria ser 
sobre-inclusiva, e como cachorros de outras raças podem ser perigosos, o banimento também seria sub-
inclusivo. Em relação a isso, o banimento de pit bull é ligeiramente diferente das regras em geral, porque os 
oponentes do banimento de raças específicas tem tido considerável sucesso, muitas vezes pegando 
emprestado a linguagem dos direitos civis e recusando, por exemplo, o “racismo” [“breedism”] ou o 
“racismo canino”. Para uma discussão e análise mais ampla da controvérsia, ver Frederick Schauer, 
Profiles, Probabilities, and Stereotypes 55-78 (2003). 
8 Aristóteles, Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os Pensadores), p.96 
9 Ver Diamond v. Chakrabarty, 447 U.S. 303 (1980). 
Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original). O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
Editoria Marcial Pons do Brasil. Favor não circular ou citar. 
 
 
 
reconhecer que mesmo o maiscuidadoso dos legisladores não poderia possivelmente 
prever o que aconteceria no futuro, ou prever como nós iríamos querer lidar com aquele 
futuro quando chegássemos nele. É precisamente na inevitável generalidade das regras, 
portanto, que nós somos forçados a enfrentar a tensão entre o que a regra diz e o que 
poderia ser interpretado como o melhor a ser feito, uma tensão que permeia o uso de 
regras tanto no direito como fora dele. 
 
 
 Quando vamos além dos casos fáceis, no entanto, a questão se torna mais 
complicada. Pois, nesse ponto, encontramos casos difíceis de duas variedades diferentes. 
Um tipo de caso fácil nasce da indeterminação lingüística. As palavras da lei não 
fornecem uma resposta determinada à disputa examinada pela corte, seja porque a 
linguagem é vaga, como é o caso de “proteção igual das leis”, “esforços razoáveis” ou 
“atraso indevido”, seja porque a linguagem, que é determinada para outras aplicações, é 
indeterminada quanto ao assunto em questão, como é o caso da relação entre bicicletas, 
carrinhos de bebê e skates e a regra que proíbe veículos no parque. Mas há outro tipo de 
caso difícil, que não depende em nada da indeterminação linguística. Trata-se do caso 
difícil que é difícil precisamente porque um resultado linguisticamente determinado – o 
monumento à guerra com um veículo, a obstrução do correio causada pela detenção 
legítima do carteiro em Kirby, o prazo perdido em Locke – é plausivelmente visto como 
um resultado legal que não é bom ou, pelo menos, não tão bom quanto outros resultados 
possíveis. Esses são casos difíceis, mas não porque a linguagem não oferece resposta. São 
difíceis precisamente porque a linguagem oferece uma resposta, mas a resposta que a 
linguagem dá parece ser a resposta errada. 
 Como praticamente todos os casos de interpretação de lei que são litigados 
apresentam um desses dois tipos de dificuldade, será útil considerá-los separadamente. 
Olhemos primeiro para os casos que são difíceis em virtude da indeterminação 
linguística, e depois para aqueles que são difíceis em virtude de uma determinação 
linguística aparentemente errônea. 
 
8.3 Quando o texto não fornece resposta 
Implícita no que foi dito sobre a interpretação de leis está a reiteração de uma tese 
central não apenas sobre a interpretação de leis, mas também sobre leis de maneira geral. 
Leis – a linguagem do próprio direito - são importantes não porque são evidência do que 
pensavam ou pretendiam os legisladores, mas por causa daquilo que são. Assim como 
Macbeth não é apenas evidência do que estava na cabeça de Shakespeare, e assim como a 
importância da Mona Lisa não deriva apenas do que ela nos diz a respeito de Leonardo da 
Vinci, uma lei é importante em si mesma. É um item jurídico primário – parte da 
substância do próprio direito – cujo status não depende do quanto é capaz de revelar 
sobre alguma outra coisa.10 
 
10 Para uma visão contrária, ver Ronald Dworkin, Law’s Empire 42 (1986), afirmando que há uma regra 
“real”por trás da formulação de uma regra que podemos encontrar em lugares como o Código dos Estados 
Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original). O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
Editoria Marcial Pons do Brasil. Favor não circular ou citar. 
 
