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1 1 Os Manuscritos do Mar Morto, os essênios e a relação com o Jesus Histórico De Hugo Viana Santos1 A temática de fato ainda é e provavelmente sempre será objeto de debate acadêmico que, desde a descoberta dos manuscritos em 1947, ocasionou uma reformulação acerca das idéias e interpretações com relação ao contexto sociocultural da Palestina no século I, sobretudo os essênios, Jesus e as origens do cristianismo. A descoberta dos manuscritos trouxe a tona elementos históricos que anteriormente não eram estudados de forma mais aprofundada. Tais elementos acabaram contribuindo de certa forma para uma reflexão mais abrangente sobre as origens do cristianismo primitivo e sua relação com o judaísmo neotestamentário. O objetivo é expressar as possíveis relações da literatura qumranita com relação ao essenismo sectário e o Jesus histórico. Seria incorreto pensar que tais manuscritos são nossas únicas fontes de informação que temos sobre o seguimento essênico, pois do contrário, como poderíamos explicar as citações feitas por Josefo e Plínio que descrevem alguns detalhes desse judaísmo monástico. Os pergaminhos, após serem achados em 1947, foram trabalhados e catalogados na intenção não somente de divulgar no meio acadêmico os segredos da seita, mas facilitar sua identificação para com outros textos hebraicos. De início, o padre Roland de Vaux se recusou em liberar os textos para conhecimento público. Até para os estudiosos que se interessavam pela descoberta era difícil o acesso aos pergaminhos. Lembrando que a preciosa descoberta foi feita acidentalmente por leigos e não por especialistas.2 Parte dos especialistas defende a teoria de que a comunidade de Qumran era de fato a mesma comunidade dos essênios que Josefo relata. Embora haja alguns interesses nessa hipótese, não se pode afirmar com plena certeza tal afirmação, nem que se tratam do mesmo movimento. Contudo, como a grande maioria dos estudiosos de Vaux e Geza Vermes acredita que a relação de associação entre ambos os movimentos são compatibilizadas devido 1 Bacharel em Teologia pelo STEBAN - Seminário Teológico Evangélico Batista Nacional. Com ênfase em História Antiga (Judaísmo, Helenismo,Cristianismo e os seis Impérios da Antiguidade). Curso de Extensão sobre Religião e Sociedade na Grécia Antiga pela Faculdade São Bento. Curso de convalidação pela FACETEN - Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil. Curso de Cristianismos, Questões e Debates Metodológicos pela UFRJ. 2 Para saber mais sobre como aconteceu a descoberta, ver em: CHARLESWORTH, James H. Jesus dentro do Judaísmo. Rio de Janeiro. Ed Imago, 1992 p 70. 2 2 às semelhanças litúrgicas e as concepções teológicas, sobretudo associadas ao apocalipsismo e a concepção messiânica. A primeira vista, parece que somente a seita de Qumran é o único movimento separatista dos outros segmentos judaicos, levando uma vida totalmente monástica, longe até mesmo da pluralidade cultural existente em Jerusalém. Se caso considerarmos essa concepção como verdadeira, como explicar outros documentos antigos que também foram encontrados em cavernas próximas ao Mar Morto, sobretudo os pseudoepígrafos? Diante desse vasto universo de especulações, podemos concluir que trata-se de uma tarefa não tão simples estudar os manuscritos, a seita de Qumran, os essênios e a relação com o Jesus Histórico. A hipótese de que Jesus poderia ter sido um essênio não é totalmente descartada no meio acadêmico. Todavia, não há provas que afirmem o contrário, principalmente pela ausência de informações no próprio texto bíblico. Devemos concordar que os manuscritos ou quaisquer outros textos encontrados não expressam nenhum tipo de afirmação acerca na particularidade de Jesus ter sido influenciado significativamente pelos essênios. Seria um equívoco tendenciarmos sobre esta questão sem nenhum tipo de fonte ou achado em que se possa apoiar. Entretanto, podemos considerar a possibilidade de Jesus em seu ministério itinerante possa ter tido algum tipo de contato com algum membro da seita, e ter sido mesmo que indiretamente influenciado em algum aspecto. Levando-se em conta que as informações contidas em Josefo que afirmam que em toda a Palestiva viviam pelo menos 4000 essênios. Segundo Josefo e Filo, o mosteiro de Qumran tinha a capacidade para abrigar somente 300 essênios. Considerando o número 4000 como literal, provavelmente 3700 essênios estavam espalhados por outras regiões. Filo e Josefo também afirmam que os mesmos viviam em aldeias e gostavam de se reunir nas periferias. 