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Aula 20

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Curso: Letras Disciplina: Bases da Cultura Ocidental
Conteudista: André Alonso
AULA 20 – De Boécio a Santo Isidoro de Sevilha: revolvendo os escombros de uma 
civilização
META
Apresentar os esforços realizados por Boécio, Cassiodoro e Santo Isidoro de Sevilha em prol da 
preservação e da transmissão da cultura antiga.
OBJETIVO
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
1. descrever os projetos idealizados por Boécio, Cassiodoro e Santo Isidoro de Sevilha para a 
recepção e a transmissão da cultura antiga em sua integralidade;
2. identificar elementos relativos às ciências da linguagem presentes nas obras desses três 
autores.
INTRODUÇÃO
Em nossa aula anterior, estudamos a importância da cultura clássica na formação intelectual de 
Santo Agostinho e a integração dos diversos elementos clássicos em sua obra.
Na aula de hoje, vamos estudar três autores que florescem entre 100 e 200 anos após Agostinho, 
aproximadamente. São eles: Boécio, Cassiodoro e Santo Isidoro de Sevilha. Estudaremos um 
pouco da vida e da obra de cada um deles, mas destacaremos um elemento comum a todos os 
três e que os une a Agostinho: o amor pelo saber clássico e a preocupação em preservá-lo e 
transmiti-lo às gerações presentes e futuras. Eles têm, de modos diferentes, esse mesmo projeto. 
Sua tarefa é tanto mais importante pelo fato de o Império Romano, que tinha assimilado e 
1
transformado a cultura grega e que tinha construído uma civilização admirável, estar entrando 
em franco processo de decadência e ruindo paulatinamente com as diferentes invasões 
bárbaras. Com a deterioração do Império Romano, não era apenas um poderio político, militar e 
econômico que desaparecia. Eclipsavam-se, também, a cultura clássica (greco-romana) e os 
valores que ela até então encarnara. Boécio, Cassiodoro e Santo Isidoro de Sevilha, entre tantos 
outros, têm, então, o papel crucial de salvaguardar o tesouro civilizacional que se estava 
perdendo. Eles se desincumbem da tarefa, cada qual a seu modo: traduzindo do grego para o 
latim obras importantes, compondo comentários sobre elas, compilando tratados sobre os 
diversos campos do saber, construindo uma enciclopédia etc.
Um elemento ganha destaque em nossa aula de hoje: o livro. Ele adquire um valor excepcional, 
pois é visto como um meio essencial para a preservação e a transmissão da cultura clássica e 
para a difusão da mensagem salvífica encarnada no cristianismo. Assim, Cassiodoro funda uma 
comunidade monástica em que as artes relacionadas à produção de livros são especialmente 
cultivadas e valorizadas: cópia, encadernação, estudo da ortografia para a correta transcrição 
dos textos, desenvolvimento de uma série de materiais e técnicas apropriados à melhor 
realização do trabalho do copista, tudo isto está no centro do mosteiro de Vivarium, que ele 
funda para ser um local dedicado ao estudo, ao saber e ao livro.
Nossa aula de hoje nos permitirá, assim, ver o quanto é falsa e injusta a designação que a Idade 
Média recebe, por questões de propaganda política, desde o Iluminismo, que a representou e 
alcunhou de Idade das Trevas. Os três autores que hoje estudaremos – e muitíssimos outros 
com as mesma preocupações e projetos poderiam ser citados – são exemplos claros de como a 
cultura, o saber, a ciência e o livro – sim, ele, o livro – eram valorizados e fomentados durante o 
Medievo. Não há como ficar indiferente diante da paixão que Cassiodoro, por exemplo, nutre 
pelo livro, atribuindo-lhe mesmo uma função de origem divina, sobretudo se pensarmos em 
como hoje, em nosso país, são poucos os que se dedicam à leitura como a algo fundamental 
para a formação e o crescimento pessoais. Cassiodoro nos faz pensar que a Idade Média, longe 
de ser a caricatura de Idade das Trevas pintada pelo proselitismo iluminista, é a verdadeira 
Idade das Luzes, muito bem simbolizada pelas engenhosas lâmpadas que o fundador do 
2
mosteiro de Vivarium fez construir para iluminar o trabalho noturno dos copistas, que tinham o 
papel fundamental de salvar e transmitir a cultura que se estava perdendo.
1. BOÉCIO: O ÚLTIMO DOS ROMANOS E O PRIMEIRO DOS MEDIEVAIS
Boécio nasceu em Roma, em 480 d. C., 50 anos após a morte de Santo Agostinho. Era cristão e 
de família romana proeminente, tendo exercido altos cargos administrativos. Estudou em Roma 
e, provavelmente, em Atenas, onde aprendeu bem o grego e teve uma sólida formação em 
literatura e filosofia. Nesse sentido, ele difere de Santo Agostinho, cujo sofrimento com o grego 
já tivemos ocasião de comentar.
Figura 20.1 – Boécio na prisão, acompanhado das Musas que lhe vêm ditar o texto que vai 
escrever; detalhe de um manuscrito medieval no qual se podem ler, em latim, dois versos (3 e 4) 
do início de sua obra A Consolação da Filosofia: Ecce mihi lacerae dictant scribenda Camenae / et ueris 
elegi fletibus ora rigant (Eis que as Musas em frangalhos me ditam o que devo escrever / e os 
versos elegíacos banham minha face com prantos sinceros).
Fonte: 
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Boethius_imprisoned_Consolation_of_philosophy_1385.jpg 
(autor: Bkwillwm)
3
Por volta de 520 d. C., tornou-se chefe de governo e administrador da corte (magister officiorum) 
de Teodorico, rei dos ostrogodos (um povo bárbaro), que estabeleceu um reino na Itália, no 
território que antes pertencia aos romanos. Teodorico era seguidor da heresia ariana, que era 
combatida pelo imperador Justiniano (de Constantinopla, a parte oriental do Império Romano 
que estava se dissolvendo). Assim, ele manda prender Boécio, que era católico, assim como o 
papa João I, por suspeitar que fossem simpatizantes ou mesmo aliados de Justiniano. O papa 
morre na prisão, provavelmente de fome. É no cárcere que Boécio redige aquela que é 
certamente sua mais famosa obra, cuja influência durante a Idade Média foi grande: A 
Consolação da Filosofia (De Consolatione Philosophiae). Após algum tempo encarcerado, ele 
finalmente é executado por volta de 525 d. C.. Dante Alighieri, o grande poeta italiano dos 
séculos XIII e XIV, coloca Boécio no Paraíso de sua Divina Comédia, junto com alguns grandes 
teólogos (canto X, v. 121-129):
“Se me acompanhas pelo giro afora,
de lume a lume, com olhar desperto,
já viste sete, e vês o oitavo agora.
Porque o bem distinguiu, seguro e certo,
fulge aquela alma que a ilusão falaz
do mundo vão deixou a descoberto;
o corpo de que foi banida jaz
lá em Cieldauro, onde sofreu o dano
do martírio que a trouxe à eterna paz.
O trecho da Divina Comédia faz alusão a Boécio e a sua Consolação da Filosofia: “fulge aquela alma 
que a ilusão falaz / do mundo vão deixou a descoberto”. A alma que brilha é a de Boécio, que 
revelou, com sua obra De Consolatione Philosophiae, a ilusão falaz do mundo. Sua alma, com a 
morte, se separou do corpo e este está sepultado em Cieldauro, onde foi martirizado.
4
Figura 20.2 – Túmulo de Boécio, localizado na Basílica de San Pietro in Ciel d'Oro, na cidade de 
Pavia, Itália; pode-se ler a inscrição (em latim) corpus S. Severini Boetii Martir. (corpo de S. 
Severino Boécio, mártir).
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8e/Tomba_di_Severino_Boezio.jpg 
(autor: Giorces)
A formação clássica que Boécio recebe, inclusive com um pleno domínio do grego, lhe permite 
estabelecer um ambicioso plano de traduzir para o latim e comentar todas as obras de 
Aristóteles e Platão que lhe chegarem às mãos. Outrossim, ele pretender mostrar que esses dois 
grandes filósofos não se contradizem, como alguns pensam, mas que estão de acordo sobre os 
grandes temas da filosofia. Para realizartal intento, é preciso que ele viva o suficiente e tenha o 
tempo livre necessário (In De Interpretarione, Patrologia Latina, 64, 433 C-D):
Eu, traduzindo para a língua romana toda e qualquer obra de Aristóteles que me chegar às 
mãos, comporei sobre todas elas comentários em língua latina, para que, se algo da exatidão da 
arte lógica e da seriedade da ciência moral e da agudeza da verdade natural tiver sido escrito 
por Aristóteles, eu traduza tudo aquilo que foi escrito e torne claro com a luz de algum 
comentário, e, traduzindo todos os diálogos de Platão e também comentando, eu os verta à 
beleza da língua latina. Uma vez concluídas essas tarefas, certamente não poderia descurar de 
pôr em harmonia, de algum modo, as opiniões de Aristóteles e Platão e de mostrar que eles, ao 
contrário do que muitos pretendem, não discordam em tudo, mas estão particularmente de 
acordo em muitas questões filosóficas. Se tempo de vida e ócio me forem suficientes, eu poderia 
me esforçar em realizar essas tarefas, tendo em vista a grande utilidade desse trabalho e 
também o louvor, coisa na qual é preciso que aplaudam aqueles que nenhuma inveja consome.
Sua morte prematura, além das ocupações administrativas que exercia, deixam a tarefa 
inacabada. No entanto, ele foi responsável pela tradução para o latim do Órganon de Aristóteles, 
tendo composto comentários sobre as Categorias e o Peri hermeneías. Também comentou a Isagogé 
5
de Porfírio e os Tópicos de Cícero. É graças às traduções de Boécio que a obra lógica de 
Aristóteles (Órganon) será conhecida, ao menos parcialmente, até pelo menos o séc. XII, quando 
surgem novas traduções.
