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Tendência à Atualização_EFreire

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A TENDÊNCIA À ATUALIZAÇÃO: 
Uma revisão da literatura 
 
Elizabeth Freire 
1. A psicoterapia centrada na pessoa 
 
A psicoterapia centrada na pessoa
1
, desenvolvida pelo psicólogo americano Carl 
Rogers, apoia-se fundamentalmente no pressuposto da tendência à atualização. O terapeuta 
centrado na pessoa confia na tendência do indivíduo para crescer, desenvolver-se e 
atualizar-se, e sua única função é criar um clima interpessoal que promova a liberação desta 
tendência (Bozarth, 1998; Bozarth & Brodley, 1991). Rogers (1959) afirma que a 
psicoterapia centrada na pessoa consiste na liberação de uma capacidade já existente num 
indivíduo potencialmente competente e não na manipulação por um expert de uma 
personalidade mais ou menos passiva: 
 
“A hipótese central da abordagem centrada na pessoa é a de que o 
indivíduo possui dentro de si mesmo vastos recursos para a auto-
compreensão e para alterar o seu auto-conceito, suas atitudes 
básicas e seu comportamento auto-dirigido, e estes recursos podem 
ser liberados se um clima definido de atitudes psicológicas 
facilitadoras puder ser oferecido” (Rogers, 1980, p.115). 
 
2. As origens da psicoterapia centrada na pessoa 
Carl Rogers iniciou seu trabalho como psicólogo em 1928, no Rochester Society 
for the Prevention of Cruelty to Children, uma instituição pública que atendia crianças 
sem recursos e suas famílias, encaminhadas pelos tribunais ou pelo serviço social do 
Estado. Nessa instituição, Rogers trabalhou durante doze anos com psicoterapia, 
psicodiagnóstico e orientação familiar. Devido ao seu espírito muito pragmático e crítico, 
 
1
 Também chamada de “Terapia Centrada no Cliente”. 
 
 
2 
 
Rogers constantemente se questionava se o que ele fazia estava realmente ajudando 
aquelas crianças e suas famílias. Em conseqüência desse intenso questionamento, ele foi 
desenvolvendo uma abordagem em psicoterapia distinta da que lhe havia sido ensinada 
em sua formação, basicamente psicanalítica. 
Em 1940, a Universidade de Ohio contratou-o para ser professor-residente e 
supervisor de psicólogos em formação clínica. Como supervisor clínico, Rogers 
introduziu a inovadora metodologia de gravação das sessões terapêuticas. Ele foi o 
primeiro psicoterapeuta a fazer gravações sonoras de sessões de terapia e a torná-las 
disponíveis para a comunidade profissional (Bozarth, 1998). A aparelhagem utilizada 
naquela época envolvia enormes gravadores de rolo e discos de vidro que precisavam ser 
instalados numa sala anexa à sala de atendimento. Com esta atitude pioneira, Rogers 
contribuiu para a desmistificação da psicoterapia, atravessando o labirinto de mistério que 
rodeava o trabalho dos psicoterapeutas em geral (Raskin, 1948). 
Como resultado desta intensa experiência clínica e de pesquisa, Rogers (1946) 
descobriu que no interior do indivíduo residiam forças construtivas que, até então, eram 
subestimadas e cujo poder não era reconhecido pelos psiquiatras e psicanalistas de sua 
época. Rogers constatou que quando havia uma atmosfera de aceitação e liberdade na 
relação terapêutica, livre de orientações, críticas ou aprovações, o cliente era capaz de 
reconhecer e expressar aspectos “ocultos” do seu eu, incluindo as suas facetas mais 
negativas. Após reconhecer e expressar estas facetas negativas, o cliente, invariavelmente, 
descobria dentro de si impulsos e características extremamente positivas, saudáveis e 
maduras. O cliente era capaz de reorganizar suas atitudes e redirecionar seu 
comportamento numa direção construtiva e esta expressão dos impulsos positivos que 
promovem a maturidade era um dos aspectos mais certos e previsíveis do processo 
terapêutico. 
O que mais impressionou Rogers, nesta descoberta, foi o fato do processo de 
crescimento ocorrer sem o terapeuta guiar ou conduzir o cliente, isto é, quando o terapeuta 
tinha, no relacionamento com o cliente, uma função apenas “catalizadora”. Esta função que 
Rogers qualificou de “catalizadora” consistia em criar uma atmosfera calorosa e 
permissiva na qual o indivíduo fosse livre para expressar qualquer atitude e sentimento, por 
mais anticonvencional, absurdo ou contraditório que pudesse ser, e na qual o terapeuta 
 
