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A Representação na Revolução Francesa

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As dimensões política e não-política da 
representação para Emmanuel Sieyès 
Vinícius Werneck 
Doutorando em Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos, 
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). 
 Todos conhecem aquela famosa frase atribuída erroneamente a Maria Antonieta, na 
qual, durante uma pretensa gafe, a rainha consorte de França teria recomendado aos famélicos 
franceses que, na ausência de pão, comessem brioches. “Qu’ils mangent de la brioche”, 
anotou Rousseau (1782, p. 235) em sua autobiografia Les Confessions, embora atribuindo 1
genericamente a une grande princesse. 
 Importa menos descobrir quem cometeu essa gafe - se é que um dia a cometeram - 
mas sim toda a força simbólica de um tal mito propagando-se no seio da Revolução Francesa. 
As convulsões sociais na França do século XVIII eram tantas e tão profundas, que a 
alternativa aos “brioches de Maria Antonieta”, apresentada por Louis Legendre, incluía os 
aristocratas como prato principal: “Eh bien! mangez les aristocrates!". (BEAUCHAMP et al., 
1811, p. 286; LE BAS, 1843, p. 139) 
 Entre brioches e aristocratas, em 5 de Julho de 1788, o ministro das finanças de Luís 
XVI, Etienne-Charles de Loménie de Brienne, anunciou que Sua Majestade convocaria os 
Estados-Gerais. (SIEYÈS, 2003, p. xxiii) Visto que tal reunião não ocorria desde 1614, o rei 
convidou aqueles que desejassem a compartilharem sua visão de como os Estados-Gerais 
deveriam se constituir. É nesse contexto que os trabalhos publicados por Emmanuel-Joseph 
Sieyès, um abade nascido em Fréjus e educado em Saint Sulpice e Sorbonne, tornaram-se 
 Durante a produção do artigo, foi inusitada a pouca quantidade de trabalhos de qualidade, nas ciências sociais 1
brasileiras, sobre o abade Sieyès. Na raras ocorrências, a teoria do abade era trabalhada de forma apenas 
tangencial, em livros, teses ou artigos que tratavam preferencialmente de grandes temas como representação e 
direito constitucional. Além disso, esses trabalhos citam várias de suas fontes a partir de outros autores, o que 
tornaria esse artigo, ao citá-los, um texto constituído de contribuições de certa forma terciárias (um apud do 
apud). Por esse motivo, essa pesquisa foi aos principais autores relevantes para o trabalho, em inglês e francês 
(as obras acerca da Revolução Francesa - e em menor grau da Revolução Americana; os trabalhos em francês de 
Sieyès e seus discursos registrados no Moniteur Universel; os livros publicados sobre Sieyès e suas ideias, 
durante a frança revolucionária, por autores contemporâneos ao abade, etc). Por conta disso, entre os livros 
listados na bibliografia, constam 17 publicados nos séculos XVIII ou XIX - que são em grande parte das vezes 
primeiras edições. Quando ocorreram citações de fontes secundárias no texto, utilizou-se explicitamente do 
recurso do apud, conforme a norma da ABNT. O acesso aos materiais primários só foi possível por conta da 
ampla digitalização em curso, seja por instituições francesas, britânicas ou americanas - às quais agradecemos -, 
que permitiram que essas obras tão relevantes fossem consultadas.
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cruciais para os percursos da Revolução e ecoam ainda hoje nos conceitos de representação e 
constitucionalismo. 2
 À convocação dos Estados-Gerais, seguiu-se a produção por parte do abade de Vues 
sur ler moyen d’exécution dont les rerprésentants de la France pourront disposer en 1789. À 
rejeição por parte da Assembleia dos Notáveis do pedido de modificação da proporção da 
representação de nobres, clero e comuns nos Estados-Gerais, seguiu-se a publicação do texto 
Essai sur les privilèges. Finalmente, três meses antes da realização dos Estados-Gerais, 
publicou Sieyès o mais icônico dos três panfletos, o pungente Qu’est-ce que le Tiers État?. 
 O primeiro panfleto, escrito em Julho ou Agosto de 1788, chegou a circular sob o 
título Vues sur les moyens de garantir la nation contre le double despotisme des ministres et 
des aristocrates, diferente daquele que recebeu em sua publicação oficial. Michael 
Sonenscher, tradutor de Sieyès para o inglês e estudioso do autor, sugere que o título captura 
muito bem o conteúdo da obra: é o plano do abade para uma revolução. (SIEYÈS, 2003, p. 
xxii) E era um plano simples. Em vez de os Estados-Gerais se concentrarem nos cahiers de 
doléances, que o rei havia solicitado a todas as instituições do reino, eles deveriam focar-se na 
única tarefa de propor uma constituição para o governo real. Sieyès ainda não sabia que a 
Assembleia dos Notáveis iria obrigar os Estados-Gerais a se reunirem nos mesmos moldes de 
1614, onde cada Estado votava como um corpo e, portanto, Clero e Nobres juntos tinham 2 
votos, enquanto os comuns possuíam 1. A cadeia de eventos que culminou neste veredicto dos 
Notáveis levou Sieyès a publicar Essai sur les privilèges, explicando por que essa era uma 
decisão inaceitável. 
 Em Janeiro de 1789, apenas seis meses depois de ter escrito seu primeiro panfleto 
(Vues sur les moyes d’exécution...), Sieyès publicou “O Que é o Terceiro Estado?”, cujo 
objetivo era convencer os representantes do Terceiro Estado do por quê de deverem sozinhos 
colocar em prática as ideias que no Vues ele havia sugerido como missão dos Estados-Gerais 
como um todo. A estratégia fora simplesmente deslocada dos Estados-Gerais para o Terceiro 
Estado, que, conforme ele defendera no panfleto, era a representação da própria nação 
francesa. 
 O termo governo representativo não era em si uma inovação. Foi utilizado de forma recorrente nas discussões 2
sobre a constituição americana e pode ser visto no ensaio 63 dos Artigos Federalistas, atribuído a Madison. 
(MADISON et al., 2008, p. 313)
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 Como indica o título original de Vues, a estratégia consistia em eliminar o poder do 
governo real sobre três instituições-chave do Estado - o sistema fiscal, a dívida pública e as 
forças armadas - até que os Estados-Gerais terminassem de redigir a nova constituição. 
