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André Rosolem Sant’Anna - OS QUALIA

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O PROBLEMA DOS QUALIA NA FILOSOFIA DA MENTE 
 
André Rosolem Sant’Anna 
Graduando em Filosofia da UEM 
 
Resumo: Neste artigo pretendo apresentar, de um modo geral, os problemas gerados 
pelos qualia dentro da filosofia da mente. Inicialmente, ofereço uma caracterização do 
que são os qualia, prezando por uma definição filosófica deste termo. Em um segundo 
momento, faço uma distinção entre o problema ontológico e o problema epistemológico 
dos qualia, apresentando experiências de pensamento que explicitam estes problemas. Na 
terceira seção, tento aproximar a definição de qualia da primeira seção com as 
experiências de pensamento da segunda seção. Em seguida, ainda nesta última seção, 
apresento um desenvolvimento recente na filosofia da percepção que pode lançar luz 
sobre algum dos problemas que aqui discutimos. 
Palavras-chave: Qualia. Naturalismo. Disjuntivismo. 
 
Abstract: In this paper, I shall try to explore some problems generated by qualia in 
philosophy of mind. First, I shall try to define qualia in philosophical terms. Second, I 
make a distinction between the ontological problem of qualia and the epistemological 
problem of qualia, pointing out to some thought experiments that motivate these 
problems. In the third section, I shall try to relate the discussion outlined in both section 
one and section two by showing how the definition of qualia given in the first section 
relates to the thought experiments presented in the second section. After that, I shall 
present recent development in philosophical theories of perception, hoping that it might 
shed some lights on our discussion. 
Keywords: Qualia. Naturalism. Disjunctivism. 
 
 
1- Introdução 
 Um os grandes desafios da filosofia da mente é o de encontrar uma explicação dos 
aspectos qualitativos (qualia) de nossos estados mentais que seja compatível com as 
nossas intuições científicas mais básicas. Neste artigo, pretendo explorar de um modo um 
pouco mais detalhado estas dificuldades. Com o intuito de delimitar minha discussão, 
estarei concernido aqui primariamente com os obstáculos filosóficos que os qualia 
impõem a uma visão naturalista do mundo. Por esse motivo, dividirei esta discussão em 
dois momentos distintos: primeiro, apresentarei os problemas ontológicos gerados pelos 
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qualia, e, por fim, apresentarei os problemas epistemológicos gerados por estes aspectos 
de nossos estados mentais. 
Para motivar a compreensão dos pontos centrais da minha discussão, irei 
apresentar as experiências de pensamento mais discutidas nas últimas décadas na 
literatura em filosofia da mente. Concluo, por fim, apresentando um desenvolvimento 
recente na filosofia da percepção que pode nos ajudar a entender de modo mais detalhado 
os problemas que discutimos aqui. 
 
2- O que são os qualia? 
Definir os aspectos qualitativos de nossos estados mentais, ou, como muitos 
preferem, definir os qualia (singular quale) é uma tarefa que não pode ser empreendida 
sem adentrarmos em alguns problemas que certamente exigiriam um tratamento mais 
cuidadoso do que aquele que posso lhes dar aqui. Para os meus propósitos neste texto, no 
entanto, vou me restringir a uma definição filosófica dos qualia que acredito estar 
associada ao trabalho de Daniel Dennett (1988). De acordo com esta definição, os qualia 
podem ser caracterizados como aspectos subjetivos, intrínsecos e básicos de nossos 
estados mentais. 
 Precisamos, certamente, explicar o que estes termos querem dizer. Antes de fazer 
isso, eu gostaria, entretanto, de esclarecer um ponto em relação a esta definição. Em seu 
trabalho de 1988 e posteriormente de 1991, Dennett assume claramente uma postura 
eliminativista em relação aos qualia. Para ele, os qualia não possuem uma realidade 
metafísica própria. O ponto que quero deixar claro aqui é o seguinte: ao assumir a 
definição de qualia de Dennett, não estou assumindo também seu eliminativismo. Esta 
definição está dissociada do eliminativismo de Dennett, já que, na verdade, é contra esta 
definição de qualia que Dennett situa sua postura eliminativista. 
 Tendo esclarecido este ponto, passemos às três noções acima que tomamos como 
definidoras da noção de qualia. Para tornar nossa análise mais simples, vamos considerar 
aqui o caso singular de um quale visual associado à experiência visual que temos quando 
olhamos para uma rosa vermelha. 
Comecemos, portanto, vendo como a definição de qualia enquanto aspectos 
subjetivos se aplica a este caso. Quando olhamos para uma rosa vermelha em condições 
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normais, temos uma experiência visual com variados aspectos qualitativos, sendo um 
deles a vermelhidão. Esta vermelhidão de nossa experiência visual é subjetiva, tal como 
prescreve a definição de qualia dada acima, porque só nós podemos ter acesso a ela 
enquanto aspecto qualitativo de nossa experiência visual. Em outras palavras, este 
aspecto vermelho de nossa experiência visual só é acessível a um único sujeito, a saber, 
o sujeito do qual este aspecto compõe a experiência. É importante notar também que 
quando dizemos que “é somente acessível a um único sujeito”, esta sentença não se refere 
a uma limitação local ou atual do mundo, mas sim a uma limitação em princípio: quando 
dizemos que o quale de uma pessoa é subjetivo, dizemos que não podemos, em princípio, 
ter acesso a este quale. Isso é o que podemos entender por qualia enquanto aspectos 
subjetivos. 
 Consideremos, agora, o segundo aspecto, isto é, os qualia enquanto propriedades 
intrínsecas. Podemos destacar, logo de início, que este aspecto está intimamente 
associado ao aspecto básico dos qualia, sendo a diferença entre eles uma questão de 
preocupações distintamente epistemológicas e ontológicas. Veremos isso mais adiante. 
Em relação à noção de instrinsicidade, porém, os qualia são ditos intrínsecos porque não 
é preciso que haja nenhuma mediação entre a nossa percepção e os qualia: estes últimos 
são intrínsecos à nossa percepção, isto é, eles são imediatamente conhecidos quando 
temos uma percepção, seja ela visual, auditiva, ou de qualquer outra modalidade. Note 
que há aqui uma preocupação epistemológica, isto é, uma preocupação em relação ao 
modo em que conhecemos os qualia. Em outros termos, para conhecermos um quale não 
é preciso conhecer nada mais básico do que o próprio quale presente em nossas 
percepções. Essa é a noção de intrinsecidade que associarei à noção de qualia neste artigo. 
 Resta-nos, por fim, entender a noção de qualia enquanto propriedades básicas. É 
comum dizer, também em referência ao aspecto básico dos qualia, que eles são 
propriedades monádicas. Mas o que isso exatamente quer dizer? Como eu disse 
anteriormente, este aspecto está intimamente ligado ao segundo aspecto. Vimos que, no 
caso deste último, havia uma preocupação epistemológica em relação aos qualia. No caso 
do terceiro aspecto, todavia, há uma preocupação distintamente ontológica. Isso quer 
dizer que os qualia são considerados propriedades mais básicas ou propriedades 
monádicas porque não são compostos por nenhuma outra propriedade mais básica. Os 
qualia são, em outras palavras, a unidade mais básica dos aspectos qualitativos de nossos 
estados mentais. 
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 Essa caracterização dos qualia estabelece o background filosófico em que nossa 
discussão estará inserida na próxima seção. Tentarei explicitar, através de argumentos 
conhecidos dentro da filosofia da mente, como os qualia, definidos a partir dos três 
aspectos aqui mencionados, apresentam dificuldades a uma visão naturalista do mundo. 
Passemos, portanto, a esta discussão. 
 
