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Este texto foi publicado no site Jus Navigandi no endereço
https://jus.com.br/artigos/19227
Para ver outras publicações como esta, acesse http://jus.com.br
Welfare State: críticas e caminhos
Welfare State: críticas e caminhos
Sandro Ari Andrade de Miranda
Publicado em 05/2011. Elaborado em 03/2008.
RESUMO: O capitalismo é um sistema econômico produtor de desigualdades, motivo pelo qual é necessária a organização
de um conjunto de políticas sociais para enfrentar os problemas por ele produzidos. Estas ações são classificadas como
políticas de bem-estar (welfare), que são implementadas em diferentes níveis, de acordo com a cultura política do país.
Todavia, apesar dos bons resultados alcançados em termos de inclusão social, são passíveis de críticas dos mais diversos
matizes teóricos, situação agravada quando o seu principal sustentáculo, o Estado, é confrontado com a globalização e a
crise ecológica.
Palavras-chave: Bem-estar; Capitalismo; Dermercadorização; Políticas Sociais; Welfare State.
1. DEBATENDO O WELFARE STATE
Conforme Boaventura de Souza Santos (2006), a modernidade iluminista foi constituída por três grandes mecanismos de
regulação da vida social: O Estado; o Mercado; e a Comunidade. Ao Estado cabia o papel de regular os aspectos políticos,
ao mercado a regulação da economia, e à comunidade, dos três o mecanismo de menor destaque, os elementos morais e
de convivência. No sistema econômico capitalista, o mercado passou a ocupar um local central.
O austríaco Karl Polanyi (1980) afirma que até a nossa era contemporânea os mercados sempre foram acessórios à vida
econômica, subordinados ao sistema social ou a governos centralizados. Para ele, as idéias de mercado e regulação
cresceram juntas, sendo a noção de mercado auto-regulado desconhecida até o desenvolvimento do princípio da auto-
regulação. Ainda segundo Polanyi, somente à luz destas informações é que podemos compreender os extraordinários
pressupostos inerentes à econômica de mercado.
Uma economia de mercado é um sistema econômico controlado, regulado e dirigido apenas por mercados; a ordem na
produção e distribuição dos bens é confiada a esse mecanismo auto-regulável. Uma economia desse tipo se origina da
expectativa de que os seres humanos se comportem de maneira tal a atingir o máximo de ganhos monetários. Pressupõe
também a presença do dinheiro, que funciona como poder de compra nas mãos dos seus possuidores. A produção será,
então, controlada pelos preços, pois os lucros daqueles que dirigem a produção dependerá desses preços. A distribuição
dos bens também dependerá dos preços, pois estes formam rendimentos, e é com a ajuda desses rendimentos que os bens
produzidos são distribuídos entre os membros da sociedade. Partindo desses pressupostos, a ordem na produção e na
distribuição dos bens é assegurada apenas pelos preços. (POLANYI, 1980, 81)
Polanyi adverte para a existência, além do mercado de bens, do mercado de trabalho, terra e dinheiro, cujos os preços de
suas mercadorias, que também sustentam rendimentos, são o salário, o aluguel e os juros.
Trata-se, portanto, o livre mercado, de um sistema racionalizado, que parte de alguns pressupostos básicos: 1) a existência
de indivíduos racionalmente livres capazes de manifestar livremente a sua vontade no mercado; 2) que estes indivíduos
sejam iguais em direitos e deveres; 3) que estes indivíduos busquem maximizar o seu bem estar através de trocas
racionais; 4) a existência objetivada de bens em relação aos seus detentores na forma de mercadoria, sujeitos, portanto, à
alienação, incluindo aí a força de trabalho; 5) a total separação da ordem econômica (regulada pelo mercado), da ordem
política (regulada pelo Estado).