 
 
Como uma lei é direito, e não apenas um indicador de onde é que podemos 
encontrar o direito, não surpreende que a sua linguagem tenha uma importância tão 
grande no raciocínio jurídico. O advogado que fala demais ou cedo demais sobre 
intenções e inferências e princípios mais amplos de justiça num caso envolvendo a 
interpretação de uma lei tende a ser censurado pelo juiz, que dirá “sim, mas o que é que a 
lei realmente diz, doutor?”. Como já vimos, a linguagem de uma lei pode não ser a única 
coisa a ser considerada num caso que envolve a aplicação de uma lei, e aquilo que a lei 
diz pode não ser a última palavra no assunto, mas ignorar que ela é a primeira palavra, o 
ponto de partida, é deixar de compreender algo muito importante acerca da natureza do 
direito. 
Embora as palavras de uma lei sejam quase sempre o ponto de partida, muitas 
vezes elas não fornecem uma resposta clara para uma questão particular. Às vezes, isso 
ocorre porque a lei usa palavras vagas, como “razoável”, “excessivo” ou “nas 
circunstâncias”, e, nesses casos, o juiz inevitavelmente deve olhar além da linguagem da 
lei. Em tais casos, é comum dizer que o juiz tem “discricionariedade”, embora o sentido 
preciso disso seja controvertido. De acordo com uma posição, aquela que Hart adotou 
quando ofereceu o exemplo dos veículos no parque, diante desse tipo de indeterminação 
lingüística o juiz age como se fosse um legislador, e pode levar em consideração toda 
espécie de consideração política [policy consideration] tipicamente usada na legislação 
para determinar como as indeterminações na lei deveriam tornar-se mais específicas e 
como uma disputa concreta deveria ser resolvida. Isso não significa que uma lei vaga não 
oferece nenhuma orientação. Embora a Lei Sherman tenha, na prática, autorizado os 
tribunais federais a criar um corpo de direito antitruste, tanto a linguagem da lei quanto a 
história legislativa que a acompanha deixavam claro que o objetivo do direito era 
oferecer práticas baseadas na colaboração, em vez de uma abordagem laissez faire 
inteiramente competitiva. Logo, embora os tribunais tivessem considerável liberdade para 
especificar os detalhes, esperava-se que fizessem isso com um objetivo particular em 
mente. 
É um tanto controvertida a relação entre o propósito da lei e a história legislativa 
– os registros daquilo que os legisladores explicitamente buscavam, tipicamente extraídos 
não da própria lei (o que explica por que essa história muitas vezes é chamada 
extrínseca), mas de relatórios de comitês, atas de audiências e debates legislativos. O 
debate sobre as ocasiões em que tais materiais deveriam ser usados é um debate vivo, e 
aqueles que defendem o uso desses materiais argumentam que as leis são projetadas para 
promover as intenções legislativas, de tal modo que qualquer evidência de tais intenções 
deveria ser utilizável, especialmente quando a linguagem oferece orientação insuficiente. 
Defensores do uso da história legislativa também argumentam que, em casos como os 
que estamos discutindo – casos em que a linguagem sozinha não fornece resposta –, seria 
 
Unidos [United States Code]. A teoria mais geral de Dworkin sobre a tomada de decisão judicial pode 
muito bem ser verdadeira, ou parcialmente verdadeira, mas a afirmação de que há um tipo de regra “real” 
que não é a regra que está nos códigos é mais misteriosa do que esclarecedora. 
Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original). O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
Editoria Marcial Pons do Brasil. Favor não circular ou citar. 
 