(SIEYES, 2003, p. 3) Sieyès chamou isso de poder constituinte, fonte ulterior do poder 
constituído. O poder constituinte pertence apenas à nação francesa, mas poderia ser exercido 
por uma assembleia extraordinária reunindo os representantes do Terceiro Estado. (SIEYÈS, 
2003, p. 34) 
 E como justificou Sieyès que um de três estados tivesse legitimidade para representar 
a nação francesa e soberanamente exercer o poder constituinte na redação de uma nova 
constituição? Os comuns representam a nação, pois esta é formada de “trabalhos particulares” 
e “funções públicas” (SIEYÈS, 2003, p. 94), ambos amplamente cobertos pela atuação do 
Terceiro Estado. Por trabalhos particulares, ele entendia os labores em relação à terra e à 
água; os percursos da produção à venda de manufaturas, quando o homem agrega valor e 
utilidade a bens em princípio fornecidos pela natureza; as tarefas de compra e venda per se, 
que incluem a adequação de preços, margens, lucros, estoque, etc; e, por fim, toda a série de 
atividades que vão das liberais e científicas até aos menos estimados serviços domésticos. Já 
as funções públicas reúnem as forças armadas, a lei, a Igreja e a administração. Sieyès sugere 
que a cada 20 pessoas empregadas nas funções públicas, 19 pertencem ao Terceiro Estado. 
(SIEYÈS, 2003, p. 94 e 95) 
 O abade vai além na sua argumentação e por conta da relevância deste ponto para a 
discussão da representação política voltaremos a ele em breve. Mas a melhor forma de 
compreender essas duas atuações, que resumem para Sieyès o papel de uma nação - bem 
como a representação política -, é compreender o pensamento de Sieyès no que diz respeito ao 
objetivo de uma nação . 3
 Uma nação não são seus associados nem é a soma deles. Uma nação é um corpo de 
associados, vivendo sob umalei comum, representados sob uma mesma legislatura (SIEYÈS, 
 Hont (1994) defende na revista britânica Political Studies, em um artigo cujo objetivo era contribuir com uma 3
perspectiva histórica para o debate sobre a discutida “crise contemporânea do estado-nação’’, que a noção de 
Sieyès a respeito da nação se assemelha ao conceito de Hobbes de estado: “Sieyès insistiu. da mesma forma, que 
o povo e a nação eram os mesmos, mas ele especificamente redefiniu o termo ‘nação’ para significar que a 
soberania popular, seu ‘poder constituinte’, poderia apenas ser exercido através de um sistema de representação 
unitário como a Assembleia Nacional, nos moldes de uma agência constituída. Isso é precisamente o que Hobbes 
queria dizer por ‘estado’. Combinar essas duas versões específicas das palavras ‘estado’ e ‘nação’ em um termo 
composto ‘estado-nação’ introduz não tanto um oxímoro, mas uma plena tautologia. Como uma definição 
política da localização da soberania, o ‘estado’ de Hobbes e a ‘nação’ de Sieyès são idênticos. A ‘nação’ de 
Sieyès é o ‘Leviatã’ de Hobbes.” (HONT, 1994, p. 203 - traduzido pelo autor)
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2003, p. 97) Para Sieyès, acreditar que primeiro havia uma nação e depois surgiram seus 
representantes é uma noção “obscura e falsa” (SIEYÈS, 2003, p. xix), visto que a associação 
teria se formado pela representação (e não esta se formado por conta de uma associação 
preexistente). Essa associação pela representação comporta o estado, seus membros e seu 
governo - em vez da relação mais simples governantes/governados. Para Sieyès, ressalta 
Sonenscher, 4
o public establishment [...] era o correlato de toda a associação, que 
era singular, não de seus membros individuais, que eram plural. A 
nação era uma, embora seus membros fossem vários. Seu governo 
representava os interesses comuns da nação, não os variados 
interesses de seus muitos membros. O interesse comum poderia, de 
tempo em tempo, ter de se modificar. Mas sua modificação deveria 
evitar interferir nos outros interesses que os indivíduos também 
poderiam ter. (SIEYÈS, 2003, p. xix) 5
 O tema das necessidades (besoins) e dos meios (moyens) disponíveis para alcançá-las 
é recorrente em Sieyès e coerentemente se relaciona aos conceitos esboçados cuidadosamente 
pelo abade em seus escritos. Em um caderno intitulado Droits de l’homme, presente nos 
Archives Nationales, Sieyès defende que: “Na natureza, tudo que tem necessidades (e todo ser 
vivo as tem) tem o direito de satisfazê-las, e, consequentemente, direito aos meios essenciais 
para tal.” (SIEYÈS, 2003, p. xv - tradução nossa). Entretanto, entre os humanos, por conta da 
superioridade de sua razão e da habilidade da vontade, devorar ao outro como outros seres o 
fazem no estado de isolamento (que Sieyès se recusa a chamar de estado natural) é o mesmo 
que devorar o sistema. Mais à frente, no mesmo caderno, Sieyès continua: 
Dessa forma, as necessidades não dão direitos a um homem de 
devorar ao outro, mas sim de assistir o outro. A linha essencial que 
divide o homem de outros animais é a existência em cada indivíduo 
dessa capacidade inata, essa vontade, com a qual cada um pode buscar 
entendimento e concordância.” (SIEYÈS, 2003, p. xv - tradução 
nossa). 
 As artes, as ciências, praticamente todas as coisas envolvendo uma associação humana 
durável estão conectadas à capacidade de as pessoas encontrarem formas de diminuir o grau 
 Os fragmentos citados que se encontravam originalmente em inglês ou francês foram traduzidos para a melhor 4
compreensão do artigo. Aqueles que se encontravam em francês, foram vertidos para a língua portuguesa pela 
tradutora Rebeca Amaral; já os de língua inglesa, pelo próprio autor. O original foi transferido para nota de 
rodapé.
 “the public establishment [...] was the correlate of the whole association, which was singular, not of all its 5
individual members, who were plural. The nation was one, although its members were many. Its government 
represented the nation’s common interests, not its many members’ several interests. The common interest might, 
from time to time, have to change. But changing it had to avoid interfering with the other interests that 
individuals would also have. (SIEYÈS, 2003, p. xix)
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de esforço necessário para alcançar suas necessidades e, dessa forma, de aumentar a 
satisfação com a vida que levam. Sieyès chegou inclusive a produzir um manuscrito não 
publicado chamado Traité du socialisme, cujo título completo em português poderia ser 
traduzido como “Tratado sobre socialismo, ou sobre a meta dada ao homem por si mesmo em 
sociedade e dos meios que ele tem para obtê-la” (SIEYÈS, 2003, p. x - tradução nossa). 