Embora possível tem termos racionais, em termos empíricos as diferenças sociais demostraram a ineficiência do livre
mercado como instrumento de promoção do bem estar coletivo. Apenas um pequeno grupo, detentor de maiores recursos
econômicos conseguia agir dentro da sua lógica racional, obtendo vantagens sociais e econômicas através da
maximização dos lucros.
Além das diferenças de poder advindas da propriedade de bens, outros fatores contraditam o funcionamento do livre
mercado. Embora trabalho, terra e dinheiro sejam elementos vitais ao funcionamento do mercado, nem o trabalho, nem a
terra, nem mesmo o dinheiro são, em essência, mercadorias.
O trabalho é apenas um outro nome dado à atividade humana que acompanha a vida, a terra é a própria natureza, que
não é produzida pelo homem, e o dinheiro é apenas um símbolo utilizado para expressão de valores, através de
mecanismos socialmente instituídos pelos bancos e, principalmente, pelo Estado, motivo pelo qual a descrição dos três
como mercadorias é fictícia (POLANYI, 1980).
Partindo destes postulados podemos chegar inicialmente às seguintes conclusões:
a) a separação do trabalho da sua essência humana promove um perda de identidade do indivíduo, que no livre mercado
é visto apenas como um insumo produtivo;
b) a transformação da terra em mercadoria permite ao ser humano apropriar-se da natureza e representar-se de forma
separada e independente desta;
c) que o Estado, mesmo num sistema de livre mercado, possui uma atividade econômica essencial, agindo como fiador do
regime ao cunhar a moeda.
Tais conclusões demonstram que os trabalhadores que sobrevivem apenas com a venda da sua força de trabalho
(proletários, para utilizar a expressão de Karl Marx), assumem uma condição subordinada aos demais membros da
sociedade, e tem seu bem estar diminuído na medida em que aumenta o bem estar daqueles que usufruem do bem por
estes vendidos, a força de trabalho, que em essência é a sua própria vida.
Com relação à terra, ou para utilizar uma expressão mais completa, a natureza, podemos perceber que a maximização da
produção e das trocas no mercado atuam em prejuízo desta, motivo pelo qual compatibilizar livre mercado com a
preservação da natureza é algo bastante improvável.
Por fim, o Estado cumpre um papel central no funcionamento do sistema capitalista de livre mercado, sustentando o
funcionamento do mercado de dinheiro através da sua atividade financeira. O resultado desta relação é que os prejuízos
advindos da valorização e desvalorização monetárias são arcadas socialmente através do Estado, quando este repassa os
recursos de impostos ao mercado financeiro para estabilizar a moeda.
Outra característica importante deste sistema de livre mercado, e facilmente perceptível, é o caráter perverso do seu
funcionamento, que sempre atua em prejuízo do bem estar coletivo. Se, por exemplo, uma determinada indústria
exportadora pretender diminuir seus preços para aumentar a sua competitividade internacional, esta redução somente
poderá ocorrer com a redução do valor da força de trabalho, ou com o barateamento e conseqüentemente maior
exploração dos insumos oriundos da natureza, ou, por fim, com a desvalorização da moeda. Em todas as hipóteses os
benefícios serão individualizados e os prejuízos socializados. Tais características tornam os regimes econômicos de livre
mercado profundamente desiguais e injustos, contribuindo para o aumento da pobreza e dos desequilíbrios ambientais.
Assim, a construção do Estado de Bem-estar (Welfare State) nos países industrializados no século XX, foi uma resposta
para a imperfeição do sistema de livre-mercado, especialmente em face das crises econômicas e sociais que assolaram o
planeta no período entre guerras, sem contar o medo de novas revoluções comunistas nos países do ocidente, como
aconteceu na Rússia em 1917.
Gosta Esping-Andersen (1991) afirma que a introdução dos direitos sociais modernos, que promovem o afrouxamento do
status de mercadoria que foi conferido pelo sistema capitalista à força de trabalho, chamado por ele de
desmercadorização, é uma das características mais importantes dos sistemas de bem estar. A desmercadorização ocorre
quando a prestação de serviçosobjetivando o bem estar da população passam a ser tratadas como "questão de direito", ou
quando proporcionam à pessoa sobreviver "sem depender do mercado".