BOX DE CURIOSIDADE
Os restos mortais de Santo Agostinho, tema de nossas aulas 18 e 19, também repousam na 
Basílica de San Pietro in Ciel d'Oro, onde está sepultado Boécio. A arca que contém seus ossos é 
uma belíssima obra de arte, esculpida em mármore, contendo uma centena de imagens (anjos, 
santos, bispos), algumas com passagens e fatos importantes da vida do bispo de Hipona. Na 
imagem seguinte, vemos a arca, sob a abside em que está representado o Cristo Pantocrator 
(que significa, em grego, “Todo Poderoso” ou “Onipotente”), sentado em seu trono de glória, 
cercado por dois anjos; na parte direita está São Pedro, de pé sobre uma rocha de ouro, junto às 
ovelhas que lhe foram confiadas (Evangelho de São João, 21, 15: “Apascenta as minhas 
ovelhas”) e segurando contra seu peito a chave do reino que lhe foi entregue por Cristo (São 
Mateus, 16, 19: “Eu te darei as chaves do reino dos céus”); na parte esquerda está Santo 
Agostinho, de pé, ao lado de sua mãe, Santa Mônica, que está ajoelhada. O céu (no qual está São 
Pedro) é representado em cor dourada, de onde vem o nome da Basília: São Pedro em Ceú de 
Ouro (San Pietro in Ciel d'Oro, em italiano; na tradução em português do texto de Dante 
aparece a forma “Cieldauro”). Eis a imagem:
6
Arca contendo os restos mortais de Santo Agostinho, sob a abside, que contém uma bela 
imagem do “céu de ouro”
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/ab/Lombardia_Pavia1_tango7174.jpg 
(autor: Tango7174)
FIM DO BOX DE CURIOSIDADE
Além de seu trabalho de tradutor e comentador, Boécio escreve alguns tratados sobre lógica, 
aritmética e música e também cinco tratados de teologia. Dele são duas importantes definições, 
que atravessam toda a Idade Média, sendo exaustivamente citadas por inúmeros filósofos e 
teólogos: a de pessoa e a de eternidade.
7
Figura 20.3 – Boécio ensinando sobre música – iluminura de um manuscrito do séc. XV (ca. 
1405), na qual se lê Incipit prologus supra musicam boecii (Começa o prólogo [do tratado] sobre a 
música, de Boécio)
Fonte: http://www.getty.edu/art/exhibitions/power_piety/boethius.html
A definição de pessoa encontra-se em um tratado teológico que ele escreve acerca da dupla 
natureza de Cristo (humana e divina) contra Eutiques e Nestório. No capítulo 3, ele apresenta a 
definição que atravessou os séculos: pessoa é uma “substância individual de natureza racional”. 
E aponta a etimologia de “pessoa”: ela vem do vocabulário do teatro, pois “persona” é a 
máscara utilizada pelos atores das tragédias e das comédias. Boécio discute, inclusive, a 
terminologia grega relativa ao conceito de pessoa (Patrologia Latina, 64, 1343-1344):
“Pelo que, se a pessoa está apenas nas substâncias e nas que são racionais, e se toda 
substância é uma natureza não nas realidades universais, mas nas individuais, encontrou-se 
a definição de pessoa: substância individual de natureza racional. Mas nós delimitamos por 
meio dessa definição aquilo que os gregos chamam ὑπόστασις (hypóstasis). Com efeito, o 
nome 'pessoa' parece vindo de outra origem, a saber, daquelas máscaras [=personae] que, nas 
comédias e nas tragédias, representavam aqueles personagens que era preciso nelas haver. 
De fato, 'pessoa' [=persona] vem do verbo 'personare' [=ressoar através de], com acento na 
penúltima. Porque, se se colocar o acento na antepenúltima, parecerá, de maneira muitíssimo 
clara, que ela vem de 'som' [=sonus]. Ela vem de 'som', porque é necessário que o som, por 
causa da cavidade mesma, saia mais forte. Os gregos também chamam essas máscaras de 
πρώσοπα (prósopa), pelo fato de que elas se colocam no rosto e, estando na frente dos olhos, 
8
escondem a fisionomia: παρὰ τοῦ πρὸς τοὺς ὦπας τίθεσθαι [=vem de estar colocada diante 
do rosto]. Mas porque os atores, uma vez postas as máscaras, representavam, como se disse, 
na tragédia ou na comédia, os personagens individuais que era preciso haver, isto é, Hécuba 
ou Medeia ou Simão ou Cremes, por isso os latinos chamaram de 'persona' e os gregos de 
πρώσοπα (prósopa) também os demais homens que eram reconhecidos com clareza em 
razão de seu aspecto. Mas eles (=os gregos) chamaram a subsistência individual de natureza 
racional, de modo bem mais marcado, com o nome de ὑπόστασις (hypóstasis), mas nós (=os 
latinos), por carência de palavras que tivessem tal significação, retivemos aquela 
denominação vulgar, ao chamarmos de 'persona' o que eles chamam ὑπόστασις 
(hypóstasis). Mas a Grécia, que é mais hábil com as palavras, chama ὑπόστασις (hypóstasis) 
a subsistência individual.”
Boécio continua o texto, explorando bem a terminologia grega, o que mostra a facilidade e 
destreza com que manejava essa língua. No trecho anterior, vemos interessantes considerações 
sobre o termo 'pessoa'. Além de definir 'pessoa' como uma 'substância individual de natureza 
racional', Boécio apresenta-nos a sua etimologia. O termo, em latim, é “persona”, que significa, 
no teatro, máscara. A máscara era chamada de “persona” pelo fato de que ela, cobrindo o rosto 
do ator, fazia com que sua voz ressoasse pela cavidade da máscara e saísse mais forte. Os 
gregos, ao contrário, chamavam-na πρόσωπον (prósopon), pois ela era colocada na frente 
(prós) do rosto (óps) do ator, cobrindo-lhe a fisionomia. E como as máscaras representavam 
personagens diversos das peças (tragédias e comédias), assim, passou-se a usar o termo para 
indicar os diferentes indivíduos reais, que eram, então, chamados de “personae”. Os gregos, 
com sua habilidade vocabular, forjaram outro termo – ὑπόστασις (hypóstasis) – mais acurado, 
enquanto os latinos adotaram o termo vulgar πρόσωπον (prósopon), traduzindo-o pura e 
simplesmente.
Em sua Consolação da Filosofia, encontra-se a definição de eternidade que, como a de pessoa, 
conheceu grande fortuna durante a Idade Média (V, prosa 6):
“Examinemos, portanto, o que é a eternidade. Com efeito, ela nos torna manifestas 
igualmente a natureza ea ciência divinas. Portanto, a eternidade é a posse ao mesmo tempo 
total e perfeita de uma vida sem limites, o que fica mais claro pela comparação com as 
realidades temporais.”
Vejamos, agora, um pouco mais sobre A Consolação da Filosofia.
9
1.1. O DE CONSOLATIONE PHILOSOPHIAE
Durante o tempo em que esteve encarcerado, aguardando sua execução, Boécio compôs sua 
obra A Consolação da Filosofia. Ela é dividida em cinco livros e escrita em prosa e verso. Este é um 
detalhe muito interessante: o autor alterna trechos relativamente pequenos de prosa e verso por 
toda a obra. O livro I abre com um poema, no qual Boécio conta que as Musas, em frangalhos, 
vieram ditar-lhe versos e acompanhá-lo em seu sofrimento, durante a velhice que cedo se 
abateu sobre ele, apressada pelos infortúnios que o atormentam. Quando ele era próspero, a 
morte ameaçou sua vida. Agora, que ele está desgraçado, ela tarda a chegar. Terminada essa 
parte inicial em versos, começa um trecho em prosa, no qual ele narra a chegada de uma mulher 
de rosto majestoso, de olhar ardente, de tez vívida e grande força, mas cuja altura não se podia 
determinar com precisão, pois ora tinha a estatura de um ser humano, ora parecia alcançar os 
céus. Na parte inferior de suas vestes, estava bordada a letra grega Π (pî), na parte superior, a 
letra grega Θ (thêta). A mulher expulsa, então, as Musas, acusando-as de não poder ajudá-lo e 
de ainda envenená-lo com seus doces venenos, corrompendo a razão com suas estéreis paixões 
e que, como Sereias, são doces, mas apenas para atrair os incautos para a morte. Em seguida, 
vem outro pequeno trecho em verso e, então, outro em prosa e assim sucessivamente até o final 
da obra.
A mulher que aparece é a Filosofia, que vem para consolá-lo e para curar-lhe a alma das 
dúvidas e tristezas, para deixá-lo sereno diante da morte que se aproxima. As letras gregas em 
sua veste indicam as duas grandes partes da filosofia: o Π (pi) indica a parte prática (πρακτική, 
praktiké), o Θ (theta), a teórica (θεωρική, theoriké). Esta abrange uma série de disciplinas, 
aquela, sobretudo a ética ou moral.
Indagada por Boécio sobre o porquê de vir consolá-lo em sua desgraça, ela cita o exemplo de 
outros que, antes dele, encontraram semelhante destino, perseguidos por serem bons e justos: 
Anaxágoras, Sócrates, Zenão, Sêneca etc. No texto, vez por outra, o autor cita expressões, 
provérbios ou frases gregas, mostrando bem as raízes clássicas da educação que recebera:
10
“Ouviste, disse ela (=a Filosofia), essas palavras e penetraram-te elas o espírito ou és um 
ὄνος λύρας? Por que choras, por que derramas lágrimas? Ἐξαύδα, μὴ κεῦθε νόῳ. Se esperas 
a ação de um médico, é preciso que desnudes a tua ferida”. (I, prosa 4)
Encontramos, no exemplo anterior, a expressão ὄνος λύρας (ónos lýras), um provérbio grego 
que significa “um asno ouvindo lira”, ou seja, alguém ignorante, que não é capaz de 
compreender o que ouve. O provérbio é atestado em um resumo de uma coletânea composta 
por Diogeniano (séc. II d. C.):
“ὄνος λύρας ἀκούων· ἐπὶ τῶν ἀπαιδευτῶν (um asno ouvindo lira: <diz-se> a respeito dos 
ignorantes)” (Paroemiae, VII, 33)
A outra frase é encontrada na Ilíada de Homero e retomada por Luciano de Samósata, filósofo 
do séc. II d. C., em um texto que é uma paródia das tragédias gregas: Ζεὺς Τραγῳδός (Zeus, 
poeta trágico). No canto I da Ilíada (v. 363), quando Aquiles chora, humilhado que fora por 
Agamêmnon, ele invoca sua mãe, a deusa Tétis, que aparece e pergunta por que ele está 
chorando (exatamente como na passagem de Boécio) e acrescenta:
Ἐξαύδα, μὴ κεῦθε νόῳ (Fala, nada escondas em teu pensamento).