Socialismo, diferentemente do significado hoje atribuído ao termo, era uma forma - 
normalmente pejorativa - de apelidar os seguidores de Samuel Pufendorf, autor alemão de 
obras como De jure naturae et gentium (1672). Sobre ele disse Joseph Droz em um livro 
lançado pouco mais de duas décadas após o fim do Diretório: 
Um filósofo pouco lido atualmente, mas cujos escritos avançaram a 
civilização europeia, Pufendorff, acredita que o homem não é um ser 
moral porque é um ser sociável; que seus deveres, que não podem ser 
cumpridos nem mesmo existir além da sociedade, derivam todos de 
apenas um, este que nos prescreve de conservar, aprimorar, embelezar 
a vida social. Pufendorff prossegue com um princípio fundamental: 
Trabalha conforme as tuas forças, a fim de manter o bem da sociedade 
humana em geral. A direção desta sábia doutrina foi denominada 
como socialistas, os discípulos de seu autor. (DROZ, 1824, p 38) 6
 Sieyès não utilizou do termo socialismo em nenhum de seus trabalhos publicados mais 
à frente, preferindo ater-se a um conjunto de conceitos cuidadosamente burilados ao longo de 
sua obra: sistema representativo ou sistema de governo representativo. Essa preocupação 
vocabular e teórica não era ocasional em Sieyès. Frequentemente o abade faria modificações 
pontuais em seus escritos já publicados, em revisões sucessivas que evidenciavam um 
permanente descontentamento com suas terminologias . Era um duelo comum entre a 7
 “Un philosophe très peu lu de nos jours, mais dont les écrits ont avancé en Europe la civilisation, Pufendorff, 6
pense que l'homme n'est un être moral que parce qu'il est un être sociable; que ses devoirs, ne pouvant 
s'accomplir ni même exister que dans la société, ils dérivent tous d'un seul, de celui qui nous prescrit de 
conserver, d'améliorer, d'embellir la vie sociale. Pufendorff donne en conséquence ce précepte fondamental: 
Travaillez autant qu'il est en votre pouvoir à procurer, à maintenir le bien de la société humaine en général. La 
direction de cette sage doctrine, fit désigner sous le nom de socialistes , les disciples de son auteur.” (DROZ, 
1824, p 38) [Mantivemos a escrita adotada na edição do livro consultada em francês, de 1824, com o último “f” 
dobrado.]
 Em seu Essai sur les privilèges, já na segunda nota de rodapé, ressalta o abade as distinções entre ‘por’ e ‘de’, 7
que não são apenas metafísicas, mas reais. Eis a passagem que originou a discussão sobre o vocabulário: “Mas 
vossa preguiça e orgulho se acomodam melhor aos privilégios. Eu compreendo, procurais ser menos distinguidos 
por vossos concidadãos que ser distinguidos de vossos concidadãos”. (SIEYÈS, 1822, p. 16) 
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necessidade de fixar um atalho vocabular para suas ideias e as ilimitadas possibilidades do 
que ele chamava de monde lingual. (GUILHAUMOU, 1996) 8
 Não apenas com a metalinguística de sua obra, mas também com sua função social 
preocupava-se Sieyès. O papel do filósofo , escreveu ele na epígrafe do panfleto “O Que é o 9
Terceiro Estado?”, é desenhar uma meta intelectual e alcançá-la, sem adaptações pelo 
caminho: 
Desde que o filósofo não se afaste além doslimites da verdade, 
não o acuse de ir longe demais. Sua função é estabelecer a meta; 
ele deve, portanto, alcança-la. Se ele ousasse aumentar os 
objetivos enquanto ainda na estrada, o sinal poderia enganar. A 
tarefa do administrador, por outro lado, é a de medir e ajustar os 
passos de acordo com a natureza das dificuldades… Se o 
filósofo não atingir a meta, ele não sabe onde está. Se o 
administrador não o faz, ele não sabe aonde está indo. (SIEYÈS, 
2003, p. 93) 10
 Da mesma forma que o filósofo para Sieyès tem um papel específico, os 
representantes do Terceiro Estado também possuíam uma missão definida: desenhar uma 
constituição - enquanto poder constituinte - e abrir caminho para que outros - o poder 
constituído - governassem sob suas leis. Na epígrafe acima Sieyès parecia compreender as 
limitações da teoria na ordem prática. Sua distinção entre poder constituinte e constituído, por 
exemplo, logo se perdeu durante a Assembleia Nacional Francesa, que se tornou muito mais 
do que o poder constituinte. (MIGNET, 1856, p. 380) 
 A postura de Sieyès também recebeu muitas críticas. Seja por meio de personagens 
consagrados na literatura como o monarquista Gillenormand, de’Os Miseráveis - “São todos 
como Sieyès! Um regicida que se torna senador, pois eles sempre acabam sendo 
 Durante o mesmo período revolucionário, uma clássica tentativa de readequação sígnica envolveu o título de 8
Luís XVI. Sendo o Rei de França e Navarra até 1791, aceitou mudar seu título para Rei dos Franceses, numa 
tentativa de manter tanto a coroa quanto a cabeça. Não funcionou. Em 1792 perdeu a coroa; no ano seguinte foi à 
guilhotina. 
 Sobre os papéis do filósofo e do administrador ele falou novamente mais à frente no mesmo panfleto. 9
(SIEYÈS, 2003, p. 160)
 "For as long as the philosopher does not stray beyond the bounds of truth, do not accuse him of going too far. 10
His function is to mark the goal; he has, therefore, to reach it. If he were to dare to raise his standard while still 
on the road, the signal might mislead. The duty of the administrator, on the other hand, is to measure and adjust 
his step according to the nature of the difficulties… If the philosopher has not reached the goal, he does not 
know where he is. If the administrator cannot see the goal, he does not know where he is going." (SIEYÈS, 
2003, p. 93)
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senadores” (HUGO, 2002, p. 126) -, seja por meio de opositores nem um pouco fictícios, 
como Karl Ludwig von Haller: 
Sieyès combina uma rara sagacidade a uma imaginação fértil, com 
lampejos de vivaz inteligência, com precisão terminológica e, acima 
de tudo, com uma linguagem da alma que a maioria dos sofistas de 
sua escola simplesmente não possui. Para ele, teoria é um assunto 
sério. [...] uma vez aceitas suas premissas, sua lógica é vigorosa e 
irresistível. Todas essas qualidades fazem os escritos de Sieyès tão 
perigosos e sedutores, que de certo modo eles tiveram mais efeito e 
fizeram mais mal que quaisquer outros. (HALLER, 1824, p. 72 - 
tradução nossa) 
 A conclusão de Haller segue eloquente, e poderia ter sido dita pelo personagem de 
Victor Hugo: “com talentos pouco usuais, uma habilidade de ver precisamente as coisas e 
uma grande energia intelectual, Sieyès poderia ter feito tanto bem quando fez 
mal” (HALLER, 1824 p. 72). Afinal, para ambos, faltava ao abade uma defesa contundente da 
monarquia. Continuou Haller: “Se ele estivesse disposto a adotar aqueles princípios 
verdadeiros aos quais ele chegou bem perto, ele teria se tornado o mais vigoroso e mais 
eloquente defensor da monarquia”. (HALLER, 1824, p. 76) Uns acusaram Sieyès de não ser 
verdadeiramente monarquista, outros o acusaram de sê-lo. Não é complicado entender por que 
isso ocorreu, visto que Sieyès teve a audácia de tentar combinar, segundo ele, as vantagens 
das eleições com as vantagens da monarquia - sem a hereditariedade. 