Segundo Esping-Andersen,
Não há dúvida de que a desmercadorização tem sido uma questão
altamente controvertida no desenvolvimento do welfare state. Para
os trabalhadores, sempre foi uma prioridade. Quando eles dependem
inteiramente do mercado, é difícil mobilizá-los para uma ação de
solidariedade. Como recursos dos trabalhadores espelham
desigualdades do mercado, surgem divisões entre os que estão
dentro e os que estão fora deste, dificultando a constituição de
movimentos reivindicatórios. A desmercadorização fortalece o
trabalhador e enfraquece a autoridade absoluta do empregador. É
exatamente por esta razão que os empregadores sempre se
opuseram à desmercadorização. (ESPING-ANDERSEN, 1991:102).
Esse autor ainda destaca que a mera existência de previdência ou assistência social não produz necessariamente a
desmercadorização, nem que esta emancipa necessariamente os indivíduos do mercado. Esping-Andersen afirma que "os
welfare states desmercadorizantes são muito recentes. Uma definição mínima deve envolver a liberdade dos cidadãos, e sem
perda de potencial de trabalho, rendimentos e benefícios sociais, de parar de trabalhar quando achar necessário" (ESPING-
ANDERSEN, 1991:103).
Outro aspecto importante reside no fato da execução de políticas sociais não estar diretamente ligada ao Estado ou ao
mercado. Existem outros setores, como a família e as associações de voluntariado da sociedade civil. Mas destes, apenas o
Estado consegue exercer o papel de contrapeso, atuando para organizar os demais setores (CLARKE, LANGAN e
WILLIANS, 2001).
Outra característica dos sistemas de bem estar ressaltadas por Esping-Andersen (1991) é a estratificação. Segundo ele, o
"welfare-state não é apenas um mecanismo que intervém – e talvez corrija – a estrutura de desigualdade; é, em si mesmo, um
sistema de estratificação. É uma força ativa no ordenamento das relações sociais" (ESPING-ANDERSEN, 1991:104).
Há razões históricas e empíricas para isto. Os sistemas de bem-estar misturam mecanismos de assistência aos desvalidos
com programas previdenciários de trabalhadores de colarinho branco, combinação entre serviços prestados totalmente
pelo Estado, com atividades realizadas por instituições sociais, ou simplesmente pelo mercado e, ainda, com maior ou
menor intervenção da família. Os sistemas de bem-estar, portanto, não apenas reproduzem sistemas de desigualdade, como
criam outros tipos diferentes de estratificação. Este tema será abordado mais adiante quando nos referirmos às críticas ao
welfare state.
Inspirando em trabalhos anteriores , e analisando as experiências desenvolvidas nos países industrializados, Esping-
Andersen destaca a existência três grande regimes (tipos ideais) de welfare state: o liberal; o corporativista estatal
(conservador); e o social democrata. Esta classificação tipológica sofre restrições de outros autores como Wil Arts e John
Gelissen (2002), que apresentam oito tipos diferentes de tipificação dos sistemas de bem-estar, contudo pelo seu caráter
didático, e pelo seu referencial clássico, será adotada a concepção de Esping-Anderson neste trabalho.
O welfare state liberal é aquele no qual predominam mecanismo de mercado, e assistência predominante aos
comprovadamente pobres, com reduzidas transferências universais e com planos de previdência social modestos. O
Estado encoraja o mercado subsidiando esquemas privados de previdência. Nesse sistema há uma minimização dos
efeitos da desmercadorização, e a construção de uma estrutura de estratificação que é a combinação de uma igualdade
relativa dos pobres beneficiados pelas ações mínimas do Estado, com uma gama de serviços diferenciados prestados pelo
mercado. Exemplos do esquema liberal são países de colonização anglo-saxônica como Estados Unidos, Canadá, Austrália
e a própria Grã-Bretanha.