3 Há uma outra descoberta mencionada em Josefo acerca de uma porta essênica em Jerusalém que parece ter sido comprovada pelas descobertas arqueológicas mais recentes feitas a sudoeste da atual muralha de Jerusalém e pelo manuscrito do Templo.4 Segundo alguns eruditos, este manuscrito pode ser considerado como uma prova de que viviam essênios em Jerusalém. As expectativas são significativas, pois mesmo que a narrativa bíblica não faça nenhum tipo de menção sobre a seita, temos provas suficientes de que a mesma existiu e se difundiu em grande número. No entanto, devemos levar em consideração a peculiaridade de 3 CHARLESWORTH, James H. Jesus dentro do Judaísmo. Rio de Janeiro. Ed Imago, 1992. p 77 4 CHARLESWORTH, James H. Jesus dentro do Judaísmo. Rio de Janeiro. Ed Imago, 1992. p 78 3 3 João Batista com relação à prática batismal. Para isso, é necessário entender que João adotou tal prática, mas de forma diferente das práticas relacionadas aos rituais de purificação com água. João batizava uma só vez, sendo precedido por uma pregação de arrependimento, que em grego significa “metanoia”. Morfologicamente significa “com pensamento”, ou seja, met = com, e noios = pensamento. Tal mensagem tinha como objetivo uma reflexão sobre o comportamento moral, buscando assim, uma vida voltada para a santidade. Diferente dos essênios que tinham banhos esporádicos ou constantes usando a água como um elemento de limpeza dos pecados. Há também diversas peculiaridades semelhantes entre a comunidade de Qumran e a seita dos essênios. O “Preceito de Damasco”( 1QS) que além de expressar práticas excepcionalmente essênicas como o celibato e os códigos de vida; também expressam a localidade geográfica onde ficava a comunidade, ou seja localizada a margem noroeste do Mar Morto, ao sul de Jericó, que foi confirmada pelos escritos de Plínio.5 A origem da seita ainda é uma incógnita. Entretanto, alguns estudiosos acreditam que seu início remete a uma descendência saduceísta. Essa especulação ainda entra em conflito com várias idéias, pois como explicar o isolamento monástico e a mentalidade de exclusividade salvífica. Lembrando que os saduceus da época de Jesus estavam ligados politicamente aos romanos, e não acreditavam na ressurreição nem na aparição de anjos. No meio acadêmico existe uma resposta satisfatória para pergunta sobre a origem da seita. Há um documento recém publicado conhecido como carta de Habakuc que expressa algumas passagens em seus fragmentos (4 QMMT = 4 Q394-399), onde o líder da seita de Qumran defende pontos na Lei em que são compatíveis com os posicionamentos atribuídos aos sacerdotes saduceus. Contudo, a oposição que representava a religião de maior aceitação social em Jerusalém advogava posições contrárias as suas, sendo elas mais semelhantes ao posicionamento dos fariseus. O preceito de Damasco 4Q 265-273 = 4QSD) traz informações sobre a possível origem da seita. Ele relata a áspera contenda entre o “sacerdote ímpio” e o “mestre da justiça”. A crítica acadêmica rotula o “sacerdote ímpio” como sendo um sumo sacerdote hasmoneu, possivelmenteJônatas ou Simão (152-143 a.C) que viveram no período da era macabéia. Este preceito expressa que um grupo de sacerdotes leigos buscava a santidade por meio de sua religião. Viviam eles em meio a uma situação generalizada de irreligiosidade no meio do judaísmo. Sendo assim, a única maneira que encontraram para não se contaminar 5 VERMES. Geza. Os Manuscritos do Mar Morto. São Paulo, Ed Mercuryo, 2008. p 15 4 4 não somente com o paganismo, mas também com as práticas ilícitas de outra seitas, era o isolamento monástico, sendo este liderado por um guia chamado “mestre da justiça” ou da “retidão”. Este não encontrou aprovação unânime em seu meio. Como conseqüência de tal atitude, logo encontrou oposição liderada pelo “sacerdote ímpio”. O comentário de Habakuc (4 Q Hab), faz alusões aos personagens deste conflito informando que o sacerdote ímpio fora corrompido pela avareza e pela cobiça do poder (VIII, 8-11). E como explicar a origem dos saduceus tradicionais que encontramos na narrativa bíblica e em Josefo? Se considerarmos que nem