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REIS E SILVA Manifesto Futurista na Literatura Brasileira

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O manifesto futurista no sistema literário brasileiro 
 
Aline Fogaça dos Santos Reis e Silva (UFSC/Capes) 
alinefogacareis@gmail.com 
 
 
Resumo: O manifesto de fundação do Futurismo é publicado em 05 de fevereiro de 1909 na Itália e em 20 
de fevereiro do mesmo ano em Paris. Ainda em 1909, em junho e dezembro o Brasil conhece duas 
traduções, publicadas em Natal e Salvador. Apesar do imediato contato com os preceitos da vanguarda 
estética, a repercussão efetiva para os artistas brasileiros se dará no âmbito da década de 20 com o 
Modernismo. As tensões existentes entre esses dois movimentos são pensadas, principalmente, sob a 
perspectiva da Teoria dos Polissistemas, de Itamar Even-Zohar. 
 
Palavras-chave: Futurismo, Modernismo, tradução 
 
 
Abstract: The Futurism’s manifesto was published in February the 5th 1909 in Italy and the 20 February 
of the same year in Paris. Also in 1909, in June and December, Brazil knows two translations, published 
in Natal and Salvador. Despite the immediate contact with the avant-garde aesthetic precepts, the 
effective impact for Brazilian artists will happen in the context of the 20s with Modernism. The tensions 
between these two movements are thought mainly from the perspective of the Polysystem Theory of 
Itamar Even-Zohar. 
 