 Apesar de apontada como incoerente por muitos contemporâneos (e a mais pública das 
ocasiões foram os debates com o famoso radical e intelectual anglo-americano Tom Paine), 
essa ideia se baseava na concepção de sistema de governo representativo defendida por 
Sieyès. Sua concepção da representação política justificaria a defesa dessa espécie de 
república monárquica ou monarquia constitucional (SIEYÈS, 2003, xxvii e xxviii), na qual a 
nação deveria ter um único representante de si mesma, bem como uma legislatura eleita 
representando seus membros. 
 Sieyès concebia uma teoria da associação humana baseada em um sistema 
representativo duplo, no qual coexistiam as dimensões política e não-política. A manutenção 
do sistema exigia garantir que uma dimensão não substituísse a outra, visto que se uma 
desaparecesse o sistema representativo em si deixaria de existir. Ambas as dimensões tiveram 
origem nas necessidades humanas e nos meios de atendê-las, cujo acesso se colocava como 
um direito fundamental da Humanidade para Sieyès. No artigo primeiro de sua proposta para 
a Declaração dos Direitos do Homem, lida na Assembleia Nacional, o abade escreveu: “O 
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homem recebe da natureza necessidades imperiosas, com meios suficientes para satisfazê-
las”. (SIEYÈS, 1789a, p. 5) 11
 Essas dimensões política e não política eram fundamentalmente distintas, visto que a 
representação relacionada à vida cotidiana era essencialmente plural, enquanto aquela ligada à 
vida política era essencialmente singular. Esta era feita dos meios utilizados para atingir o 
bem comum; aquela, pelos meios que os indivíduos se utilizavam para atender suas 
necessidades individuais. Ambas, no entanto, estavam ligadas ao mesmo sistema e serviam ao 
mesmo propósito. Sieyès chamava de établissement public os indivíduos e as tarefas públicas 
pelas quais eles estavam responsáveis (SIEYÈS, 1789b, p. 44) e o sistema bidimensional 
descrito acima de “établissement representativo baseado na liberdade individual.” (A.N. 284 
AP5 D1 apud SIEYÈS, 2003, p. xvii - tradução nossa). Por conta disso, a coisa pública não 
deveria em hipótese alguma se imiscuir nas atividades individuais e particulares: 
não se deve pensar sobre todo trabalho desenvolvido na 
sociedade como parte do public establishment. Não se deve 
organizá-lo, dirigí-lo ou pagar por ele, como se fosse uma 
função pública; não se deve organizar uma corporação para 
produtores agrícolas e outra para carpinteiros de rodas, 
marceneiros, ferreiros, pedreiros, alfaiates, carroceiros, etc. Esse 
tipo de organização social já não seria o tipo estabelecido para 
proteger e aperfeiçoar a liberdade individual. (AN 284 AP 5 D 1 
apud SIEYÈS, 2003, p. xvii) 12
 Esta forte ênfase na liberdade individual relacionava-se a uma negação, por parte de 
Sieyès, de qualquer similaridade nos mecanismos envolvendo escolhas morais e aqueles 
envolvendo o entendimento do mundo físico. “Cuidado com a influência nas mentes de seus 
representantes, da ideia, demasiadamente disseminada por estudiosos modernos, de que a 
moralidade, assim como a física, pode receber uma fundação baseada na experiência” , 13
alertou Sieyès no Vues (2003, p. 16). Sonenscher, estudioso do autor, comenta a questão da 
liberdade individual em Sieyès ao citar alguns trechos de um manuscrito não publicado: 
 “L’homme reçoit de la nature des befoins impérieux, avec des moyens fuffifans pour y fatisfaire.” (SIEYÈS, 11
1789a, p. 5)
 you should not think of regarding all the work carried out in society as part of the public establishment. You 12
should not arrange it, command it, direct it or pay for it as if it is a public function; you should not organize one 
corporation for agricultural producers and another for wheelwrights, joiners, smiths, masons, tailors, carters, etc. 
That kind of social organization would no longer be the kind of social state that was establishedto protect and 
perfect individual liberty. (AN 284 AP 5 D 1 apud SIEYÈS, 2003, p. xvii)
 “Beware of the influence on your representatives’ minds of the idea, disseminated all-too-widely by modern 13
scholars, that morality, like physics, can be given a foundation based on experience” (SIEYES, 2003, p. 16)
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Indivíduos, Sieyès observou, “para cujo benefícios tudo existe”, 
tiveram de ser relegados a “seus desejos, seus gostos, sua indústria e 
suas aptidões”, pois essas qualidades humanas eram necessariamente 
individualizadas e foram, portanto, o ponto de partida da racionalidade 
individual. Uma vez que nenhum conjunto de leis pode ser “extra-, 
supra- ou ultra-natural”, sociedades políticas tiveram que coexistir 
com o que era simplesmente natural. Apenas “espíritos sistemáticos” 
se lançaram a “unificar" ou “integrar" tudo. (SIEYÈS, 2003, p. xviii) 14
 A importância de preservar a diferença entre os meios singulares e plurais, bem como 
entre as necessidades individuais e coletivas, fica em evidência novamente neste ponto - é por 
conta disso também que Sieyès defende que a representação deve funcionar de duas formas. 
Os meios singulares, para necessidades da coletividade (França), devem ser empregados 
pacificamente e de forma a não interferir nas escolhas não-políticas e plurais, fundadas nas 
liberdades individuais (dos franceses). 