todos os saduceus preferiram seguir o líder do movimento anti-essênico, tendo como conseqüência um conflito dividido com os hasmoneus, e que a outra parte preferiu adotar uma atitude mais tolerante para com seus compatriotas, podemos dizer que o grupo ficante preferiu um convívio e uma relação política em Jerusalém. Esse convívio não incorporava somente membros de outros segmentos judaicos, os romanos também eram incluídos. Para os essênios, tal atitude foi considerada como um ato de afronta a Torah. É a partir daí que podemos começar a entender acerca da duplicidade messiânica da parte dos essênios. Esse pensamento não existia no meio dos saduceus tradicionais que conviveram com Jesus, pois temos provas nos evangelhos que e no livro de Atos que mostram a rejeição dos saduceus em relação a ressurreição e a aparição de anjos. Sendo assim, podemos ver que tais textos lançam luz sobre a etapa inicial de compromisso com a história da origem de tais segmentos; (essênios e a comunidade de Qumran). Do contrário, as informações vindas até os dias de hoje, mesmo Josefo e Plínio que são consideradas fontes primárias de pesquisa histórica, são tidas como limitadas e influenciadas pelos autores, causando assim uma critica sobre a veracidade do conteúdo informado. 1- A religião Persa, os textos judaicos e o cristianismo Alguns acreditam que o apocalipsismo judaico, sobretudo o messianismo e o dualismo expresso nos textos de Qumran, foram provavelmente provenientes da influência masdeísta6 do período medo-persa. O conceito de bem e mal e luz e trevas bastante difundido na literatura qumranita, é igualmente usado no cristianismo do século I. Ele é expresso na parábola do “administrador infiel” expressando que Jesus também tinha tal concepção dualista, (Lc 16.8). 6 O zoroastrismo, também chamado de masdeísmo, mitraísmo ou parsismo, é uma religião monoteísta fundada na antiga Pérsia pelo profeta Zaratustra, a quem os gregos chamavam de Zoroastro. É considerada como a primeira manifestação de um monoteísmo ético. . 5 5 As diversas vertentes teológicas presentes no cristianismo do século I, derivaram provavelmente doas influencias não somente do judaísmo rabínico farisaico, mas provavelmente do gnosticismo. Daí podemos notar importantes e diferentes questões que de certa forma compões o cristianismo da época de Jesus e dos apóstolos. O judaísmo pós-exílico, mesmo sendo o mais ortodoxo, carregou consigo influências da diáspora no que tange convívio cultural gentílico. Sendo assim, podemos compreender e perceber a inserção de alguns elementos gentílicos provenientes dessa relação. Essa discussão nos leva a dimensionar a real inserção histórica do judaísmo, ou judaísmos que influenciaram direta ou indiretamente o cristianismo do século I. Um número considerável de especialistas em judaísmo acredita que o próprio proselitismo foi proveniente da influência helenista. Nesse sentido, podemos concluir que o judaísmo do Novo Testamento sofreu uma influencia considerável de um número variado de culturas gentílicas. O que provavelmente foi incorporado de forma mesmo que indireta nas raízes do cristianismo. Ao estudarmos mais detalhadamente as influencias gentílicas, nos deparamos com uma problemática histórica acerca da origem da concepção anti-messiânica presente na seita dos saduceus. Se considerarmos a concepção messiânica como uma derivação da relação entre judeus e persas, como explicar o posicionamento dos saduceus com relação a não aceitação da existência de um messias. Lembrando que os saduceus eram politicamente mais favoráveis ao domínio estrangeiro, sobretudo o de Roma. E mesmo que alguns considerem esse argumento como não satisfatório, é necessário lembrar que as influências culturais podem romper paradigmas, ultrapassar gerações, se fundindo hibridamente e formando uma nova dimensão cultural. Todavia, Israel mantinha uma mentalidade pessoal no que tange purificação étnica, o que na verdade nunca existiu devido às relações com outras nações desde o período de formação do povo hebreu. Os Evangelhos em momento algum fazem menção sobre a existência de alguma seita essênica. Os movimentos citados são: Fariseus, Saduceus e Zelotes. Em algumas passagens encontramos a denominação, “escriba” ou “escriba da Lei”. Não sabemos até que ponto podemos especular que Jesus sofreu ou não algum tipo de influência