 
3 
 
utilizasse somente procedimentos e técnicas que transmitissem sua compreensão e 
aceitação profunda das atitudes expressas pelo cliente. 
Essa impressionante capacidade do indivíduo para descobrir e perceber, 
espontaneamente, as inter-relações entre suas próprias atitudes e seu relacionamento com a 
realidade e para reorganizar suas atitudes e comportamentos na direção de uma maior 
maturidade, sem ser guiado por fatores externos nem determinado por elementos prévios 
de sua experiência, só pode ser adequadamente explicada, segundo Rogers (1946), se for 
admitida a presença de uma força espontânea dentro do organismo que tem a capacidade 
de integração e redirecionamento. Diz Rogers (1986a): 
 
 “Na terapia centrada no cliente, a pessoa é livre para escolher 
qualquer direção, mas, na realidade, ela seleciona caminhos 
positivos e construtivos. Eu só posso explicar isto em termos de 
uma tendência direcional inerente ao organismo humano – uma 
tendência para crescer, se desenvolver e realizar plenamente seu 
potencial” ( p.127). 
 
Esta tendência foi denominada, a partir da década de 50, de tendência à atualização 
(actualizing tendency) tornando-se o postulado fundamental da abordagem centrada na 
pessoa. 
 
3. A tendência à atualização 
“The human organism is active, actualizing, and directional. This 
is the basis for all of my thinking” Rogers 
 
3.1. Definição 
 O conceito de tendência à atualização é o constructo fundamental da teoria da 
personalidade de Carl Rogers (Bozarth, 1998; Bozarth & Brodley, 1991; Brodley, 1999). 
Rogers definiu-o como “a tendência inerente ao organismo para desenvolver todas as suas 
capacidades em direções que sirvam para manter ou aperfeiçoar o organismo” (Rogers, 
1959, p. 196). A atualização, na teoria da personalidade de Rogers, é a única e básica 
 
 
4 
 
motivação do ser humano, ou o substrato de toda motivação (Rogers, 1963). A tendência à 
atualização está presente em todo organismo vivo e, no ser humano, se manifesta como 
um fluxo direcional no sentido de um desenvolvimento mais completo e complexo: “Existe 
uma fonte central de energia no organismo humano ... talvez isto seja melhor 
conceitualizado como uma tendência na direção da satisfação, da realização, da 
manutenção e aperfeiçoamento do organismo” (Rogers, 1980, p.123). 
 
3.2. Características da tendência à atualização 
 Brodley (1999), ao analisar o conceito da tendência à atualização no contexto da 
teoria da personalidade de Rogers, distinguiu as seguintes características neste constructo: 
 
 Individual e universal 
A tendência à atualização é ao mesmo tempo individual e universal (Rogers, 1980). 
A expressão desta tendência é sempre única para cada indivíduo, ao mesmo tempo, em que 
é a tendência motivadora de todos os organismos. 
 
 Ubíqua e constante 
A tendência à atualização é ubíqua e constante (Rogers, 1963; Rogers & Sanford, 
1984). É a motivação para todas as atividades, para todos os comportamentos, em todos os 
níveis de funcionamento do indivíduo, em todas as circunstâncias. A tendência à 
atualização opera tanto sob circunstâncias favoráveis quanto desfavoráveis para manter e 
enriquecer o indivíduo. É intrínseca às respostas do indivíduo aos estímulos e à 
manutenção de sua integridade. É a energia e direção de cada momento da vida da pessoa. 
Se a pessoa está viva, então a tendência à atualização estáoperando: “Isto é a verdadeira 
natureza do processo que chamamos vida. Esta tendência é operativa a todo momento, em 
todas os organismos. Na verdade, é somente a presença ou ausência deste processo 
direcional total que nos permite dizer se um determinado organismo está vivo ou morto” 
(Rogers, 1977, p. 239). 
 