 Aplicar o princípio da maioria ao sistema representativo - em outras palavras, unir um 
sistema puramente democrático à ideia de representação -, levaria ao que Sieyès considerava 
um caos de contradições. O fato de o caminho eleitoral ser o único disponível desaguaria em 
uma situação peculiar: tanto a nação - o singular - quanto seus indivíduos - o plural - teriam o 
mesmo conjunto de representantes, cuja escolha teria procedido de maneira semelhante e sem 
aparatos institucionais diferenciados em seus processos. Para Sieyès esse resultado seria uma 
aberração. Apesar de ser uma associação de muitos membros, a nação era apenas uma. Os 
representantes da nação deveriam cuidar apenas dos interesses comuns da nação, e não dos 
variáveis e plurais interesses dos indivíduos, que deveriam ter seus próprios representantes, 
escolhidos especificamente para esta função. 
 Neste sentido, a sugestão teórica de Sieyès implicava existência daquele já comentado 
sistema monárquico constitucional. Seria um único sistema de representação política 
desenhado para produzir os dois tipos de representantes. Poliarquia, e não república, para 
Sieyès, seria o oposto de monarquia. República não se referia a qualquer tipo particular de 
governo e, em conjunto com as vantagens de um governo monárquico, serviria perfeitamente 
para seu sistema representativo: “Parece-me que une todas as vantagens atribuídas à 
hereditariedade, sem quaisquer de seus inconvenientes; e todas as vantagens de eleições, sem 
 Individuals, Sieyès noted, “for whose benefit everything exists,” had to be left to “their desires, their tastes, 14
their industry, and their aptitudes” because these human qualities were necessarily individuated and were, 
therefore, the starting points of individual rationality. Since no set of laws could be “extra- or supra- or ultra-
natural,” political society had to coexist with what was simply natural. Only “systematic spirits” set out to 
“unify” or “integrate” everything. (SIEYÈS, 2003, p. xviii)
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seus perigos.” (SIEYÈS, 2003, p. 170) Sieyès chegou, inclusive, a traçar um esboço de 15
como seriam os conjuntos institucionais necessários, bem como o arcabouço constitucional 
para que esse sistema representativo funcionasse. A peculiaridade de suas concepções 
constitucionais teve consequências práticas, quando o abade chegou a recusar participar da 
Comissão dos Onze, que havia sido indicada pela Assembleia Nacional para apresentar um 
rascunho constitucional. (THIERS, 1838b, p. 263) O historiador, primeiro ministro e 
presidente da república francesa, Louis Adolphe Thiers, em tradução para o inglês de sua obra 
em cinco volumes sobre a história da Revolução Francesa, comentou: 
Constituições foram objeto das reflexões de toda a sua vida. 
Elas eram sua vocação particular. Ele tinha uma pronta em sua 
cabeça, e não seu estilo sacrificá-la. Foi então que a propôs, 
paralelamente à comissão. A Assembleia, por respeito à sua 
genialidade, consentiu em ouvir, mas não a adotou. (THIERS, 
1838b, p. 263) 16
 Apesar da importância de sua obra e de sua atuação como um todo, o trabalho de 
Sieyès que causou maior repercussão e, indubitavelmente, “deu um poderoso impulso para a 
opinião pública” (THIERS, 1838a, p. 15 - tradução nossa), foi o panfleto publicado três meses 
antes da primeira reunião dos Estados-Gerais. “O que é o Terceiro Estado?”, perguntou e 
respondeu o abade: “Tudo”. E continuou: “Que tem sido até agora na ordem política? Nada.” 
Terminou sua célebre formulação em nome do Terceiro Estado, com uma demanda, de certa 
forma, humilde: “Que deseja? Vir a ser alguma coisa.” (SIEYÈS, 1822, p. 57 e 58) 
 Ao pedir alguma coisa e argumentar de forma genial nesse conjunto de panfletos - e 
concordam sobre isso tanto seus defensores quanto seus opositores -, Sieyès, além de inflamar 
a opinião pública, garantiu as bases teóricas da soberania da Assembleia Nacional em seu 
caráter constituinte (MIGNET, 1856, p. 42). Seu conceito de representação estava na base da 
justificativa de legitimidade do Terceiro Estado em assumir a feitura da nova constituição da 
nação francesa. Na abertura dos trabalhos da Assembleia Nacional, assim resumiu Sieyès a 
legitimação dos trabalhos daquele corpo ora reunido: 
The assembly [...] ascertains that it is already composed of 
representatives sent directly by 96%, at least, of the nation. Such a 
 “It appears to me to unite all the advantages attributed to hereditary, without any of its inconveniences; and all 15
the advantages of election, without its dangers.” (SIEYÈS, 2003, p. 170)
 Constitutions were the object of the reflections of his whole life. They were his particular vocation. He had 16
one ready made in his head, and he was not a man to sacrifice it. He came therefore to propose it apart from the 
comission. The Assembly, out of respect for his genius, consented to listen, but did not adopt it.
- ! -10
mass of deputation could not remain inactive on account of the 
deputies of certain baillages, or of certain classes of citizens; [...] 
The assembly therefore declares that the general labour of the national 
restoration can and ought to be begun by the deputies present [...] 
The denomination of National Assembly is the only one suitable to the 
assembly in the present state of things, as well because the members 
who compose it are the only representatives legitimately and publicly 
known and verified , as because they are sent by nearly the whole of 17
the nation; [...] 
The assembly will never relinquish the hope of collecting in its bosom 
all the deputies that are now absent; it will not cease to call them to 
fulfil [...] the series of important labours which are to accomplish the 
regeneration of France. (THIERS, 1838a, p. 35) 
 Se o Terceiro Estado era toda a nação, não uma mera ordem, aqueles que solicitavam 
status privilegiado fora de sua composição, de um momento para outro viram-se em uma 
complicada situação socio-política: não pertencer ao Terceiro Estado era como confessar o 
parasitismo que Sieyès havia identificado e apontado em seu panfleto. (SCHAMA, 1989, p. 