O diálogo de Boécio com a Filosofia perpassa toda a obra. Ela o consola, mostrando como as 
realidades do mundo são inconstantes, que hoje a Fortuna nos sorri, amanhã nos tira tudo que 
nos dera. Não podemos, portanto, colocar nossa prosperidade, nossa felicidade, nas coisas 
materiais, na honra, na glória, no poder, no prazer. Mas a Fortuna, com seus revezes, com as 
desgraças que nos envia, faz-nos, na verdade, um grande favor, pois ela nos revela um precioso 
tesouro que temos: os verdadeiros amigos, que permanecem fiéis ao nosso lado:
“Pranteia, agora, as riquezas perdidas, porque encontraste os amigos, o que é o tipo mais 
valioso de riquezas.” (II, prosa 8)
O único e verdadeiro bem, que, por conseguinte, é também a única felicidade, é Deus, que é 
eterno. Eis, muito resumidamente, algumas ideias discutidas por Boécio em A Consolação da 
Filosofia. 
11
1.2. AS CONTRIBUIÇÕES DE BOÉCIO
A obra de Boécio nos legou importantes contribuições. A primeira delas, sem dúvida, foi a 
tradução de algumas obras de Aristóteles para o latim, tradução essa que foi largamente 
utilizada durante alguns séculos. Seu trabalho de tradutor e de comentador ajudou a criar e a 
fixar em latim uma parte da terminologia filosófica grega. Outro aporte considerável é o 
emprego de categorias filosóficas à teologia, o que abriria as vias para a constituição de uma 
ciência teológica apta a explorar racionalmente e sistematicamente seus conceitos e questões. 
Seus tratados de teologia dão testemunho desse procedimento. E, assim, Boécio legou à 
posteridade algumas importantes definições, como a de pessoa (substância individual de natureza 
racional) e a de eternidade (eternidade é a posse ao mesmo tempo total e perfeita de uma vida sem 
limites), que foram abundantemente empregadas ao longo da Idade Média. Uma última 
contribuição a ser mencionada é A Consolação da Filosofia, que mostra-nos um homem 
condenado à morte, investigando o sentido da vida humana, com suas delícias e desgraças, a 
finalidade de nossa existência e em que consiste verdadeiramente a felicidade que todos 
queremos alcançar.
2. CASSIODORO
De Boécio passamos a Cassiodoro, que, como ele, exerceu várias funções administrativas na 
corte de Teodorico e que o sucedeu como magister officiorum, após o autor de A Consolação da 
Filosofia ter sido preso, acusado de traição. Cassiodoro nasce por volta do ano 485 d. C., no sul 
da Itália, de família cristã, tendo vivido longamente (morre por volta de 580 d. C., com quase 
100 anos). Após exercer os mais altos cargos políticos, Cassiodoro retira-se em sua região de 
origem e funda um mosteiro, que recebeu o nome de Vivarium, por estar construído junto a um 
viveiro (vivarium) de peixes. A comunidade que ele erigiu era dedicada ao estudo tanto da 
literatura cristã quanto da literatura pagã ou profana. Ele pretendia elaborar um sistema 
educacional que permitisse a conciliação de ambos os tipos de saber, que colaborariam para o 
bem do homem. Para tal projeto, era necessária uma biblioteca que abrangesse não apenas 
12
autores cristãos, mas o grosso do saber clássico. E Cassiodoro procurou constituir um grande 
acervo bibliográfico. O projeto era antigo, como ele nos diz no prefácio de sua obra mais 
famosa, as Instituições das letras divinas e profanas (Institutiones divinarum et saecularium 
litterarum). Percebendo que a literatura sagrada (letras divinas) era pouco cultivada, comparada 
com a literatura profana ou pagã, ele planeja, junto com o Papa Agapito I, fundar, em Roma, um 
instituto dedicado ao estudo de ambas as literaturas, tomando como modelo as escolas que 
havia em Alexandria e na cidade de Nísibe (na fronteira turco-síria). Mas as turbulências 
políticas e as guerras – o imperador bizantino Justiniano invade Roma e a recupera das mãos 
dos bárbaros – fazem com que o projeto não se concretize.E assim ele parte, abandonadas suas 
ambições políticas, para o sul da Itália, onde funda seu monastério e se vê compelido a escrever 
suas Instituições, para dar a conhecer tanto a literatura sagrada, quanto a profana, sem 
preocupar-se com uma linguagem rebuscada e sem buscar originalidade, mas servindo-se do 
ensinamento e dos ditos dos antigos.
Suas Instituições estão divididas em dois livros:
a) o primeiro, composto de 33 capítulos, é dedicado à literatura cristã, mormente à Sagrada 
Escritura e a autores como Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Jerônimo;
b) o segundo, dedicado ao saber pagão, às chamadas “artes liberais”, é composto de 7 capítulos, 
dedicados a cada uma das setes artes liberais: (1) gramática, (2) retórica, (3) dialética, (4) 
aritmética, (5) música, (6) geometria e (7) astronomia.
O número de capítulos não é fruto do acaso. Cassiodoro explica no início do livro II que 33 é o 
número de anos que Cristo tinha quando deu sua vida por nós. Já o número 7 é frequentemente 
utilizado nas Escrituras para indicar algo contínuo e perpétuo.
2.1. CASSIODORO E A CULTURA DO LIVRO
No capítulo 30 do livro I, Cassiodoro fala dos monges copistas e do precioso trabalho que 
prestam à humanidade. O trecho é um louvor a um dos maiores tesouros e a uma das mais 
13
belas artes medievais, realizada quotidianamente por uma multidão de anônimos a quem 
devemos a conservação dos textos clássicos gregos e latinos, dos textos cristãos, também em 
ambas as línguas, enfim, da cultura letrada que a nós chegou com toda sua riqueza. Lembremo-
nos de que não havia imprensa. Esta é inventada, no Ocidente, somente no séc. XV, por 
Gutenberg. Até então, todos os textos, todos os livros são copiados à mão, em um longo e 
extenuante trabalho, sem o qual o saber antigo e medieval não nos teria sido legado. Os copistas 
eram as impressoras da Idade Média, eram as fotocopiadoras do Medievo. Tente imaginar, 
agora, o trabalho necessário para copiar uma única página de um livro. Uma única página de 
um único livro. Acrescente a isto a escassez de meios técnicos tão banais para nós: papel, caneta, 
tinta. Pense que não havia esferográficas, que era preciso mergulhar na tinta a pena incontáveis 
e repetidas vezes. Não havia luz elétrica para iluminar os livros que eram copiados. Multiplique 
tudo isto por milhares de páginas, de milhares de livros, copiados milhares de vezes. Sim, 
porque, se hoje podemos facilmente imprimir, de uma só vez, uma tiragem de 1000 exemplares 
(para não falar da distribuição automática de milhões de exemplares de um livro eletrônico), era 
preciso copiar, naquela época, um por um dos mil exemplares, página por página, linha por 
linha, palavra por palavra. Este é o trabalho que Cassiodoro procura encorajar e incutir em seus 
companheiros de monastério. E o faz com belas palavras e imagens (Patrologia Latina, 70, 
1144 C-1145 B):
“Todavia, eu confesso minha preferência, o fato de que de todas as tarefas que se podem 
realizar entre vós com um esforço físico são as ocupações dos copistas, se escrevem 
corretamente, que não sem razão talvez me agradem mais, porque tanto instruem de modo 
salutar suas almas, lendo as Sagradas Escrituras, quanto, copiando-as, espalham largamente 
os preceitos do Senhor. Feliz propósito, louvável diligência, pregar aos homens com mão, 
desatar as línguas com os dedos, levar, em silêncio, a salvação aos mortais e lutar, com a 
pena e a tinta, contra os ilícitos embustes do demônio. Com efeito, tantas são as feridas que 
Satanás recebe quantas são as palavras de Deus que o copista escreve. E assim, embora 
sentado em um único lugar, ele vai por diferentes províncias, graças à disseminação de seu 
trabalho. Seu labor é lido em lugares santos; os povos ouvem os meios pelos quais podem se 
afastar de um pérfido desejo e servir a Deus com um coração puro; ele obra, embora ausente 
de sua obra. Não tenho como dizer que ele (=o copista) não possa receber uma recompensa 
de tantos bens, se ao menos souber realizar tais coisas não por um desejo de cobiça, mas por 
um reto esforço. O homem multiplica as palavras celestes e, por uma certa comparação, se é 
permitido dizê-lo, com três dedos se escreve aquilo que é dito pelo poder da Trindade Santa. 
Ó espetáculo glorioso aos que bem o meditam! Com o correr da pena, as palavras celestiais 
se escrevem, para que, com o mesmo instrumento com que o demônio fez a cabeça do 
Senhor ser batida, sua astúcia possa ser aniquilada. Acontece também por meio de seus 
14
louvores [a Deus, com sua arte de escrever] que pareçam imitar, de algum modo, o feito do 
Senhor, que compôs lei – embora isto seja dito de uma maneira figurada – com o trabalho de 
seu dedo onipotente. Muitas são, na verdade, as coisas que se podem dizer de tão insigne 
arte, mas basta chamá-los escribas (librarios), que servem à balança e à justiça do Senhor.”
Cassiodoro considera a mais excelente, entre as tarefas que se realizam com um labor físico, a 
tarefa desempenhada pelos copistas, pois eles não só fazem bem a suas próprias almas, ao 
lerem os textos da Sagrada Escritura que estão copiando, mas às de todos aqueles a quem tais 
cópias de um modo ou de outro chegarem. O trabalho do amanuense (vá ao dicionário!) é uma 
pregação religiosa feita com a mão. Com a pena e a tinta ele combate o mal, luta contra o 
demônio. Seu trabalho é tão excelso que Cassiodoro faz uma ousada comparação. Assim como 
as três pessoas da Santíssima Trindade anunciam a verdade aos homens, assim também o 
copista, com os três dedos com que segura a pena, transmite, por escrito, essa mesma verdade. 