 
 
 
5 
 
 Processo direcional 
A tendência à atualização possui uma direção construtiva. É, portanto, um processo 
seletivo, pois não envolve o desenvolvimento de todas as potencialidades do organismo, 
como por exemplo, a capacidade para sentir náusea, ou a capacidade para a auto-
destruição, mas somente das potencialidades que promovem a integridade, a preservação e 
o desenvolvimento do indivíduo. 
 
 Autonomia 
 A tendência à atualização opera na direção da autonomia e no sentido contrário à 
heteronomia (Rogers, 1963). “A pessoa se move inerentemente na direção da auto-
regulação e auto-determinação” (Brodley, 1999, p. 111). 
 
 Atualização do eu 
 A “atualização do eu” (self-actualization), na teoria da personalidade de Rogers de 
1959
1
, é definida como a expressão da tendência à atualização na porção da experiência do 
organismo que é simbolizada como “eu”. A tendência à “atualização do eu” é, portanto, 
um “sub-sistema” da tendência geral à atualização do organismo, constituindo um “sub-
aspecto” da motivação (Rogers, 1959). “A atualização do eu se refere a uma ramificação 
da tendência à atualização que ocorre com o desenvolvimento do eu, com parte desta 
tendência dedicando-se à atualização da estrutura do eu” (Ford, 1991, p.104). A teoria do 
sub-sistema do “eu” explica porquê muitos comportamentos do indivíduo parecem 
contradizer a direcionalidade construtiva da tendência à atualização (ver tópico 3.3. “A 
cisão na tendência à atualização”) . 
 
 Natureza pró-social do ser humano 
 O comportamento social construtivo é uma direção básica da tendência à 
atualização (Rogers, 1982). Os aspectos pró-sociais da tendência à atualização, segundo 
 
1
 Ford (1991) demonstra que Rogers modificou o significado teórico do conceito de “atualização do eu” no 
seu “magnum opus” A Theory of Therapy, Personality, and Interpersonal Relationships, as Developed in the 
Client-Centered Framework publicado em 1959. Em escritos anteriores, Rogers não diferenciava o conceito 
de tendência à atualização do conceito de tendência à atualização do eu, estes eram utilizados indistintamente, 
como tendo o mesmo significado. “There is evidence that a number of psychologists, even scholars and critics 
 
 
6 
 
Brodley (1999) são: capacidade para identificação que leva a sentimentos de simpatia por 
outras pessoas, capacidade para empatia, tendência para afiliação, vinculação, 
comunicação, cooperação e colaboração social, capacidade para formação de regras morais 
e éticas e a tendência para se esforçar para viver de acordo com estas regras. Contudo, 
Brodley observa que, devido à complexidade da natureza social humana, a expressão desta 
tendência pró-social é inevitavelmente influenciada por contextos sociais e culturais. 
 Rogers (1958) afirma que o ser humano, quando livre da defensividade, revela uma 
natureza socialmente construtiva: 
 
“[o homem], quando você o conhece profundamente, em seus 
piores e mais perturbados estados, não é mal nem demoníaco... Não 
precisamos perguntar quem irá socializá-lo, porque uma de suas 
necessidades mais profundas é a de afiliação e comunicação com 
outros. Quando somos capazes de libertar o indivíduo da 
defensividade, de forma que esteja aberto à larga extensão de suas 
próprias necessidades, bem como à larga extensão das demandas 
sociais e ambientais, pode-se confiar que suas reações serão 
positivas, dirigidas para a frente, construtivas” (p.28). 
 
