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NOTAS DE AULA Sabei escutar, e podeis ter a certeza de que o silêncio produz, muitas vezes, o mesmo efeito que a ciência. Napoleão Bonaparte O silêncio é um amigo que nunca trai. Confúcio A palavra é prata, o silêncio é ouro. Provérbio chinês Quando um burro fala, os outros abaixam as orelhas. Proverbio Português SUMÁRIO 14/11/2011 FILOSOFIA II Prof. José Newton Tomazzoni Tavares 01/08/2011 ............................................................................... 1 CRISE DO DIREITO ................................................................................. 1 02/08/2011 ............................................................................... 1 A ÉTICA COMO FILOSOFIA MORAL (433045) ..................................... 1 A Ética é indiretamente normativa ....................................................... 1 ÉTICA E MODERNIDADE – A falência do sentido (433046) ............... 2 Fatores que levaram a uma nova interrogação no campo da ética: ..................................................................................................... 2 1. Falência do sentido e vazio ético ....................................................... 2 2. A morte das ideologias (utopias) ........................................................ 2 3. O individualismo ................................................................................. 2 4. As novas tecnologias .......................................................................... 2 Como Pensar uma nova ética? ............................................................ 2 08/08/2011 ............................................................................... 3 O HOMEM COMO CONSTRUÇÃO (433048) .......................................... 3 *Que ações efetivam meu ser? ............................................................ 4 *Que decisões me efetivam verdadeiramente? ................................... 4 *Qual a razão de minhas preferências? ............................................... 4 *Como justifico o que faço? .................................................................. 4 09/08/2011 ............................................................................... 5 FENOMENOLOGIA DO ETHOS (433049) .............................................. 5 Que é ética? ......................................................................................... 5 RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E MORAL .................................................. 5 O que significa dizer: “Essa pessoa não tem moral”? ......................... 5 16/08/2011 ............................................................................... 6 ESTRUTURA DO ATO MORAL (438402) ............................................... 6 Estrutura do ato moral .......................................................................... 6 a) Motivo do ato moral ............................................................................ 6 b) Consciência do fim visado: ................................................................. 6 c) Consciência dos meios para realizar o fim escolhido......................... 7 d) Resultados obtidos ............................................................................. 7 22/08/2011 ............................................................................... 8 CONDIÇÕES DA RESPONSABILILIDADE MORAL ............................. 8 A ignorância e a responsabilidade moral. ........................................... 8 A coação externa e a responsabilidade moral .................................... 8 A coação interna e a responsabilidade moral. .................................... 9 23/08/2011 ............................................................................... 9 Ética para meu filho - Fernando Savater ............................................. 9 Capítulo 4 - Dê a si mesmo uma vida boa ........................................ 10 Capítulo 5 - Vamos, acorde! .............................................................. 12 Textos para Resumo ............................................................................ 15 1. Positivismo jurídico ........................................................................ 15 Introdução ............................................................................................. 15 Antecedentes Históricos ....................................................................... 15 Protagonistas Centrais ......................................................................... 17 2. A perspectiva pós-positivista do direito ......................................... 20 06/09/2011 ............................................................................. 22 Repensando o Judiciário..................................................................... 22 Texto A ............................................................................................... 22 Texto B ............................................................................................... 22 Estudo Dirigido ..................................................................................... 22 Texto B ............................................................................................... 22 Texto B ............................................................................................... 22 12/09/2011 ............................................................................. 23 Slide - Ética e Direito Alternativo ........................................................ 23 Moral, ética e Direito ............................................................................ 23 Direito e Moral .................................................................................... 23 Ética e Direito ..................................................................................... 23 Ética e Direito Alternativo.................................................................... 24 Que é Direito Alternativo?.................................................................. 24 Bases filosóficas do Direito Alternativo brasileiro ............................. 24 Teses centrais da tradição juspositivista e do DA. .......................... 24 Tradição juspositivista ....................................................................... 24 Direito Alternativo............................................................................... 24 13/09/2011 ............................................................................. 25 SUMÁRIO - Notas de Aulas – FILOSOFIA II ii Justiça, legalidade e bom senso .........................................................25 19/09/2011 ............................................................................. 25 Filme: Justiça para Todos (Justice For All) – parte 1 .......................25 20/09/2011 ............................................................................. 25 Filme: Justiça para Todos (Justice For All) – parte 2 .......................25 26/09/2011 ............................................................................. 25 Prova individual – 10 pontos ...............................................................25 27/09/2011 ............................................................................. 26 CONCEPÇÃO CLÁSSICA DE PENSAMENTO ....................................26 03/10/2011 ............................................................................. 27 ÉTICA EUDEMONISTA (ARISTÓTELES) .............................................27 04/10/2011 ............................................................................. 28 ÉTICA HEDONISTA ...............................................................................28 1 Prazeres Naturais e Necessários ....................................................282. Prazeres Naturais, Mas Não Necessários .....................................28 3. Prazeres não naturais e nem necessários .....................................28 10/10/2011 ............................................................................. 28 11/10/2011 ............................................................................. 28 Recesso Dias das Crianças .................................................................28 17/10/2011 ............................................................................. 29 ÉTICA CRISTà .......................................................................................29 Diferenças introduzidas na concepção antiga ...................................29 1. Conduta Moral ou Ética ..................................................................29 2. Conduta Imoral ou Antiética ...........................................................29 3. Conduta Indiferente à Moral ...........................................................29 18/10/2011 ............................................................................. 29 Prova individual - 10 pontos ................................................................29 24/10/2011 ............................................................................. 30 CONCEPÇÃO MODERNA DE PENSAMENTO ....................................31 ÉTICA NA MODERNIDADE ...................................................................31 25/10/2011 ............................................................................. 32 ÉTICA DE IMANNUEL KANT ................................................................32 31/10/2011 ............................................................................. 