Os regimes-corporativistas estatais ou conservadores, predominam em países fortemente influenciados pela igreja, como
França, Itália e Alemanha, e estão fundados no arquétipo da família tradicional. Possuem um corte marcadamente sexista,
historicamente excluindo da previdência social as mulheres casadas que não trabalham fora e serviços sociais como
creches são pouco desenvolvidos, com exceção do lado leste da Alemanha, onde até o início da década de noventa vigia o
regime comunista (POOLE, 2001).
Nos sistemas conservadores há uma ênfase estatal na manutenção das diferenças de status, com efeitos redistributivos
desprezíveis. O princípio da "subsidiariedade" serve para enfatizar que "o Estado só interfere quando a capacidade familiar
servir aos seus membros exaure" (ESPING-ANDERSEN, 1991:109). Esping-Andersen destaca que no sistema corporativista-
estatal há a combinação de mecanismos tanto do regime liberal como do social-democrata, e com o passar do tempo estes
sistemas têm se tornado menos autoritários.
O terceiro tipo apontado por Esping-Andersen, que segundo ele existe no menor número de países, notadamente entre os
nórdicos como Suécia e Noruega, é o social-democrata, onde há o maior grau de desmercadorização.
O regime social-democrata está assentado no princípio da solidariedade, e é marcado por políticas universalistas e
desmercadorizantes, em que se busca garantir direitos idênticos aos trabalhadores braçais e os white-collors 
assalariados ou funcionários públicos. Todas as camadas são incorporadas ao sistema de proteção social, com benefícios
de acordo com os ganhos habituais.
No sistema social-democrata a política visa não apenas emancipar o indivíduo do mercado, mas também da família
tradicional, motivo pelo qual o Estado atua antes da família, e não subsidiariamente como no sistema conservador. "O
ideal não é maximizar a dependência da família, mas capacitar a independência individual" (ESPING-ANDERSER, 1991:110).
Uma característica notável do regime social-democrata apontada por Esping-Andersen é a combinação entre o serviço-
social e o trabalho, comprometido com a garantia do pleno emprego, diferentemente dos outros dois regimes, e
comprometido em realizá-lo, ao mesmo tempo em que promove a proteção da renda do trabalhador. Para este autor, um
regime desta natureza, com tamanha proteção social, somente pode ser garantido com todos trabalhando.
Evidentemente os tipos construídos por Esping-Andersen empiricamente encontram situações diversas, na medida em
que estados liberais podem apresentar características conservadores ou sociais-democratas e vice-versa, mas a sua
proposta serve como um bom exercício teórico de comparação de modelos.
2. AS CRÍTICAS AO WELFARE STATE
Como o próprio Esping-Andersen (1991) ressalta, o welfare state, ou os vários tipos de welfare states, são objeto de
constantes críticas, inclusive em virtude do seu caráter de classe. Mas é importante destacar que as políticas sociais
desenvolvidas por este modelo de estado são produtos de lutas sociais e formação histórica de coalizões políticas.
Uma das primeiras críticas ao Estado de Bem Estar está centrada na manutenção do seu caráter de classe,
especificamente, do seu caráter essencialmente capitalista. Na verdade, como bem destacam Martin O'Brien e Sue Penna
(1998), a noção de welfare pode ser encontrada nas obras de John Locke e Addam Smith, sendo que para o primeiro o bem
estar seria obtido pela garantia de direitos naturais inalienáveis como propriedade, liberdade, e o direito à vida,
permitindo que todos os indivíduos pudessem vive da maneira que desejar, e para o segundo o bem-estar seria obtido
pela busca dos direitos individuais através do mercado.