3- Naturalismo e qualia 
 Esta seção está destinada a apresentar algumas experiências de pensamento que 
foram formuladas com o intuito de chamar nossa atenção para algumas intuições 
conflitantes entre a nossa concepção de qualia e a visão naturalista que temos do mundo. 
Para que possamos entender isso de um modo mais claro, apresento primeiro uma 
definição geral do que entenderei por naturalismo. Tendo feito isso, apresento, em um 
segundo momento, as experiências de pensamento que exploram estas intuições 
conflitantes. 
 
3.1- O que é naturalismo? 
 Definir o termo naturalismo seria, certamente, uma tarefa que poderia ser 
empreendida à parte. Para os nossos propósitos aqui, no entanto, podemos nos restringir 
a duas ideias centrais: (i) a ideia segundo a qual hipóteses filosóficas devem ser 
consideradas em continuidade com hipóteses científicas; e (ii) a ideia segundo a qual o 
universo físico é causalmente fechado. Tentarei explicar estas noções com mais detalhes 
no que se segue. 
 Primeiramente, o que significa dizer que hipóteses filosóficas devem ser 
consideradas em continuidade com hipóteses científicas? A ideia de continuidade entre 
filosofia e ciência é uma ideia que vem recebendo muita atenção nas últimas décadas 
dentro da dita tradição analítica da filosofia. De um modo mais específico, podemos 
remontar este debate a um artigo de W. V. O. Quine intitulado Epistemology Naturalized 
(1969). Neste trabalho, Quine argumenta em favor de um empreendimento 
epistemológico que seja contínuo com as ciências empíricas, de tal modo que não mais 
existiriam questões filosóficas “próprias”. Os problemas da epistemologia, acreditava 
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Quine, poderiam ser resolvidos pela investigação empírica dos processos psicológicos da 
mente humana. 
 Não entraremos aqui nos méritos da proposta de Quine, mas é importante 
notarmos que a sua ideia geral de empreender a investigação filosófica em conjunto com 
as ciências empíricas teve uma ampla influência na literatura subsequente. Isso fica 
evidente, por exemplo, no trabalho recente de Ladyman, Ross e seus colaboradores 
(2007). A proposta destes autores é a de instituir dentro da metafísica uma versão 
naturalizada desta. Mais especificamente, para Ladyman e seus colaboradores, quando 
assumimos uma postura naturalista dentro da metafísica, “uma importante fonte de 
justificação para uma hipótese é como ela se situa em uma relação explanatória recíproca 
– uma rede de relações de acordo comum [networked consilience relationships] – com 
outras hipóteses científicas” (2007, p. 27, itálico adicionado). 
 É evidente que, quando colocamos a concordância de uma hipótese com outras 
hipóteses mais bem estabelecidas da ciência como critério de justificação, estamos 
assumindo uma ligação estreita entre filosofia (neste caso, a metafísica) com as ciências 
naturais. É neste sentido, portanto, que entenderei o aspecto (i) mencionado acima. Em 
outras palavras, quando dizermos que a filosofia é contínua com as ciências naturais, 
estaremos aqui assumindo que hipóteses filosóficas serão consideradas de acordo com 
sua relação de coerência com outras teorias científicas. 
 Tendo especificado (i), passemos agora à análise de (ii). A questão que temos em 
nossa frente é a seguinte: o que significa dizer que o universo físico é causalmente 
fechado? A noção de fechamento causal do universo está associada a uma noção de 
completude das ciências naturais, mais especificamente da física. Em outros termos, 
quando dizemos que o universo físico é causalmente fechado, estamos nos 
comprometendo com a visão segundo a qual a explicação causal de um evento E pode ser 
dada exaustivamente por uma causa física F ou um conjunto de causas física F1, F2, ..., 
Fn. 
 Note que dizer que o universo físico é causalmente fechado não é uma afirmação 
trivial para o naturalismo dentro da filosofia da mente. Nas discussões acerca da natureza 
do mental, ainda não temos claro se a mente é uma substância independente da matéria 
(como no caso do dualismo de substâncias) ou se a mente é somente matéria. Neste 
sentido, quando assumimos o naturalismo (e, portanto, (ii)), eliminamos, por definição, a 
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possibilidade da existência de entidades não-materiais, como uma substância pensante, 
que interajam com o corpo, uma entidade material. Esta é, portanto, a noção de 
fechamento causal que terei em mente quando mencionar o naturalismo. 
 Veremos nos próximos tópicos desta seção que as experiências de pensamento 
discutidas na filosofia da mente questionam algumas das consequências que resultam da 
assunção de um naturalismo baseado em (i) e (ii). Mais especificamente, veremos que a 
nossas intuições acerca da mente parecem conflitar com a definição de naturalismo que 
estipulamos aqui. 
 