33 KANT: O PRINCÍPIO DA ACÇÃO MORAL ...........................................33 1 O princípio do desinteresse .............................................................33 2 O princípio da imparcialidade ..........................................................33 3 O princípio do dever ........................................................................33 4 Os deveres morais e as convenções sociais ..................................33 5 O princípio da universalidade ..........................................................34 6 O princípio da autonomia ................................................................34 7 O princípio do respeito pela pessoa ................................................34 QUESTIONÁRIO ....................................................................................35 01/11/2011 ............................................................................. 36 07/11/2011 ............................................................................. 36 Prova Individual – 25 pontos .............................................................. 36 08/11/2011 ............................................................................. 37 ÉTICA PÓS-MORALISTA ..................................................................... 38 O QUE É PÓS-MODERNO .................................................................... 38 14/11/2011 ............................................................................. 40 Prova Supletiva..................................................................................... 40 15/11/2011 ............................................................................. 40 Feriado da República ........................................................................... 40 21/11/2011 ............................................................................. 40 ??? ......................................................................................................... 40 21/11/2011 ............................................................................. 40 Proba Global ......................................................................................... 40 NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 1 01/08/2011 CRISE DO DIREITO Século V a.c. Hoje Lei Externa Direito Ética Política/Moral � Direito � � Ética Lei Interna O Direito serve para organizar a sociedade (sociedade harmônica). E, para funcionar a norma deve ser internalizado pelo indivíduo. Quando isso não acontece, ocorre a quebra e existe a penalidade (Direito Penal). No mundo contemporâneo, a moral perdeu a importância, está esgaçada. O sujeito só pode agir moralmente. Não existe ação ética � ação é moral � ações humanas Não existe reflexão moral � reflexão é ética, mas com o devido embasamento, conhecimento. Para fazer ética na perspectiva da moralidade é preciso: - Radical (ir na raiz do problema) - Racionalidade (Método) - Ver o todo (o problema na totalidade e não em partes) Exemplo: O aborto é uma questão moral. A reflexão sobre o aborto é ética, não pode ser feita por meio de palpites e sim através do embasamento, conhecimento. A moral é normativa (pode ou não pode). Cada sociedade cria suas próprias leis morais, jeito de viver. Exemplo: Na Arábia, o homem se casa com quantas mulheres, ele puder sustentar. NÃO há mais internalização das normas. O que norteia a ação atualmente é o DESEJO. A lei não consegue dominar o DESEJO (EU SOLITÁRIO DESEJANTE). ÉTICA (princípio) = FILOSOFIA MORAL, que é a reflexão do comportamento moral. MORAL (virtude) está ligada a ação. A ética é uma reflexão filosófi- ca/científica sobre essa ação. 02/08/2011 A ÉTICA COMO FILOSOFIA MORAL (433045) A ética é entendida como parte da filosofia que se dedica à reflexão sobre a moral. Como parte da filosofia, a Ética é um tipo de saber que se tenta construir racionalmente, utilizando para tanto o rigor conceptual e os métodos de análise e explicação próprios da filoso- fia. Como reflexão sobre as questões morais, a Ética pretende desdo- brar conceitos e argumentos que permitem compreender a dimen- são moral da pessoa humana nessa sua condição de dimensão moral, ou seja, sem reduzi-la a seus componentes psicológicos, sociológicos, econômicos ou de qualquer outro tipo. Uma vez desdobrados os conceitos e argumentos pertinentes, pode-se dizer que a Ética, a Filosofia Moral, terá conseguido expli- car o fenômeno moral, dar conta racionalmente da dimensão moral humana, de modo que teremos aumentado o nosso conhecimento sobre nós mesmo e alcançado um maior grau de liberdade. Em suma, filosofamos para encontrar sentido para o que somos e fazemos e buscamos sentido para atender aos nossos anseios de liberdade, pois consideramos a falta de sentido um tipo de escravi- dão. A Ética é indiretamente normativa (Remonta a reflexão sobre as diferentes morais e as diferentes maneiras de justificar racionalmente a vida moral) Desde suas origens entre os filósofos da antiga Grécia, a Ética é um tipo de saber normativo, isto é, um saber que pretende orientar as ações dos seres humanos (por meio dessas reflexões, a ética pode fazer com que as ações morais possam ser transformadas, indicar qual concepção moral é mais razoável). A moral também é um saber que oferece orientação para a ação, mas enquanto ela propõe ações concretas em casos concretos, a ética remonta à reflexão sobre as diferentes morais e as diferentes maneiras de justificar racionalmente a vida moral, de modo que sua maneira de orientar a ação é indireta. No máximo a ética pode indicar qual concepção moral é mais razo- ável para que, a partir dela, possamos orientar nossos comporta- mentos. Portanto, a ética não tem motivos para ter uma incidência imediata na vida cotidiana, pois seu objetivo último é esclarecer reflexivamen- te o campo moral. NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 2 ÉTICA E MODERNIDADE – A falência do sentido(433046) Ética e Direito nascem juntas e ao longo do tempo se separaram. O Direito serve para organizar uma sociedade, como estamos vivendo em uma sociedade desorganizada, o Direito está em crise. Fatores que levaram a uma nova interrogação no campo da ética: • *A falência do sentido • A morte das ideologias • O triunfo do individualismo • O aparecimento de novas tecnologias 1. Falência do sentido e vazio ético Vivemos em um momento em que as referências tradicionais desa- pareceram. Não sabemos mais exatamente quais podem ser os fundamentos de uma teoria ética. É num vazio absoluto que a ética contemporânea se cria, nesse lugar onde se apagaram as bases habituais, ontológicas, metafísi- cas, religiosas da ética. Os próprios fundamentos da ética e da moral desapareceram. Estamos mergulhados no Niilismo (vazio - desvalorização e a morte do sentido, a ausência de finalidade e de resposta ao “por- quê”). Todas as referências ou normas da obrigação se dissipam, os valores superiores se depreciam. É nele que se origina a crise atual da ética. “Agora estremecemos no desnudamento de um niilismo, no qual o maior dos poderes se acopla com o maior vazio” (Hans Jonas) 2. A morte das ideologias (utopias) Nossa época é marcada pela morte das ideologias e das grandes narrações totalizantes, morte na qual se enraíza a ética do futuro. A morte das grandes narrativas é só uma dimensão (fundamental) desse niilismo global, niilismo definido como etapa espiritual onde os fins faltam, onde os valores superiores se depreciam, onde não há mais resposta à questão: por quê? Com a descrença quanto aos grandes sistemas, nasce a dúvida axiológica, prelúdio de toda nova formação. Quais são as grandes sínteses que se desvanecem? a) Doutrinas do séc. XVIII relativas à emancipação do cidadão, o pensamento das luzes, que via na história uma teleologia racional. b) A teoria Hegeliana concernente à formação do Espírito no mun- do. c) O marxismo e seu reino dos fins encarado como sociedade sem classes. Quando desmorona a concepção de uma história em progresso, quando ninguém dá o menor crédito ao tema da libertação do gêne- ro humano, quando funcionam a desilusão ou a dúvida quanto a todo um projeto global de sociedade, então é preciso inventar novas normas éticas. 3. O individualismo Quando se dissolvem as ideologias, então nascem as formas con- temporâneas do individualismo, propícias ao aparecimento de novas regras de condutas. O individualismo contemporâneo não designa mais um triunfo da individualidade em face das regras constrangedoras, mas a realiza- ção de indivíduos estranhos às disciplinas, às regras, às uniformiza- ções. O que encontramos neste individualismo atual? As delícias do narcisismo, bem mais que o acesso a uma autonomia; a explosão hedonista (Teoria segundo a qual o comportamento humano seria motivado pela busca do prazer e de evitar o desprazer), mais que a conquista da liberdade. Promoção dos valores hedonistas, permissi- vos, psicologistas, culto da descontração. Encerrados os ideais messiânicos (acreditar em deuses/messias), desvanecida a fé nas ideologias. Eis chegado o momento do indiví- duo narcísico. Surge a questão: o que é que, nas nossas socieda- des democráticas avançadas, pode se tornar fator de universaliza- ção? 4. As novas tecnologias Para apreender os desafios éticos atuais é preciso também levar em conta a realidade de um ambiente técnico, cheio de ameaças e perigos diversos. As novas tecnologias engendram um crescimento brutal dos pode- res do homem, tornando sujeito, mas também objeto de suas técni- cas. É o nosso “ser-herdado” (Paul Ricoeur) que se acha em questão. Se o “soco vital da identidade pessoal” é atingido pelas novas técni- cas, então uma nova