304 e 305) “Ao fim”, argumenta o abade no último parágrafo de O que é o Terceiro Estado?, 
“não vale a pena perguntar que tipo de lugar deve haver para as classes privilegiadas na 
ordem social. Seria como perguntar que tipo de lugar deve haver para um tumor maligno no 
corpo de alguém que está doente, enquantoele devora e arruína sua saúde.” As palavras são 
fortes, inflamadas, incisivas e, no contexto revolucionário que se colocam, geniais: “Ele deve 
simplesmente ser neutralizado. É essencial restaurar cada órgão à saúde e atividade, para que 
qualquer combinação maligna, capaz de destruir os mais essenciais princípios da vida, não 
possa mais ocorrer”. (SIEYÈS, 2003, p. 162 - tradução nossa) 
 A sinceridade de Sieyès faz-se presente também em diversos momentos nos quais ele 
ressalta que seria “um grave erro de compreensão da natureza humana, confiar o destino da 
sociedades aos esforços da virtude” (SIEYÈS, 2003, p. 154 - tradução nossa). Por isso o 
desenho constitucional importava para Sieyès, bem como o aparato institucional por ele 
formulado em torno da representação política. Para ele, a superioridade do sistema 
representativo estava não tanto no fato produzir “decisões menos parciais e menos 
apaixonadas”, embora isso também seja claro nos filtros criados em sua proposta 
constitucional, mas principalmente “no fato de constituir a forma de governo mais apropriada 
 Enquanto Sieyès chamava esse corpo reunido para trabalhar na “regeneração da França” de “known and 17
verifiable representatives”, Mounier havia sido ainda “more cautious, proposing ‘the major part of the 
representation, convened in the absence of the minor part.’ Mirabeau, typically, had attempted to cut through 
these abysmally cumbersome nomenclatures by suggesting ‘Representatives of the People’, a proposal criticized 
for its excessively plebeian connotations! Before the end of the proceedings at ten that night, the meeting had 
decided by a large majority to call itself ‘National Assembly’.” (SCHAMA, 1989, p. 356)
- ! -11
para a condição de moderna ‘sociedade comercial’, na qual indivíduos estão primordialmente 
ocupados na economia da produção e troca.” (MANIN, 1997, p. 3 - tradução nossa) 
 Com a complexificação na sociedade e no mundo do trabalho, com os membros da 
associação cada vez mais numerosos e dispersos, incapazes de exercerem por si mesmos a 
vontade geral, há, conforme argumenta Sieyès no panfleto O Que é o Terceiro Estado?, a 
ocorrência de dois procedimentos em relação à coisa pública. Primeiro, há um destacamento 
de tudo que é necessário para manutenção e provimento das decisões públicas por parte dos 
membros da associação, que, a seguir, confiam essa porção da vontade comum a um grupo 
específico de membros. A comunidade, alerta Sieyès, não abre mão, em momento algum, de 
seu direito sobre a vontade: este é um direito inalienável. A comunidade confia o exercício 
desse direito a outras pessoas. Mais: o corpo de delegados não usufrui de completo exercício 
do poder da comunidade. Apenas a porção de poder estritamente necessária para manutenção 
da boa ordem é delegada a esse corpo representativo - e nada mais. Por último: não pode esse 
corpo de representantes alterar os limites do poder que lhe fora delegado. Sieyès chama essa 
etapa em que se encontrava a sociedade francesa de “governo por procuração”. (SIEYÈS, 
2003, p. 134 e 135) 
 Para o abade, no entanto, a representação política não é uma consequência do aumento 
numérico ou da complexificação social - e é bem claro na argumentação já esboçada acima a 
respeito de a associação acontecer por meio da representação e não de a representação surgir 
enquanto fenômeno após uma associação preexistente. Conforme Manin, “para Sieyès, bem 
como para Madison, o governo representativo não era um tipo de democracia; ele era não 
apenas essencialmente diferente, como além disso, uma forma preferível de governo.” (1997, 
p. 3 - tradução nossa) Sim, o aumento numérico, conforme ponderou o próprio Sieyès, é 
relevante na discussão sobre representação. Mas o ponto permanece: “a impossibilidade 
prática de reunir toda a população não foi a principal consideração a motivar tais fundadores 
das instituições representativas, como Madison ou Sieyès.” (MANIN, 1997, p. 9 - tradução 
nossa). 
 Comentando sobre o progresso social, Sieyès percorre uma argumentação que se faz 
presente tanto no Vues quanto no Qu'est-ce que le Tiers État?, cuja relevância para as 
discussões sobre representação continua cristilina: “Quanto mais progride a sociedade nas 
artes do comércio e da produção”, argumenta no Vues, “mais claro se torna que o trabalho 
- ! -12
relacionado às funções públicas deve, como os trabalhos particulares, ser executado menos 
penosamente e mais eficientemente por homens que fazem dele sua única 
ocupação.” (SIEYÈS, 2003, p. 48 - tradução nossa) De maneira ainda mais clara resumiu o 
abade este ponto em um relatório para a Assembleia Nacional: “The common interest, the 
improvement of the state of society itself cries out for us to make Government a special 
profession”. (SIEYÈS, 1789, p. 35 apud MANIN, 1997, p. 3) 
 Sieyès se orgulhou bastante dessa ideia, chegando inclusive a ressaltar que havia 
pensado sobre isso em 1770, antes, portanto, da famosa obra de Adam Smith An Inquiry into 
the nature and causes of the wealth of nations, publicada em 1776. (SIEYÈS, 2003, p. xxix) 
Para o abade, nem a nação como um corpo nem cada cidadão individualmente produzia tudo 
necessário para atender às necessidades comuns e individuais. Dessa forma, todo o trabalho 
em uma sociedade era representativo. Sonenscher resume, utilizando-se de uma metáfora 
empregada pelo próprio Sieyès: “O indivíduo que confeccionou os sapatos usados pela rica e 
delicada madame na mais luxuosa das cidades, foi seu representante praticamente da mesma 
forma que o indivíduo que fez suas leis”. (SIEYÈS, 2003, p. xxix - tradução nossa) 
 O projeto constitucional de Sieyès baseava-se portanto nessa concepção ampla de 
representação, que carregava duas funções primordiais. De um lado, “servia de ponte entre as 
funções políticas de uma nação, seu governo e as diversificadas atividades não-políticas de 
seus membros”; de outro, funcionava como “uma proteção separando o político do não 
político, para que a força do estado pudesse ser mantida sob a rédea dos cidadãos”. (SIEYÈS, 
2003, p. xxx - tradução nossa). 
 Na representação, a plenitude do poder não pode ser exercida em lugar algum, 18
fazendo-se primordial para um governo representativo uma constituição que mantenha e 
organize o uso da porção do poder delegado aos representantes pela nação. (SIEYÈS, 2003, p. 
xxi) Para Siyès, conforme resumiu Sonenscher, a nação seria como uma espécie no sentido 
zoológico, 
seus membros individuais poderiam viver ou morrer, mas como uma 
“espécie civil”, a nação poderia viver indefinidamente. Mas para tal, 
precisava de um sistema de governo capaz de responder a mudanças e, 
ao fazer isso, de manter sua habilidade de permanecer o que era. 