 
 
tolo ignorar qualquer evidência disponível que pudesse ajudar na descoberta daquilo que 
o órgão legislativo gostaria que fosse feito precisamente nesse tipo de caso.11 
 Do outro lado do debate sobre o uso de evidências das reais intenções legislativas, 
aqueles que se opõem ao uso da história legislativa – às vezes chamados textualistas em 
virtude da sua relutância em ir além do texto legal – são céticos quanto ao valor que os 
registros legislativos têm como evidência. Muitas vezes os legisladores têm objetivos 
diferentes em mente, e não é tão claro, dizem, exatamente quem é que teve suas intenções 
registradas. Mais ainda, às vezes o material é inserido na história legislativa por algum 
legisladorapenas para fazer uma observação, capturar a atenção dos jornalistas ou 
agradar ao eleitor, mesmo que esse material não reflita em nada as intenções coletivas do 
órgão legislativo como um todo (assumindo-se que um corpo coletivo é capaz de ter uma 
intenção). Talvez o mais importante para os textualistas, no entanto, seja o fato de que 
apenas o texto foi de fato votado pelo órgão legislativo. Tratar a história legislativa, que 
não foi objeto de voto, como parte da legislação, dizem eles, é profundamente 
antidemocrático.12 
Os debates sobre a permissibilidade (ou a necessidade) do recurso à intenção 
legislativa em casos de leis obscuras não devem ser confundidos com argumentos sobre o 
propósito de uma lei. São os legisladores (ou seus equivalentes) quem têm intenções, mas 
leis podem ter propósitos, e muitas vezes é possível determinar o propósito de uma lei 
simplesmente a partir das suas palavras.13 Às vezes, obviamente, a lei dirá qual é o seu 
propósito, um fenômeno descrito (e aplaudido) por Llewellyn como uma razão cantante, 
seu termo para uma lei que não apenas tem um propósito, mas que também o anuncia 
claramente.14 Mas, mesmo quando o propósito de uma lei não é afirmado explicitamente 
 
11 A prática tradicional britânica exclui a consideração de registros de debates parlamentares reais, mesmo 
quando um tribunal estiver tentando discernir as intenções do parlamento. Essa prática era justificada em 
parte pela tese de que apenas a lei é dotada de autoridade, ver Black-Clawson International v. Papierwerke 
Waldhof-Aschaffenburg, [1975] A.C. 591, em parte porque registros de debates legislativos eram vistos 
como guias pouco confiáveis para as verdadeiras intenções, ver Davis v. Johnson, [1979] A.C. 264 (H.L.), 
e em parte por causa da preocupação com o fato de que o incentivo ao apelo a registros legislativos pouco 
acessíveis aumentaria o custo dos processos. Ver William Twining & David Miers, How to Do Things with 
Rules 291 (4th ed. 1999). A exclusão de materiais legislativos foi parcialmente relaxada em Pepper v. Hart, 
[1993] A.C. 593 (H.L.), mas a prática britânica permanece hoje substancialmente menos aberta ao uso de 
tais materiais do que a prática americana. 
12 O textualista contemporâneo mais influente é o Ministro Scalia. Além de Scalia, A Matter of 
Interpretation, nota 8 supra, veja, por exemplo, Johnson v. United States, 529 U.S. 694, 715 (2000) (Scalia, 
J., voto vencido); Holloway v. United States, 526 U.S. 1, 19 (1999) (Scalia, J., voto vencido); Bank One 
Chicago v. Midwest Bank & Trust Co., 516 U.S. 264 (1996) (Scalia, J., pela maioria); Green v. Bock 
Laudry Machine Co., 490 U.S. 504, 527 (1989) (Scalia, J., pela maioria). Veja também Frank H. 
Easterbrook, Textualism and the Dead Hand, 66 Geo. Wash. L. Rev. 1119 (1998); Frank H. Easterbrook, 
Statutes’ Domains, 50 U. Chi. L. Rev. 533 (1983); Manning, The Absurdity Doctrine, nota 8 supra; John F. 
Manning, Textualism and the Equity of the Statute, 101 Colum. L. Rev. 1 (2001). 
13 Ver Felix Frankfurter, Some Remarks on the Reading of Statutes, 47 Colum. L. Rev. 527 (1947); Max 
Radin, Statutory Interpretation, 43 Harv. L. Rev. 863 (1930). Ver também Richards v. United States, 369 
U.S. 1, 9 (1962). 
14 Karl Llewellen, The Common Law Tradition: Deciding Appeals 183 (1960). Ver também Karl N. 
Llewellyn, The Bramble Bush: On Our Law and Its Study 189 (1931). Llewellyn também via a razão 
Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original). O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
Editoria Marcial Pons do Brasil. Favor não circular ou citar. 
 