3.3. A cisão na tendência à atualização 
A tendência à atualização, segundo Rogers (1959), promove a atualização do 
organismo como um todo, mas à medida em que o eu se desenvolve, um sub-sistema da 
tendência à atualização também se desenvolve no sentido da atualização do eu. Entretanto, 
o “eu”, ou a “estrutura do eu” (também chamada de auto-conceito), pode se desenvolver 
num estado de incongruência em relação às experiências do organismo. A incongruência 
desenvolve-se devido à necessidade da criança de receber consideração positiva das 
pessoas significativas (significant others). A criança tende a valorar sua experiência não 
pelo grau em que a experiência mantém ou desenvolve o seu organismo, mas pela 
probabilidade de receber a consideração positiva das pessoas significativas. Desta forma, a 
 
of Rogerian theory, are unclear regarding the accurate meaning and implication of self-actualization in 
contemporary person-centered theory (p.101) 
 
 
7 
 
estrutura do eu se desenvolve de acordo com os valores introjetados das pessoas 
significativas, e não mais de acordo com o seu processo de valoração organísmico 
(organismic valuing process), conforme salienta Rogers (1959): 
 
“Quando uma experiência do eu é evitada (ou buscada) unicamente 
porque é menos (ou mais) digna de consideração do eu, diz-se que 
o indivíduo adquiriu uma condição de valor... isto significa que 
alguns comportamentos, que são considerados positivamente, não 
são experienciados pelo organismo como realmente satisfatórios. 
Outros comportamentos, que são considerados negativamente, não 
são experenciados como realmente insatisfatórios” (pp. 224-225). 
 
Conseqüentemente, quando as percepções do eu (ou estrutura do eu) tornam-se 
incongruentes com a experiência do organismo devido à introjeção de “condições de 
valor”, o sub-sistema da tendência à atualização do eu pode tomar uma direção antagônica 
à direção da tendência à atualização do organismo (Rogers, 1959). Rogers considera esta 
dissociação ou ruptura da tendência à atualização “uma canalização perversa de parte da 
tendência à atualização em comportamentos que não atualizam” (Rogers, 1963). 
 
3.4. A expressão da tendência à atualização sob condições desfavoráveis 
Brodley (1999) considera que o comportamento de uma pessoa possui outros 
determinantes além da tendência à atualização, como as características inatas e aprendidas 
e as circunstâncias de vida da pessoa. A interação dinâmica da tendência à atualização com 
estas outras causas podem ou não resultar em comportamentos organismicamente 
construtivos ou no que a sociedade considera como construtivos. Segundo a autora, as 
circunstâncias vividas por muitas pessoas, provavelmente pela maioria das pessoas, não 
são apropriadas para o desenvolvimento pleno de muitas de suas potencialidades. Mas a 
tendência à atualização persiste, e não é menos forte, menos presente, ou menos funcional, 
sob circunstâncias desfavoráveis. “A tendência à atualização pode, é claro, ser frustrada, 
mas não pode ser destruída sem que se destrua o organismo (Rogers, 1980, p.118)”. 
 A expressão da tendência à atualização no processo do indivíduo, ou os resultados 
 
 
8 
 
deste processo, portanto, podem ser mais ou menos distorcidos ou tolhidos dependendo das 
circunstâncias desfavoráveis. Rogers (1977, 1980) utilizou uma imagem originada de suas 
lembranças da infância, a imagem de uma caixa de batatas que brotaram mesmo na 
escuridão gelada do porão de sua casa, como uma metáfora da maneira como a tendência à 
atualização se manifesta mesmo sob as condições mais desfavoráveis. Ele conta que, 
durante o inverno, havia uma latano porão, um metro abaixo de uma pequena janela, que 
armazenava o suprimento de batatas para o inverno. Apesar das condições serem 
desfavoráveis, as batatas brotavam e podiam crescer de 60 a 90 centímetros em direção à 
luz distante da janela. Mas seus brotos eram brancos, pálidos, espigados, bem diferentes 
dos brotos verdes saudáveis que exibiam quando plantadas no solo na primavera: 
 
“Em seu crescimento fútil, bizarro, eram uma espécie de expressão 
desesperada da tendência direcional que estou descrevendo. Nunca 
se tornariam uma planta, nunca amadureceriam, nunca 
preencheriam suas potencialidades reais. Entretanto, sob as mais 
adversas circunstâncias, lutavam para tornar-se. A vida não 
desistiria, mesmo se não pudesse florescer” (Rogers, 1977, p.8). 
 