essênica, ou dos pergaminhos. O que nos deixa mais intrigados, é a questão associada ao dualismo predominante nos pergaminhos com relação aos termos: “Luz e Trevas”, que na verdade representam o bem e o mal que Jesus também expressa em diversas passagens tais como “a parábola do mordomo infiel”. Segundo alguns estudiosos, esses elementos podem ser encarados como resultado da influência essênica. Não deixando de lembrar e levar em conta sua relação com João Batista que segundo alguns especialistas 6 6 ainda, vivia no estilo de vida sacerdotal dos essênios. O termos “Luz e Trevas e “Bem e Mal” são visto raramente no Antigo Testamento. Ex: Is 45.7, que nesta passagem expressa a definição de um mal permissivo da parte de Deus para com Israel em decorrência da desobediência. James Charles Wort escreve em seu livro Jesus dentro do Judaísmo que “nenhuma coleção estimulou tanto a imaginação de nossos contemporâneos quanto os Manuscritos do Mar morto”.7 É possível que Jesus tenha sido influenciado pelos essênios, e se considerarmos os mesmos como autores dos Manuscritos, provavelmente poderíamos especular que os manuscritos exerceram algum tipo de influência sobre o Jesus Histórico. Agora estamos diante de uma problemática especulativa devido as diversas hipóteses sobre os manuscritos e os essênios. Se os essênios sofreram influência do zoroastrismo persa, será que Jesus poderia ter sofrido tal influência? De fato devemos concordar que há diversas compatibilidades entre ambos. O dualismo relacionado a “Luz e Trevas”, a concepção messiânica e a vinda iminente do apocalipse. Poderia ser acrescentada a prática batismal, no entanto, os essênios tinham como hábito se banhar com água esporadicamente. Já no cristianismo, o tal prática era feita uma só vez precedido de uma decisão de arrependimento. Diante de tantas informações e especulações, fica difícil medir a dimensão das influências culturais, por isso, o melhor caminho a ser seguido é observar os dados das fontes de forma coerente e mais imparcial possível, a fim de realizar uma análise mais próxima do que provavelmente seria o correto. Podemos analisar e avaliar de forma crítica que apesar de não termos evidencias da relação direta entre Jesus eos essênios, devemos concordar com Charles Wort quando ele afirma que tanto os essênios quanto o movimento cristão deram ênfase a condição humana pecaminosa e a incapacidade de não conseguir uma auto salvação. 8 Questões apocalípticas como foi citado antes, também estão entre as compatibilidades de ambos os movimentos, pois ambas estão fundamentadas na aparição de um messias que viria para julgar os “pecadores”. Se Josefo que viveu no século I sabia tanto e descreve com detalhes a respeito dos essênios, provavelmente seus contemporâneos como os evangelistas Marcos, Lucas e João poderiam saber algo sobre eles. Mesmo que não fizessem parte do movimento ou mesmo questão alguma de expressar em suas narrativas a existência da seita. Não devemos deixar de levar em consideração a possibilidade de que alguns que foram 7 CHARLESWORTH, James H. Jesus dentro do Judaísmo. Rio de Janeiro. Ed Imago, 1992. p 72. 8 CHARLESWORTH, James H. Jesus dentro do Judaísmo. Rio de Janeiro. Ed Imago, 1992. p 74. 7 7 excluídos da seita em Qumran, voltassem a Jerusalém e mantivesse relações com outros judeus e consequentemente acabariam divulgando seus aprendizados e práticas. O estudioso Filson acredita que nem Jesus nem seus discípulos mantiveram contato com os essênios. Ele descarta qualquer tipo de influência essenica sobre Jesus ou seus seguidores. Sua tese está baseada na seguinte pergunta: “Devemos acreditar que Jesus, João Batista, os discípulos e Paulo haviam participado da seita e depois a deixado sem que o fato fosse registrado?” 