 
 
no próprio texto da lei, muitas vezes é possível inferi-lo com confiança considerável a 
partir da linguagem da lei e nada mais. Uma regra que proíbe veículos, instrumentos 
musicais, rádios e autofalantes de um parque quase certamente seria uma regra cujo 
propósito era evitar o barulho. E, portanto, essa regra talvez fosse aplicada para proibir 
um aerofone musical sobre rodas, mas não uma bicicleta ou um carrinho de bebê. Mas 
uma regra proibindo veículos e fogueiras poderia ser entendida, apenas com base na 
conjunção dessas duas proibições, como tendo o propósito de atenuar a poluição, de tal 
modo que alguns casos excepcionais de veículos que não poluem, tais como skates e 
bicicletas, talvez fossem permitidos, enquanto casos excepcionais poluentes, tais como 
barcos e aviões controlados por controle remoto e movidos a combustível, talvez fossem 
proibidos. 
 Os debates sobre a permissibilidade do uso de fontes suplementares a leis 
indeterminadas são extensos. Demos uma rápida olhada nas considerações políticas 
(policy), na intenção do legislador e no propósito da lei como formas alternativas de 
suplementação, e poderíamos certamente somar um sentido geral de justiça à lista de 
instrumentos que um juiz usar para decidir o que fazer e onde buscar respostas quando as 
palavras de uma lei não as fornecerem claramente. E, para alguns filósofos do direito, 
notoriamente para Ronald Dworkin, em tais casos o juiz deve tentar interpretar a lei de 
modo que ela se “encaixe” da melhor maneira possível a outras leis, com a 
jurisprudência publicada [reported cases], com a Constituição, com princípios jurídicos 
gerais, com princípios políticos e morais igualmente gerais e com todos os demais 
componentes da rede perfeitamente coesa que é o direito. 15 Mas, mesmo quando 
somamos essas perspectivas à lista, esse resumo serve apenas para dar uma ideia dos 
tipos de assuntos que tendem a aparecer quando leis não são claras, e dos tipos de fontes 
a que os juízes podem recorrer em tais casos. O ponto é apenas que, intencional ou 
acidentalmente, as leis muitas vezes são linguisticamente obscuras, e que, embora haja 
amplos debates sobre as fontes a que os juízes deveriam apelar em tais casos, não há 
debates sobre a necessidade de que os juízes apelem a algo, pois, em tais casos, olhar 
para a linguagem indeterminada de uma lei vaga ou ambígua não levará a qualquer 
resposta na ausência de algum tipo de suplementação. 
Antes de abandonar o tópico da lei indeterminada, pode ser valioso distinguir 
entre dois tipos de indeterminação. Um tipo é uma consequência de uma lei vaga16 ou 
 
cantante como uma virtude de opiniões judiciais assim como de leis. Karl N. Llewellyn, The Status of the 
Rule of Judicial Precedent, 14 U. Cinc. L. Rev. 203, 217 (1940). 
15 Ronald Dworkin, Freedom’s Law: The Moral Reading of the American Constitution (1996); Ronald 
Dworkin, Law’s Empire (1986); Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously (1977). De fato, Dworkin 
insiste que os juízes buscam e devem buscam esse tipo de ajuste mesmo quando a linguagem da lei mais 
imediata parecer clara, mas isso continua a ser motivo de controvérsia acadêmica. Ver Frederick Schauer, 
The Limited Domain of the Law, 70 Va. L. Rev. 1909 (2004); Frederick Schauer, Constitutional 
Invocations, 65 Ford. L. Rev. 1295 (1997). 
16 Uma lei que não é clara em relação a alguma aplicação às vezes é descrita na literatura jurídica como 
“ambígua”, mas essa não é a palavra certa para o fenômeno em questão. Uma palavra é ambígua quando 
pode ter dois (ou mais) sentidos bastante distintos, como ocorre quando não sabemos se a palavra “banco” 
se refere ao móvel que nos serve de assento ou ao lugar onde guardamos nosso dinheiro, ou se “nave” é um 
Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original). O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
Editoria Marcial Pons do Brasil. Favor não circular ou citar. 
 