Seguindo a tradição do pensamento crítico marxista, James O'Connor (1977), analisando a crise fiscal que assolou a
economia dos principais países industrializados capitalistas no final da década de sessenta e início da década de setenta,
afirma que aatividade financeira do estado capitalista está voltada para duas funções básicas em relação ao capitalismo:
[01]
[02]
a legitimação e a acumulação.
Para ele, um estado capitalista que utilize abertamente a sua força de coação para garantir a acumulação de capital corre
o risco abalar as bases de apoio e lealdade. Ao mesmo tempo, de acordo com o economista norte-americano, ignorar a
necessidade de sustentação deste processo, significa "secar" a sua própria fonte de poder. Sendo assim, o estado deve
mistificar e ocultar o objetivo principal de garantir a acumulação capitalista. Para cumprir esta segunda função básica
realiza as despesas sociais, cujo o papel central é promover a sua legitimação política entre as classes trabalhadoras.
Devido ao caráter dual e contraditório do estado capitalista praticamente todas as suas atividades apresentam o
características de acumulação e legitimação. O'Connor (1977) cita como exemplo a educação, típico gasto social que é
apresentado ao mesmo tempo como capital social , tendo em vista que determina a expansão do nível de capacitação e
técnica da força de trabalho. Outra característica do gasto social é a sua capacidade de sustentar a própria circulação de
bens produzidos pelos empresas capitalistas, que também são nutridas pelo consumo das populações menos dotadas
economicamente, como acontece, por exemplo, com os programas de transferência de renda.
Em posição oposta à de James O'Connor encontram-se os teóricos conservadores. Para Friedrich von Haeyk (2000:90), por
exemplo, a própria concepção de welfare state não tem sentido precisa. Segundo este autor, o conceito pode ser utilizado
para descrever qualquer tipo de organização estatal preocupada com a manutenção da lei e da ordem, contudo, na maior
parte das vezes, é esquecido o primado da liberdade como fundamento, na medida em que boa parte das propostas estão
fundadas em ações coercitivas do Estado.
Para Hayek muitas necessidades dos incapazes para cuidarem de si mesmos podem ser enfrentadas pela ação coletiva
sem restringir a liberdade individual. Não haveriam problemas até para os governos empreenderem esforços para ajudar
aos menos capazes. Contudo ele critica o exercício coercitivo da ação estatal na garantia de tais ações, que são subsidiadas
ao custo do financiamento por impostos e taxações.
Ele destaca a possibilidade dos governos garantirem à coletividade uma série de serviços de lazer como praças, museus,
etc, contudo destacando que estas devem ser providas pelas autoridades locais e não pelos governos nacionais. Entretanto
Hayek crítica o aumento do papel coercitivo do estado e da sua função burocrática, que objetivando resultados sociais
mais céleres, atuariam no sentido de diminuir a liberdade do cidadão, citando o exemplo a experiência inglesa (pré-
Tatcher) onde o zelo das agências administrativas para atingir seus fins de forma imediata conduziram a ações fora de
foco e à violação de limitações constitucionais e direitos humanos (HAYEK, 2000:94).
Os também conservadores Charles Murray e Lawurence Mead, concentram suas críticas nos efeitos morais negativos do
welfare state sobre os trabalhadores, além da pouca eficácia das políticas sociais.
Charles Murray (2000), analisando dados de governos estadunidenses, alega que as curvas de redução de pobreza
apresentaram-se menos acentuadas nos períodos de maiores repasses para programas sociais. Também afirma que
muitos trabalhadores são desestimulados a buscar emprego ou permanecer neste em face da assistência governamental.
A solução dos problemas sociais, segundo ele, não estaria no aumento das políticas sociais, mas no crescimento
econômico.
Para os defensores da atuação social do Estado, esta crítica de Murray pode ser objeto de contradição com seus próprios
dados empíricos, na medida em que a maior intervenção das políticas sociais pode ser uma consequência, e não causa do
aumento da pobreza, posto que as crises econômicas normalmente demandam maior apoio dos mecanismo de proteção.