reflexão axiológica (estudo dos valores) se impõe. Tudo se converte em ameaça e exige uma formulação ética inédita: tanto as tecnologias biológicas quanto a energia nuclear e as técni- cas que se referem à comunicação. Pela primeira vez na história da humanidade as ações do homem parecem irreversíveis. (Hans Jonas) Como Pensar uma nova ética? Niilismo, morte das ideologias, emergência de individualismo priva- do e novas tecnologias conduzem a uma transformação da consci- ência moral comum e dos princípios normativos da sociedade. Assim surgem questões decisivas: num universo onde não podemos mais nos referir às teleologias nem às harmonias outrora pressu- postas, onde um Deus universal ou um fundamento divino poderiam fornecer a armadura da ética, como constituir e organizar conceitos ou princípios axiológicos novos, como criar uma nova ética? NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 3 08/08/2011 O HOMEM COMO CONSTRUÇÃO (433048) A moral sempre houve no mundo. A ética começa no século V.a.c. Os primeiros a pensar sobre o ser humano (SÓCRATES, PLATÃO, ARISTÓTELES). Não nascemos seres humanos e sim animais homens (hominídios) e nada garante que ele possa se transformar em ser humano. Por isso, o sentimento da angústia. O HOMEM NÃO NASCE PRONTO ELE ESTÁ SEMPRE EM CONSTRUÇÃO FELICIDADE O homem é ser de decisões inevitáveis Orientação de fundo: FELICIDADE Todos os dias, o homem toma decisões em busca da orientação de fundo. O que tornamos é resultado das nossas próprias decisões e de ninguém mais. São essas decisões que vão construindo o ho- mem. Conexão natural universal = natureza Liberdade é uma possibilidade de ação. O homem é livre para tomar apenas as decisões de ir para um lado ou outro. A maioria das pessoas se perde porque não sabe qual caminho a seguir. Os animais nascem prontos, não precisam procurar o cami- nho. O pensamento ético surge no ocidente ligado à experiência de que é o homem mesmo o responsável por seu próprio ser, já que ele não o recebe a não ser como possibilidade. A experiência da “contingência radical” é, assim, a experiência fundante de sua vida: nada garante, de antemão, a efetivação de suas possibilidades: nem seus instintos, nem as instituições que ele cria para regular suas relações. O homem se experimenta a si mesmo não como um simples ente que esta aí, mas como um ente que é “entregue a si mesmo”, que dispõe de si mesmo, que investe a si mesmo em todas as decisões tomadas, que antes de mais nada, decide sobre seu próprio ser, age a partir de finalidades que ele mesmo estabelece. O Ser Humano se experimenta não simplesmente como algo que é, mas como algo que “tem que ser”, como devir (vir a ser; passar a ser; tornar-se) e tarefa e enquanto tal permanentemente inacabado. O homem é, deste modo, o ser de decisões inevitáveis: toda sua vida é uma sequencia de decisões, em que ele se põe diante de alternativas diversas em relação a suas ações, através do que, em última análise, ele toma posição a respeito da orientação de fundo de seu existir. Essa é a diferença originária do homem em relação a tudo mais com que ele se depara em sua vida: ele não se encontra simples- mente preso à conexão natural universal e, por conseguinte não está já plenamente determinado em sua essência, mas é posto no “aberto”, o que significa que sua vida é, fundamentalmente, tarefa, construção de si mesmo. Sua tarefa primeira e inevitável é dar a si mesmo uma configuração específica de si mesmo e, portanto, abrir para si o espaço das diferentes possibilidades de sua própria realização. Ser dado a si mesmo como tarefa é o que constitui o sentido fun- damental da liberdade, que é tão central em seu ser que não é dado ao homem usar ou não usar desta possibilidade, pois mesmo a renúncia à configuração de seu ser já é uma decisão. Enquanto ser de liberdade, o homem é o ser da decisão e, conse- qüentemente, do riscoe da história com espaço de sua possível efetivação: em cada decisão ele toma posição sobre a configuração de sua essência e se constitui ou não como pessoa. O homem se experimenta enquanto tal chamado a assumir-se explicitamente como liberdade pessoal e fazer-se livre para sua própria liberdade pessoal. NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 4 Livre-arbítreo (liberdade para decidir os rumos na vida) Cada decisão tomada configura-se a essência do ser humano/pessoa ou não que seremos! Nossas decisões determinam que tipo de ser humano seremos, ou se seremos! Não importa o que fizeram de mim, importa o que eu vou fazer com isso que fizeram de mim! Dizer que o homem é o ser que não tem, de antemão, seu próprio ser garantido e que ele tem que buscá-lo em suas próprias ações implica dizer que uma primeira e inevitável pergunta é: *Que ações efetivam meu ser? *Que decisões me efetivam verdadeiramente? *Qual a razão de minhas preferências? *Como justifico o que faço? Ética significa ter condição racional de escolher o seu caminho. Responder as quatro perguntas anteriores: REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE O QUE EU FAÇO DA MINHA VIDA. Com a questão da justificação das decisões, ou seja, como pergun- ta a respeito da decisão justa, da ação que se pode assumir res- ponsavelmente, surgiu no ocidente a ÉTICA. A ética emerge, então, como uma decorrência da própria experiên- cia da finitude e da liberdade: porque o homem se põe no aberto, surge uma exigência fundamental, a saber, a exigência de uma acareação crítica de suas decisões nas diferentes situações históri- cas em que se encontra inserido. Do seio da própria historicidade da vida humana emerge a reflexão crítica com a pretensão de se perguntar pela justifica- ção daquilo que o homem faz de sua vida. A ética inaugura uma forma nova desta vida: aquela em que o homem, argumentando, procura dar razões a seu esforço de busca de uma configuração de seu próprio ser. NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 5 09/08/2011 FENOMENOLOGIA DO ETHOS (433049) Que é ética? A filologia (estudo de uma língua em todos os seus aspectos e dos escritos que a documentam) da palavra ética nos serve de orienta- ção para seu sentido originário. Ética vem do grego ethos. Essa palavra se escreve de duas formas: com eta, (a letra e em tamanho pequeno) e como epsilon (a letra E em tamanho grande). Ética: Grego. Duas grafias: ethos/Ethos ethos: morada, abrigo permanente- animais/homens No âmbito da natureza, o ser humano delimita uma porção dela e aí constrói uma morada. A morada o enraíza na realidade, dá-lhe segurança e permite a ele sentir-se bem no mundo. Ela não é dada ao homem, mas tem que ser construída pela ativi- dade humana. Obra da cultura. Ela deve ser cuidada, melhorada. O ethos não é algo acabado, mas algo aberto a ser sempre feito, refeito e cuidado. ethos se traduz por ética. É uma realidade da ORDEM DOS FINS: viver bem, morar bem. Ética tem a ver com fins fundamentais (como morar bem), com valores imprescindíveis (como defender a vida), com princípios fundadores de ação (dar de comer a quem tem fome etc...) ÉTICA = ethos = Morada humana Transformar Natura em Cultura (segurança) FAMÍLIA = serve para absorver a agressividade da humanidade (mundo)! Para sair da influência negativa da Família: Conhecimento e Terapia BBB da mentira! Gera insegurança. Para Platão o centro do ethos é o bem, pois somente ele permite que alcancemos nosso FIM (Felicidade), que consiste em sentirmo- nos bem em casa. E nos sentimos bem em casa (temos um ethos, realizamos o fim almejado) quando criamos mediações adequadas, como hábitos, certas normas e maneiras constantes de agir. Para Aristóteles, o centro do ethos (moradia) é a auto-realização do cidadão em sua dimensão pessoal e social. Esse FIM (Felicida- de), a autonomia, realiza-se por intermédio de mediações, tais como hábitos, virtudes e estatutos jurídicos. Ethos ���� moral ���� hábitos/costumes ���� media- ções – meios para alcançar os fins FIM = Felicidade, para isso é necessário Mediações (hábi- tos/costumes: Ethos) para alcançar esse fim (ser feliz)! Ethos (mediações – valores fundamentais): Significa os costumes, o conjunto de valores e de hábitos consagrados pela tradição cultu- ral de um povo. Ethos: como o conjunto dos meios ordenados ao FIM (bem/auto realização) se traduz por moral. Latim: Mos/mores = significa os costumes e valores de uma deter- minada cultura. Como são muitos próprios de cada cultura, tais valores e hábitos fundam várias morais. MORAL = Ethos = hábitos/costumes – mediação/meios para alcan- çar o fim/meta (Felicidade). Funções da família: absorver a agressão do mundo. Aonde descar- regamos nossas frustações! RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E MORAL Ética e Moral articulam-se intrinsecamente. Os hábitos e os costu- mes (Ethos) visam a fazer a moradia humana e o meio social sus- tentáveis, autônomos e habitáveis (ethos) para todos. Que significa dizer: “Essa pessoa não tem ética”? Significa dizer: “Essa pessoa não possui princípios, age oportunisticamente, conso- ante as vantagens que possa auferir; dela não se poderá esperar nenhum comportamento coerente e previsível, porque não possui uma opção fundamental de vida”. Exemplo: Não tem ética um jornalista que trai seus princípios para fazer, por dinheiro, a campanha de um político notoriamente corrup- to. A alegação de que faz um trabalho profissional não justifica a traição ética do jornalista ou de qualquer outro profissional. O que significa dizer: “Essa pessoa não tem moral”? Significa: “Essa pessoa não possui virtudes, mente, engana clientes, rouba dinheiro público, explora