 
 
imprecisa que, sozinha, não fornece praticamente nenhumaresposta. Uma lei que 
determina que, em disputas sobre a guarda de crianças, devem ser promovidos os 
“melhores interesses da criança”, como determinam muitas leis estaduais sobre relações 
familiares, é uma lei em que a vagueza da norma reguladora requer um exercício de 
discricionariedade judicial, ou pelo menos algum recurso ao propósito, intenção, justiça, 
equidade ou a alguma outra coisa. E, em virtude da ampla vagueza da norma reguladora, 
esse recurso a algo além das palavras será necessário em praticamente toda e qualquer 
disputa. O mesmo ocorre com leis regulando produtos “de risco” ou animais “perigosos”. 
Podemos estar bem certos de que serras elétricas oferecem risco e de que cascavéis são 
perigosas, mas, para a maioria das aplicações possíveis, as palavras precisarão de 
suplementação em virtude da imprecisão linguística das palavras efetivamente usadas na 
lei. 
 Noutros momentos, no entanto, palavras que parecem precisas, e palavras que são 
precisas para a maioria das aplicações, irão se tornar imprecisas no contexto de alguma 
aplicação particular. Hart assumia que “veículo” era um termo razoavelmente preciso, tal 
que, na maioria das aplicações, seria relativamente fácil concluir se se tratava ou não de 
veículos. Seria apenas diante de uma aplicação incomum – patins, bicicletas ou carrinhos 
de brinquedo – que a vagueza latente de qualquer termo – sua textura aberta17 – se 
revelaria. Assim, embora a aplicação da Lei de Fraudes (exigindo um documento escrito 
para que um contrato seja válido) a transações relativas a terra pareça bastante precisa, e 
embora ela seja de fato precisa para a maioria das aplicações, haveria menos clareza caso 
o contrato versasse sobre a venda ou locação de direitos sobre o uso do ar ou o acesso à 
praia. Tais casos cairiam nas margens nebulosas do termo “terra”, e aqui, assim como 
ocorre com leis em grande medida indeterminadas, seria necessário recorrer a algo além 
das palavras para resolver a controvérsia. 
A indeterminação linguística de leis, portanto, depende de vagueza disseminada 
[pervasive] ou de casos que brotam nos limites vagos de leis que normalmente são 
precisas. Os dois fenômenos são diferentes, mas, em ambos os casos, o texto sozinho não 
dá conta do recado. Há disputas sobre aquilo a que se deve apelar em tais casos – por 
exemplo, intenção do legislador, propósito da lei, boas políticas [good policy], eficiência 
econômica, princípios morais, consistência com outras partes da mesma lei, consistência 
com outras leis, as particularidades do caso – mas essa variedade de interpretação é 
exigida pela simples incapacidade da linguagem de antecipar todos os cenários possíveis 
 
veículo ou a parte interior de uma igreja, mas isso raramente gera problemas para a interpretação de leis. 
[Os exemplos de Schauer – bank e vessel – não correspondem exatamente a “banco” e “nave”; a mudança 
foi necessária para que a explicação fizesse sentido em português (N. do T.).] Na interpretação de leis e 
outros textos legais, o problema é normalmente que as palavras não têm significado claro, em vez de um ou 
outro significado claro, e o termo correto para esse fenômeno é “vagueza”, e não “ambiguidade”. 
17 O termo “textura aberta” era usado por Hart... [The term “open texture” was used by Hart in describing , 
and he gets it from], e ele o emprestou de Friedrich Waismann, Verifiability, em Logic and Language: First 
Series 117 (A.G.N. Flew ed., 1951). Vale enfatizar que “textura aberta” não equivale a vagueza, mas é 
antes a característica de qualquer língua, até da mais precisa, de tornar-se vaga diante de aplicações 
imprevistas. Textura aberta não é vagueza, mas a possibilidade onipresente de vagueza. 
Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original). O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
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num mundo muito mais complexo do que o instrumento embotado da linguagem do 
direito. 
 