Deus escreveu com Seu dedo os dez mandamentos entregues a Moisés e o copista parece imitá-
lo, ao usar seus dedos para transmitir a lei divina aos homens. Cassiodoro, por fim, faz um jogo 
de palavras, comparando o copista (librarius) com a balança (libra) da justiça de Deus.
A importância do trabalho do copista exige competência e dedicação. Ele deve, portanto, 
preparar-se estudando a ortografia das palavras, para evitar introduzir no texto palavras 
erradas ou, no caso de ser um revisor, deixar passar erros (Patrologia Latina, 70, 1145 B):
“Mas, para que a tão grande bem os escritores, com a mudança de letras, não misturem 
palavras errôneas ou um corretor ignorante não saiba corrigir os erros, leia os antigos 
especialistas em ortografia.”
O livro é extremamente valorizado por Cassiodoro, pois é um elemento de transmissão da 
cultura, da verdade e da Palavra de Deus, no caso da Sagrada Escritura (Bíblia). Essa 
valorização não se refere apenas ao conteúdo, ao texto em si, mas também ao livro como objeto 
físico, que deve ser belo em sua forma, para melhor atrair o leitor para seu conteúdo e porque, 
especialmente no caso das Escrituras, deve ter um aspecto exterior digno, elevado, formoso, 
condizente com o conteúdo que o livro encerra. Assim, Cassiodoro preparou um manual em 
que mostra diferentes tipos de encadernação e de capas, para que o encadernador tenha a sua 
disposição bons modelos para realizar seu trabalho (1145 D-1146 A):
15
“A estes (=os copistas) acrescentamos artífices versados na encadernação dos códices, para 
que uma bela forma exterior vestisse a beleza das letras sagradas, imitando talvez de algum 
modo o exemplo da parábola do Senhor, que cobriu com as vestes nupciais aqueles que julga 
deverem ser convidados para a glória do banquete celestial. Para eles (=os encadernadores), 
reproduzimos de modo conveniente inúmeros estilos de manufatura desenhados em um 
códice, se não me engano, para que o copista possa escolher ele próprio para si a forma da 
capa quepreferir.”
Ciente do importante trabalho que os copistas exercem, Cassiodoro procura fornecer-lhes 
condições adequadas para que possam realizar bem sua tarefa. Assim, estruturou um sistema 
de iluminação para que tenham luz forte e abundante durante a noite. Para que não tenham de 
se preocupar com os transtornos causados por uma possível falta de óleo durante o período 
noturno, o sistema de iluminação é automatizado, fazendo com que o óleo seja sempre 
fornecido de acordo com a necessidade da lâmpada (1146 A):
“Preparamos, também, para os serões noturnos, lanternas mecânicas que mantêm acesas as 
chamas e alimentam, elas próprias, seu fogo, as quais, sem que haja intervenção humana, 
podem conservar copiosamente uma imensa claridade de uma luz fortíssima. Nelas não falta 
abundância de óleo, embora queimem constantemente com chamas brilhantes.”
Outro instrumento importante para o bom andamento não apenas do trabalho, mas da vida em 
geral é o relógio. Cassiodoro põe à disposição de sua comunidade dois modelos. Um primeiro 
tipo funciona com a luz do sol, é um relógio solar. Mas como à noite não há sol e mesmo 
durante o dia este pode estar encoberto por nuvens, existe também um relógio que funciona à 
base de água (1146 A-B):
“Mas também não admitimos que vocês ignorem, a qualquer respeito, as medidas das horas, 
que sabidamente foram inventadas para grande proveito do gênero humano. Pelo que, é 
sabido que eu preparei para vocês um relógio que a claridade do sol faz funcionar, e um 
outro, à base de água, que indica constantemente, dia e noite, a quantidade das horas, 
porque se sabe que frequentemente, em alguns dias, a claridade do sol está ausente. E de 
modo admirável, a água mostra, na terra, que a força brilhante do sol avança em cima ao 
compasso.”
Cassiodoro não tem preocupação apenas com o bem-estar espiritual e intelectual. É preciso 
também cuidar do corpo, da saúde física, e, nesse sentido, ele reuniu na biblioteca de seu 
16
monastério os mais famosos tratados de medicina da Antiguidade, para que os monges possam 
aprender a arte de curar (1146 D):
“Se a eloquência das letras gregas não lhes é conhecida, vocês têm, em primeiro lugar, o 
'Herbário' de Dioscórides, que tratou das ervas dos campos e as retratou com admirável 
propriedade. Depois disto, leiam Hipócrates e Galeno traduzidos em latim, isto é, a 
'Terapêutica' de Galeno, endereçada ao filósofo Glauco, e uma obra anônima, que se acredita 
tenha sido compilada de diversos autores. Em seguida, a 'Medicina' de Célio Aurélio, 'As 
doenças e as curas' de Hipócrates e diversos outros tratados sobre a arte de curar que eu 
deixei separados, com a ajuda de Deus, nos recantos de nossa biblioteca.”
Podemos, assim, constatar como a transmissão do saber – não apenas o judaico-cristão, mas 
também o clássico, isto é, greco-romano – é algo essencial para Cassiodoro. O livro exerce um 
papel fundamental no acesso ao conhecimento. A cultura da palavra oral, que durante séculos 
reinou absoluta, teve, paulatinamente, parte de seu espaço conquistado por uma nova forma de 
transmissão do saber: a escrita. E a escrita abriu o caminho para um novo meio de circulação 
das ideias, que iria, por conseguinte, fundar uma nova cultura: a do livro. Os trechos que lemos 
de Cassiodoro mostram bastante bem a importância que a escrita e o livro tinham então 
adquirido como forma central de conservação, de comunicação e de transmissão do 
conhecimento, seja ele sacro ou profano. O livro tornou-se o repositório do saber, é a ele que se 
deviam confiar as grandes descobertas do espírito humano, o turbilhão de conceitos e ilações 
que fervilhavam no âmago de nossa inteligência. O amor que Cassiodoro nutre pelo livro, pela 
palavra escrita, que se pode transmitir através das eras e a longínquas regiões da Terra é o 
reflexo de um elemento fundamental do cristianismo: o Verbo – a Palavra – se fez carne e 
habitou entre nós. O Verbo é divino, a Palavra é divina e se comunica aos homens, primeiro 
oralmente, mas também por escrito. Por isso, Cassiodoro quer que o livro, enquanto meio físico 
de conservação e difusão da Palavra, seja digno Dela, seja belo e atraente como Ela é bela e 
atraente. A paixão que ele nutre pelo livro parece ser uma consequência natural da teologia do 
Verbo divino, que veio trazer a salvação aos homens. O livro, nesse sentido, tem também um 
papel salvífico, pois pode levar a Palavra aos homens, ainda que eles estejam bem longe, no 
tempo e no espaço, daquele que A anuncia e A copia. O cristianismo revela-se, assim, uma 
cultura de amor da palavra e do livro.
17
2.2. AS SETE ARTES LIBERAIS
As Institutiones divinarum et saecularium litterarum de Cassiodoro são compostas, como vimos, de 
dois livros, abarcando o primeiro as letras sagradas ou divinas (a Sagrada Escritura) e o 
segundo, as letras profanas ou seculares. O livro segundo circulou, durante a Idade Média, 
inclusive como um volume em separado, como se constituísse, por si mesmo, uma obra 
completa e independente. Ele forma um resumo geral das chamadas sete artes liberais. Mas o que 
são as artes liberais? Em latim, a expressão que as designa é septem artes liberales. O termo 
liberales significa “relativo a uma pessoa livre, digno de alguém livre”, pois vem do adjetivo 
liber, a, um, que quer dizer “livre”. As artes liberais são, portanto, aquelas próprias do homem 
livre. Na Antiguidade, elas compõem a formação do homem livre e o distinguem do escravo, 
que se devota aos trabalhos estritamente manuais. Está, assim, subjacente às artes liberais o 
conceito de ócio (otium) ou σχολή (skholé, que deu nossa “escola”), de que falamos na Aula 15.
BOXE DE CURIOSIDADE
No início do livro segundo de suas Institutiones, Cassiodoro justifica o número de capítulos do 
primeiro livro – 33 ao total – por esta ter sido a idade com que Cristo morreu. O livro segundo, 
diz ele, terá 7 capítulos, abrangendo cada uma das 7 artes liberais. Se o número de capítulos do 
livro primeiro é assimilado à idade de Cristo quando de sua morte, qual seria o significado do 
número de capítulos do livro segundo? Cassiodoro no-lo responde (1149 D-1150 D):
“Deve-se saber com clareza que, frequentemente, tudo aquilo que a Sagrada Escritura quer 
que seja reconhecido/compreendido como contínuo e perpétuo, ela coloca sob esse número 
(=7), como diz Davi: 'Sete vezes ao dia publico vossos louvores' (Salmo 118, 164); e ele 
confessa em outro lugar: 'Bendirei continuamente ao Senhor, seu louvor não deixará meus 
lábios' (Salmo 33, 2); e Salomão: 'A sabedoria edificou sua casa, talhou sete colunas'. No livro 
do Êxodo, também diz o Senhor a Moisés: 'Farás sete lâmpadas, que serão colocadas em 
cima, de maneira a alumiar a frente do candelabro' (Provérbios, 25, 37). Esse número (=7) o 
livro do Apocalipse menciona de um modo geral em diversas coisas. Todavia, esse número 
leva-nos àquele tempo eterno, que não pode ter defeito. Logo, com justiça, ele é sempre 
mencionado onde se faz referência a um tempo perpétuo.”
18
O número 7 é, assim, imagem da eternidade. De fato, encontramos na Sagrada Escritura, outros 
exemplos em que ele tem esse sentido. Assim, quando São Pedro pergunta ao Cristo quantas 
vezes ele deve perdoar seu irmão: “Então, Pedro se aproximou dele e disse: 'Senhor, quantas 
vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?' Respondeu 
Jesus: 'Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete'.” O número 7 aparece, também, no 
milagre da multiplicação dos pães (São Mateus, 15, 29-39), pois os discípulos têm 7 pães e, após 
a multidão ter comido, sobraram 7 cestos. Quando os saduceustentam pôr Jesus em dificuldade 
acerca da ressurreição, levantam um problema teórico: uma mulher que foi casada 7 vezes, após 
a ressurreição, pertencerá a qual dos 7 maridos? (São Mateus, 22, 23-33). De Maria Madalena, 
Jesus expulsara 7 demônios (São Marcos, 16,9; São Lucas, 8, 2). Várias são as vezes em que o 
número 7 aparece no livro do Apocalipse (por exemplo, no cap. 8, vers. 6: “Então os sete anjos, 
que tinham as sete trombetas, prepararam-se para tocar”).