9 A possibilidade de Paulo ter sido um essênio é nula. Isso devido a própria narrativa bíblica registrar em Atos 23.6 que ele era na verdade um fariseu. Jesus provavelmente não pertenceu a seita, pois do contrário ficaria registrado no texto bíblico. João Batista apresenta um perfil característico semelhante ao dos essênios. Poderia ter sido ele um ex-essenio, pois o ritual esporádico de se banhar em água acaba sendo substituído pelo único batismo de arrependimento pregado por ele. Filson entra em equivoco quanto a sua afirmativa. A narrativa do Novo Testamento não nos fornece muitas afirmações pessoais sobre tais personagens; não se trata se uma obra biográfica e sim uma narrativa com o objetivo de expressar os preceitos e a história do cristianismo. A narrativa entra em detalhes sobre alguns discípulos, mas quando se trata de outros, não faz menção alguma sobre seu passado ou seu segmento judaico. Com base na crítica textual, devemos considerar uma outra problemática concernente a alguns ditos de Jesus que são compatíveis com alguns trechos dos pergaminhos. Há quem pense que tais ditos foram inseridos pelos evangelistas na intenção de partilhar suas tendências teológicas. É provável que os mesmos sentissem a necessidade de compartilhar suas ideologias e tradições nas passagens. Há um dito de Jesus registrado em Mateus 12.11 em que o mesmo, ao ser interrogado acerca da prática de cura num sábado acaba respondendo com a seguinte pergunta: “qual dentre vós será homem, tendo uma ovelha, e, num sábado esta cair numa cova, não fará todo esforço, tirando-a dali?”. Quatro versículos antes, ele se auto-intitula “senhor do sábado”. Jesus aqui parece combater os exageros com relação à ênfase dada ao sábado. Alguns segmentos judaicos como a escola farisaica Shamai e os essênios eram bem mais radicais em relação a tal ênfase. O “Documento de Damasco” expressa um mandamento que afirma a seguinte afirmação: “se o animal cair numa cova ou vale, não o tirará no dia de sábado.” (CD 11.13-14). Ao que parece Jesus poderia estar dirigindo estas palavras a um essênio ou até mesmo um grupo, pois os mesmos faziam parte 9 CHARLESWORTH, James H. Jesus dentro do Judaísmo. Rio de Janeiro. Ed Imago, 1992 p 75. 8 8 dos mais radicais em guardar o sábado. Geza Vermes expressa que a teoria sobre a datação do “Documento de Damasco” é aproximadamente no ano 100 a.C. Esta data se dá em virtude da ausência de qualquer menção sobre os kittim termo associado aos (romanos), cuja invasão no Oriente só aconteceu após 70 a.C. A semelhança entre Mt 12 e CD 11 é intrigante, pois a menção de Jesus a um poço é de certa forma bastante semelhante com o mandamento do pergaminho de Damasco. A verdade é que não temos provas de que Jesus dirigia tais palavras aos essênios. Mas provavelmente Jesus conhecia o “Documento de Damasco”. Existe a possibilidade de que Jesus poderia estar dirigindo tais palavras a qualquer outro seguimento radical com relação ao sábado. Poderiam ser esses seguimentos, judeus essênios que moravam em Jerusalém, ou os fariseus da escola Shamai que também eram intolerantes concernentes ao sábado. Todavia, a semelhança entre tais ditos continua sendo bastante semelhante. Se levássemos em consideração que tais palavras estavam sendo ditas contra os essênios, deveríamos excluir a possibilidade de Jesus ter sido influenciado pelo essenismo de Qumran? De maneira alguma poderemos concordar com tal afirmativa. Devido a tantas especulações equivocadas sobre a pessoa de Jesus, causadas por leigos e especialistas, não devemos ser levianos em ser taxativos quanto a essa especulação negativa acerca da influência. O mais provável é levar em consideração o possível convívio onde provavelmente ocorreu uma troca de conhecimentos culturais entre ambos. Mesmo que esteja claro que Jesus em nenhum momento tenha sido membro da seita. O que está claro no texto é que tais exageros não foram aceitos por Jesus, mesmo sendo ele um judeu vivido na Palestina. Bárbara Thiering acredita que a identidade do “sacerdote ímpio” está diretamente associada a Jesus. J.L Teicher acredita que Jesus era o “mestre da justiça”. A possibilidade de Jesus ter sido qualquer um dos dois é nula; isso devido a citação de ambos no pergaminho de Damasco. Como foi dito acima, este pergaminho data aproximadamente do ano 100 a.C. Devido a ausência de informações sobre os romanos. Em virtude disso, como o argumento de Bárbara ou J.L Teicher poderiam estar corretos se Jesus foi contemporâneo do período onde Roma exercia a hegemonia. Se remetêssemos Jesus a um período pré-romano, como explicar a menção na narrativa em Mateus capítulo 20, Marcos 12.15 e Lucas 20.24 sobre o termo “denário” que era a principal moeda romana? Jesus também faz menção ao imperador romano César. Por estas razões os argumentos de ambos são sem nenhum tipo de fundamentos e devido a isso está descartada a hipótese de Jesus ter sido qualquer um dos dois. 9 9 Indubitavelmente, a