8.4 Quando o texto fornece uma resposta ruim 
Embora muitos casos de interpretação surjam quando uma lei é indeterminada – de forma 
geral ou apenas no contexto de alguma aplicação particular em potencial -, há outra 
categoria que é diferente em um sentido relevante. Nessa categoria, as palavras dão uma 
reposta, mas a resposta parece inaceitável. No caso extremo, a resposta dada pelas 
palavras parecerá simplesmente absurda. Essa era a opinião de Fuller em relação aos 
exemplos do veículo usado como um monumento à guerra e do homem de negócios que 
adormeceu enquanto esperava o trem, era também a opinião de Pufendorf em relação ao 
cirurgião detido sob a aplicação literal de uma lei projetada para proibir duelos, e é o 
argumento principal dos críticos da decisão da Suprema Corte em Locke.18 É da essência 
do direito que ele seja razoável, diz o argumento, e, por essa razão, insistir na aplicação 
literal de uma lei que produz um resultado absurdo ou claramente insensato é outro 
absurdo. Não se deve considerar o texto como definitivo [taking the text as the be-all and 
end-all], diz-se, porque isso é profundamente inconsistente com a natureza fundamental 
do direito enquanto regulação razoável da conduta humana. 
Como mostra a decisão da Suprema Corte em Locke, no entanto, há um outro lado 
do debate. Esse outro lado argumenta, em parte, que deixar de lado as palavras, mesmo 
no caso de um resultado aparentemente absurdo, é tomar um rumo condenado ao 
fracasso, pois até mesmo o absurdo pode muitas vezes estar apenas nos olhos de quem 
vê.19 A pergunta, dessa perspectiva, não é se é absurdo negar a Locke seu pleito, 
processar o cirurgião de Pufendorf ou expulsar o homem de negócios da estação de 
Fuller. A pergunta é, na verdade, se qualquer pessoa – incluindo um juiz – deve ter o 
poder de decidir se e quando alguma aplicação é absurda ou não. A ideia do estado de 
direito (rule of law) recomenda que suspeitemos do governo realizado por pessoas - o 
governo das leis e não dos homens, como se dizia tradicionalmente – e, portanto, em 
última instância, a hesitação para confiar até mesmo num tribunal para determinar o que é 
o que não é absurdo sugere que talvez não seja uma ideia tão absurda assim aplicar as 
palavras de uma lei a qualquer custo.20 
 