Lembremo-nos, ainda, de que são 7 os dias da semana e de que, na cultura popular, existe a 
superstição de que quem quebra um espelho tem azar durante 7 anos. Uma origem remota 
dessa crença seria a catoptromancia (seria uma ótima ocasião para você ir ao dicionário, mas…), 
que era a prática de adivinhação (em grego, μαντεία – manteía -, que deu alguns derivados em 
português com o sufixo -mancia – eis agora várias ocasiões para você rever seu amigo, o 
dicionário: quiromancia, bibliomancia, cartomancia, oniromancia) através do uso de espelhos 
(κάτοπτρον – kátoptron). A prática é descrita por Pausânias, autor do séc. II d. C., em sua obra 
Descrição da Grécia (VII, 21, 12):
“Diante do templo de Deméter há uma fonte cuja parte que ladeia o templo é fechada por 
um muro de pedras secas e, descendo a parte externa, está construído um caminho que 
conduz até ela. Ali há um oráculo que não se engana, não sobre qualquer assunto, mas sobre 
a condição dos doentes. Após amarrar um espelho a uma cordinha das finas, eles o 
penduram, medindo para que não desça muito dentro da fonte, mas toque a superfície da 
água com a borda do espelho. A partir desse momento, fazendo preces à deusa e 
queimando-lhe incenso, eles olham para o espelho, que lhes revela se o doente vai continuar 
vivo ou se vai estar morto.”
A prática descrita por Pausânias restringe-se a questões de saúde, mas os espelhos serão 
posteriormente utilizados para a adivinhação em geral. No universo dos contos de fada, há um 
interessante exemplo de catoptromancia: a madrasta de Branca de Neve, que consulta 
19
frequentemente seu espelho para saber se havia alguém mais bela do que ela. O restante da 
história nos já conhecemos…
FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
Sêneca (séc. I d. C.), que citamos nas Aulas 14 e 15, trata, em sua carta 88 a Lucílio, das artes 
liberais e menciona a gramática, a música, a geometria, a astronomia. As artes, diz ele, são 
divididas, segundo Possidônio (filósofo greco do séc. II a. C.), em quatro grandes tipos: as artes 
populares e vis (vulgares et sordidae), as do divertimento (ludicrae), as da educação infantil 
(pueriles) e as liberais (liberales). As artes populares são próprias dos artesãos, são manuais e 
servem para suprir as necessidades da vida. As do divertimento servem para o prazer da visão 
e da audição (e são frequentemente utilizadas em espetáculos teatrais). Em seguida, vêm as 
artes dedicadas à educação infantil, que os gregos chamam de ἐγκύκλιοι (enkýklioi) e se 
confundem com o que os romanos chamam de artes liberais. Mas Sêneca defende que as 
verdadeiras artes liberais deveriam ter uma preocupação moral e ser dedicadas à virtude. O 
termo ἐγκύκλιοι (enkýklioi) é usado pelos gregos para se referir às artes da educação infantil. O 
adjetivo ἐγκύκλιος (enkýklios) significa propriamente “circular”. Como um círculo dá uma 
volta e abrange, por assim dizer, uma região, um determinado conteúdo, o adjetivo pode 
significar “abrangente” e, por conseguinte, “geral”. A ἐγκύκλιος παιδεία (enkýklios paideía) 
indica, portanto, a educação (paideía) geral (enkýklios) que o homem livre deve receber, 
abrangendo os conhecimentos que o distinguem do escravo, do servo ou daqueles que se 
dedicam a trabalhos estritamente manuais. E, obviamente, de ἐγκύκλιος παιδεία (enkýklios 
paideía) é que vem nossa palavra “enciclopédia”, que seria uma obra que (supostamente) 
deveria conter, na visão moderna, a universalidade dos conhecimentos humanos.
20
Figura 20.4 – As sete artes liberais, divididas em dois grupos, trivium e o quadrivium
autor: André Alonso
Cassiodoro, no segundo livro de suas Institutiones, elenca sete artes liberais:
1. gramática
2. retórica
3. dialética
4. aritmética
5. música
6. geometria
7. astronomia
As três primeiras estão no campo das ciências da linguagem; as quatro últimas, no das ciências 
matemáticas (sim, os antigos percebiam claramente a relação entre música e matemática!). 
Temos, assim, uma clara subdivisão das sete artes liberais em dois grupos, o primeiro sendo 
chamado de trivium (um entroncamento de 3 caminhos) e o segundo, de quadrivium (uma 
encruzilhada, em que se encontravam quatro caminhos). As disciplinas do trivium constituíam o 
conteúdo de base da formação. Era por elas que o aluno começava a estudar, para, em seguida, 
dedicar-se às quatro outras.
21
Figura 20.5 – Gravura representando as sete artes liberais – reproduzida de um manuscrito do 
séc. XI que continha a obra Hortus Deliciarum – O Jardim das Delícias. No círculo central, está a 
Filosofia, com Sócrates (à esquerda) e Platão (à direita); ao redor da Filosofia, temos as sete artes 
liberais; começando pela posição de 12 horas, temos, em sentido horário: Gramática, Retórica, 
Dialética, Música, Aritmética, Geometria, Astronomia; no alto, à esquerda, temos a seguinte 
inscrição: Septem fontes sapientie fluunt de philosophia que dicuntur liberales artes. Spiritus sanctus 
inventor est septem liberalium artium que sunt grammatica, rethorica, dialectica, musica, arithmetica, 
geometria, astronomia (Emanam da filosofia sete fontes da sabedoria, que são chamadas de artes 
liberais. O Espírito Santo é o autor das sete artes liberais, que são gramática, retórica, dialética, 
música, aritmética, geometria, astronomia).
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Artes_liberales.jpg (autor: lansbricae)
As artes liberais variaram de número, de acordo com a época. Mas em princípios do séc. V d. C. 
(por volta do ano 415), Marciano Capela, natural de Madaura, cidade africana vizinha da 
Tagaste natal de Santo Agostinho, do qual ele é, aliás, mais ou menos contemporâneo, compõe 
sua obra As núpcias de Filologia e Mercúrio (De nuptiis Philologiae et Mercurii), em nove livros. 
Trata-se de um longo texto em que as sete artes liberais são esmiuçadas. A obra é escrita em 
prosa e verso, que se alternam, exatamente como Boécio fará em sua Consolação da Filosofia, 
22
pouco mais de um século depois de Marciano. Os dois primeiros livros introduzem uma 
narrativa mítica. Mercúrio (o deus Hermes dos gregos), mensageiro das outras divindades, 
deus do comércio e das viagens, quer se casar. Ele procura uma esposa e vai, pouco a pouco, 
descartando várias candidatas. Apolo, então, o aconselha a desposar Filologia, que fará, em 
seguida, os preparativos para sua união matrimonial com Mercúrio. Este dará a sua noiva sete 
ancilas (vá ao dicionário!): Gramática, Dialética, Retórica, Geometria, Aritmética, Astronomia, 
Harmonia (=Música). Cada um dos sete livros seguintes é dedicado a uma das serviçais, ou seja, 
a cada uma das sete artes liberais.
Figura 20.6 – Detalhe da Figura 20.5, contendo a representação da Gramática, que segura um 
livro e um açoite (scope) e diz (inscrição na parte superior do círculo): per me quis discit vox, 
littera, syllaba quid sit – por mim se aprende o que é o som, a letra e a sílaba.
Vejamos, agora, a título de ilustração, como Cassiodoro aborda o estudo da gramática em suas 
Institutiones. Ele começa por mostrar que o termo “gramática”vem de “letras” (grammatica a 
litteris nomen accepit, sicut vocabuli ipsius derivatus sonus ostendit – a gramática tira seu nome das 
letras, como demonstra a sonoridade derivada da própria palavra). De fato, em grego, γράμμα 
(grámma) significa, entre outras coisas, “letras” e seu plural é γράμματα (grámmata), “letras”. 
Gramática, em grego, é a γραμματικὴ τέχνη (grammatikè tékhne), a “arte das letras”, a “arte 
do alfabeto” e, por conseguinte, “a arte de ler e escrever”. Em seguida, define a gramática 
(Patrologia Latina, 70, 1152 B):
“A gramática é a destreza em bem falar adquirida dos poetas ilustres e dos oradores. Sua 
função é compor sem erro discurso em prosa e em verso. Sua finalidade é agradar através de 
uma destreza impecável de refinada elocução ou redação.”
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Na sequência, Cassiodoro introduz uma série de curtas definições de conceitos fundamentais da 
gramática. Assim, ele explora, também, as diferentes classes gramaticais, ou seja, as já 
mencionadas oito partes do discurso (ver Figura 20.7). Não há nenhuma originalidade, pois, 
como ele mesmo diz, ele se baseia no famoso gramático latino Donato. Eis as definições 
apresentadas (PL 70, 1153 A-B):
“Nome é a parte do discurso com flexão de caso e que significa, de modo próprio ou de 
modo comum, um objeto concreto ou um conceito; de modo próprio, como Roma, Tibre; de 
modo comum, como cidade, rio.
Pronome é a parte do discurso que, colocada no lugar (pro) do nome (nomine), significa quase 
a mesma coisa e recebe, por vezes, pessoa.
Verbo é a parte do discurso com flexão de tempo e pessoa e sem flexão de caso.
Advérbio é a parte do discurso que, colocada ao lado (adiecta) do verbo, explica e completa 
sua significação, como já farei ou não farei.
Particípio é a parte do discurso assim chamada pelo fato de que toma parte do nome e parte 
do verbo; com efeito, ele recebe do nome os gêneros e os casos, do verbo, os tempos e as 
significações e, de ambos, os números e as formas.
Conjunção é a parte do discurso que une e organiza uma sentença.
Preposição é a parte do discurso que, posta diante (praeposita) de outras partes do discurso, 
modifica-lhes ou completa-lhes ou restringe-lhes a significação.
Interjeição é a parte do discurso que, por meio de um som desordenado, exprime uma 
disposição de espírito.”