3.2- Zumbis e espectros invertidos: problemas ontológicos 
 Na introdução deste artigo, mencionei que estaria preocupado com as dificuldades 
filosóficas que os qualia impunham ao naturalismo. Para iniciar esta discussão, vamos 
primeiro considerar os problemas ontológicos que a existência dos qualia levanta. Para 
motivar esta discussão, apresentarei duas experiências de pensamento muito discutidas 
na filosofia da mente: o caso dos zumbis filosóficos e o caso do espectro invertido1. 
 Comecemos pelo caso dos zumbis filosóficos. A formulação desta experiência de 
pensamento é atribuída a David Chalmers (1996). Com a formulação deste cenário, 
Chalmers pretende nos mostrar que uma certa posição metafísica na filosofia da mente, o 
funcionalismo, não consegue capturar todos os aspectos de nossa vida mental. Embora 
não estejamos preocupados aqui com qual posição metafísica acerca da natureza da mente 
esteja correta, podemos considerar que a experiência de pensamento de Chalmers se 
aplica, de um modo mais amplo, a todas as concepções naturalistas acerca da mente2. 
 A experiência de pensamento de Chalmers se desenvolve da seguinte maneira: 
imagine um mundo, talvez bem distante do nosso, que seja uma cópia física idêntica do 
nosso mundo atual. Neste mundo, a cópia física de Barack Obama seria o presidente dos 
 
1 Gostaria de enfatizar que não pretendo, de nenhum modo, apresentar estas experiências de um modo 
exaustivo. O meu objetivo é simplesmente apresentar uma versão simplificada destas experiências de 
pensamento que possa, no entanto, capturar os conflitos entre nossas intuições acerca da mente e dos qualia 
com uma visão naturalista do mundo. 
2 Esta afirmação, com toda a certeza, poderia ser disputada. O próprio Chalmers (1996), após negar a 
possibilidade de uma abordagem em termos puramente físicos da mente, elabora sua proposta acerca da 
natureza do mental, proposta a qual ele denomina de dualismo naturalista. A proposta de Chalmers não se 
enquadra, em um primeiro momento, na definição de naturalismo que demos neste artigo. Poderíamos, 
entretanto, revisar alguns denossos comprometimentos de tal modo que a proposta de Chalmers pudesse 
ser chamada, em um sentido estrito, de naturalista. Isso, no entanto, extrapolaria os propósitos deste artigo. 
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Estados Unidos e a cópia física de Lionel Messi seria o melhor jogador de futebol do 
mundo, de tal modo que eles se comportem da mesma maneira como se comportam os 
indivíduos dos quais são cópias no mundo atual. Embora fisicamente e 
comportamentalmente indistinguíveis do Barack Obama e do Lionel Messi de nosso 
mundo, as cópias físicas (doppelgängers) não teriam uma vida mental: a vida interior 
destes doppelgängers seria, ao contrário dos indivíduos de nosso mundo, uma completa 
escuridão! 
 Aqui nós podemos nos perguntar: e o que isso quer dizer? Para Chalmers, isso nos 
permite perceber que existe pelo menos um cenário logicamente possível no qual seres 
inteligentes (como os doppelgängers de Obama e Messi) ajam exatamente como os 
indivíduos do qual são cópia no mundo atual, mas que não tenham nenhuma experiência 
consciente. Isso nos levaria a considerar a hipótese segundo a qual é preciso que haja algo 
a mais do que meras condições físicas para que exista mente ou consciência, visto que é 
possível concebermos um mundo que seja uma cópia física idêntica do mundo atual, mas 
no qual não exista nenhuma mente. 
 Note que aqui há um conflito entre as nossas intuições e o modo em que uma 
postura naturalista conceberia a natureza da mente. O fato de poder haver um mundo 
físico idêntico ao nosso no qual não existam mentes viola (i) e (ii), visto que estas mentes 
estariam fora do universo causal da física (violando (i)), o que é uma tese que afronta 
diretamente outras teorias mais bem estabelecidas da ciência (o que implica a violação de 
(ii)). Neste sentido, teríamos que assumir que mentes são algo mais do que meramente 
um composto de entidades materiais, uma postura que não é compatível com a versão do 
naturalismo que descrevemos aqui. 
 Tendo visto as dificuldades associadas com a experiência de pensamento 
formulada por Chalmers (1996), consideremos agora o caso famoso do espectro invertido. 
Embora Locke já tenha discutido variações deste cenário em seus escritos, vamos nos 
restringir aqui às versões mais contemporâneas desta experiência de pensamento3. 
 O cenário do espectro invertido é caracterizado da seguinte maneira: imagine que 
metade da população do nosso mundo atual tenha nascido com o seu espectro de cores 
invertido. Assim, quando Pedro olha para uma rosa vermelha, ele tem uma experiência 
da qual o quale vermelho faz parte. Se perguntado sobre a cor que vê quando olha para a 
 