18 Ver Richard A. Posner, Legal Formalism, Legal Realism, and the Interpretation of Statutes and the 
Constitution, 37 Case West. Res. L. Rev. 179 (1986). 
19 Ver, por exemplo, John L. Manning, The Absurdity Doctrine, 116 Harv. L. Rev. 2387 (2003); Frederick 
Schauer, The Practice and Problems of Plain Meaning, 45 Vand. L. Rev. 715 (1992). 
20 Em um ensaio encantador e duradouro intitulado The Case of the Speluncean Explorers (62 Harv. L. 
Rev. 616 (1949)), Lon Fuller tinha demonstrado, alguns anos antes de se envolver no debate com Hart, que 
havia uma série de maneiras de se lidar com os resultados injustos ocasionalmente produzidos pela 
aplicação direta do direito. No exemplo de Fuller, um grupo de exploradores presos em uma caverna 
enfrenta um problema semelhante àquele dos verdadeiros náufragos em R. v. Dudley & Stephens, L.R. 14 
Q.B.D. 273 (1994), e, da mesma maneira, decidem comer um dos seus para permitir que os demais 
sobrevivam. Processados por homicídio depois do seu resgate, os sobreviventes apresentam uma série de 
teses de defesa, cada uma das quais, na história de Fuller, é aceita por um dos membros da corte. O que é 
mais interessante é que Fuller reconhece que pode haver várias maneiras diferentes de evitar um resultado 
Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original).O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
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Embora seja plausível prender-se às palavras literais de uma lei mesmo em casos 
de óbvio absurdo, essa não é a abordagem predominante. No direito inglês, há menção 
frequente da “regra de ouro” da interpretação de leis, de acordo com a qual o sentido 
literal do texto prevalece em todos os casos à exceção dos casos de resultado absurdo.21 
Também nos Estados Unidos, mesmo aqueles que estão mais comprometidos com o texto 
admitiriam, ainda que às vezes com má vontade, que o seu dito textualismo permite uma 
exceção em casos de óbvio absurdo ou erro aparente de redação.22 
 Colocando o absurdo de lado, os argumentos em favor de se tomar o texto como 
(quase) sempre preeminente não se restringem a argumentos derivados da desconfiança 
diante da discrionariedade dos tomadores de decisão, incluindo os juízes, que é um valor 
associado ao estado de direito. Talvez ainda mais importante, como observado 
brevemente acima, seja o argumento democrático. Quando o órgão legislativo aprova 
uma lei, ele aprova um conjunto de palavras, e não vota, em momento algum, num 
propósito, fim ou justificação de fundo que seja independente das palavras. E ele 
certamente não vota nas intenções expressas nos discursos ou escritos de legisladores 
individuais. De fato, às vezes legisladores diferentes podem muito bem ter intenções ou 
propósitos diferentes em mente, e as palavras promulgadas podem representam a solução 
conciliatória entre legisladores com fins diferentes e projetos políticos diferentes. Tomar 
o que disse o órgão legislativo como preeminente é simplesmente respeitar a origem 
democrática do órgão legislativo. Mas há coisas a serem ditas também do outro lado da 
questão, e é a isso que nos voltamos agora. 
O outro lado do debate, intimamente ligado à posição de Fuller no seu debate com 
Hart, vê leis como manifestações da razão, como expressões de intenções legislativas 
coletivas, como itens jurídicos que têm uma finalidade, ou um propósito. E embora razão, 
intenção e propósito sejam coisas diferentes, todas aglutinam-se em torno da tese de que 
é a função do juiz tentar dar sentido a uma lei, em vez de simplesmente seguir, 
resignadamente, o caminho ridículo indicado por suas palavras. Sim, o poder de dar 
sentido a uma lei é passível de abuso, concedem os defensores dessa tese, mas não 
devemos nos esquecer do aviso do Ministro Story em Martin v. Hunter’s Lessee: “É 
sempre duvidoso argumentar contra o uso ou a existência de um poder com base na 
possibilidade de que ele seja abusado.”23 Então, embora seja possível que haja alguns 
ambientes de tomada de decisão em que as consequências do resultado absurdo ocasional 
– permitir que Kirby seja processado ou negar a Locke seu pleito – serão menos graves 
do que as consequências de se dar poder aos juízes para determinar quais resultados são 
 
injusto . Um deles é interpretar a lei de maneira claramente inconsistente com os seus termos. Mas há 
outras, incluindo anunciar que o direito foi violado, mas impor uma pena mínima, anunciar que o direito foi 
violado, mas recusar-se a aplicá-lo, e impor uma pena e ao mesmo tempo rogar que o executivo perdoe os 
condenados. 
21 Ver Grey v. Pearson, (1857) H.L. Cas. 61; William Twining & David Miers, How To Do Things With 
Rules 279-83 (4th ed. 1999); M.D.A. Freeman, The Modern English Approach to Statutory Construction, in 
Legislation and the Courts 2 (M.D.A. Freeman ed., 1997). 
22 Às vezes descrito como “erro do escrivão”. Ver City of Chicago v. Environmental Defense Fund, 511 
U.S. 328 337 n.3 (1994) (Scalia, J., pela maioria). 
23 Martin v. Hunter’s Lessee, 14 U.S. (1 Wheat.) 304 (1816). 
Pensando como um advogado, de Frederick Schauer. Trechos selecionados (pp. 24-29; 
157-167 da edição original). O livro foi traduzido para o português e será publicado pela 
Editoria Marcial Pons do Brasil. Favor não circular ou citar. 
 