(SIEYÈS, 2003, p. xxii - tradução nossa) 
 A representação não se restringia aos cargos legislativos, mas extendia-se a todas as funções governamentais.18
- ! -13
 A forma como Sieyès concebia a representação e sua ideia de nação garantia que a 
constituição deveria ser pensada de modo a manter o bem comum e a liberdade individual de 
todos os cidadãos em todas as épocas. A “espécie civil” poderia se modificar ao longo do 
tempo, assumindo pendores ou características sequer imaginadas no momento em que se 
reunira o poder constituinte delegado pela nação. Essa mudança, entretanto, não seria um 
problema, visto que tanto essa espécie quanto suas constantes modificações seriam refletidas 
nos representantes eleitos para o gerenciamento da vontade comum. Paralelamente, a outra 
porção das necessidades humanas continuaria garantida pela via do respeito à liberdade 
individual. 
 Em sua proposta constitucional para o ano VIII, que seria substancialmente 
modificada por Napoleão Bonaparte (MIGNET, 1826,p. 432), Sieyès forneceu os detalhes 
sobre o funcionamento do seu sistema representativo. Era uma solução bastante elaborada, 
concebida para dar conta da representação tanto da nação quanto dos indivíduos. Fraçois 
Mignet, jornalista e historiador francês, dizia ter pouca fé na eficácia de constituições, mas 
admitiu “que se alguma vez uma constitução foi adaptada à sua época, foi aquela de Sieyès 
para a França no ano 8.” (MIGNET, 1826, p. 435 - tradução nossa) Por conta disso, entender, 
mesmo que de forma resumida , o desenho da Constituição do Ano VIII em sua forma 19
original, significa entender a aplicação do princípio da representatividade conforme 
concebido pelo abade; significa uma oportunidade fundamental para compreender como ele 
elaborou uma constituição que, ao mesmo tempo em que dava conta de amparar o 
“établissement representativo baseado na liberdade individual”, permitia a dupla 
representação do plural e do singular, da nação e de seus membros. 
 A relação entre constituição e representação era tão íntima que ele chegou a apontar 
que toda constituição social que não tivesse a representação em sua essência era uma falsa 
constituição - e, ao mesmo tempo, que nem toda representação era republicana. (SIEYÈS, 
2003, p. xxvii) Tudo dependia de como o governo era escolhido. Para Sieyès existiam duas 
formas básicas: de cima para baixo e de baixo para cima. Esta última, na qual os cidadãos 
 Há muitos trabalhos sobre a teoria constitucional de Sieyès. Para análises sobre este ponto específico, 19
consultar, entre outros: Boulay de la Meurthe, Théorie constitutionnelle de Sieyès (1836); Pasquale Pasquino, 
Sieyès et l’invention de la constitution en France (1998); Keith Baker, no livro organizado por Gary Kates, The 
French Revolution: recent debates and new controversies (2006), p. 68; La continuité constitutionnelle en 
France de 1789 à 1989 (1990); Paul Bastid, Sieyès et sa pensée (1970) e L'influence de la théorie d'Emmanuel 
Sieyès sur les origines de la représentation en droit public, tese de doutoramento apresentada por Colette 
Clavreul em Paris I, em 1982, e citada por Guilhaumou (1997, p. 6).
- ! -14
escolhem os ocupantes eleitoralmente, é bem mais disseminada nos sistemas contemporâneos 
do que aquela primeira, em que os cargos são preenchidos por indicação a partir de uma lista 
de elegíveis. Sieyès propôs um sistema que conjugasse ambas as formas; que caminhasse 
tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima em intervalos periódicos. 
 O rascunho da Constituição do Ano VIII fora realizado por Sieyès em reuniões com 
um dos membros da Comissão dos Quinhentos, Antoine Boulay de la Meurthe, que o 
secretariou e colaborou posteriormente na publicização do pensamento constitucional do 
abade. (DE LA MEURTHE Fran., 1868, p. 110) Impresso em pouquíssimos exemplares por 
Boulay de la Meurthe em 1836, Théorie constitutionnelle de Sieyès é um dos poucos registros 
fidedignos em relação à colaboração do abade para a Constituição do Ano VIII. Além deste 
trabalho, destaca-se uma inusitada tabela anexada a algumas edições de Histoire de la 
Révolution française (MIGNET, 1841, p. 452 e 453). Embora tratando da Constituição do 
Ano III, dois discursos proferidos em 1795 na Convenção Nacional, pelo próprio abade, e 
publicados no Moniteur Universel (SIEYÈS, 1862) do mesmo ano, somam-se à lista dos 
materiais disponíveis sobre o pensamento constitucional de Sieyès. 
 Conquanto tenham ocorrido diversas modificações entre a proposta original e a 
adoção final da Constituição do Ano VIII, é possível traçar com um razoável grau de 
confiabilidade, as principais ideias do sistema planejado por Sieyès. Compunham o esboço 
constitucional tanto o poder legislativo quanto o executivo. Um ponto c“ave para compor 20
ambos os poderes era a nova divisão territorial francesa, que levara em conta uma proposta de 
Sieyès (2003, p. xxx) e adicionara os departamentos à divisão administrativa mais local (os 
arrondissement communaux) e àquela nacional (todo o território). Cada divisão possuía seus 
cargos administrativos e judiciários, organizados hierarquicamente. Para prencher quaisquer 
das funções públicas, seja na comuna, no departamento ou nacionalmente, existiam três Listes 
de Notabilité: entrar na lista de notáveis de um nível exigia ter feito parte da lista no nível 
anterior. (SIEYÈS, 2003, p. xxx; MIGNET, 1841, p. 390) 
 O poder executivo tinha em seu ápice a figura do Grand-électeur (DE LA MEURTHE 
Ant., 1836), um cargo sem responsabilidades administrativas, vitalício, que possuía a 
incumbência de indicar dois Consuls (um para os assuntos internos, outro para os externos). 