3 Para uma discussão relacionada, ver Shoemaker (1982). 
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rosa, Pedro responderia algo semelhante a: “Eu vejo uma rosa que é vermelha”. Agora 
imagine o caso de Marcos, que, ao olhar para uma rosa vermelha, tem uma experiência 
da qual o quale da cor verde é constituinte. Se perguntássemos a Marcos qual a cor que 
ele vê ao olhar para a rosa, ele diria algo do tipo: “Eu vejo uma rosa que é vermelha”. 
 Essa história pode parecer uma ficção exagerada, mas, ao contrário do caso dos 
zumbis, parece ser possível pensarmos que tal seja o caso no nosso mundo. Para entender 
isso, considere o fato de que ensinamos as noções de cores às crianças por ostensão, isto 
é, apontando para um objeto no mundo e dizendo “Aquilo é vermelho!”. O que não 
sabemos, entretanto, é se a criança tem de fato a mesma experiência que nós temos ao 
olhar para aquele objeto. E, pelo menos ao que indica nossas intuições acerca do assunto, 
não parece ser possível, em princípio, descobrirmos qual o quale associado à experiência 
da criança. É justamente este o ponto do argumento do espectro invertido: parece não 
haver nenhum modo de sabermos, a partir de considerações físicas, se a experiência de 
um outro indivíduo é a mesma que temos quando olhamos para um objeto vermelho. É 
perfeitamente possível que estas experiências sejam distintas, mas que ainda assim nos 
referimos a elas pelo mesmo termo (por exemplo, pelo termo “vermelho”). 
 Temos aqui um problema ontológico em relação à natureza da mente: se a mente 
possui propriedades que não podem ser explicadas exaustivamente por termos físicos, 
como parece ser o caso dos qualia, então daí se seguiria que há algo de não-físico com os 
nossos estados mentais. Isso é evidente, por exemplo, no caso das neurociências: um 
naturalista que assume ser a mente igual ao cérebro teria que nos explicar como é possível 
distinguir os qualia de Pedro de Marcos a partir da análise de suas atividades cerebrais. 
Tal explicação, no entanto, parece ser bem improvável, ou, pelo menos, parece estar 
muito longe de nossa perspectiva teórica atual. Novamente, temos aqui um caso no qual 
(i) e (ii) são violados: ao assumirmos que a mente possui um componente não-material, 
estamos indo contra as assunções mais básicas da ciência em relação àquilo que existe, 
assim como colocando em risco qualquer poder causal que queiramos atribuir aos estados 
mentais. 
 Essa exposição nos permite ter uma perspectiva do que seria o problema 
ontológico dos qualia. Antes de analisarmos o problema epistemológico no próximo 
tópico, um esclarecimento precisa ser feito. Este esclarecimento está relacionado à 
divisão que faço entre problemas ontológicos e problemas epistemológicos. Certamente 
esta divisão não é tão clara como alguns poderiam desejar. Um olhar mais atento aos 
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casos dos zumbis e do espectro invertido nos mostra que também podemos extrair destes 
cenários problemas epistemológicos, como é o caso, por exemplo, do problema acerca da 
justificação da nossa crença segundo a qual outros seres humanos possuem mente. Em 
outros termos, se não podemos saber se o quale de Marcos é o mesmo do que o de Pedro, 
como sabemos que Marcos ao menos tem um quale? Mais radicalmente, como sabemos 
que Marcos tem uma mente? Não poderia ser ele um zumbi? 
 Claramente, estas são questões que nos remeteriam a discussões epistemológicas 
mais profundas. O ponto da distinção que proponho, no entanto, é diferenciar os 
argumentos deste tópico com os argumentos do tópico relativo aos problemas 
epistemológicos. No caso deste último, veremos que os argumentos ali apresentados tem 
uma preocupação epistemológica muito mais explícita. Em outras palavras, as 
experiências de pensamento que serão apresentadas a seguir não se comprometem 
necessariamente com uma conclusão relativa à ontologia dos qualia. Para que tal 
conclusão seja possível, é preciso um passo argumentativo extra. Esse ponto deve ficar 
mais claro no próximo tópico de nossa discussão. 
 