Lawrence Mead (2000) comunga com Murray as críticas à dependência das políticas sociais. Ele afirma que a maior causa
do aumento da pobreza é a própria política social que visa combatê-la, em face do desestímulo ao trabalho. Como forma
de solucionar o problema ele propõe uma nova agenda de políticas com programas que estimulem o ingresso de
trabalhadores no mercado de trabalho, o chamado workefare.
Muitas destas críticas aos sistemas de assistência social foram incorporadas aos programas sociais dos partidos
conservadores quando estes ascenderam ao poder nas décadas de setenta e oitenta na Europa (Tatcher na Grã-bretanha, e
Khol na Alemanha, por exemplo), e nos Estados Unidos (Reagan e Bush). Um dos resultados é o surgimento das políticas de
workfare, adotadas em vários países europeus e nos Estados Unidos neste período, e mantidas mesmo por governos
trabalhistas posteriormente como as ações do New Labor na Grã-Bretanha (CLARKE, LANGAN e WILLIANS, 2001).
O workfare, diferentemente do welfare, adota mecanismos de restrição dos repasses sociais, como forma de induzir a
busca de trabalho por parte dos desempregados, ou a participação destes em programas de formação profissional até
encontrarem espaço no mercado de trabalho. Nesta concepção, portanto, o desemprego seria muito mais um produto da
falta de iniciativa dos trabalhadores, do que das fragilidades do sistema econômico capitalista a das suas crises.
A concepção conservadora, diferentemente das teorias desmercadorizadoras, vê no mercado uma solução para os
problema sociais, e não a sua causa. A pobreza, o desemprego e a exclusão social seriam, assim, não um problema
estrutural do capitalismo, e sim uma consequência da competência profissional dos trabalhadores.
A crítica dos teóricos feministas ao sistema de bem-estar nos países industrializados é uma das mais fortes e consistentes.
Para esta perspectiva, o welfare state foi construído sob um horizonte onde os homens são os provedores e as mulheres
são dependentes.
As teorias feministas apresentam uma boa base empírica, na medida em que com uma rápida olhada no conjunto das
políticas sociais em sistemas estáveis como o da Alemanha (considerado como conservador na classificação de Esping-
Andersen), ou até mesmo na liberal Grã-Bretanha, principalmente após a eleição de Tatcher, perceberemos que o centro
das políticas sociais está assentado sobre a família nuclear tradicional (CLARKE, LANGAN e WILLIANS, 2001; POOLE,
2001). Só muito recentemente tem sido observada uma mutação nesta orientação, especialmente no último país.
[03]
Segundo Carole Pateman (2000), a concepção de cidadania que sustenta o regime de bem-estar nos países industrializados
está associada a atributos masculinos, como a capacidade de auto proteção (expressa no serviço militar), o uso e o
emprego da propriedade e a capacidade de auto governo, esta construída sobre a existência de uma classe de homens
trabalhadores. Enquanto os homens necessitam ingressar no mercado de trabalho para exercerem plenamente a sua
cidadania, o mesmo não acontecem com a mulheres, motivo pelo qual Pateman afirma que a cidadania das mulheres é
"derivada", dependente da cidadania masculina.
A grande maioria das políticas de bem-estar prevêem as mulheres em casa, e o trabalho doméstico é considerado como
um não trabalho para fins de remuneração. Para Mary Mcintosh (2000) este fator produz uma ligação entre a crítica
feminista da década de sessenta e a marxista ao sistema capitalista, tendo em vista que a existência de trabalho doméstico
feminino não remunerado é apenas mais um fator que contribui para a apropriação de riquezas pela classe capitalista.
Tal situação é também constatada por O'Brien e Penna (1998), na análise das políticas ambientais voltadas para a seleção
do lixo doméstico para fins de reciclagem, que também é realizada de forma não remunerada, preponderantemente por
trabalho feminino,mesmo que depois de reciclado o material acabe retornando para o comércio no mercado.