Figura 20.7 – Trecho de um manuscrito do séc. IX (St. Gallen, Stiftsbibliothek, Cod. Sang. 199) 
contendo o trecho das Institutiones sobre as oito partes do discurso. Nas duas primeiras linhas, 
pode-se ler: Partes autem orationis sunt VIII: Nomen, Pronomen, Verbum, Aduerbium, Participium, 
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Coniunctio, Prepositio, Interiectio – São oito as partes do discurso: nome, pronome, verbo, 
advérbio, particípio, conjunção, preposição, interjeição. Na sequência, a passagem em latim do 
trecho das oito partes do discurso que citamos (repare na margem esquerda a numeração em 
algarismos romanos, de I a VIII).
Fonte: http://www.e-codices.unifr.ch/en/csg/0199/121/medium (Creative Commons license)
Na definição de “nome”, vemos expressa a ideia de substantivo comum e próprio, com os 
respectivos exemplos, e também de substantivo concreto (corpus – objeto concreto) e abstrato 
(res – conceito). A definição de pronome deixa-nos entrever a etimologia do termo: ele é assim 
chamado por estar colocado no lugar (pro) do nome (nomine). O mesmo ocorre com “advérbio” 
e “preposição”. O primeiro termo é assim chamado por estar posto ao lado (ad) do verbo 
(verbum) e serve para modificar-lhe o sentido; o segundo, por estar posto (posita) diante (prae) de 
outras partes do discurso, modificando-lhes o significado. Interessante também a definição de 
particípio: é assim chamado por participar tanto da natureza do nome quanto da do verbo (ele, 
de fato, é uma forma nominal do verbo).
Finda essa parte introdutória, Cassiodoro tratará da declinação dos nomes e da conjugação dos 
verbos, explorando as diversas variantes utilizadas: gênero, número, caso, pessoa, modo, 
tempo, voz.
Ao terminar o capítulo consagrado à gramática, ele estudará de modo resumido, em capítulos 
sucessivos, cada uma das outras seis artes liberais restantes. Assim, no capítulo 2, dedicado à 
retórica, ele a define do modo seguinte: “A arte retórica é, como dizem os mestres das letras 
profanas, a ciência do bem falar nas questões públicas.” No capítulo 3, dedicado à dialética, que 
ele assimila à lógica e que, comparada à retórica, seria uma arte mais penetrante e precisa para 
falar sobre as coisas, encontramos a definição das demais artes liberais, que serão estudadas nos 
capítulos 4 a 7 (PL 70, 1168 D – 1169 A):
“A aritmética é a disciplina da quantidade contável em si mesma. A música é a disciplina 
que trata dos números que têm relação com as realidades presentes nos sons. A geometria é 
a disciplina da grandeza imóvel e das formas. A astronomia é a disciplina que estuda as 
trajetórias dos corpos celestes e todas as suas formas e trata, com um método investigativo, 
das configurações das estrelas entre si e em relação à terra.”
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Figura 20.8 – Detalhe da Figura 20.5, contendo a representação da Dialética, que segura a cabeça 
de um cão (caput canis) e diz (inscrição na parte superior do círculo): argumenta sino concurrere 
more canino – deixo que os argumentos lutem como os cães.
As Instituições das letras divinas e profanas (Institutiones divinarum et saecularium litterarum), de 
Cassiodoro, constituem um texto fundamental, que será lido e estudado durante toda a Idade 
Média, servindo, inclusive, como modelo para obras semelhantes. E, por meio de sua estrutura 
– uma primeira parte dedicada às letras sagradas, seguida de outra, consagrada às profanas –, 
reiteram um dos grandes apanágios do Medievo: a integração entre o clássico e o cristão, entre o 
temporal e o eterno, entre o secular e o sacro.
Passemos agora a outro autor fundamental para a transmissão do saber clássico à Idade Média e 
sua integração ao saber cristão: Santo Isidoro de Sevilha.
3. SANTO ISIDORO DE SEVILHA
Santo Isidoro nasceu por volta do ano 560 d. C., no território da moderna Espanha, de família 
católica, sendo irmão de São Leandro, bispo de Sevilha (cidade do sul da Espanha), a quem 
sucedeu na cátedra. A biblioteca reunida pelos dois bispos irmãos possuía um rico acervo de 
manuscritos. Isidoro é, seguramente, um dos principais canais de transmissão da cultura antiga 
à Idade Média. Sua obra é variada, percorrendo campos como a gramática, a história e a 
teologia. Suas obras mais conhecidas e que maior impacto tiveram na cultura ocidental são as 
Etimologias ou Origens (Originum sive etymologiarum libri viginti), uma grande enciclopédia do 
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saber antigo em vinte livros, dedicada aos vários campos do saber, e as Sentenças (Sententiae libri 
tres), divididas em três livros consagrados a diferentes questões teológicas.
As Etimologias, além de cobrirem o âmbito das já consagradas sete artes liberais, dedicam-se a 
vários outros domínios do saber humano: medicina, direito, teologia, ciências da linguagem, 
zoologia, geografia, arquitetura, mineralogia, agricultura, economia doméstica etc. O título da 
obra deve-se ao método utilizado por Santo Isidoro para abordar os diferentes temas 
explorados: a etimologia. Ele parte da origem de um determinado termo para explicar-lhe o 
sentido mais profundo. A etimologia por ele apresentada é, não raras vezes, errada, o que não 
impede que sirva de ponto de partida para investigar a natureza mais profunda dos conceitos 
estudados. O caminho etimológico é tomado por Isidoro como um real meio de se conhecer as 
coisas (Patrologia Latina, 82, 82 B) (ver Figura 20.9):
“O nome (nomen) foi assim chamado por sercomo que uma marca (notamen), porque nos 
torna manifestas (notas) as coisas por meio da palavra que as designa. Com efeito, se não se 
conhece o nome, o conhecimento se perde.”
Figura 20.9 – Trecho das Etimologias com a definição de “nome”(nomen): Nomen dictum quasi 
notamen, quod nobis uocabulo suo res notas efficiat; nisi enim nomen scieris, cognitio rerum perit. 
Manuscrito do séc. IX d. C. (St. Gallen, Stiftsbibliothek, Cod. Sang. 231)
Fonte: http://www.e-codices.unifr.ch/en/csg/0231/20/x-large
Repare que, ao definir o termo “nome”, ele recorre a um jogo de palavras, aproximando nomen, 
notamen e notas para relacionar o “nome” com aquilo que ele “manifesta”. E a parte final da 
citação nos deixa bem claro o quão importante ele julga o conhecimento da etimologia de uma 
palavra para conhecer adequadamente o conceito que ela exprime: “se não se conhece o nome, o 
conhecimento se perde”.
27
No livro I, ao tratar do conceito mesmo de “etimologia”, ele mostra o grande valor que a 
etimologia tem em nos dar a conhecer o sentido mais profunda das coisas, que está ligado à 
origem mesma do nome que elas recebem (PL, 82, 105 B):
“Etimologia é a origem das palavras, quando o sentido de um verbo ou de um nome é 
inferido por meio de uma interpretação. […] O conhecimento dela [=a etimologia] tem 
frequentemente um emprego imprescindível na interpretação do sentido, pois quando você 
vê de onde se originou um nome, mais rapidamente compreende o seu significado. Com 
efeito, o exame de cada coisa é mais claro quando a etimologia é conhecida.”
3.1. AS ETIMOLOGIAS OU ORIGENS
Os dois primeiros livros das Etimologias são dedicados ao trivium: Gramática (livro I), Retórica e 
Dialética (livro II). No início do livro I, Santo Isidoro fala das sete artes liberais (PL, 82, 73 B-
74 A):
“Sete são as disciplinas das artes liberais. A primeira é a gramática, isto é, a destreza no falar. 
A segunda, a retórica, que, por causa da elegância e da riqueza de sua eloquência, é tida 
como necessária, principalmente nos assuntos públicos. A terceira é a dialética, também 
chamada de lógica, que, com argumentações extremamente meticulosas, separa o verdadeiro 
do falso. A quarta é a aritmética, que tem por objeto as causas e as divisões dos números. A 
quinta é a música, que se funda nos poemas e nos cantos. A sexta é a geometria, que abarca 
as medidas e as dimensões da terra. A sétima é a astronomia, que tem por objeto a lei que 
rege os astros.”
Em seguida, faz uma interessante observação sobre as letras, ou seja, o alfabeto (PL, 82, 74 B-
75 A):
“As letras são indicadores das coisas, sinais das palavras, e têm tanta força que, ainda que 
não tenham som, nos dizem o que foi dito por pessoas ausentes. Com efeito, elas fazem 
entrar as palavras pelos olhos e não pelos ouvidos. O uso das letras [=alfabeto] foi inventado 
por causa da lembrança das coisas, pois estas estão presas nas letras, para que não nos 
escapem por causa do esquecimento. Com efeito, dada a grande variedade das coisas, não se 
poderia aprender tudo pelo ato de ouvir nem conservá-lo pela memória.”
Isidoro ressalta o papel fundamental que a escrita tem de ser uma salvaguarda da memória. O 
uso das letras, diz ele, foi inventado para que as coisas não nos escapem por causa do 
esquecimento, já que o volume de conhecimento é enorme e não poderia ser conservado em 
28
nossa memória. É exatamente o que Platão disse em seu diálogo Fedro, como vimos na Aula 2 
(se esqueceu, retorne a essa aula e leia o trecho de Platão sobre a escrita). Cumpre, no entanto, 
lembrar que o filósofo ateniense qualificava a escrita de φάρμακον (phármakon), pois ela, ao 
mesmo tempo, podia ser vista como um remédio para nossa memória, mas também um veneno 
que traria consequências funestas. Platão referia-se ao fato de que o indivíduo não mais 
carregaria em sua alma o conhecimento, que ficaria consignado nos livros e, por assim dizer, 
morto. Isidoro, que vive em uma cultura na qual o letramento é uma realidade há muito 
palpável, não parece vislumbrar o lado negativo da escrita. E há, ainda, um outro efeito 
colateral do φάρμακον (phármakon): nossa memória, por falta de exercício – uma espécie de 
sedentarismo intelectual –, vai-se atrofiando paulatinamente, até chegar ao ponto gravíssimo 
em que não somos capazes de reter um mero número de telefone, se a necessidade se nos 
apresenta. Esquecemos facilmente nomes, datas, acontecimentos. O aprendizado dos conteúdos 
mais banais se mostra um terrível suplício para os filhos de Eva. Platão estava certo. A escrita é 
um φάρμακον (phármakon) e, como todo remédio, pode trazer consequências graves, se 
utilizado em excesso.