trabalhadores, faz violência em casa...” Essa pessoa pode até ter ética (princípios e valores funda- mentais), mas age em contradição com seus princípios. Pode ocorrer que a pessoa não possua nem ética nem moral: age aleatoriamente, consoante seus interesses mais imediatos. Não tem princípios e atua segundo as vantagens individuais. Exemplo: Modelo ou atriz que se deixa fotografar nua em troca de muito dinheiro. A alegação de que se trata de “nu artístico” ou de que é “um trabalho profissional” não desculpa a falta de ética (prin- cípios, atitudes fundamentais) e a falta de moral (atos contrários aos princípios). Outras artistas igualmente famosas, mas com ética e moral, jamais venderiam sua imagem por dinheiro algum, exatamente para não contradizer sua ética e moral. ANTIÉTICA é que não tem princípio. IMORAL é quem não tem virtude. (ambas são construídas). QUESTÃO: Quem define o que seja ético e moral para a morada humana? Que instância apontará os critérios de bondade ou de maldade, sejam da moradia humana (ethos) sejam dos costumes e valores (moral) que organiza essa moradia? NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 6 16/08/2011 ESTRUTURA DO ATO MORAL (438402) A moral ocorre em dois planos: o normativo e o fatual. De um lado, nela encontramos normas e princípios que tendem a regulamentar a conduta dos homens e, de outro lado, um conjunto de atos humanos regulamentados por eles, cumprindo assim a sua exigência de realização. Um ato moral é sempre um ato sujeito à sanção dos demais; isto é, passível de aprovação ou de desaprovação, de acordo com as normas comumente aceitas. Nem todos os atos humanos podem receber semelhante qualificação. 1ª) Pegar uma pedra em terreno baldio e levar para casa! É uma ato humano, mas não é um ato moral! 2ª) Retirar uma pedra do caminho, pensando em proteger futuros transeuntes. É um ato humano e um ato moral. Porque é ato humano relacionado a outro ser humano/ato humano. Moral = atos humanosAto moral é toda ação humana que VISA A SOCIABILIDADE. É aquela ação com perspectiva para outro ser humano. Esse ato pode ser considerada: - Bom - Mau Um ato sobre COAÇÃO não é um ato moral. Estrutura do ato moral a) Motivo do ato moral Moça solista se candidata a cargo político. Por motivo, entende-se aquilo que impulsiona a agir ou a procurar alcançar determinado fim. Um mesmo ato pode realizar-se por motivos diferentes e o mesmo motivo pode impulsionar a realizar atos diferentes com finalidades diferentes. O sujeito pode reconhecer o motivo da sua ação e ser uma ação consciente. Mas nem sempre apresenta esta característica. A pes- soa impulsionada a agir por fortes paixões, por impulsos irresistíveis não é consciente dos motivos de seu comportamento. Esta motiva- ção inconsciente não permite qualificar o ato que ela estimula como propriamente moral. Os motivos inconscientes do comportamento humano devem ser considerados, mas não para determinar o caráter moral de um ato, e sim para compreender que, exatamente porque este ato obedece a motivos inconscientes, irracionais, escapa à esfera moral e não pode ser objeto de aprovação ou desaprovação. O motivo não é suficiente para atribuir a tal ato um significado moral, porque o agente nem sempre pode reconhecê-lo claramente. Cidadão joga o filho contra o carro – é preso – sob surto psicótico (inconsciente) – sem culpa (sem dolo) nem legal, nem moral. No direito, ele deve receber uma sanção penal proporcional ao dano que ele causou a comunidade/sociabilidade/harmonia social (ato culposo). Quando o crime é indefensável o advogado antiético alega insani- dade mental para seu cliente. Quando o certo era buscar um pe- na/sanção proporcional a ação – pena justa e não a liberdade a qualquer preço. Todos tem direito a defesa, mas sem mentiras/manipulação! Deve- se buscar minimizar a pena por quebra da harmonia social. b) Consciência do fim visado: Motorista bebe e mata um pedestre, ele assumiu o risco. Crime doloso. Toda ação especificamente humana exige certa consciência de um fim, ou antecipação ideal do resultado que se pretende alcançar. NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 7 O fim proposto pela consciência implica também a decisão de al- cançá-lo. O ato moral não somente se antecipa idealmente, como fim, um resultado, mas há também, além disso, a decisão de alcan- çar realmente o resultado que tal fim prefigura ou antecipa. O ato moral implica a consciência de um fim e a decisão de realizá- lo. Mas esta decisão pressupõe a escolha entre vários fins possí- veis que se excluem reciprocamente (estudar x vadiar – casar x solteirice). A pluralidade de fins exige a consciência da natureza de cada um deles e, ao mesmo tempo, a consciência de que um é preferível aos demais. (a geração atual perdeu a hierarquia valorativa – para eles tudo tem o mesmo valor. Chico Buarque (MPB) = Latino (funk) A pluralidade dos fins no ato moral exige: a) a escolha de um fim entre outros, e b) decisão de realizar o fim. O ato moral não se completa com a decisão tomada; é necessário chegar ao resultado efetivo. Se decido concretizar determinado fim e não dou os passos necessários para isso, o fim não se realiza e, portanto, o ato moral não se produz. c) Consciência dos meios para realizar o fim escolhido O ato moral x regra contra (para ter consequência tem que quebrar a regra) O ato moral responde à necessidade social de regulamentar a relação entre os membros da sociedade. O ato moral consuma-se no resultado. Como fato real, deve ser relacionado com a norma que implica e que faz parte do código moral da comunidade respectiva. O ato moral responde à necessidade social de regulamentar as relações entre os membros de uma comunidade, o que significa que deve levar em consideração as conseqüências objetivas do resulta- do obtido, o modo como este resultado afeta aos demais. O ato moral supõe um sujeito real dotado de consciência moral, isto é, da capacidade de interiorizar as normas ou regras de ação esta- belecidas pela comunidade e de atuar de acordo com elas. A consciência moral é, por um lado, consciência do fim desejado, dos meios adequados para realizá-lo e do resultado possível; mas é, ao mesmo tempo, decisão de realizar o fim escolhido, pois a sua execução se apresenta como uma exigência ou um dever. d) Resultados obtidos O Direito busca a Justiça (equilíbrio). A pena e aplicada pela quebra da harmonia/coesão da comunidade. O ato moral apresenta um aspecto SUBJETIVO (motivos, consci- ência do fim, consciência dos meios e decisão pessoal), mas, mos- tra também um lado OBJETIVO que transcende a consciência (emprego de determinados meios, resultados objetivos, conseqüên- cias). Por isso a natureza moral do ato não pode ser reduzida exclusiva- mente ao seu lado subjetivo. Também não se pode fixar o centro de gravidade do ato num só dos seus elementos, com exclusão dos outros. Seu significado moral não pode ser encontrado somente nos motivos que impulsionaram a agir. Às vezes, o centro de gravidade do ato moral se desloca para a intenção com que se realiza ou o fim desejado, independentemente dos resultados obtidos e das conseqüências que nosso ato acarreta para os demais. Esta concepção subjetivista ou intencionalista do ato moral negli- gencia os seus resultados e as suas conseqüências. A intenção ou o fim envolve uma exigência de realização: não é admissível que se fale de intenções ou fins bons em si mesmos, independentemente da sua realização porque a prova das boas intenções se deve pro- curar nos resultados. O agente moral deve responder não só por aquilo que projeta ou propõe realizar, mas também pelos meios empregados e pelos resultados obtidos. Nem todos os meios são moralmente bons para obter um resultado. Em suma: o ato moral é uma totalidade ou unidade indissolúvel de diversos aspectos ou elementos: motivo, fim, meios, resultados, conseqüências objetivas. O subjetivo e o objetivo estão aqui como as duas faces de uma mesma moeda. O ato moral não pode ser reduzido a um dos seus elementos, mas está em todos eles, na sua unidade e nas suas mútuas relações. Embora a intenção preceda geneticamente o resultado, a qualifica- ção moral da intenção não pode prescindir da consideração do resultado. Por sua vez, os meios não podem ser considerados sem os fins, e tampouco os resultados e as conseqüências objetivas do ato moral podem ser isoladas da intenção, porque circunstâncias externas imprevistas podem conduzir a resultados que o agente não pode reconhecer como seus. NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 8 22/08/2011 CONDIÇÕES DA RESPONSABILILIDADE MORAL Quais são as condições necessárias e suficientes para poder imputar a alguém uma responsabilidade moral por determinado ato? 1980 – perda dos valores/referências/parâmetros. Ser honesto virou qualidade/ coisa rara. Em que condições uma pessoa pode ser louvada ou censurada por sua maneira de agir? Há duas condições fundamentais: 1ª) Que o sujeito não ignore nem as circunstâncias nem as conse- qüências da sua ação, ou seja, que o seu comportamento possua um caráter CONSCIENTE. Existe a pena, mesmo sem a culpa. 