Mesmo quando as mulheres ingressam no mercado de trabalho são levantadas barreiras para a sua atuação, como a
ausência de creches, por exemplo. Isto faz com que, com exceção da Suécia, onde existe um equilíbrio entre homens e
mulheres nas estatísticas sócio-econômicas (GINSBURG, 2001), as mães solteiras apareçam com freqüência nos
indicadores entre os mais pobres.
Carole Pateman (2000), afirma que as mulheres em casa são vistas como provedoras de bem-estar para os homens, para a
família, e para si mesmas. Já Mcintosh (2000) sustenta a necessidade de aposentadoria e remuneração para o trabalho
doméstico.
A situação enfrentada pelas mulheres no mercado de trabalho e nas políticas sociais faz com o discurso do movimento
feminista, além do aspecto gênero, assuma também um corte classista, incluindo teoricamente as contradições entre o
capital e o trabalho e politizando as relações sociais, inclusive no espaço privado. A crítica feminista sustenta a
necessidade de confrontar a neutralidade das políticas sociais, que sugerem a igualdade formal entre homens e mulheres,
na medida em que desiguais não podem ser tratados de forma igual.
Muitas das políticas do welfare nos países industrializados, não estão ligadas apenas à discriminação de gênero, mas
também étnica. Na Alemanha, por exemplo, as políticas sociais estão diretamente ligadas à necessidade de cidadania
alemã, cidadania esta que está submetida à determinado tipo de conformação étnica, fazendo com que os trabalhadores
não alemães estejam excluídos da proteção social (POOLE, 2001).
Um dos exemplos mais gritantes deste tipo de discriminação, neste caso também tendo as mulheres como vítimas
principais, foi ironicamente constatado no país que possui um dos mais eficientes sistemas de proteção social da Europa,
entre os anos de 1935 e 1976, na Suécia.
Conforme relato de Ginsburg (2001), uma vítima de esterilização forçada em meados da década de noventa veio à público
para denunciar a exigência para que as mulheres tidas como "inferiores", ou de uma "mistura social de baixa qualidade",
se submetessem a um programa de esterilização. Tal programa promovia uma verdadeira "limpeza étnica" naquele país,
em plena época de hegemonia política de governos sociais-democratas, demonstrando imenso caminho que as políticas
sociais devem trilhar para romper com as barreiras étnicas e de gênero, mesmo em países com um grau elevado de
desenvolvimento, como a Suécia.
Segundo Norman Ginsburg (2001), depois deste episódio o país construiu uma série de políticas para confrontar os
conflitos étnicos, inclusive com a implementação de escolas bilíngues, o direito de votar em eleições locais após três anos
de residência, e outras políticas de assimilação multi-cultural, inclusive bastante liberais se comparadas com o cenário
europeu. Mas mesmo assim tem-se observado tensões derivadas de conflitos étnicos no país.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: QUAIS OS CAMINHOS DO WELFARE STATE?
Martin O'Brien e Sue Penna (1998), destacam que várias questões políticas, culturais, de identidade, autonomia pessoal e
social são expressas no debate sobre direitos, oportunidades e necessidades que envolvem a noção de welfare. A própria
idéia de organização monolítica do estado é confrontada por uma diversidade de movimentos sociais.
Recentemente dois grandes problemas começaram a ser confrontados pelas políticas sociais desenvolvidas pelos estados
nacionais: a globalização e a crise ecológica. Em ambos os casos, a própria idéia de organização política centralizada na
figura do Estado-Nação é colocada em cheque.