3.3- Mary e o morcego: problemas epistemológicos 
 Como no caso dos problemas ontológicos, aqui também me restringirei a duas 
experiências de pensamento que acredito apontarem para problemáticas epistemológicas 
que um naturalista deve resolver. Estas duas experiência de pensamento são: o caso de 
Mary, a supercientista, (Jackson, 1982 e 1986) e o caso de como é ser um morcego 
(Nagel, 1974). 
 Iniciemos com o caso de Mary, a supercientista. Este argumento foi desenvolvidoinicialmente por Frank Jackson em 1982 e posteriormente discutido em um texto de 1986, 
sendo formulado da seguinte maneira: imagine o caso de Mary, uma cientista que sabe 
todos os fatos físicos sobre a experiência que uma pessoa tem ao olhar para um objeto 
vermelho. Ela sabe, por exemplo, todos os detalhes relativos ao estímulo dos cones e dos 
bastonetes na retina até o processamento das informações geradas por estes estímulos no 
córtex visual. Mary, no entanto, encontra-se em uma situação muito singular: ela nasceu 
e vive desde então em um quarto no qual os objetos estão organizados de tal maneira que 
ela só conhece as cores preto e branco. Colocados frente a esse caso imaginário, a 
pergunta que Jackson nos faz é a seguinte: se deixássemos Mary sair de seu quarto 
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especial e apresentássemos a ela um objeto vermelho, teria Mary uma nova experiência 
ou ela já saberia como é ter uma experiência de vermelho, já que ela é uma expert na 
ciência das cores? 
 A intuição comum que temos neste caso é que Mary adquiriu, de alguma forma, 
um novo conhecimento, isto é, o conhecimento de como é ver a cor vermelha. O problema 
que um naturalista teria neste ponto é o seguinte: se Mary conhecia todos os fatos físicos 
sobre a experiência de uma cor vermelha, e se a mente pode ser explicada pela física, 
como é possível que Mary tenha adquirido um novo conhecimento? Se concedermos à 
nossa intuição inicial, parece haver aqui um problema em relação ao modo em que 
conhecemos o mundo físico e o modo em que conhecemos nossas mentes. 
 Note que poderíamos avançar um pouco mais e dizer que o que explica o fato de 
Mary não saber como é ter a experiência da cor vermelha é o fato de que o quale do 
vermelho não é uma propriedade física. Esta é, de fato, a conclusão de Jackson (1982). 
Esta conclusão, no entanto, não se segue necessariamente do cenário que desenhamos. O 
mero fato de não podermos saber como é ter a experiência do vermelho apenas pelo 
estudo dos fatos físicos relativos à experiência não significa que esta experiência seja não-
física. Pode ser que, por exemplo, exista uma discrepância entre o modo em que 
conhecemos os fatos físicos e nossas experiências conscientes4. Em outras palavras, tudo 
o que o argumento parece indicar é que há um problema epistemológico a ser resolvido. 
 O argumento de Jackson encontra um forte aliado na experiência de pensamento 
proposta por Thomas Nagel (1974), o que nos remete ao segundo caso que trataremos 
aqui. Em seu aclamado artigo intitulado What is it like to be a bat?, de 1974, Nagel propõe 
que pensemos na seguinte situação: imagine, novamente, um cenário no qual estejamos 
em um estágio desenvolvido da ciência. Neste caso, entretanto, temos um conhecimento 
aprofundado da neurofisiologia dos morcegos. Tendo em vista este cenário, Nagel nos 
faz o seguinte questionamento: poderíamos saber como é ser um morcego (what it is like 
to be a bat)? Em outros termos, seria o conhecimento da neurofisiologia dos morcegos 
suficiente para nos dar o conhecimento das experiências dos morcegos a partir do ponto 
de vista (point of view) dos morcegos? 
 É importante observarmos que o exemplo do morcego escolhido por Nagel não é 
um mero acaso. Morcegos são conhecidos por sua capacidade de se localizar 
 
4 Este é o caminho segui por teóricos como P. M. Churchland (1989), Lewis (1988) e Nemirow (1988). 
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espacialmente através do som que eles próprios emitem. Dado que esta é uma experiência 
totalmente alheia ao homem, uma vez que este se localiza espacialmente pela visão, o 
exemplo de Nagel nos coloca frente a uma importante questão: seria possível reproduzir 
ou conhecer fenômenos subjetivos a partir de uma perspectiva objetiva? Se as nossas 
intuições acerca da experiência de pensamento de Nagel estiverem corretas, então parece 
que uma resposta negativa seja a mais provável. 
 Aqui também temos um caso em que um teórico dualista poderia reforçar seus 
argumentos apelando para esta experiência de pensamento. A grande dificuldade, no 
entanto, parece estar associada à ligação entre fenômenos subjetivos e fenômenos não-
físicos. É possível concebermos, pelo menos em princípio, fenômenos que possam ser 
subjetivos sem ser, necessariamente, não-físicos. Autores como John Searle (1992), por 
exemplo, acreditam que uma explicação da mente pode ser dada em termos puramente 
biológicos, sem, no entanto, abrirmos mão da associação entre mente e subjetividade. 
Michael Tye (1995) também parece sustentar que a existência do fenômenos subjetivos 
não implica necessariamente em um problema ontológico para o que ele chama de 
fisicalismo5. Para ele, no entanto, um fisicalista deve de fato explicar como tal coisa como 
estados mentais subjetivos são possíveis, problema que o próprio Tye denominará de 
problema da propriedade (problem of ownership). 
 Terei algo mais a dizer sobre o problema epistemológico na próxima seção, mas, 
para o presente momento, basta entendermos que estes problemas, apesar de poderem 
sustentar conclusões ontológicas acerca da natureza dos qualia, não situam uma 
problemática ontológica de modo independente. Tendo isso em mente, podemos passar 
agora às considerações relativas à noção de qualia da primeira seção e às experiências de 
pensamento aqui apresentadas. Esta é a discussão que terá lugar na próxima seção. 
 