2ª) Que a causa dos seus atos esteja nele próprio (ou causa interi- or), e não em outro agente (ou causa externa) que o force a agir de certa maneira, contrariando a sua vontade, ou seja, que sua condu- ta seja LIVRE. Surto Psicótico Na avaliação moral é sempre: Bom ou mau É preciso ser radical, racional e ver o todo. A ignorância e a responsabilidade moral. É preciso não sabere não ter condições de saber para se livrar da culpa! Impossibilidade Subjetiva: criança usa revolver acidentalmente. A culpa é do pai. Impossibilidade Objetiva: Aristóteles era a favor da escravidão – ele não é culpado - a escravidão deixou de ser considerada legítima a partir do século XVIII. Se podemos responsabilizar somente o sujeito que escolhe, decide e age conscientemente, é evidente que devemos eximir da respon- sabilidade moral a quem não tem consciência daquilo que faz, isto é, a quem ignora as circunstâncias, a natureza ou as conseqüências da sua ação. Sec. IV a.c. Aristóteles Sec. XV Colombo 1940 Hitler Isento de culpa A escravidão era ato legítimo Culpa depende da argumenta- ção (defesa x acusação) Época de mudança de paradigma – dificuldade de julgamento moral. Mas, Bartolomeu de Las casas, já dizia: “Não se deve matar índio” Culpado Já se sabia que não podia matar A ignorância neste amplo sentido se apresenta como uma condição que exime da responsabilidade moral. A ignorância é sempre uma condição suficiente para eximir da responsabilidade moral? NÃO. Não basta afirmar que o agente ignorava as circunstâncias para livrá-lo da responsabilidade moral. É necessário acrescentar que, não só não as conhecia, mas que não podia e não tinha a obrigação de conhecê-la. A tese de que a ignorância exime de responsabilidade moral deve ser concretizada, pois há circunstâncias em que o agente ignora o que poderia ter conhecido ou o que tinha obrigação de conhecer. A ignorância não pode eximí-lo da sua responsabilidade, já que ele é responsável por não saber o que DEVIA saber. EM RESUMO: A ignorância das circunstâncias, da natureza ou das conseqüências dos atos humanos autoriza a eximir um indivíduo da sua responsabilidade pessoal, mas essa isenção estará justificada somente quando, por sua vez, o indivíduo em questão não for res- ponsável pela sua ignorância, ou seja: quando se encontra na im- possibilidade subjetiva (por motivos pessoais) ou objetivas (por motivos históricos-sociais) de ser consciente do seu ato pessoal. A coação externa e a responsa- bilidade moral Mulher desvia de 1 criança e mata 5, moralmente ela não tem culpa. Mas tem que receber uma pena proporcional ao dano, por quebrar que- brar a sociabilidade/harmonia social. Moralmente e penalmente ela não tem culpa (não é doloso). Ela terá uma pena proporcional ao dano causado à comunidade/sociabilidade/harmonia social. O ato moral se consuma no resultado (bom ou mau)! NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 9 A segunda condição fundamental para que se possa responsabilizar uma pessoa por um ato é que a causa deste esteja dentro dele próprio e não provenha de fora. Exige-se que a pessoa não esteja submetida a uma coação externa. Quando o agente moral está sob pressão de uma coação externa, perde o controle dos seus atos, sendo-lhe fechado o caminho da eleição e da decisão pessoal, razão pela qual realiza um ato nem escolhido nem decidido pessoalmente. Na medida em que a causa do seu ato está fora do agente, esca- pando ao seu poder e controle, e em que se lhe barra a possibilida- de de decidir e agir de outra maneira, não se pode responsabilizá-lo pelo modo como agiu. * A coação externa pode provir não de algo –circunstâncias imprevis- tas – que o força a agir de certa maneira contra a vontade do agen- te, mas de alguém que consciente e voluntariamente o força a realizar um ato que não quer fazer. Estrutura da personalidade Neurose/neurótico (98%) – tem culpa Psicose/psicótico (1%) – sem culpa (esta no subconsciente) Perverso (1%) – pode ou não ter culpa A coação interna e a responsabilidade moral. Esquizofrênico e cleptomaníaco – Não tem culpa Se o agente não é responsável pelos atos que têm a sua causa fora dele, seria, ao contrário, por todos aqueles que têm a sua causa dentro dele? Não haveria atos cuja causa esteja dentro do sujeito e pelos quais não seja moralmente responsável? Um indivíduo normal é moralmente responsável pelo roubo que comete, diferente do cleptomaníaco que rouba por um impulso irresistível. O assassinato é reprovável moralmente. Mas poderíamos conside- rar moralmente responsável o neurótico que mata num momento de crise aguda? Nesses casos o sujeito não tem consciência, pelo menos não no momento em que realiza tais atos, dos motivos verdadeiros, da sua natureza moral e das circunstâncias. A psiquiatria e a psicanálise conhecem muitos casos assim. O agente atua sob uma coação interna que não pode resistir e ainda que os seus atos possuam a sua causa no seu íntimo, não são propriamente seus, porque não puderam exercer um controle sobre eles. Os casos acima são casos extremos: ou seja, casos de coação interna à qual o sujeito não consegue resistir de maneira alguma. São casos de pessoas doentes, ou de outras que, embora se com- portem de maneira normal, mostram zonas de comportamento que se caracterizam por sua anormalidade. Ainda que seja difícil traçar a linha divisória entre o normal e o anormal no comportamento, é evidente que as pessoas que costu- mamos considerar normais não agem sob uma coação irresistível. 23/08/2011 Ética para meu filho - Fernando Savater NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 10 Possibilidades de ação ≠ Liberdade Capítulo 4 - Dê a si mesmo uma vida boa O que estou pretendendo lhe dizer ao colocar um "faça o que quiser" como lema fundamental da ética em cuja dire- ção caminhamos tateando? Pois simplesmente (embora eu tema que depois acabe não sendo tão simples) que é preci- so dispensar ordens e costumes, prêmios e castigos, em suma, tudo o que queira dirigi-lo de fora, e que você deve estabelecer todo esse assunto a partir de si mesmo, do foro íntimo de sua vontade. Não pergunte a ninguém o que você deve fazer de sua vida: pergunte-o a si mesmo. Se você deseja saber em que pode empregar melhor a sua liberda- de, não a perca colocando-se já de início a serviço de outro ou de outros, por mais que sejam bons, sábios e respeitá- veis: sobre o uso da sua liberdade, interrogue... a própria liberdade. Claro, como você é um garoto esperto, pode ser que já esteja percebendo que aqui há uma certa contradição. Ao lhe dizer "faça o que quiser" parece que, de todo modo, estou lhe dando uma ordem, "faça isso e não aquilo", embo- ra a ordem seja agir livremente. Que ordem mais complica- da, quando a examinamos de perto! Ao cumpri-la, você estará desobedecendo a ela (pois não estará fazendo o que quer, mas o que eu quero e estou mandando); ao desobe- decer a ela, você a estará cumprindo (pois estará fazendo o que quer e não o que estou mandando... mas é exatamente isso que estou mandando!). Acredite, não estou querendo colocá-lo diante de uma charada como as que aparecem na seção de passatempos dos jornais. Embora esteja tentando lhe dizer tudo isto sorrindo, para não nos aborrecermos mais do que o necessário, o assunto é sério: não se trata de passar o tempo, mas de vivê-lo bem. A aparente contradi- ção que encerra esse "faça o que quiser" é apenas um refle- xo do problema essencial da própria liberdade, ou seja, não somos livres para não sermos livres, pois é inevitável que sejamos livres. E se você me disser que chega, que você está farto e não quer continuar sendo livre? E se você resol- ver entregar-se como escravo a quem fizer a melhor oferta ou jurar que obedecerá para todo o sempre a este ou àquele tirano? Pois você o fará porque quer, estará fazendo uso da sua liberdade e, mesmo obedecendo a outro ou deixando- se levar pela massa, continuará agindo conforme sua prefe- rência: não estará renunciando a escolher, mas estaráesco- lhendo não escolher por si mesmo. Por isso um filósofo francês do nosso século, Jean-Paul Sartre, disse que' 'es- tamos condenados à liberdade''. Para essa condenação não há indulto possível... Assim, meu' 'faça o que quiser'' é apenas uma forma de dizer que você deve levar a sério o problema da sua liberda- de, o fato de que ninguém pode dispensá-lo da respon- sabilidade criadora de escolher seu caminho. Não se pergunte morbidamente se "vale a pena" todo esse alarde em torno da liberdade, pois queira ou não você é livre, quei- ra ou não você tem de querer. Mesmo ao dizer que não quer saber nada desses assuntos tão enfadonhos e que eu o deixe em paz, você também estará querendo... querendo não saber de nada, querendo que o deixem em paz, embora sob pena de se embotar um pouco. São as coisas do querer, amigo meu, como diz a canção! Mas não devemos confundir o "faça o que quiser" com os caprichos de que falamos an- tes. Uma coisa é você fazer o que quiser, e outra bem diferente é fazer "a primeira coisa que der vontade". Não estou dizendo que em certas ocasiões não possa ser sufici- ente a pura e simples vontade de alguma coisa: quando você escolhe comer num restaurante, por exemplo. Já que felizmente você tem um bom estômago e não se preocupa em engordar, vamos lá, peça o que tiver vontade... Mas, cuidado, pois às vezes a vontade nos faz perder em vez de ganhar. A propósito, um exemplo. Não sei se você leu muito a Bíblia. Ela está cheia de coisas interessantes, e não é preciso ser muito religioso - você sabe que eu sou muito pouco - para apreciá-las. No primeiro de seus livros, o Gênesis, conta-se a história de Esaú e Jacó, filhos de Isaac. Eles eram irmãos gêmeos, mas Esaú havia saído primeiro do ventre da mãe, o que lhe conferia o direito de primogenitura: ser primogênito naquele tempo não era coisa sem importância, pois significava estar destinado a herdar todas as posses e privilégios do pai. Esaú gostava de caçar e se aventurar, ao passo que Jacó preferia ficar em casa, preparando de vez em quando algumas delícias