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REVISTA DO CFCH • Universidade Federal do Rio de Janeiro ISSN 2177-9325 • www.cfch.ufrj.br Edição Especial JICTAC • agosto/2014 1 Política de ressarcimento ao SUS: uma análise de sua efetividade Mariana Rodrigues marianarodrigues@ufrj.br ESS/UFRJ – 8º período – pesquisadora no NUPPII – ESS/ UFRJ Vinícius Guião viniciusguiao@ufrj.br ESS/UFRJ – 7º período – pesquisador no NUPPII – ESS/UFRJ Orientadora: Verônica Cruz – veronica@ess.ufrj.br – Doutora em Ciência Política pelo IUPERJ, professora adjunta da Escola de Serviço Social da UFRJ Nos últimos anos tem sido notável a expansão das operadoras de planos de saúde (doravante OPS) no Brasil. Do mesmo modo, o número de beneficiários desses planos é expressivo e acompanha o crescimento das operadoras. Segundo dados do Sistema de Informações de Beneficiários (SIB) da Agência Nacional de Saúde (ANS), vinculada ao Ministério da Saúde, até junho de 2013 mais de 49 milhões de pessoas recorreram à contratação de planos de saúde privados, o que corresponde a aproximadamente ¼ da população brasileira. Esses dois indicadores, o crescimento das OPS e o número de usuários das mesmas, chama atenção por sua relevância social e econômica e reafirma a necessidade de uma investigação aprofundada sobre o tema e seu impacto no setor de saúde no Brasil. Nesse cenário a regulação aparece como uma estratégia do Estado para preservar os consumidores dos maus serviços e falhas de atendimento aos usuários apresentadas por algumas das OPS e qualificar um mercado em franca expansão (FREITAS, 2011). Entre as normas adotadas, podemos citar a criação da Lei 9.656/98, que regula as OPS. Em nossa discussão trataremos especificamente do Art. 32. onde o ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) se trata de uma medida destinada a recuperar os gastos públicos provenientes de atendimentos médico-hospitalares nos hospitais públicos, realizados aos pacientes que possuem planos privado de saúde. O objetivo da pesquisa é verificar se a política de ressarcimento ao SUS pelas OPS tem sido efetiva e como isso vem ocorrendo, a partir da análise dos dados sobre pagamentos efetuados pelas operadoras registrados pela ANS ou efetuados em juízo. REVISTA DO CFCH • Universidade Federal do Rio de Janeiro ISSN 2177-9325 • www.cfch.ufrj.br Edição Especial JICTAC • agosto/2014 2 Resumidamente, o ressarcimento funciona da seguinte forma: o usuário de um Plano de Saúde é atendido pelo SUS, a seguir a ANS cruza os dados dos sistemas de informações do SUS referentes à identificação de usuários com o SIB da própria Agência. Após a identificação do usuário do plano de saúde atendido no SUS, a ANS exclui os atendimentos sem cobertura contratual. E por fim é enviada uma notificação a operadora a respeito dos valores que devem ser ressarcidos, cujos parâmetros estão entre os valores cobrados pelo SUS e os cobrados pelas operadoras. A pesquisa é baseada em uma ampla revisão bibliográfica de caráter multidisciplinar referente ao tema de regulação. Além disso, faz-se um levantamento de dados quantitativos e qualitativos junto a ANS. Como suporte para pensarmos este tema, utilizaremos teorias de análise das Políticas Públicas. Para tanto é importante definir inicialmente que entendemos por Políticas Públicas o conjunto de diretrizes elaboradas para enfrentar um determinado problema que afete a sociedade como um todo, portanto, é o Estado em ação (FREITAS 2011); isto é, a materialização dos princípios que orientam as decisões do poder público. Um problema existe quando uma determinada situação é considerada inadequada ou quando há expectativa, ou seja, possibilidade de uma situação melhor. Em outras palavras, pode-se afirmar que um problema se configura quando há uma diferença entre a situação atual indesejada e uma situação ideal possível. Todas essas ações do Estado chamadas de políticas públicas inclinam-se a responder demandas de setores específicos da sociedade. É importante observarmos ainda que o “não-agir” do Estado em relação a um determinado problema, mesmo que não seja política pública, também demonstra os princípios e direções que os tomadores de decisões, ou seja, os que possuem cargos políticos, consideram em seus governos. Não realizar uma determinada ação, aparentemente transmite certa neutralidade, mas não deixa de ser um posicionamento. E esse “não-agir” também pode gerar impactos negativos à realidade, portanto, quando se trata de Políticas Públicas, deve-se observar também o que não foi feito, e quais foram as consequências. Os dados colhidos, somados à revisão bibliográfica, sugerem pouca efetividade da política em termos financeiros, já que no período de 2006 a 2010 apenas 21% do que foi cobrado às OPS foi ressarcido ao SUS. Segundo dados da ANS, de 2006 a 2009 houve um pequeno decréscimo no valor cobrado (de R$ 77.956.319,66 a R$ 15.989.200,05), tornando a subir em 2010 (R$ 41.616.536,20). A proporção do valor REVISTA DO CFCH • Universidade Federal do Rio de Janeiro ISSN 2177-9325 • www.cfch.ufrj.br Edição Especial JICTAC • agosto/2014 3 recebido/valor cobrado, neste mesmo período, aumenta de 15,48% em 2006 a 34,08% em 2010. No entanto, ao observar a porcentagem total dos