4- Disjuntivismo e o problema dos qualia 
 Nas duas últimas seções, estivemos envolvidos em uma discussão de caráter mais 
expositivo. Nesta seção, pretendo estabelecer uma relação entre as duas seções 
apresentadas até aqui. Em outras palavras, tentarei demonstrar por que aquela definição 
 
5 Podemos entender fisicalismo aqui como a concepção de mundo segundo a qual os entes físicos são os 
entes mais básicos da nossa ontologia. Em um cenário ideal, poderíamos explicar todos os fenômenos da 
natureza baseando-nos nesses entes. 
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é problemática no contexto destas experiências de pensamento. Por fim, discuto, já 
concluindo o texto, um desenvolvimento recente nas teorias filosóficas da percepção que 
pode lançar alguma luz sobre o problema dos qualia. 
 
4.1- Uma revisão no conceito de qualia? 
 Na primeira seção, vimos que uma definição filosófica dos qualia pode ser 
caracterizada a partir de três noções principais: a noção de qualia enquanto aspectos 
subjetivos de nossos estados mentais, a noção de qualia enquanto aspectos intrínsecos 
destes estados mentais e a noção de qualia enquanto aspectos mais básicos ou monádicos 
dos estados mentais. Uma questão que ainda está em aberto é a seguinte: como esta 
definição se relaciona com os argumentos discutidos na segunda seção? Esta será a nossa 
discussão neste tópico. 
 Comecemos pelo problema ontológico. No caso do argumento do zumbi 
filosófico, a conceptibilidade da existência de zumbis filosóficos está associada 
diretamente à noção de qualia enquanto aspectos mais básicos ou monádicos de nossos 
estados mentais. Isso fica evidente na medida em que assumimos que é possível ou 
concebível pensar em um mundoque seja uma cópia idêntica ao nosso sem que haja 
mentes ou qualia. Neste caso, assumimos que os qualia são propriedades básicas que não 
dependem de nenhuma outra propriedade para existirem. Em outras palavras, supondo 
que houvesse um criador do mundo atual, este criador, após ter criado o mundo físico tal 
como conhecemos hoje, teria que ter adicionado um elemento extra neste mundo, a saber, 
os qualia. 
 Similarmente, quando assumimos, tanto no caso dos zumbis quanto no caso do 
espectro invertido, que não é possível identificarmos uma inversão de espectro ou até 
mesmo se um de nossos amigos seja um zumbi filosófico, estamos nos comprometendo 
explicitamente com a concepção de qualia enquanto estados subjetivos, intrínsecos e 
básicos. Eles são subjetivos porque somente o sujeito do qual estes qualia compõem a 
experiência pode ter acesso a eles (daí a impossibilidade de identificarmos um zumbi ou 
uma inversão de espectro). Eles são intrínsecos porque somente através da experiência 
dos qualia é que podemos conhecer sua natureza (daí a impossibilidade, por exemplo, de 
identificar um zumbi ou uma inversão sem termos acesso à experiência do sujeito). Por 
fim, eles são básicos ou monádicos porque nenhuma análise em termos de entidades 
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físicas mais elementares poderá revelar a verdadeira natureza dos qualia, tal como vimos 
no parágrafo acima. 
 Tendo relacionado a noção de qualia que aqui definimos ao problema ontológico, 
resta-nos fazer o mesmo para o caso do problema epistemológico. Considere, 
inicialmente, o fato de Mary não saber o que é ter a sensação do vermelho quando olha 
para um objeto vermelho ainda que conheça todos os fatos físicos relativos a esta 
experiência. Poderíamos explicar este fato dizendo que a sensação de vermelho é: (a) 
intrínseca, já que não pode ser conhecida por algo mais básico a não ser pela própria 
sensação, (b) subjetiva, já que nenhuma descrição do ponto de vista objetivo pode exaurir 
a natureza do fenômeno, e (c) básica ou monádica, já que, como em (a), os qualia não 
podem ser caracterizados em termos mais básicos do que eles próprios. Essa descrição 
nos permite ver que a noção de qualia enquanto aspectos subjetivos, intrínsecos e básicos 
reforça o argumento apresentado por Jackson (1982). 
 Consideremos, por fim, a experiência de pensamento de Nagel (1974). A 
concepção metafísica acerca da natureza dos qualia que aqui discutimos fica evidente na 
medida em que: (a) qualquer descrição objetiva do sistema nervoso em termos mais 
básicos do que os qualia de um morcego não nos permite conhecer a sensação subjetiva 
de como é ser um morcego, o que torna esta sensação básica ou monádica; e (b) esta 
sensação só pode ser conhecida a partir de um ponto de vista, isto é, o ponto de vista do 
morcego, o que torna esta sensação intrínseca à experiência dos morcegos. 
 Parece ser claro que se considerarmos estas objeções associadas à caracterização 
metafísica de qualia que apresentei até aqui, certamente os qualia apresentariam sérios 
problemas para uma abordagem naturalista da mente. Uma sugestão poderia ser, assim 
como pretendem os eliminativistas6, negar a existência dos qualia. A questão que 
podemos nos colocar é a seguinte: seria preciso negar a existência dos qualia para termos 
uma explicação científica completa da mente? A resposta para esta pergunta ainda é 
incerta, mas a sugestão que quero fazer no tópico final este artigo é a de que os 
desenvolvimentos recentes em filosofia da mente e filosofia da percepção nos fornecem 
subsídios para pensar novos caminhos de investigação acerca do nosso problema sem 
precisarmos nos comprometer, de modo necessário, com o eliminativismo. 
 