Segundo Elmar Altvater (1999), o espaço nacional-estatal é um "pré-requisito" para existir congruência entre os que
decidem e a população interessada, eleitos e eleitores, bem como para a eficácia dos procedimentos democráticos. Em face
da influência da globalização econômica e cultural, esta situação está mudando. Vários movimentos como a migração, o
fluxo contínuo de informações no universo virtual, além da grande circulação de moeda sem lastro pressionam a
estabilidade econômica e política do estado nacional. Falar em "soberania de caráter territorial é considerado ridículo em
tempos de globalização" (ALTVATER, 1999:120), e mesmo países com grande estabilidade e eficácia na implementação do
welfare state, como a Suécia, vem sofrendo com o aumento do desemprego promovido pela agenda desregulamentadora
da globalização econômica (GINSBURG, 2001).
Contudo, mesmo autores como Saskia Sassen (1998), que fala em "desnacionalização" da soberania em face da
globalização, reconhecem que estas transformações são parciais e o estado-nacional continua sendo o espaço onde as
políticas da globalização são implementadas, diretamente influenciada pela ação dos governos. Alfredo Alejandro
Gugliano (2000), adverte que somente um estado forte pode promover a desconstituição das suas estruturas. Na verdade,
mesmo na Grã-Bretanha de Tatcher o estado continuou promovendo políticas sociais, apesar das mudanças de orientação
(CLARKE, LANGAN e WILLIANS, 2001).
No que se refere à crise ecológica o papel do estado parece cada vez mais limitado. Os limites ecológicos não são
congruentes com o estado nacional, e os conflitos gerados neste campo determinam a necessidade de coalizões
internacionais para enfrentá-los de forma mais completa. O componente ambiental cada vez mais é um elemento central
na conformação da cidadania. Não é mais possível pensar-se em um sistema welfare (bem-estar) sem considerarmos a
importância de um ambiente equilibrado para a qualidade de vida, através da constituição de uma verdadeira "cidadania
ecológica" (O'BRIAN, PENNA, 1998).
Tais considerações demonstram que diferentemente de ter desaparecido, como colocam alguns, o welfare state passa por
um processo de redesenho. Várias são as incógnitas colocadas pela influência da globalização, da crise-ecológica, e de
conflitos internos próprios aos países. O certo é que enquanto estivermos submetidos a um sistema produtor de tantas
desigualdades como o capitalismo de livre-mercado, será necessário um conjunto de políticas para enfrentar os
problemas por ele gerados, ou seja, de políticas de welfare.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTVATER, E.. Os desafios da globalização e da crise ecológica para o discurso da democracia e dos direitos humanos. In
HELLER, A. (org.). A Crise de Paradigmas em Ciências Sociais e os Desafios para o Século XXI. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1999, pág. 109-151;
ARTS, W. e GELISSEN, J. Three worlds of welfare capitalism or more? A state of the art report. Jornal of European Social
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NOTAS
1. Teoricamente, o trabalho de Marshall e Titmuss fundamentou a tipologia de Esping-Andersen. Empiricamente
foram observadas amostragens de Wilensky, Flora e Heidenheimer, Mommsen, e Flora (ARTS, GELISSEN,
2002:138).
2. Literalmente: "colarinho-branco".
3. O conceito de capital social defendida por O'Connor é diferente das perspectivas de Bourdieu, Putnam e Coleman.
O'Conoor utiliza a expressão para designar literalmente um insumo produtivo. Assim, a massificação da educação
contribui para redução dos valor do custo da mão de obra instruída. Bourdieu, por sua vez, utiliza a expressão
capital social como um acúmulo de bens simbólicos pelo indivíduo no meio social, como prestígio, por exemplo. Já
para Putnam e Coleman, o conceito de capital social compreende o acúmulo de experiências cívicas por parte de
uma determinada comunidade.
Autor
Sandro Ari Andrade de Miranda
Advogado no Rio Grande do Sul, Mestre em Ciência Sociais
Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)
MIRANDA, Sandro Ari Andrade de. Welfare State: críticas e caminhos. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2890,
31 maio 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/19227>. Acesso em: 28 set. 2016.

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