Ao tratar indivíduos cujas vidas foram “terrivelmente emaranhadas”, homens e 
mulheres que foram abandonados em enfermarias de hospitais públicos, Rogers se 
lembrava destes brotos de batata. As condições em que estas pessoas se desenvolveram 
foram tão desfavoráveis, diz Rogers (1977), que “suas vidas muitas vezes parecem 
anormais, distorcidas, dificilmente humanas”: 
 
“Entretanto, deve-se confiar na tendência direcional que nelas 
existe. O indício para entender seu comportamento é de que estão 
se esforçando, do único modo que lhes é possível, para alcançar o 
crescimento, para tornar-se alguém. Para nós, os resultados podem 
parecer bizarros e fúteis, mas são tentativas desesperadas da vida 
para tornar-se ela mesma” ( p.8). 
 
 
 
9 
 
3.5. A sabedoria do organismo 
O constructo da tendência atualizante opõe-se à concepção dominante de que o ser 
humano é basicamente irracional e que, se seus impulsos não forem controlados, conduzir-
lhe-ão à destruição dos outros e de si mesmo. Rogers (1962) afirma que, após vinte e cinco 
anos de experiência em psicoterapia, chegou à inevitável conclusão de que o 
comportamento humano é primorosamente racional, movendo-se com sutil e ordenada 
complexidade na direção dos objetivos que o organismo está se esforçando por alcançar: 
“A tragédia para a maioria de nós é que nossas defesas nos impedem de estarmos 
conscientes dessa racionalidade, de forma que conscientemente nos movemos em uma 
direção, enquanto que organismicamente nos movemos em outra (Rogers, 1962, p.30)”. 
O indivíduo sem defesas, aberto à experiência do seu organismo, apreende 
significados que constituem na indicação mais sábia, satisfatória e apropriada para o seu 
comportamento: “o homem é mais sábio que o seu intelecto”, diz Rogers (1963). A 
natureza básica do ser humano, quando funcionando livremente, sem barreiras, é 
construtiva e digna de confiança. A patologia psicológica e social ocorre, segundo Rogers 
(1959, 1963), devido à cisão na tendência à atualização, que leva à dissociação entre os 
comportamentos que são guiados por rígidos conceitos e constructos, e os comportamentos 
que são guiados por processos organísmicos. O modo mais eficiente e satisfatório de viver 
não envolve esta dissociação. A pessoa que é psicologicamente madura confia nas direções 
dos processos organísmicos internos que, em coordenação com os processos conscientes, 
conduzem-na na direção de um encontro total, unificado, integrado e adaptativo com a vida 
e seus desafios (Rogers, 1963). 
 
3.6. A natureza humana é “boa”? 
A teoria da personalidade de Rogers tem sido criticada por apresentar uma visão 
“boa” e ingênua da natureza humana (May, 1982; Quinn, 1993; Walker, 1956). Esta 
crítica, segundo Brodley (1999), se baseia numa compreensão equivocada do conceito de 
tendência à atualização. A natureza “construtiva” da tendência à atualização não se refere a 
uma bondade ética ou moral das respostas do indivíduo às circunstâncias, mas a uma 
motivação no sentido da manutenção, integridade e atualização das potencialidades. 
 
 
10 
 
Rogers (1982) não atribuiu um valor moral ou ético à natureza “construtiva” da tendência à 
atualização: 
 
“Eu descobri que se você alcança o cerne do indivíduo, você 
encontra algo construtivo, não destrutivo. As pessoas dizem para 
mim, “Oh, então você acredita que o homem é bom”. Eu não gosto 
do termo bom. Isto é um julgamento moral... Nós olhamos para 
uma planta. Não decidimos se ela é [boa ou] má por natureza. 
Apenas supomos que, dadas as condições certas, ela crescerá, 
florescerá e produzirá uma vida normal. Não pensamos da mesma 
forma em relação a humanos... Eu certamente lidei com uma 
profusão de pessoas que estão fazendo coisas más, que estão 
fazendo coisas que são socialmente destrutivas. Mas... se você 
conseguir conhecer a pessoa por dentro, descobrirá que ela gostaria 
de viver em harmonia e é construtiva por natureza” (p.41). 
 