culi- nárias. Certo dia Esaú voltou do campo cansado e faminto. Jacó havia preparado um suculento cozido de lentilhas, e o irmão, assim que sentiu o aroma, ficou com água na boca. Com muita vontade de comer o guisado, pediu a Jacó que lhe oferecesse um prato. O irmão cozinheiro concordou, dizendo no entanto que não seria de graça, mas em troca do direito de primogenitura. Esaú pensou: "Agora o que eu quero são as lentilhas. A questão da herança do meu pai será daqui a muito tempo. Pode até ser que eu morra antes dele!" E aceitou trocar seus futuros direitos de primogênito pelas saborosas lentilhas do presente. Aquelas lentilhas deviam ter um cheiro delicioso! Não é preciso dizer que mais tarde, de barriga cheia, arrependeu-se do negócio que havia feito, o que provocou muitos problemas entre os irmãos (com o devido respeito, sempre tive a impressão de que Jacó era um espertalhão). Mas, se você quer saber o fim da história, leia o Gênesis. Para o que interessa exemplificar aqui, basta o que lhe contei. Como o vejo um pouco rebelde, não me surpreenderia que você tentasse virar essa história contra o que venho dizen- do: "Você não estava me recomendando a tal maravilha do 'faça o que quiser'? Pois aí está: Esaú queria o guisado, empenhou-se em obtê-lo e acabou ficando sem herança. Grande êxito!" Sim, é claro, mas... será que as lentilhas eram o que Esaú queria de verdade, ou simplesmente o que desejava naquele momento? Afinal, ser o primogênito era, na época, uma coisa muito rentável, ao passo que as lentilhas, já viu: quem quiser pega... É lógico pensar que no fundo Esaú queria era a primogenitura, um direito destinado a melhorar muito sua vida num prazo mais ou menos breve. Claro que também estava com vontade de comer guisado, mas, se tivesse se dado ao trabalho de pensar um pouco, teria constatado que esse segundo desejo podia esperar por algum tempo, não estragando suas possibilidades de con- seguir o fundamental. Às vezes os homens querem coisas contraditórias que entram em conflito umas com as outras. É importante ser capaz de estabelecer priorida- des e de impor uma certa hierarquia entre aquilo de que tenho vontade imediatamente e o que quero no fundo, a longo prazo. Esaú que o diga... Na história bíblica há um detalhe importante. O que determi- na que Esaú escolha o guisado presente e renuncie à he- L ib e rd a d e É ti c a NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 11 rança futura é a sombra da morte ou, se você preferir, o desânimo produzido pela brevidade da vida. "Como sei que vou morrer de qualquer maneira, e quem sabe antes de meu pai... por que me incomodar pensando no que me convém? Agora quero lentilhas e amanhã estarei morto, portanto venham as lentilhas e acabou-se!" É como se a certeza da morte levasse Esaú a pensar que a vida não vale a pena, que tudo dá na mesma. Mas o que faz com que tudo dê na mesma não é a vida, mas a morte. Veja bem: por medo da morte, Esaú decide viver como seja estivesse morto e tudo desse na mesma. A vida é feita de tempo, nosso presente é cheio de recordações e esperanças, mas Esaú vive como se para ele já não houvesse outra realidade que não o aroma de lentilhas que lhe chega naquela horinha ao nariz, sem ontem nem amanhã. Mais ainda: nossa vida é feita de relações com os outros - somos pais, filhos, irmãos, amigos ou inimigos, herdeiros ou herdados, etc. -, mas Esaú decide que as lentilhas (que são uma coisa, não uma pessoa) contam mais para ele do que esses víncu- los com os outros que o fazem ser quem é. Agora uma pergunta: Esaú realmente cumpre o que quer, ou será que a morte como que o hipnotiza, paralisando e estragando seu querer? Deixemos Esaú com seus caprichos culinários e seus pro- blemas de família. Voltemos ao seu caso, que é o que nos interessa aqui. Se eu lhe disser que faça o que quiser, a primeira coisa que parece oportuno fazer é pensar deti- da e profundamente no que você quer. Sem dúvida, há muitas coisas de que você tem vontade, muitas vezes con- traditórias, como acontece com todo o mundo: você quer ter uma moto mas não quer arrebentar a cabeça na estrada; quer ter amigos mas sem perder sua independência; quer ter dinheiro mas não quer passar por cima do próximo para obtê-lo; quer saber coisas e por isso compreende que é preciso estudar, mas também quer se divertir; quer que eu não lhe faça sermão e o deixe viver sossegado mas também que eu esteja pronto para ajudá-lo quando necessário, etc. Em suma, se você fosse resumir tudo isso e colocar em palavras sinceramente tudo o que no fundo você deseja, diria: "Escute, pai, o que eu quero é dar-me uma vida boa." Bravo! Prêmio para o cavalheiro ! É exatamente isso que eu queria lhe aconselhar: ao dizer "faça o que quiser", o que no fundo eu pretendia recomendar é que você ousasse dar-se uma vida boa. E, perdão, não ligue para os tristes nem para os beatos: a ética não é mais do que a tentativa racional de averiguar como viver melhor. Se vale a pena interes- sar-se pela ética é porque gostamos da vida boa. Só quem nasceu para escravo ou quem tem tanto medo da morte a ponto de achar que tudo dá na mesma dedica-se às lentilhas e vive de qualquer jeito... Você quer dar-se uma vida boa: ótimo. Mas também quer que essa vida boa não seja a vida boa de uma couve-flor ou de um besouro, com todo o meu respeito por essas duas espécies, mas uma vida boa humana. É isso que lhe corres- ponde, creio eu. Tenho certeza de que você não renunciaria a isso por nada do mundo. Ser humano, já dissemos an- tes, consiste principalmente em ter relações com os outros seres humanos. Se você pudesse ter muito dinhei- ro, uma casa mais suntuosa do que um palácio das mil e uma noites, as melhoresroupas, os mais deliciosos alimen- tos (muitas lentilhas!), os mais sofisticados aparelhos, mas tudo isso ao preço de nunca mais ver ou ser visto por qual- quer ser humano, você ficaria contente? Quanto tempo conseguiria viver assim sem ficar louco! Não é a maior das loucuras querer as coisas às custas da relação com as pes- soas? Ora, se justamente a graça de todas essas coisas está em permitirem - ou parecerem permitir - que você se relacione mais favoravelmente com os outros! Por meio do dinheiro espera-se poder deslumbrar ou comprar os outros; as roupas são para lhes agradar ou para que nos invejem; assim também a boa casa, os melhores vinhos, etc. Sem falar nos aparelhos: o vídeo e a televisão são para vê-los melhor, o CD para ouvi-los melhor, e assim por diante. Muito poucas coisas mantêm sua graça na solidão; e, se a solidão é completa e definitiva, todas as coisas tornam-se irremedi- avelmente amargas. A vida boa humana é vida boa entre seres humanos, caso contrário pode até ser vida, mas não será nem boa nem humana. Está começando a ver onde quero chegar? As coisas podem ser bonitas e úteis, os animais (pelo me- nos alguns) podem ser simpáticos, mas nós, homens, que- remos ser humanos, e não ferramentas ou bichos. Também queremos ser tratados como humanos, pois essa história de humanidade depende em boa medida do que fazemos uns com os outros. Explicando: o pêssego nasce pêssego, o leopardo já vem ao mundo como leopardo, mas o homem não nasce já totalmente homem, e nunca chega a sê-lo sem a ajuda dos outros. Por quê? Porque o homem não é ape- nas uma realidade biológica, natural (como os pêssegos ou os leopardos), mas é também uma realidade cultural. Não há humanidade sem aprendizagem cultural e, para começar, sem a base de qualquer cultura (e portanto fundamento de nossa humanidade): a linguagem. O mundo em que nós, seres humanos, vivemos é um mundo lingüístico, uma reali- dade de símbolos e leis sem a qual seríamos incapazes não só de nos comunicar uns com os outros como também de captar o significado do que nos cerca. Mas ninguém pode aprender sozinho a falar (como poderia aprender sozinho a comer ou a urinar - perdão), pois a linguagem não é uma função natural e biológica do homem (embora tenha sua base em nossa condição biológica, é claro), mas uma cria- ção cultural que herdamos e aprendemos de outros homens. Por isso, falar com alguém e escutá-lo é tratá-lo como uma pessoa, pelo menos começar a lhe dar um tratamento hu- mano. É só um primeiro passo, sem dúvida, pois a cultura dentro da qual nós nos humanizamos uns aos outros parte da linguagem, mas não é simplesmente linguagem. Há ou- tras formas de demonstrar que nos reconhecemos como humanos, ou seja, estilos de respeito e de considerações humanizadoras que temos uns para com os outros. Todos nós queremos ser tratados assim, senão protestamos. Por isso as moças se queixam quando são tratadas como mu- lher es-"objeto", ou seja, simples enfeites ou instrumentos; e por isso para insultar alguém o chamamos de "animal!", como que para adverti-lo de que está rompendo o trato entre os homens e, se continuar assim, poderá ser pago na mes- ma moeda. Acho que o mais importante de tudo isso é o seguinte: a humanização (ou seja, o que nos torna huma- nos, o que queremos ser) é um processo recíproco (como a própria linguagem, percebe?). Para que os outros possam fazer-me humano, tenho de os fazer humanos; se para mim todas as pessoas são como coisas ou animais, também eu não serei mais do que uma coisa ou um animal. Por isso, dar-se uma vida boa não pode ser muito diferente, afinal, de dar uma vida boa. Pense um pouco nisso, por favor. S e r P e s s o a E d u c a ç ã o V id a H u m a n a É ti c a NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 12 Mais adiante voltaremos a essa questão. Agora, para con- cluir este capítulo de modo mais leve, proponho irmos ao