valores que foram ressarcidos, notamos, como mencionado no parágrafo anterior, apenas 21,20% de ressarcimento. Segundo a ANS, que fundamenta a política de Ressarcimento, um dos objetivos da política seria o de evitar o enriquecimento sem causa das OPS. Este “enriquecimento” envolve qualquer aumento do patrimônio, ou sua diminuição evitada. De acordo com a ANS, se as OPS recebem mensalidades de seus beneficiários comprometendo-se em prover os serviços que foram contratados, e mesmo assim seu usuário utiliza o SUS, ela deixa de ter uma redução patrimonial, enriquecendo-se injustamente com os recursos dos beneficiários enquanto estes são assistidos pelo sistema público e não na rede privada por ele contratada. Atentando-nos para o insignificante valor pago da dívida das OPS e o crescimento do mercado de saúde suplementar – em 1998 eram 760 operadoras com registro ativo, hoje o número chega a 1499, segundo o DATASUS em outubro/2013 – parece-nos que este objetivo também não tem sido alcançado. Outro dado nos revela que os agentes de mercado não têm sido eficientes, porquanto na medida em que cresce o número de beneficiários das OPS, o número de internações dos mesmos no SUS também cresce. Vejamos o gráfico a seguir: O gráfico nos mostra que em 2009 o número de beneficiários internados no SUS dobrou se comparado ao ano de 2001(ao longo de quase uma década). Do mesmo modo, há um acréscimo no valor das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH), onde REVISTA DO CFCH • Universidade Federal do Rio de Janeiro ISSN 2177-9325 • www.cfch.ufrj.br Edição Especial JICTAC • agosto/2014 4 os valores das internações são fundamentados. Os dados nos chamam atenção, pois revelam que mesmo pagando diretamente por serviços de saúde, que se pressupõe de maior qualidade, os contratantes têm recorrido ao SUS com uma frequência cada vez maior. Tal fato sustenta nossa concepção de que o setor saúde não é compatível com a lógica de lucros inerente ao mercado, já que recentemente a ANS divulgou que o lucro líquido, no primeiro trimestre de 2012, de cerca de mil operadoras,chegou 1,27 bilhão, contrastando com o índice de reclamações referentes aos serviços prestados pelos planos 1 . Em outros termos, é possível afirmar que os ganhos econômicos das OPS ocorrem em detrimento da qualidade dos serviços prestados aos usuários. Todos esses entraves em relação à política resultam em uma “disputa” jurídica. O mercado diz que esta política é inconstitucional porque tira do beneficiário a opção de escolher o SUS, que é direito universal. Alguns estudiosos do tema alertam para o fato de que há ainda um interesse por parte do Estado em se beneficiar deste ressarcimento, no sentido de ser vantajoso aos cofres públicos que, por sua vez, receberiam duas vezes: do individuo através dos impostos e do ressarcimento proveniente das OPS. Em contrapartida, para os defensores, esta política não afeta a universalidade do sistema por não alterar a relação do cidadão com o Estado, mas sim do Estado com as operadoras. O que temos visto, porém, é uma fiscalização por parte da ANS demasiadamente flexível com as OPS e, por outro lado, pouco transparente em relação aos valores a serem cobrados, o que torna a política de ressarcimento frágil, apesar da sua relevância. Além disto, parte dos gestores da ANS é oriunda de OPS 2 , o que transforma a Agência em uma arena de disputas de interesses privados e públicos. Dessa forma, consideramos que a política de ressarcimento, bem como outras políticas de regulação propostas pela ANS, devem primeiramente ser submetidas a uma ampla discussão e reformuladas em alguns aspectos para que sejam mais efetivas em suas ações; em segundo lugar tais políticas devem ser melhor difundidas, uma vez que grande parte da população, inclusive os usuários de planos de saúde, não as conhece, e por fim recomenda-se a reorientação de certas ações da ANS como a fiscalização e punição das 1 Fonte: Evolução do índice médio de reclamações das Operadoras de Grande Porte – Outubro/2011 – Setembro/2013. 2 O próprio site da ANS revela isto ao relatar o histórico profissional de um de seus diretores que foi Chefe médico de Unidade de uma OPS de grande porte. REVISTA DO CFCH • Universidade Federal do Rio de Janeiro ISSN 2177-9325 • www.cfch.ufrj.br Edição Especial JICTAC • agosto/2014 5 OPS que negligenciam seus usuários pois, ao deixar de fazê-lo esta agência se distancia do interesse público. Referências Bibliográficas ANS. Disponível em: < www.ans.gov.br > BAHIA, Lígia. Planos privados de saúde: luzes e sombras no debate setorial dos anos 90. BELLEN, Hans Michael van; TREVISAN, Andrei Pittol. Avaliação de políticas públicas: uma revisão teórica de um campo em construção. 2008. DATASUS. Disponível em: <www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php > DIAS, Júlio Cesar. Alguns aspectos polêmicos do Ressarcimento ao Sistema Único de Saúde. FREITAS, Marcella Abunahman. A avaliação da efetividade da política de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde. 2011 RAMALHO, Pedro Ivo Sebba; CRUZ, Verônica. Saúde suplementar no Brasil: a mão do Estado na regulação do mercado de planos privados de saúde. 2010
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