 A destrutividade, para Rogers (Ford, 1994; Rogers, 1957b, 1962, 1982), não é 
inerente no ser humano: “Minha experiência não fornece nenhuma evidência para acreditar 
que se os elementos mais profundos da natureza humana fossem liberados nós teríamos um 
descontrolado e destrutivo id desatrelado no mundo” (Rogers, 1957b, p.201). Num ser 
humano hipoteticamente aberto a todos os seus impulsos, sua necessidade de ser amado 
por outros e sua tendência para dar afeto seriam tão fortes quanto seus impulsos para a 
auto-gratificação ou cobiça. Ele seria agressivo em situações na qual a agressividade fosse 
realisticamente apropriada, mas não teria uma necessidade descontrolada de agressão. 
Quando estivesse aberto a todas as suas experiências, o seu comportamento total, diz 
Rogers (1962), seria equilibrado e realista – um comportamento que seria apropriado à 
sobrevivência e aperfeiçoamento de um animal altamente social. 
 
3.7. A tendência à atualização como um conceito heurístico 
Brodley (1999) considera que a tendência à atualização é um conceito heurístico, que 
pode ser utilizado como um guia fértil para a compreensão do comportamento humano. O 
 
 
11 
 
pressuposto da tendência à atualização é de que o indivíduo está necessariamente 
atualizando sua natureza da melhor forma que pode dentro das circunstâncias. Enquanto 
conceito heurístico, este pressuposto promove uma abordagem fenomenológica do 
comportamento humano, ao procurar alcançar o mundo subjetivo do indivíduo e as suas 
percepções dentro do seu contexto. Isto implica escutar a pessoa a fim de compreender 
seus objetivos, seus sentimentos e o significado pessoal que estão envolvidos em seu 
comportamento. Uma compreensão do comportamento humano baseada no pressuposto da 
tendência à atualização, ao focalizar a atenção na percepção que o indivíduo tem de sua 
situação, pode fornecer significados construtivos para comportamentos destrutivos. 
Uma investigação baseada no pressuposto da tendência à atualização, segundo 
Brodley (1999), faria as seguintes perguntas: 
- Como a motivação da pessoa para a atualização foi expressa neste 
comportamento destrutivo? 
- Quais são as realidades internas, subjetivas ou as circunstâncias externas que 
estão distorcendo os resultados da direção inerentemente construtiva e pró-social 
da pessoa? 
- Como o comportamento destrutivo está servindo para a manutenção, integração e 
satisfação da pessoa? 
As respostas a estas perguntas tendem a dar sentido a comportamentos destrutivos. 
Brodley (1999) considera que esta compreensão promove compaixão e geração de 
soluções criativas e humanas para os problemas humanos. O princípio da tendência à 
atualização, ao promover a compreensão dos significados construtivos de comportamentos 
socialmente destrutivos, faz emergir uma atitude de respeito pela pessoa e por sua 
capacidade inata de auto-determinação. 
 
3.8, As condições para a promoção da tendênciaà atualização 
“ the individual has the capacity to guide, regulate, and control 
himself, providing only that certain definable conditions exist.” Rogers 
 
 
Em 1959, Rogers postulou as condições que, em qualquer relacionamento 
interpessoal, promovem a “liberação” da tendência à atualização: “... esta tendência ... será 
 
 
12 
 
liberada em qualquer relacionamento interpessoal no qual a outra pessoa é congruente na 
relação, experencia consideração positiva incondicional e compreensão empática em 
relação ao indivíduo, e consegue comunicar parte destas atitudes ao indivíduo” (Rogers, 
1959, p. 221). 
 