cinema. Se você quiser, podemos assistir a um filme lindís- simo, dirigido e interpretado por Orson Welles: Cidadão Kane. Vou resumi-la rapidamente: Kane é um multimilionário que, com poucos escrúpulos, reuniu em seu palácio de Xanadu uma enorme coleção de todas as coisas bonitas e caras do mundo. Ele tem de tudo, sem dúvida, e usa todas as pessoas que o cercam para seu fins, como simples ins- trumentos de sua ambição. No final da vida, perambula sozinho pelos salões de sua mansão, cheios de espelhos que lhe devolvem mil vezes sua própria imagem de solitário: só sua imagem lhe faz companhia. Ele morre murmurando uma palavra: "Rosebud!" Um jornalista tenta adivinhar o significado daquele último gemido, mas não consegue. Na realidade, "Rosebud" é o nome escrito num trenó com o qual Kane brincava quando criança, na época em que ainda vivia cercado de afeto e devolvendo afeto aos que o cercavam. Todas as suas riquezas e todo o poder acumulado sobre os outros não puderam comprar-lhe nada melhor do que aquela lembrança infantil. Aquele trenó, símbolo de doces relações humanas, era na verdade o que Kane queria, a vida boa que havia sacrificado para conseguir milhões de coisas que na realidade não serviam para nada. E no entanto a maioria das pessoas o invejava... Venha, vamos ao cinema. Amanhã continuaremos. Vá dando uma lida... ''E Jacó fez um cozido; e voltando Esaú do campo, cansado, disse a Jacó: Rogo-te que me dês para comer desse guisado vermelho, pois estou muito cansado. "E Jacó respondeu: Vende-me neste dia tua primogenitura. “Então disse Esaú: Eis que vou morrer; de que me servirá então a primogenitura? "E disse Jacó: Jura-mo neste dia. E lhe jurou, e vendeu a Jacó sua primogenitura. “Então Jacó deu a Esaú pão e do guisado das lentilhas; e ele comeu e bebeu, levantou-se e se foi. Assim desprezou Esaú a primogenitu- ra." (Gênesis, XXV, 27 a 34) "Talvez o homem seja mau por esperar morrer durante toda a vida: e assim morre mil vezes na morte dos outros e das coisas. "Pois todo animal consciente de estar em perigo de morte torna-se louco. Louco medroso, louco astuto, louco malvado, louco que foge, louco servil, louco furioso, louco odiento, louco embrulhão, louco assassino." (Tony Duvert,Abecedário malévolo) "Um homem livre em nada pensa menos do que na morte, e sua sabedoria não é uma meditação sobre a morte, mas sobre a vida." (Spinoza, Ética) "Homem livre é aquele que quer sem a arrogância do arbitrário. Crê na realidade, ou seja, no laço real que une a dualidade real do Eu e do Tu. Crê no Destino e crê que o destino o necessita... Pois o que tem de acontecer não acontecerá se ele não estiver resolvido a querer o que é capaz de querer." (Martin Buber, Eu e tu) "Ser capaz de prestar atenção a si mesmo é pré-requisito para ter a capacidade de prestar atenção aos outros; sentir-se bem consigo mesmo é a condição necessária para relacionar-se com os outros." (Erich Fromm, Ética e psicanálise) Capítulo 5 - Vamos, acorde! Breve resumo do que foi escrito antes. O caçador Esaú, convencido de que para os poucos dias de vida que se têm tudo dá na mesma, segue o conselho de sua barriga e re- nuncia ao direito de primogenitura por um bom prato de lentilhas (pelo menos nisso Jacó foi generoso e deixou-o repetir duas vezes). O cidadão Kane, por sua vez, dedicou- se durante muitos anos a vender a todas as pessoas para poder comprar todas as coisas; no final de sua vida, reco- nhece que, se pudesse, trocaria seu armazém cheio de coisas caríssimas pela única coisa humilde - um velho trenó - que lhe lembrava uma certa pessoa: ele mesmo, antes de se dedicar à compra-e-venda, quando preferia amar e ser amado a possuir e dominar. Tanto Esaú como Kane estavam convencidos de que faziam o que queriam, mas nenhum deles parece ter conseguidodar-se uma vida boa. No entanto, se alguém lhes perguntas- se o que desejavam de fato, teriam respondido o mesmo que você (ou que eu, é claro): "Quero dar-me uma vida boa." Conclusão: o que queremos está muito claro (dar-nos uma vida boa), mas o que não está tão claro é em que consiste essa "vida boa". Querer uma vida boa não é um querer qualquer, como quando alguém quer lentilhas, quadros, eletrodomésticos ou dinheiro. Todos esses quereres são, por assim dizer, simples, ligados a um único aspecto da realidade: não têm perspectiva de conjunto. Não há nada de mau em querer lentilhas quando se tem fome, sem dúvida; mas no mundo há outras coisas, outras relações, fidelidades devidas ao passado e esperanças suscitadas pelo futuro, sei lá, muito mais, tudo o que você puder imaginar. Em resumo, nem só de lentilhas vive o homem. Para conseguir suas lentilhas, Esaú sacrificou muitos aspectos importantes de sua vida, simplificou-a mais do que devia. Agiu, como eu já disse, sob o peso da iminência da morte. A morte é uma grande simplificadora: quando estamos a ponto de esticar as canelas poucas coisas importam (a medicina que pode nos salvar, o ar que consente em nos encher os pulmões uma vez mais...). A vida, por outro lado, é sempre complexidade e quase sempre complicações. Se refugamos todas as com- plicações e buscamos a grande simplicidade (que venham as lentilhas!) não julgue que queiramos viver mais e melhor, mas morrer de uma vez. E dissemos que o que realmente desejamos é a vida boa, não a morte imediata. De modo que Esaú não nos serve como professor. Também Kane, a seu modo, simplificava a questão. Diferen- temente de Esaú, não era esbanjador, mas acumulador e ambicioso. O que ele queria era poder para manipular os homens e dinheiro para comprar coisas, muitas coisas boni- tas e certamente úteis. Veja bem, nada tenho contra tentar conseguir dinheiro nem contra o gosto pelas coisas bonitas ou úteis. Não confio nessa gente que diz que não se interes- sa por dinheiro e que afirma não necessitar de nada. Pode ser que eu seja feito de barro muito mal cozido, mas não acho graça nenhuma em ficar sem um tostão, e, se amanhã os ladrões arrombassem minha casa e levassem meus livros (receio que não poderiam levar muito mais do que isso), para mim seria uma catástrofe. No entanto, o desejo de ter cada vez mais (dinheiro, coisas...) também não me parece totalmente sadio. A verdade é que as coisas que temos também nos têm: o que possuímos nos possui. Explico. Certo dia, um sábio budista dizia a seu discípulo exatamente NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 13 o que estou dizendo a você e o discípulo olhava para ele com a mesma cara estranha ("esse cara endoidou") com que talvez você esteja lendo esta página. Então o sábio perguntou ao discípulo: "Do que é que você mais gosta nesta sala?'' O aluno esperto apontou para uma taça de ouro e marfim, que devia custar uma nota. "Pois bem, pe- gue-a", disse o sábio; e o rapaz, sem esperar segunda or- dem, agarrou firmemente a joinha com a mão direita. "Não a solte de jeito nenhum, ouviu bem?", observou o professor, com uma certa rudeza; e depois acrescentou: "Não há ne- nhuma outra coisa de que você também goste?" O discípulo admitiu que a bolsa cheia de dinheiro sonante que estava sobre a mesa também não lhe causava repugnância. "Pois então pegue-a!", estimulou-o o outro. E o rapaz empunhou fervorosamente a bolsa com a mão esquerda. "E agora?", ele perguntou ao professor com certo nervosismo. E o sábio respondeu: "Agora se coce!" Não havia jeito, é claro. No entanto, alguém pode ter necessidade de se coçar quando está com coceira em alguma parte do corpo... ou até da alma! Com as mãos ocupadas, não conseguimos nos coçar à vontade e nem fazer muitos outros gestos. O que mante- mos agarrado também nos agarra a seu modo... ou seja, é melhor ter cuidado para não se exceder. De certa forma, foi isso que aconteceu com Kane: tinha as mãos e a alma tão ocupadas com suas posses que de repente sentiu uma estranha coceira e não soube com o que se coçar. A vida é mais complicada do que Kane supunha, pois as mãos não servem apenas para pegar, mas também para se coçar ou para acariciar. Mas o equívoco fundamental desse personagem, se é que o equívoco não é meu, foi outro. Obcecado por conseguir coisas e dinheiro, tratou as pesso- as como se também fossem coisas. Considerava que nisso consistia ter poder sobre elas. Grave simplificação: a maior complexidade da vida é justamente essa, o fato de as pes- soas não serem coisas. A princípio não encontrou dificulda- de: as coisas se compram e se vendem, e Kane comprou e vendeu pessoas também. Naquele momento não lhe pare- ceu que houvesse grande diferença. Nós usamos as coisas enquanto nos servem, e depois as jogamos fora. Kane fez o mesmo com as pessoas que o cercavam e tudo parecia correr bem. Assim como possuía as coisas, Kane propôs-se a possuir pessoas, a dominá-las e manipulá-las a seu gosto. Assim se comportou com suas amantes, com seus amigos, com seus empregados, com seus adversários políticos, com todos os bichos viventes. Sem dúvida causou muitos danos aos outros, mas o pior, de seu ponto de vista (o ponto de vista de alguém que supomos que quisesse dar-se uma "vida boa", bem entendido) é que desgostou seriamente a si mesmo. Tentarei esclarecer isso, pois acho que é da maior importância. Não se iluda: de uma coisa - mesmo que seja a melhor coisa do mundo - só se podem tirar... coisas. Ninguém é capaz de dar o que não tem, não é mesmo? E nada pode dar mais do que é. As lentilhas são úteis para saciar a fome, mas não ajudam a aprender francês, por exemplo; o dinheiro, por sua vez, serve para quase tudo, e no entanto não pode comprar uma verdadeira amizade (com dinheiro é possível conseguir servilismo, companhia