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1 Evite lacunas entre os períodos Chico Viana Deixar lacunas entre os períodos ou em partes deles indica falha no raciocínio e compromete a recepção do texto. De antemão, vale observar que nem toda lacuna precisa ser explicitada. Se digo, por exemplo, “Fulano é ficha suja, não pode se candidatar”, não preciso afirmar o que está implícito, ou seja, que se proíbe a candidatura a todas as pessoas com problemas na Justiça. Dá-se o nome de entimema a esse tipo de argumento, em que fica implícita a afirmação geral (ou premissa maior). Nem todas as lacunas, porém, são dessa natureza. Há casos em que o redator deixa de referir informações importantes e prejudica a compreensão do que vem depois. É o que ocorre nesta passagem de um aluno: “Muitos jovens consideram-se deslocados e impedidos de serem felizes. Na adolescência, a falta de maturidade é a razão principal para achar que a grama do vizinho é mais verde”. Os dois períodos não têm conexão. Espera-se que, no segundo, a falta de maturidade seja apontada como a principal razão para que alguns jovens se considerem deslocados e impedidos de ser felizes. Em vez disso, a imaturidade aparece como justificativa para que eles invejem a vida dos outros. Faltou fazer uma ponte entre as duas afirmações, vinculando a sensação de deslocamento e de infelicidade à ideia de que os outros têm uma vida melhor. [Nesse caso, o aluno poderia reescrever o parágrafo da seguinte forma:] “Muitos jovens consideram-se deslocados e impedidos de ser felizes. Por se sentirem assim, acham que os outros vivem melhor do que eles. Na adolescência, a falta de maturidade é a razão principal para achar que a grama do vizinho é mais verde”. 2 Segue outro exemplo, extraído de uma redação sobre o rolezinho: “Os shoppings centers se popularizaram no Brasil porque se tornaram uma alternativa de compras e lazer com segurança e conforto. O chamado rolezinho tem sido alvo de muita polêmica. É a reunião de um grande número de adolescentes, marcada em local privado, sem autorização. Assim, está na moda não só entre jovens das periferias brasileiras”. Nessa passagem, há um salto entre o que se diz no primeiro período e o que se diz no segundo. Do tópico “shoppings centers” passa-se ao tópico “rolezinho” sem que haja um elo entre os dois. O aluno pretende contrapor a segurança e o conforto dos shoppings aos transtornos provocados por esse tipo de encontro entre adolescentes, mas deixa de explicitar essa oposição. Ele poderia ter feito isso, escrevendo [da seguinte forma]: “Os shoppings centers se popularizaram no Brasil porque se tornaram uma alternativa de compras e lazer com segurança e conforto. Um fenômeno recente, contudo, vem tornando a frequência a esses lugares um desconforto e um risco: o chamado rolezinho, que tem sido alvo de muita polêmica. O rolezinho é a reunião de um grande número de adolescentes, marcada em local privado, sem autorização. Assim, está na moda não só entre jovens das periferias brasileiras”. A produção de lacunas não se confunde com o chamado “non sequitur” (não se segue), que é uma falha lógica na qual das premissas se tiram falsas conclusões [...]. Veja um exemplo nesta passagem: “É preciso seriedade do governo para que possamos vislumbrar na Lei Seca uma oportunidade de avanços políticos e sociais. Vendo por esse lado, a lei seca é mesmo reacionária”. O que o aluno conclui no último período “não se segue”, pois reconhecer que a Lei Seca precisa da seriedade do governo não basta para considerá-la reacionária. O 3 caráter progressista ou reacionário da lei dependeria muito mais do governo do que dela mesma, que, em si, é boa. Fonte REVISTA Língua Portuguesa. Blog Na Ponta do Lápis. Disponível em: <http://revistalingua.com.br/textos/blog-ponta/evite-lacunas-entre-os-periodos-326520-1.asp>. Acesso em: 4 ago. 2015.
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