 Congruência 
Ser congruente em uma relação significa ser uma pessoa integrada, com a sua 
experiência real acuradamente representada em sua consciência. A pessoa está congruente 
quando ela está sendo livre e profundamente ela mesma, quando está vivenciando 
abertamente os sentimentos e atitudes que estão fluindo de dentro dela. Ser congruente, 
portanto, significa ser real e genuíno (Rogers 1957a, 1959, 1977). 
 
 Consideração positiva incondicional 
Ter uma experiência de consideração positiva incondicional em relação a outra pessoa 
significa aceitar calorosamente cada aspecto da experiência desta pessoa. Significa não 
colocar condições para a aceitação ou para a apreciação desta pessoa. A consideração 
positiva incondicional implica um cuidado não-possessivo, uma forma de apreciar o outro 
como uma pessoa individualizada a quem se permite ter os seus próprios sentimentos, suas 
próprias experiências (Rogers 1957a, 1959). 
 
 Compreensão empática 
Compreender empaticamente significa perceber acuradamente o quadro interno de 
referência da outra pessoa como se fosse o seu próprio, com os seus significados e 
componentes emocionais, sem, contudo, perder a condição de “como se” (Rogers 1957a, 
1959). 
 
Segundo Rogers (1977), estas condições promovem a atualização do indivíduo em 
qualquer relacionamento interpessoal, seja no relacionamento terapeuta e cliente, pai e 
filho, líder e grupo, professor e aluno, administrador e equipe, isto é, “em qualquer 
situação cujo objetivo seja o desenvolvimento da pessoa” (Rogers, 1977, p.9). 
 
 
13 
 
Contudo, em relação à psicoterapia, Rogers (1957a) formulou uma hipótese mais 
completa, postulando seis condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica 
da personalidade: 
“Para que uma mudança construtiva da personalidade ocorra, é necessário que as 
seguintes condições existam e persistam por um período de tempo: 
1. Que duas pessoas estejam em contato psicológico; 
2. Que a primeira, a quem chamaremos cliente, esteja num estado de 
incongruência, estando vulnerável ou ansiosa; 
3. Que a segunda pessoa, a quem chamaremos de terapeuta esteja congruente ou 
integrada na relação; 
4. Que o terapeuta experiencie uma consideração positiva incondicional pelo 
cliente; 
5. Que o terapeuta experiencie uma compreensão empática do quadro interno de 
referência do cliente e se esforce por comunicar esta experiência ao cliente; 
6. Que a comunicação ao cliente da compreensão empática do terapeuta e da 
consideração positiva incondicional seja efetivada, pelo menos num grau mínimo. 
Nenhuma outra condição é necessária. Se estas seis condições existirem e 
persistirem por um período de tempo, isto é suficiente. O processo de mudança 
construtiva da personalidade ocorrerá” (p.96). 
Estas condições tornaram-se um marco de referência não somente para a psicoterapia 
centrada na pessoa como para as relações de ajuda em geral (Bozarth, Zimring & Tausch, 
2002). Denominadas de core conditions (ou “condições centrais”), elas impulsionaram a 
pesquisa em psicoterapia durante mais de três décadas e continuam sendo um tópico 
relevante e discutido no âmbito da psicoterapia (Bozarth, 1998; Bozarth, Zimring & 
Tausch, 2002; Patterson & Hidore, 1997; Sachse & Elliot, 2002; Stubbs & Bozarth, 1996). 
 
 
14 
 
Referências 
 
Bozarth, J. D. (1998). Person-centered therapy: A revolutionary paradigm. Ross-on-Wye, 
England: PCCS Books. 
 
Bozarth, J. D. & Brodley, B.T. (1991). Actualization: a functional concept in client-
centered psychotherapy. Journal of Social Behavior and Personality, 6, 45-59. 
 
Bozarth, J. D. , Zimring, F, & Tausch, R. (2002). Client-centered therapy: Evolution of a 
revolution. Em D. Cain & J. Seeman (Orgs.), Humanistic psychotherapies: 
Handbook of research and practice. Washington DC: American Psychological 
Association. 
 
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