de aproveitadores ou sexo mercená- rio, nada mais). Digamos que um vídeo possa emprestar uma peça a outro vídeo, mas não pode dar-lhe um beijo... Se os seres humanos fossem simples coisas, o que as coi- sas podem dar nos bastaria. Mas aí está a complicação de que falei: como não somos simples coisas, necessitamos de ' 'coisas'' que as coisas não têm. Quando tratamos os outros como coisas, como fazia Kane, o que recebemos deles também são coisas: quando espremidos, eles soltam dinhei- ro, nos servem (como se fossem instrumentos mecânicos), saem, entram, esfregam-se em nós ou sorriem quando aper- tamos o botão adequado... Mas dessa maneira nunca nos darão aqueles dons mais sutis que só as pessoas podem oferecer. Assim não conseguiremos nem amizade, nem respeito e muito menos amor. Nenhuma coisa (e nenhum animal, pois a diferença entre sua condição e a nossa é grande demais) pode nos dar esse tipo de amizade, respei- to, amor... em suma, a cumplicidade fundamental que só se dá entre iguais, e que só pode ser oferecida a você, a mim ou a Kane, que somos pessoas, por outras pessoas que sejam tratadas por nós como tais. A questão do tratamento é importante, pois já dissemos que os humanos se humani- zam uns aos outros. Ao tratar as pessoas como pessoas e não como coisas (ou seja, ao levar em conta o que elas querem, ou aquilo de que necessitam, e não apenas o que posso tirar delas), estou possibilitando que elas me devol- vam o que só uma pessoa pode dar a outra. Kane esqueceu esse pequeno detalhe e de repente (mas tarde demais) deu-se conta de que tinha deixado totalmente de lado aquilo que só outra pessoa pode dar: afeto sincero, carinho espontâneo ou simples companhia inteligente. Como Kane nunca pareceu importar-se com nada a não ser dinhei- ro, ninguém se importava com nada de Kane a não ser seu dinheiro. E o grande homem sabia, além disso, que era por sua culpa. Às vezes podemos tratar os outros como pessoas e só receber coices, traições ou abusos.Concordo. Mas pelo menos contamos com o respeito de uma pessoa, nem que seja apenas uma: nós mesmos. Não transformando os outros em coisas, defendemos pelo menos nosso direito de não ser coisa para os outros. Tentamos fazer com que o mundo das pessoas - esse mundo em que algumas pessoas tratam outras como tais, o único em que de fato se pode viver bem - seja possível. Suponho que o desespero do cidadão Kane no final de sua vida não fosse simplesmente por ele ter perdido o terno conjunto de relações humanas que tivera na infância, mas por se ter empenhado em perdê- las e por ter dedicado a vida inteira a estragá-las. Não é que não pudesse tê-las, mas deu-se*conta de que nem mesmo as merecia... Mas você me dirá que o multimilionário Kane certamente era invejado por muita gente. Com certeza muitos pensavam: "Esse sim é que sabe viver!" Bem, e daí? Acorde de uma vez, criatura! Os outros, de fora, podem nos invejar sem saber que exatamente naquele momento estamos morrendo de câncer. Você preferirá dar um gosto aos outros a satisfa- zer a si mesmo? Kane conseguiu tudo o que tinha ouvido dizer que faz uma pessoa feliz: dinheiro, poder, influência, servidão... E acabou descobrindo que, dissessem o que dissessem, lhe faltava o fundamental: o afeto autêntico, o respeito autêntico e também o autêntico amor de pessoas livres, pessoas que ele tratasse como pessoas e não como coisas. Talvez você me diga que esse Kane era meio esqui- sito, como geralmente o são os protagonistas de filmes. Muita gente teria se sentido mais do que satisfeita vivendo naquele palácio e com aqueles luxos: a maioria das pesso- as, você me dirá com cinismo, não teria nem se lembrado do trenó "Rosebud". Vai ver que Kane estava meio doido... pois sentir-se infeliz com todas as coisas que ele tinha! E eu lhe digo que deve deixar as pessoas em paz e só pensar em si NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 14 mesmo. A vida boa que você quer é como a de Kane? Você se conforma com o prato de lentilhas de Esaú? Não tenha pressa em responder. Exatamente o que a ética tenta averiguar é em que consiste no fundo, para além do que nos dizem ou do que vemos nos anúncios da televisão, essa ditosa vida boa que gostaríamos de ter. A esta altura sabemos que nenhuma vida boa pode prescindir das coisas (precisamos de lentilhas, que têm muito ferro), mas menos ainda podemos prescindir das pessoas. Devemos manipular as coisas como coisas e tratar as pessoas como pessoas: desse modo as coisas nos ajudarão em muitos aspectos, e as pessoas em um aspecto fundamental, que nenhuma coisa pode suprir, o de sermos humanos. Será loucura mi- nha ou do cidadão Kane? Talvez sermos humanos não seja importante, pois, queiramos ou não, nós o somos irremedia- velmente... Mas é possível ser humano-coisa ou humano- humano, humano preocupado apenas em ganhar as coisas da vida - todas as coisas, quanto mais coisas melhor - e humano dedicado a desfrutar a humanidade vivida entre as pessoas! Por favor, não se deprecie. Admito que muitos, à primeira vista, não dão muita impor- tância ao que estou dizendo. Serão confiáveis? Serão os mais espertos ou simplesmente os que dão menos atenção ao assunto mais importante, à sua vida? Alguém pode ser esperto nos negócios ou na política e um solene asno para coisas mais sérias, como a questão de viver bem ou não. Kane era imensamente esperto no que dizia respeito a di- nheiro e à manipulação das pessoas, mas no final percebeu que se enganara quanto ao fundamental. Errou onde mais lhe conviria acertar. Repito uma palavra que me parece fundamental para este assunto: atenção. Não estou me referindo à atenção da coruja, que não fala mas observa muito (segundo a velha anedota, você sabe), mas à disposi- ção de refletir sobre o que fazemos e a tentar definir o me- lhor possível o sentido da "vida boa" que queremos viver. Sem simplificações cômodas mas perigosas, procurando compreender toda a complexidade deste assunto do viver (refiro-me a viver humanamente), mais complicado do que parece. Creio que a primeira e indispensável condição ética é estar decidido a não viver de qualquer modo, estar convencido de que nem tudo dá na mesma, ainda que cedo ou tarde deva- mos morrer. Ao falar de "moral", as pessoas geralmente se referem às ordens e costumes que se tem o hábito de res- peitar, pelo menos aparentemente e às vezes sem saber muito bem por quê. Mas talvez a verdadeira chave esteja não em submeter-se a um código ou em se opor ao estabe- lecido (que também é submeter-se a um código, mas ao avesso), mas em tentar compreender. Compreender por que certos comportamentos nos convêm e outros não, compre- ender para que serve a vida e o que pode torná-la "boa" para nós, seres humanos. Antes de tudo, é preciso não se contentar em ser tido como bom, em ficar bem diante dos outros, e ser aprovado... Para isso, sem dúvida, será preciso não só colocar-se como coruja ou assumir a submissa obe- diência de um robô, mas também falar com os outros e escutá-los. Mas o esforço de tomar a decisão cada um pre- cisa fazer por si: ninguém pode ser livre por você. Por enquanto, deixo duas questões para você ir ruminando. A primeira é esta: por que o que é mau é mau? E a segunda é ainda mais bonita: em que consiste tratar as pessoas como pessoas? Se você continua tendo paciência comigo, tentaremos começar a responder nos dois próximos capítu- los. Amor ≠ tesão/desejo Queremos: ☺ Ser Feliz Ser Pleno Fundamental A M O R � � ♥ � � � � � � ♥ � � � � � � � � ♥ ♥ � � Periférico Ética: Capacidade de decidir VOARÁS Paulinho Pedra Azul Todo mundo quer voar Nas costas de um beija-flor Todo mundo quer viver de amor Mas nem tudo é só querer Todo mundo quer ser rei Nas costas de um homem bom Todo mundo quer voar além Mas é preciso aprender Voarás, voarás NOTAS DE AULAS – FILOSOFIA II 15 Textos para Resumo 1. Positivismo jurídico Introdução O presente artigo ensaia uma tentativa de sistematização do positi- vismo jurídico. Presta-se a fazer uma apresentação do modelo do positivismo jurídico e seus protagonistas, sem maiores pretensões epistemológicas. Pretende propiciar uma síntese diretiva para estu- dos posteriores e de maior fôlego. Trata-se de um esforço de divul- gação, de ordenação, de indicação de autores e de obras, relativos ao positivismo jurídico, percepção conceitual e filosófica que marca profundamente o entorno jurídico brasileiro. Identificado como uma oposição ao direito natural, o positivismo jurídico centra-se na locução direito positivo, de uso relativamente recente na tradição jusfilosófica ocidental (BOBBIO, 1995, p. 15). Não há vínculos históricos ou afetivos com o positivismo de feição sociológica, como matizado em Augusto Comte, formado nas disci- plinas da Escola Politécnica francesa, fundador de uma disciplina, a sociologia, que como objeto de estudo teria como centro a totalida- de da espécie humana (ARON, 1993, p. 75). Para o pensador fran- cês criador do positivismo filosófico, a sociologia seria uma física social, ciência com objeto próprio, preocupada com o estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, submeti- dos a leis naturais invariáveis (COMTE, 1989, p. 53). As semelhan- ças com o positivismo jurídico param por aí. Uma relação de contrariedade para com percepção de direito natu- ral identifica o eixo temático que caracteriza o positivismo jurídico. Por questão de simetria cunhou-se o termo juspositivismo, em oposição a jusnaturalismo (TROPER, 1999, p. 608). À universalida- de e imutabilidade do jusnaturalismo opor-se-ia
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