 
 
absurdos e quais não são, pode haver ainda mais ambientes, segue o argumento, em que 
não há razão para se ter uma visão tão pessimista do poder judicial. Se esse é o caso, 
então pode haver muitos ambientes em que juízes podem e devem ser autorizados a 
interpretar leis com base na razão e a determinar quais interpretações são razoáveis e 
quais não são. Em tais ambientes, juízes não abusarão da sua autoridade quando tentarem 
adivinhar o que é que os legisladores teriam desejado que fosse feito nas circunstâncias 
relevantes, e quando tentarem entender, e assim promover, os propósitos da lei. 
Quando essa segunda visão prevalece, quando se permite que os juízes orientem-
se pela a razão mesmo que ocasionalmente cometam erros, é melhor entender a aplicação 
literal de uma lei como derrotável, um termo que encontramos enquanto explorávamos os 
métodos do common law no Capítulo Seis. O termo, que apareceu originalmente na 
literatura sobre direitos de propriedade e hoje é encontrado com frequência em escritos 
filosóficos,24 sugere que há algumas circunstâncias em que uma regra, princípio ou 
resultado legalmente determinado pode ser derrotado. No contexto da interpretação de 
leis, portanto, a visão seria a de que a interpretação literal continua sendo o padrão, e 
continua sendo a abordagem a ser seguida na primeira instância. Contudo, não apenas 
quando a interpretação literal é absurda, mas também quando ela gera um resultado 
inconsistente com o bom senso, inconsistente com a provável intenção legislativa, ou 
inconsistente com o propósito legal, o juiz pode se desviar do sentido literal para 
produzir o resultado mais sensato. 
A mesma ideia pode ser expressa em termos de uma presunção. Juízes 
tipicamente começam pelo texto e presumem que aquilo que o texto diz é o que a lei 
significa.25 Mas essa presunção, como muitas outras, é refutável. A presunção altera o 
ônus da prova, por assim dizer, mas continua sendo possível argumentar que o texto não 
deve ser seguido quando isso for incompatível com o propósito da lei ou a intenção 
legislativa, ou quando produzir um resultado absurdo ou insensato. Tais argumentos 
raramente podem ser feitos com facilidade. Argumentar contra o sentido claro das 
palavras do texto (e vale recordar que estamos tratando aqui da situação na qual se 
assume que o texto tem um sentido literal) nunca é fácil. É como nadar contra a corrente. 
Mas, em muitos sistemas jurídicos, talvez especialmente no sistema jurídico dos Estados 
Unidos,26 tais argumentos são possíveis, e, na verdade, prevalecem com frequência. E 
embora seja um erro ignorar a frequência com que o sentido claro do texto legal é o fator 
dominante na interpretação de leis, também seria um erro negligenciar o fato importante 
de que o texto, mesmo sendo o ponto de partida, muitas vezes não é o ponto final, e que a 
determinação final do significado de uma lei nem sempre equivale ao significado das 
palavras, expressões ou frases que a lei contém. 
 
24 Ver, por exemplo, D. Neil MacCormick, Defeasibility in Law and Logic, in Informatics and the 
Foundation of Legal Reasoning 99 (Zenon Bankowski, Ian White, & Ulrike Hahn, eds., 1995); Richard 
H.S. Tur, Defeasibilism, 21 Ox. J. Legal Stud. 355 (2001). 
25 Ver, por exemplo, Crooks v. Harrelson, 282 U.S. 55, 60 (1930). Sobre presunções em geral, ver o 
Capítulo Doze. 
26 Ver Patrick S. Atiyah & Robert S. Summers, Form and Substance in Anglo-American Law: A 
Comparative Study in Legal Reasoning, Legal Theory and Legal Institutions (1987).

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