Isidoro trata dos diversos conceitos ligados à gramática: o alfabeto, as oito partes do discurso, 
sinais gráficos, ortografia, vícios de linguagem, figuras de linguagem, versificação (métrica). 
Assim, por exemplo, ele trata dos acentos e mostra-nos que eles estavam originalmente ligados 
à pronúncia ou, mais especificamente, ao canto (93 D-94 A):
“Acento (accentus), que em grego se diz prosodia (προσῳδία), tirou seu nome do grego. Com 
efeito, em grego πρός (prós) equivale a 'ad' em latim, e ᾠδή (odé), em grego, é o mesmo que 
'cantus', em latim. Tal nome foi, pois, traduzido palavra por palavra. […] O acento é assim 
chamado, porque está ligado ao canto, assim como o advérbio é chamado assim, porque está 
ligado ao verbo”.
Assim como o advérbio recebe esse nome porque ele está ligado ao verbo, servindo para 
modificar-lhe o sentido, assim, o acento está ligado ao canto, ou melhor, à entoação das 
palavras. Assim, em latim, temos: ad+cantus > adcantus > accantus > accentus. Isidoro também 
nos fala sobre três diferentes tipos de acento: agudo, grave e circunflexo. Ao contrário do que 
acontece em português, esses acentos, em grego, tinham um valor musical (serviam para indicar 
29
que se estava aumentando um tom, abaixando um tom ou aumentando um tom para, em 
seguida, abaixá-lo). O acento agudo indica uma elevação de tom na sílaba e é representado com 
o sinal ( ’ ), mostrando claramente, pelo seu sentido ascendente, que o tom está subindo. O 
acento grave, ao contrário, significa um abaixamento do tom e é indicado com o sinal ( ‛ ), que 
mostra, com seu sentido descendente, que o tom está descendo. Há também o acento 
circunflexo, cujo sinal gráfico é ( ^ ), que indica que o tom sobe e em seguida desce, sendo o 
circunflexo formado de um agudo seguido de um grave: ’ ‛ = ^.
Vemos também Isidoro mencionar uma série de vícios de linguagem que ainda hoje são 
estudados em nossas gramáticas (verifique o significado no dicionário; se puder, consulte uma 
gramática) (106 B; 107 B; 108 B-C):
a) barbarismo: “barbarismo é a palavra pronunciada com uma letra ou som errado”;
b) solecismo: “solecismo é a incorreta composição de várias palavras entre si, assim como o 
barbarismo é a corrupção de uma única palavra”;
c) acirologia: “acirologia é um modo impróprio de falar”;
d) cacófato: “cacófato é uma expressão obscena ou que soa desordenadamente”;
e) pleonasmo: “pleonasmo é o acréscimo supérfluo de uma única palavra”;
f) perissologia: “é o acréscimo supérfluo de várias palavras”;
g) macrologia: “macrologia é um discurso longo, cheio de coisas não necessárias”;
h) tautologia: “tautologia é um discurso repetido”;
No livro II, como dissemos, ele trata da retórica e da dialética. Logo no início, encontramos a 
definição de retórica, com sua respectiva etimologia grega (PL, 82, 123 C-124-D):
“Retórica é a ciência do bem falar, a riqueza da eloquência nas questões públicas dirigida a 
determinar oque é justo e bom. É chamada retórica, com nome grego, ἀπὸ τοῦ ῥητορίζειν 
(apò toû rhetorízein), isto é, 'da riqueza de elocução'. Com efeito, ρῆσις (rhêsis), entre os 
gregos, diz-se 'elocução', ῥήτωρ (rhétor), 'orador'.
A retórica está unida à arte da gramática. Com efeito, na gramática aprendemos a ciência do 
reto falar, mas na retórica, compreendemos como podemos expor aquilo que aprendemos.”
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É também no livro II, na parte que trata da dialética, que encontramos uma definição de 
filosofia que mencionamos na Aula 14 (PL, 82, 141 A):
“A filosofia é o conhecimento das coisas humanas e divinas unido ao esforço pelo bem viver. 
[…] O próprio nome 'filosofia', traduzido em latim, manifesta o sentido de 'amor à 
sabedoria', pois os gregos chamam o amor de φίλο- (phílo-) e a sabedoria de σοφία 
(sophía)”.
O livro III é dedicado às disciplinas do quadrivium: aritmética, geometria, música e astronomia. 
Ao tratar da astronomia, Isidoro mostra saber que o sol é maior do que a terra e do que a lua e 
apresenta duas teorias correntes para explicar o brilho do luar (PL, 82, 176 A):
“Alguns filósofos dizem que a lua tem luz própria e que uma parte de seu globo é luminosa, 
mas que a outra é escura. Outros, ao contrário, dizem que a lua não tem luz própria, mas que 
é iluminada pelos raios do sol. Donde, ela está sujeita a um eclipse, se entre ela e o sol se 
interpõe a sombra da terra.”
Isidoro apresenta a teoria de que a luz da lua é, na verdade, proveniente do sol, ela apenas 
reflete os raios solares. Mostra, também, que sabe como funciona o o eclipse lunar: a lua fica 
escura, porque a terra fica entre ela e o sol e projeta sobre ela sua sombra. Na sequência do 
texto, ele dá maiores explicações sobre os eclipses lunar e solar (PL, 82, 176 C-177 A):
“Há o eclipse do sol toda vez que a trigésima lua chega à mesma linha pela qual o sol se 
move e, se lhe interpondo, escurece o sol. Com efeito, o sol parece desaparecer, quando o 
globo lunar se opõe a ele.
Há o eclipse da lua toda vez que ela entra na sombra da terra. Com efeito, estima-se que a 
lua não tem luz própria, mas que é iluminada pelo sol. Donde, sofre um eclipse, se a sombra 
da terra se interpõe entre ela e o sol.”
A explicação do eclipse do sol e da lua é totalmente correta. Repare que Isidoro chega a dar um 
detalhe bem preciso, qual seja, o fato de que o eclipse solar só ocorre quando há lua nova (que 
ele chama de trigésima lua (ou seja, aquela que fecha o ciclo do mês lunar).
31
Figura 20.10 – Trecho do livro III das Etimologias (dedicado às matemáticas) contendo diferentes 
figuras geométricas. Codex Gigas, manuscrito do início do séc. XIII.
Fonte: http://www.kb.se/codex-gigas/eng/Browse-the-Manuscript/Isidorus-Etymologiae/?
mode=1&page=409#content
Para termos uma ideia da variedade de temas abordados nas Etimologias e do desenvolvimento 
dos diversos campos do saber então vigentes, vejamos, agora, umas tantas passagens tiradas de 
alguns dos livros seguintes da obra máxima de Isidoro.
O livro IV é dedicado à medicina. Nele, encontramos a distinção, utilizada ainda hoje, entre 
doença aguda e doença crônica (PL, 82, 185 B):
“Ὀξεῖα (oxeía) é o nome que se dá a uma doença aguda, que ou passa rapidamente ou mata 
ainda mais rapidamente, como a pleurite e o frenesi. Com efeito, ὀξύ, entre os gregos, 
significa agudo e veloz. Χρόνια (khrónia) é o nome que se dá a uma doença longa do corpo, 
que dura muito tempo, como a podagra e a tuberculose. Com efeito, tempo, entre os gregos, 
diz-se χρόνος (khrónos).”
Na sequência, Isidoro comenta inúmeras doenças agudas e crônicas. Vejamos algumas delas:
“Febre deriva de 'fervor'. Com efeito, ela consiste em uma abundância de calor.” (185 B)
“Letargia é assim chamada por derivar de 'sono'. Com efeito, é uma opressão do cérebro 
acompanhada de esquecimento e sono contínuo, semelhante a quem dorme profundamente.” 
(185 v-186 A)
32
Aqui, Isidoro parte da etimologia grega de letargia. Com efeito, em grego, ληθαργία (lethargía) 
significa “sonolência” e está ligada a λήθη (léthe), “esquecimento”, razão pela qual ele 
apresenta este como um dos sintomas da doença.
“Hidrofobia, isto é, medo de água. Com efeito, os gregos chamam de ὕδωρ (hýdor) a água e 
de φόβος (phóbos) o medo. Donde, também os latinos chamam essa doença de linfática, por 
causa do medo da água. Ela surge ou da mordida de um cão raivoso ou de sua saliva 
lançada por terra: se um homem ou um animal tocá-la, é tomado de loucura ou adquire 
raiva.” (186 C-187 A)
Isidoro explora a etimologia da hidrofobia – a raiva adquirida pela mordida de animais 
contaminados, como cães ou morcegos – para explicar-lhe o principal sintoma: o horror que o 
doente tem a água.
“A cefaleia tira seu nome da própria causa. Com efeito, ela é uma dor de cabeça e os gregos 
chamam cabeça de κεφαλή (kephalé).” (187 B) (ver Figura 20.11)
“A epilepsia tomou esse nome pelo fato de que ela, ao apossar-se da mente, apodera-se 
também, ao mesmo tempo, do corpo. Com efeito, os gregos chamam de ἐπιληψία (epilepsía) 
o apossar-se. Ela surge do humor (=líquido) melancólico, toda vez que este transbordar e se 
dirigir para o cérebro. Essa doença é também chamada de 'caduca', pelo fato de que o 
doente, ao cair (cadens), sofre espasmos.” (188 A)
“A coriza ocorre toda vez que um corrimento da cabeça entrar nos ossos do nariz e causar 
uma irritação acompanhada de espirro. É de onde ela tomou o nome de coriza.” (189 A) (ver 
Figura 20.12)
Figura 20.11 – Trecho das Etimologias com a definição de “cefaleia” (cephalea): <aput grecos 
tempus dicitur>. cefalea ex causa uocabulum habet. capitis enim passio est et greci caput caefalin uocant. 
Manuscrito do séc. IX-XII d. C. (Reims Bibliothèque municipale Ms. 426).