6 Dennett (1988 e 1991), P.M. Churchland (1985 e 1996), P.S. Churchland (1989) são os defensores mais 
expressivos desta ideia. 
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4.2- Um possível caminho de investigação 
 Nesta última parte do artigo, pretendo tratar de uma teoria que tem se 
desenvolvido recentemente na filosofia da percepção. Esta é a teoria disjuntivista da 
percepção. Não pretendo argumentar em favor desta teoria neste momento, mas somente 
apresentar suas principais asserções e apontar para a relação entre estas asserções e o 
problema dos qualia. 
 Para iniciarmos nossa discussão, podemos colocar a seguinte questão: o que 
significa ser um disjuntivista em relação à percepção? O disjuntivismo, assim como o 
termo sugere, é uma teoria baseada em uma disjunção. Esta disjunção surge na medida 
em que o teórico disjuntivista procura definir a natureza das nossas percepções verídicas, 
das nossas alucinações, e das nossas ilusões. Ao contrário das teorias sense-datum e dos 
representacionalistas, o disjuntivista nega que percepções verídicas e percepções não-
verídicas (alucinações e ilusões) compartilhem de algum aspecto metafísico em comum7. 
Ao considerar o caso de uma alucinação, como quando Macbeth pensa ver uma adaga, o 
disjuntivista traz à tona uma nova maneira de descrever este fenômeno. Para o 
disjuntivista, ou Macbeth realmente vê uma adaga ou Macbeth está tendo uma alucinação 
de uma adaga8. O uso do conectivo “ou” indica que a primeira parte da disjunção não faz 
parte da segunda parte, e o mesmo se aplica na situação inversa. É neste contexto, 
portanto, que o disjuntivista nega haver qualquer semelhança metafísica entre percepções 
verídicas e percepções não-verídicas. Para o disjuntivista, a única semelhança entre uma 
percepção verídica e uma percepção não-verídica é que ambas podem ser indistinguíveis 
do ponto de vista do sujeito. Isso significa que o máximo que podemos dizer nestes casos 
é que há uma semelhança epistemológica (e não ontológica). 
 É importante ressaltar que esta é uma caracterização muito geral do disjuntivismo. 
Cada um dos teóricos disjuntivistas assume diferentes níveis de comprometimento com 
esta tese (tese que eles chamam de “tese do fator comum” entre percepções verídicas e 
percepções não-verídicas), variando de acordo com suas preocupações filosóficas9. Um 
 
7 Ver Fish (2010 e online) para uma discussão introdutória acerca destas teorias. 
8 Ver Hinton (1967a e 1967b) para as discussões iniciais sobre o disjuntivismo e Snowdon (2008) para uma 
análise mais detalhada do assunto. 
9 Byrne e Logue (2008) exploram alguns dos diferentes comprometimentos das variadas teorias 
disjuntivistas. Ver também Haddock e Macpherson (2008), volume no qual se insere o artigo de Byrne e 
Logue, para textos que exploram as teorias disjuntivistas em diferentes contextos filosóficos, como é o caso 
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recente desenvolvimento do disjuntivismo está associado a autores como Michael Martin 
e William Fish10. Estes autores, embora difiram em seus comprometimentos metafísicos, 
assumem o disjuntivismo como caminho para adotarmos uma concepção realista ingênua 
das percepções verídicas. De acordo com estes autores, o caráter fenomenal de nossas 
experiências conscientes dependeria intimamente da presença de objetos do mundo 
exterior. Em outras palavras, para que possamos ter uma experiência visual comum 
determinado quale, é preciso que haja um objeto que instancie este quale. A propriedade 
de ser vermelho não seria, neste caso, uma propriedade de nossas experiências 
conscientes, mas sim dos objetos do mundo exterior. 
 Note que o disjuntivismo se torna essencial para a tese do realismo ingênuo 
justamente na medida em que consideramos a objeção mais intuitiva que poderíamos 
fazer a esta proposta, isto é, poderíamos dizer que é possível termos experiências 
conscientes com qualia sem que haja um objeto que instancie estes qualia no mundo11. 
Este seria o caso, por exemplo, de uma alucinação. Aqui, no entanto, o realista ingênuo 
pode assumir o disjuntivismo e argumentar que a única coisa que percepções verídicas e 
alucinações compartilham é o fato de serem indistinguíveis. Essa semelhança 
epistemológica, no entanto, não implica uma semelhança ontológica. Na tentativa de 
fornecer uma definição positiva das percepções não-verídicas, Fish (2008 e 2009) vai 
mais além e argumenta que percepções não-verídicas não possuem nenhum tipo de 
aspecto fenomenal. Neste caso, somente percepções verídicas teriam qualia. 
 O disjuntivismo é uma teoria recente em relação à percepção humana, embora 
esteja vinculada aos trabalhos de Michael Hinton na década de 60. Há, de fato, muito 
trabalho a ser feito, principalmente no que diz respeito às outras modalidades da 
percepção humana. Seria possível, por exemplo, assumir uma teoria disjuntivista no caso 
 