 Boulay de la Meurthe chegou a comentar sobre a ausência do judiciário no projeto de Sieyès: “É 20
surpreendente também que não haja nada relativo à ordem judiciária; mas sobre tal ponto importante, Sieyès 
referia-se ao trabalho que havia proposto à Assembleia constituinte, como prévia de uma nova organização da 
justiça e da polícia na França.” (1836, p. 41)
- ! -15
Os cônsuls, por sua vez, escolhiam 14 ministros de estado, que reunidos formavam o 
Conselho de Ministros (SIEYÈS, 2003, p. xxxii). Individualmente, os ministros eram 
responsáveis por assuntos de governo; unidos no Conselho, podiam propor leis para a 
Assembleia Legislativa. Todos esses cargos eram preenchidos apenas por nomes que 
chegavam à lista nacional. 
 O poder legislativo era composto de dois corpos distintos: Assembleia Legislativa e 
Tribunato. O primeiro era composto de 400 integrantes, que não deliberavam, não debatiam o 
conteúdo de leis e não as propunham; sua função era aceitar ou rejeitar as leis propostas e 
defendidas no plenário pelo Conselho de Ministros ou pelo Tribunato. O segundo corpo 
(Tribunat), composto por 120 membros, recebia petições e propunha leis, mas não as votava. 
Anualmente, 25% dos membros dos dois corpos legislativos eram substituídos, e não 
poderiam ser reeleitos por dois anos. Da mesma forma que no caso do poder executivo, os 
nomes desses cargos deviam sair das listas de notáveis. (SIEYÈS, 2003, p. xxxii) 
 O objetivo de Sieyès era que houvesse três sucessivos processos de purificação 
(épurations) do conjunto das opções de notáveis. O filósofo político húngaro József Eötvös 
entendia esse sistema de Sieyès como um processo pelo qual “todo o povo da França seria 
sublimado através destilações sucessivas, até que, finalmente, se tornasse um único ‘Grande 
Eleitor’.” (EÖTVÖS, 1992, p. 251 e 252. apud SIEYÈS, 2003, p. xxxii - tradução nossa) 
 Ainda existia um último componente nesse grande filtro. Sieyès o considerava 
separado dos outros dois poderes, visto que seu objetivo principal era manter a constituição, 
em sua pureza, trabalhando para dirimir as dificuldades na sua implantação e os conflitos de 
jurisdição. Para o abade, esse corpo “não é nada na ordem executiva, nada no governo, nada 
dentro da ordem legislativa. Ele é, porque é preciso que o seja, porque é necessário haver uma 
magistratura constitucional”. (DE LA MEURTHE Ant., 1836, p. 32) Esse corpo, 21
denominado Collège de Conservateurs, era composto de 100 membros vitalícios, que tinham 
poder de rever e se necessário vetar leis aprovadas. Era entre eles, também, que surgia o 
Grand-électeur quando necessário. (SIEYÈS, 2003, p. xxxii). O Collège de Conservateurs 
apareceu também no debate constitucional de 1795, embora carregando àquela época o nome 
 “n’est rien dans l’ordre exécutif, rien dans le gouvernement, rien dans l’ordre législatif. Il es, parce qu’il faut 21
qu’il soit, parce qu‘il faut une magistrature constitutionnelle”. (DE LA MEURTHE Ant., 1836, p. 32)
- ! -16
de Jury Constitutionnaire e com diferenças relativas substanciais . (DE LA MEURTHE Ant., 22
1836, p.32 e 33; SIEYÈS, 1862, p. 291-297 e 442-452.) 
 Sieyès, conforme relatado por Boulay de la Meurthe, sumarizou em poucas linhas a 
relação de seu projeto constitucional e seu sistema representativo: 
A garantia da ordem social está no estabelecimento público; a garantia 
da liberdade civil está na real divisão dos poderes; a garantia destes 
poderes diante dos outros está no colégio de conservadores, 
magistratura suprema e necessária para a manutenção da constituição. 
(DE LA MEURTHE Ant., 1836, p. 41) 23
 Muito aconteceu entre a recomendação de Louis Legendre - de que os franceses, na 
ausência de pão e de brioches, se alimentassem de aristocratas - e o 18 Brumário. Os 
aristocratas, por sinal, voltavam a ocupar espaços na cena política francesa desde a 
Constituição do Ano III e viram em Napoleão um grande aliado. Entretanto, nem Napoleão 24
ficou o quanto desejava no poder, nem Legendre - que era açougueiro antes da Revolução - 
tivera atendido o desejo de que esquartejassem Luís XVI em 84 partes e enviassem uma para 
cada departamento francês (LE BAS, 1843, p. 139). Da mesma forma, Sieyès nunca chegou a 
ver seu projeto constitucional aplicado, apesar da enorme frequência com que a França trocou 
de constituição neste período (1791, 1793, 1795 e 1799). Em um de seus últimos trabalhos, já 
exilado na França, o escritor irlandês Oscar Wilde (1899, p. 15 - tradução nossa) descreve 
uma conversa entre Jack Worthing e Algernon. “Essa, querido Algy, é toda a verdade, pura e 
simples”, diz o Sr. Worthing, para logo depois ouvir um pensativo Algernon em um tiro 
certeiro: “A verdade raras vezes é pura e nunca é simples.” 
 Não fica claro durante as constantes discussões constitucionais de Sieyès a perpassarem a última década do 22
século XVIII de que forma o Collège de Conservateurs teria seus integrantes selecionados pela primeira vez. 
Boulay de la Meurthe comenta essa questão: “Uma reflexão imprescindível, é a de que, anteriormente, nada foi 
dito sobre a maneira como a primeira formação do colégio de conservadores deveria ocorrer. É claro que uma 
primeira escolha extraordinária era necessária, e que foi feita por um homem somente, considerado como 
legislador constituinte, ou por vários eleitores com a missão específica para este fim. Mas tal estado das coisas 
não haveria certamente escapado a Sieyès, e indubitavelmente que havia reservado um meio de o 
conceder.” (1836, p. 42) No entanto, a renovação natural do Collège, já em funcionamento, se daria de maneira 
simples: os próprios integrantes escolheriam o novo membro vitalício, a partir da lista de notáveis de âmbito 
nacional. (PARISET, 1906, p. 315)
 La garantie de l’ordre social est dans l’établissement public; la garantie de la liberté civile est dans la véritable 23
division des pouvoirs; la garantie des ces pouvoius les uns à l’égard des autres est dans le collège des 
conservateurs, magistrature suprême et nécessaire pour le maintien de la constitution. (DE LA MEURTHE Ant., 
1836, p. 41)
 Para uma lista compreensiva dos títulos de nobresa criados no Primeiro Empério Napoleônico, que vão de 24
Reis a Duques e Príncipes: http://www.heraldica.org/topics/france/napoleon.htm
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