Fonte: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8449011r/f88.image
33
Figura 20.12 – Trecho das Etimologias com a definição de “coriza” (coryza): Goriza est quotiens 
infusio capitis in ossa uenerit narium; et prouocationem fecerit cum sternuatione. unde et goriza nomen 
accepit. Repare que o copista usa a forma “goriza”. Manuscrito do início do séc. IX d. C. (Munich 
Bayerische Staatsbibliothek Clm 6250).
Fonte: http://daten.digitale-sammlungen.de/~db/bsb00009201/images/index.html
Isidoro apresenta uma etimologia de coriza que é incerta, de origem popular, e que ligava o 
termo κόρυζα (córyza) – catarro, secreção nasal – a κόρυς (kórys)m termo grego que designa 
normalmente o “elmo”, mas também a “cabeça”, a parte mais elevada do corpo, de onde viria a 
secreção (ele fala em “corrimento da cabeça”) que se infiltraria nas cavidades nasais.
“O cálculo é uma pedra que surge na bexiga. É de onde ela tirou seu nome. Ela nasce da 
matéria fleumática.” (190 B) (ver Figura 20.13)
Figura 20.13 – Trecho das Etimologias com a definição de “cálculo” (calculus): Cauculus petra est 
quae in uesica fit. unde et nomen accepit. Manuscrito do séc. IX d. C. (Munich Bayerische 
Staatsbibliothek Clm 4541). Repare na grafia cauculus.
Fonte: http://daten.digitale-sammlungen.de/~db/0007/bsb00071097/images/index.html
O cálculo renal tira seu nome da palavra latina calculus, que significa “pedrinha”. O nome é 
usado ainda hoje em português para designar as pedras que se formam nos rins. E é de calculus 
– pedrinha – que vem o termo matemático “cálculo”, pois, na Antiguidade, as crianças 
aprendiam a contar servindo-se de pedrinhas, como hoje fazemos com os dedos ou com 
exemplos baseados em frutas (maçãs, bananas etc.).
“Cólica tirou seu nome de 'intestino', que os gregos chamam de κῶλον (kôlon).” (190 C) (ver 
Figura 20.14)
34
Figura 20.14 – Trecho das Etimologias com a definição de “cólica” (colica): Colicapassio nomen 
sumpsit ab intestino quem greci colum apellant. 
Manuscrito do séc. IX d. C. (St. Gallen, Stiftsbibliothek, Cod. Sang. 231)
Fonte: http://www.e-codices.unifr.ch/en/csg/0231/142/large
A cólica – nossa famosa dor de barriga – tira seu nome do termo grego κῶλον (kôlon), que 
significa 'intestino', indicando que é a parte do corpo atingida pela doença e a dor.
“Alopecia é a queda de cabelos, por conta da diminuição dos pelos ruivos que possuem a 
qualidade do cobre. Ela é chamada por esse nome por sua semelhança ao que acontece com a 
raposa, que os gregos chamam de ἀλώπηξ (alópex).” (191 A)
A alopecia – queda de cabelos que pode levar, inclusive, à calvície –, tira seu nome do termo 
grego que designa a raposa – ἀλώπηξ (alópex) –, pois este animal perde, no início da 
primavera, a pelagem grossa que a protegia do inverno.
No livro V, Isidoro trata das leis e dos tempos (diferentes tipos de divisão de tempo: horas, dias, 
semanas, meses, estações do ano etc.). Ele faz uma distinção entre a lei divina e as leis humanas:
“Todas as leis são divinas ou humanas. As divinas consistem na natureza, as humanas, nos 
costumes. E, por isso, estas últimas são discordantes, porque os povos diferentes têm leis 
diferentes, de acordo com o gosto de cada um” (198 C)
Isidoro também apresenta a noção importantíssima de direito natural, que é encontrada 
tradicionalmente no direito romano e que é fundamental para a garantia de direitos básicos do 
ser humano: a vida, a família, a educação, a propriedade, a liberdade etc. O direito natural é 
aquele que decorre da própria natureza das coisas.
“O direito é ou natural, ou civil, ou das gentes. O direito natural é comum a todos os povos e 
existe em todo lugar, por causa de um instinto da natureza e não por alguma legislação, 
como é o caso da união entre o macho e a fêmea, a geração e a educação dos filhos, o direito 
35
de propriedade e uma mesma liberdade comum a todos, o direito de aquisição de tudo o que 
é obtido no céu, na terra e no mar.” (199 B)
Assim, o direito natural garante que o homem, por sua natureza, tem direito à vida, 
independentemente do que possam decidir governos e leis civis – o que já aconteceu inúmeras 
vezes na história e acontece ainda hoje, com a adoção, por parte de certos governos, de 
legislações que favorecem a eugenia.
Verbete
eugenia – o termo vem do grego εὐγένεια (euguéneia), que significa a nobreza ou a excelência 
do nascimento, a nobreza de estirpe ou de raça. As práticas eugênicas visam a selecionar 
geneticamente os seres humanos, fazendo com que possam nascer e continuar vivos apenas 
aqueles indivíduos que correspondam a um padrão ideal de qualidades físicas e intelectuais e 
que possam ser considerados produtivos para a sociedade. É o que ocorreu no regime nazista, 
durante o qual pessoas com deficiências físicas ou mentais eram mortas para evitar que suas 
deficiências pudessem ser transmitidas geneticamente a seus possíveis descendentes. É o que 
acontece, ainda hoje, na China, na qual a política do filho único, implementada pelo governo 
comunista, tem feito com que bebês do sexo feminino sejam abortados ou mortos depois de 
nascer. Como só é permitido a cada casal ter um único filho, frequentemente os casais preferem 
meninos, pois, uma vez crescidos, terão mais força e serão mais produtivos que as meninas, 
podendo, assim, melhor contribuir para o sustento da família. Veja maiores detalhes em:
http://revistamarieclaire.globo.com/EditoraGlobo/componentes/article/edg_article_print/1,3916,
382210-1740-1,00.html
http://oglobo.globo.com/mundo/com-aborto-seletivo-favorecimento-homens-mundo-perde-2-
milhoes-de-mulheres-ao-ano-2746004
O mesmo destino trágico tem sido reservado às crianças portadoras de síndrome de Down:
36
http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,nova-zelandia-e-acusada-de-promover-abortos-de-
fetos-com-sindrome-de-down,735718,0.htm
http://elpais.com/diario/2008/05/19/sociedad/1211148005_850215.html
Fim do Verbete
A importância da lei está no fato de que ela ajuda a proteger os inocentes e a controlar os que 
querem fazer o mal:
“As leis são feitas para que, pelo medo delas, a audácia dos homens reprimida e a inocência 
esteja segura no meio dos desonestos e para que, nos próprios desonestos, a capacidade de 
fazer o mal seja refreada por temor do castigo.” (202 B) (ver Figura 20.15)
Figura 20.15 – Trecho do livro V das Etimologias que fala sobre a função das leis: Facte sunt autem 
leges ut earum metu humana coherceretur audacia tutaque sit inter inprobos innocentia, et in ipsis 
inprobis formidato supplicio refrenetur nocendi facultas. Manuscrito do início do séc. IX d. C. 
(Munich Bayerische Staatsbibliothek Clm 6250).
Fonte: http://daten.digitale-sammlungen.de/~db/bsb00009201/images/index.html
Eis como deve ser a lei:
“A lei será honrosa, justa, exequível, conforme à natureza, de acordo com o costume da 
pátria, adequada ao lugar e ao tempo, necessária, útil e também clara, para que não contenha 
algo que, por sua obscuridade, leve ao engano, composta não em vista de algum proveito 
particular, mas em benefício comum dos cidadãos.” (203 A)
O livro VI é dedicado aos livros e a tudo que a eles pode se referir. Assim, temos, entre outras 
coisas, a definição de “biblioteca”:
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“A biblioteca tomou seu nome do grego, pelo fato de que nela se guardam os livros. Com 
efeito, βιβλίων (biblíon) traduz-se como 'dos livros' e θήκη (théke), 'depósito'.”
Das várias bibliotecas da Antiguidade, a mais importante é a de Alexandria:
“A partir de então, Alexandre Magno (=o Grande) ou seus sucessores se dedicaram com 
ardor a fundar bibliotecas que contivessem todos os livros, principalmente Ptolomeu, 
também chamado de Filadelfo, profundo conhecedor de toda literatura, ao imitar Pisístrato 
em seu amor pelas bibliotecas, reuniu em sua biblioteca não apenas os escritos de autores 
profanos, mas também os textos da literatura sagrada. Com efeito, na época dele, 
encontravam-se em Alexandria setenta mil livros.” (236 A-B)
Encontramos, também no livro VI, a análise de termos relacionados à cultura livresca:
“Um códice (codex) é composto de muitos livros, o livro, de um único volume. E ele recebeu 
o nome de 'códice' por metáfora, vindo dos troncos (caudices) das árvores ou das vinhas, 
como se se dissesse tronco (caudex), pelo fato de que ele contém em si uma grande 
quantidade de livros, como se fossem seus ramos.
Volume é um livro (liber) que tira seu nome do verbo latino volvere (=rolar), como, entre os 
hebreus o volume da Lei e os volumes dos Profetas.
O termo liber (=livro) em latim, designa a membrana interna que adere ao tronco. Dele fala 
Virgílio: alta liber aret in ulmo (=o 'liber' seca no topo do olmo). Donde também se chama 'liber' 
aquilo em que escrevemos, porque, antes do uso do papiro ou das peles (=pergaminho), os 
volumes eram feitos, isto é, se compaginavam, a partir dos libri (=as membranas entre a casca 
e o tronco da árvore). Donde também os copistas foram chamados de librarii a partir dos libri 
das árvores.” (241 B-C)
Isidoro apresenta três termos relacionados aos livros: códice (codex), volume (volumen) e livro 
(liber). O primeiro tira seu nome do tronco das árvores – caudex, em latim –, por um uso 
metafórico, já que o códice é composto de vários livros, que seriam como que os ramos que 
saem do tronco de uma árvore. O segundo termo – volume – designa um livro que tinha o 
formato de rolo e tira seu nome do fato de que, para lê-lo, era preciso desenrolá-lo e enrolá-lo, 
ações que se prendem ao verbo latino volvere, que significa “rolar” ou “rodar”. Por fim, o termo 
livro – liber, em latim – vem da palavra

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