daqueles relativos à percepção (seção I), aqueles relativos às teorias da ação (seção II) e aqueles relativos 
ao conhecimento perceptual (seção III). 
10 Ver Fish (2008 e 2009) e Martin (2000, 2002a, 2002b, 2004 e 2006) 
11 Isso fica explícito, por exemplo, na crítica que Revonsuo (2010) faz às teorias externalistas dos qualia 
(teorias nas quais o realismo ingênuo se enquadra): “Durante o sonho, experienciamos sensações e objetos 
de percepção (percepts) que podem ser radicalmente distintos daqueles que experienciamos em nosso 
estado de vigília. E ainda que eles fossem similares às nossas experiências em vigília, onde é que estão os 
conteúdos desta experiência?” (REVONSUO, 2010, p. 191). Note que a preocupação aqui é com estados 
mentais que aparentemente possuem qualia, mas que não estão em nenhuma relação direta com objetos 
externos, como é o caso dos sonhos. Sytsma (2010), ao contrário de grande parte dos disjuntivistas, oferece-
nos motivos baseados em considerações empíricas para questionar a afirmação de Revonsuo segundo a qual 
experiências como sonhos possuem qualia. Para Sytsma, o problema dos qualia ou o problema difícil da 
consciência não é um problema genuíno da ciência, visto que ele está fundamentado não em assunções 
científicas bem fundamentadas, mas sim em pressuposições filosóficas controversas. 
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das dores? Ou, ainda, como seria uma explicação realista ingênua da dor? Estas são 
questões em aberto. Outro ponto importante da discussão acerca do disjuntivismo seria a 
de explicar por que o cérebro parece ser tão importante para o estudo da mente. Em outras 
palavras, como conceber os estudos empíricos acerca da percepção humana a partir de 
uma teoria disjuntivista? 
 Dificuldades à parte, o grande objetivo desta breve discussão sobre o 
disjuntivismo foi apenas o de apresentar um desenvolvimento recente na filosofia da 
percepção que pode servir de caminho de investigação acerca do problema dos qualia. 
Note que, caso assumamos uma teoria realista ingênua (mais o disjuntivismo) sobre a 
percepção, novos horizontes se abrem para pensarmos o problema dos qualia. No caso 
do problema ontológico, os qualia não seriam mais propriedades do cérebro12, mas sim 
dos objetos externos13. Já no caso do problema epistemológico, se assumirmos que os 
qualia são propriedades externas, então as dificuldades associadas às noções de 
subjetividade e intrinsecidade poderiam ser vistas a partir de outra perspectiva. É claro 
que aqui estaríamos sob o risco de termos que revisar a noção de qualia que apresentamos 
aqui, mas tal revisão seria menos radical do que aquela prevista pelos eliminativistas que 
negam a existência de aspectos fenomenais. Poderíamos, como o próprio Paul 
Churchland (1984) admite, ser materialistas revisionários14. 
 Tais considerações são apenas especulações que merecem um trabalho mais 
cuidadoso para sabermos se de fato podemos prosseguir nesta linha de investigação para 
responder ao problema dos qualia. Independentemente de assumirmos o disjuntivismo e 
o realismo ingênuo ou não, a excessiva atenção dada aos problemas aqui apresentados 
nos apresentam indícios de que uma teoria da mente naturalista tem que lidar com elas de 
modo sério. O aparente esgotamento das propostas eliminativistas e materialistas nas 
últimas décadas na filosofia da mente parece abrir espaço para novas perspectivas de 
estudo acerca do problema dos qualia, o que pode nos dar, senão uma solução, pelo menos 
novos questionamentos acerca do estudo da mente. 
 
12 Esta postura vem sendo defendida há alguns anos por teóricos externalistas, como é o caso de Dretske 
(1995) e Tye (1995, 2000). 
13 Isso, é claro, não resolveria o problema acerca da relação entre propriedades físicas e aspectos qualitativos 
ou fenomenais. Byrne (2006) argumenta, por exemplo, que não existe o problema difícil da consciência 
(Chalmers, 1996), mas sim um problema difícil da cor. Para ele, o difícil seria explicar não como a mente 
ou a consciência surgem da matéria, mas sim como as cores podem ser propriedades de objetos compostos 
pelas partículas elementares da física. Este é um problema que deve ser resolvido por um realista ingênuo 
caso este deseje sustentar uma concepção naturalista do mundo. 
14 Em oposição a materialistas eliminativistas. 
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Recebido: 08/2013 
Aprovado: 10/2013

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