descoberta dos Manuscritos causou de certa forma uma reformulação sobre o estudo das raízes do cristianismo antigo. Novas reflexões foram feitas e muitas até coerentes. É correto dizer que os essênios pensavam na escatologia como uma expressão da exclusividade divina sobre eles como “povo eleito”. Essa idéias é bem diferente da escatologia de Jesus que mesmo tendo seu “querigma” salvífico voltado para os judeus, mostra nas entrelinhas que seu objetivo era que Israel fosse um povo missionário. Jesus expressa em Lucas 4;27 que a bondade de Deus não se restringia somente aos judeus, mensagem essa que de fato não foi aceita pela grande maioria. Mas, ao observarmos essa passagem, percebemos o caráter missionário de Jesus para com o mundo gentílico, bastante incompatível com a teologia essênica. Outra incompatibilidade entre a doutrina de Jesus e a dos essênios seria a ênfase de Jesus ao amor não somente aos semelhantes judeus, mas até aos inimigos em Mateus 5.43. Não sabemos até que ponto Jesus conhecia a literatura dos essênios. Contudo, no Preceito 1QS I há uma ordenança sobre “odiar doa filhos das trevas”. No texto de Mateus, Jesus afirmaa expressão: “Ouviste o que foi dito...” Não há na Lei mosaica nenhuma expressão que motive ao ódio. Provavelmente Jesus poderia estar dirigindo essas palavras a um grupo como um todo, mas quando faz a referencia: “ouviste o que foi dito” deveria se referir a literatura essênica. O Salmo 139. 21-22 expressa algo semelhante acerca do ódio. É provável que tais palavras pudessem ser uma tentativa de combater a ordenança ao ódio explicita no pergaminho 1QS, pois Dt 10. 18-19 afirma que os hebreus deveriam amar até mesmo o estrangeiro sendo este um morador do convívio judaico. É nesse sentido que podemos ver o alto teor exclusivista e fundamentalista na doutrina essênica. É provável que existissem prosélitos no meio dos essênios e que esse eram tratados como essênios. Contudo, se um prosélito ou um essênio abandonasse a seita, provavelmente passaria a ser odiado pelo restante dela. Por isso é quase que totalmente improvável o fato de Jesus ter sido um essênio. Mas de fato, ele partilhou muito mais que simplesmente a nacionalidade. Como observado, alguns pontos das ideologias teológicas são singularmente compatíveis entre ambos. Da mesma forma que podemos afirmar categoricamente que o cristianismo não se derivou da seita não podemos ser taxativos em afirmar que não sofreu influência essênica. O cristianismo acabou reunindo em uma só religião, elementos culturais e teológicos de diversos judaísmos. A emancipação do cristianismo se dá em um momento onde a diversidade do judaísmo era tamanha ao ponto de só na Palestina existirem mais de 40 seitas diferentes. Todavia, não se sabe quantas exerceram influência direta ou indireta sobre o cristianismo. 10 1 Sem sombra de dúvida a absorção de elementos culturais judaicos acabou acontecendo de forma paulatina na teologia cristã não somente de Jesus, mas também dos discípulos. A avaliação dos traços distintos da teologia de Jesus não pode ser realizada somente com base na pesquisa dos pergaminhos. Do contrário, acabaríamos ignorando de forma arbitrária a influência de outros seguimentos judaicos do século I. Outros antigos textos judaicos proporcionam uma melhor interpretação sobre a figura de Jesus como a Misná, os Talmudes e até mesmo Josefo. Ao analisarmos dessa forma, podemos perceber com base na crítica textual desse textos e dos evangelhos, que apesar de não termos provas concretas sobre qual seguimento Jesus pertencia, sabemos que o mesmo partilhou dos mais variados judaísmos. 11 1 BIBLIOGRAFIA: JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus: obra completa. Trad Vicent e Pedroso. Rio de Janeiro, CPAD, 1990. MEIER, John P. Um Judeu Marginal - Repensando o Jesus Histórico. Trad Laura Rumchinsky, Rio de Janeiro, Ed Imago, Vol 2, 2003. MEIER, John P. Um Judeu Marginal - Repensando o Jesus Histórico. Trad Laura Rumchinsky, Rio de Janeiro, Ed Imago, Vol 3, 2003. SKARSAUNE, Oskar. À sombra do Templo - As influências do judaísmo no cristianismo primitivo. Trad Antivan Guimarães. São Paulo, Ed Vida, 1982. WORTH, James H. Charles. Jesus dentro do Judaísmo. Rio de Janeiro, Ed Imago, 1992. VERMES, Geza. Os Manuscritos do Mar Morto. São Paulo, Ed Mercuryo, 2008.
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