Key-words: Futurism, Modernism, translation 
 
 
 O manifesto de fundação do Futurismo foi publicado em 05 de fevereiro de 1909 
no jornal italiano Gazzetta dell’Emilia. Entretanto, o evento mais recorrente e conhecido 
é o da sua publicação no francês Le Figaro, em 20 de fevereiro de 1909. Talvez seja 
pelo fato de Paris, naquela época, despontar-se como o centro cultural do mundo que o 
texto de Marinetti ganhou conhecimento dos demais países, principalmente na Rússia e 
na França. Entre esses, o Brasil, pois, ainda no mesmo ano, são publicadas duas 
traduções. A primeira, parcial, em A República de Natal, em 05 de junho, com a 
provável autoria de Manuel Dantas, diretor do jornal. A segunda, integral, em Salvador, 
no Jornal de Notícias, em 30 de dezembro, por Almachio Diniz. 
 A concepção de manifesto para o Futurismo é aquela de reunir o tom abusivo e 
propagandístico, para que os seus ecos ressoem de maneira global, anunciando a nova 
era da máquina e da tecnologia. A propagação da vanguarda italiana está contida 
propriamente em seu objetivo e, principalmente, nos ideais de seu maior precursor e 
idealizador, Filippo Tommaso Marinetti. O movimento acontecia no âmbito do 
143
espetáculo, nos limites entre o bizarro e o picaresco. Parece-nos que o efeito foi 
atingido, pois até mesmo o Brasil, naquele momento, distante dos holofotes dos grandes 
centros artísticos, ocupando uma posição periférica na esfera literária e, sobretudo, 
mantendo uma arte ainda muito conservadora em relação ao conteúdo futurista, teve 
conhecimento do que de novo se fazia na Europa. 
 A assimilação da vanguarda italiana pela brasileira surge-nos como um processo 
no qual são participantes fatores como o câmbio de informações, ideias e modelos 
através dos artistas e de suas obras. Esse câmbio nada mais é do que o modo de 
comparar e relacionar culturas, analisando suas proximidades e distanciamentos. Por 
vezes, a total diversidade nesse confronto pode gerar o estranhamento e, logo, a 
rejeição. Em primeiro lugar, a principal diferença entre ambas é a língua, e para tanto, a 
tradução é fundamental para que o inusitado se torne familiar. 
 Nesse sentido, a tradução do primeiro manifesto pode ser vista como o início de 
intenso diálogo entre Futurismo e Modernismo. A tradução, mais do que simplesmente 
um ato de transpor palavras de uma língua à outra, é um trabalho muito mais complexo, 
que pode ser pensado e vem sido discutido para além do ato de traduzir. Nas palavras de 
Ricoeur, “sempre se traduziu” (2011, p. 35), isto é, contemplar a tradução como um ato 
de comunicação que engloba não somente a letra, mas o contexto, um meio pelo qual os 
homens podem compreender-se, comunicar-se. 
 Assim como a literatura comparada, a tradução deve ser concebida como método 
de abordagem relacionado à Literatura. Desde Cícero e Horácio, questões como 
fidelidade, tradução literal, tradução do sentido vem sendo discutidas e neste âmbito 
várias teorias são elaboradas em busca, talvez, de respostas que as satisfaçam. Para os 
dias atuais, assim como para as teorias mais contemporâneas, notamos que a tradução 
passou a ser predominantemente vista como recontextualização, ou seja, parafraseando 
Ricoeur (2011), é necessário aceitar que sempre existirá a perda (seja no texto de partida 
ou no de chegada) e ter a consciência de que não há tradução perfeita. Logo, conhecer 
as diferentes abordagens e teorias desenvolvidas até os dias atuais facilita a 
compreensão das relações existentes entre as literaturas e o papel da tradução na 
interação entre elas. 
 Os estudiosos contemporâneos, como Susan Bassnett (2005), entendem a crise 
do Comparativismo aliado aos Estudos da Tradução resultante do excessivo 
prescritivismo no confronto da tradução. Em outras palavras, a partir das teorias 
desenvolvidas com os estudos descritivos da tradução, dos quais é exemplo a Teoria dos 
Polissistemas de Itamar Even-Zohar (1990) configura-se a análise das estratégias que 
envolvem o ato de traduzir, englobando o seu todo, isto é, a sociedade e sua história, 
144
assim como elementos relativos ao mercado editorial e os pré-requisitos para que uma 
obra seja traduzida. O objetivo final, portanto, não será emitir um grau de excelência 
para a obra traduzida, se esta atingiu as expectativas de reprodução do texto de partida, 
pois se deixou de avaliá-la como cópia de um original em outra língua. 
 Quando mencionamos, no primeiro parágrafo, Literatura, nos referimos ao 
conceito de uma literatura mundial, ou como definia Goethe, Weltliteratur (apud 
GNISCI, 1999, p.189); polissistema, na definição de Itamar Even-Zohar; ou também à 
ideia de uma “república mundial das letras” i, como sustenta a pesquisadora francesa 
Pascale Casanova (2002). São acepções que atentam à necessidade de um olhar 
diferente à literatura e às tensões que se estabelecem entre esta e a economia, a 
sociedade e a política. Ao atentarmos para cada detalhe que compõe esse conglomerado, 
temos a possibilidade de maximizar-lhe o efeito no dinamismo e funcionamento de seu 
sistema. A tradução é, portanto, uma peça fundamental desta engrenagem. 
 No estudo de Pascale Casanova, no qual ela constrói essa metáfora da literatura 
como uma república, ela cita Paul Valéry sobre a “economia literária” e nesse 
entremeio, emprega, mais uma vez palavras de Goethe, para dizer que a atividade da 
tradução “continua sendo uma das tarefas mais essenciais e dignas de estima do 
mercado de intercâmbio mundial universal” (CASANOVA, 2002, p. 29). E por que tão 
essencial? Se distinguirmos várias ‘literaturas’ dentro de uma grande ‘Literatura’, é ela 
a mediadora, o elo que propicia esse contato, o “intercâmbio mundial universal” 
(CASANOVA, 2002, p. 29). 
 Utilizando outra metáfora de Jacques Derrida, a torre de Babel, Armando Gnisci 
discute o papel da tradução como patrimônio comum da humanidade, também se 
referindo à sua importância no complexo Literatura/literaturas: 
 
[...] “a literatura” tem a consistência de uma imagem que deveria 
corresponder à presença ideal de um patrimônio comum das 
diferentes civilizações. 
Uma espécie de biblioteca infinita e progressiva. Esta está reunida em 
torno do imenso campo de forças emanado pelo poder da palavra, 
oral e escrita, que inventa e vivifica mundos e que se deixa escutar 
justamente porque abre as inteligências para a complexa presença do 
mundo eda simultânea possibilidade de diversos mundos. Ao mesmo 
tempo – a barra posta entre literatura (e) literaturas o diz claramente 
– a literatura não existe senão nas concretas literaturas expressas em 
diferentes línguas; a sua diversidade babélica se direciona para uma 
fluente reunião através da tradução; por sua vez a tradução é o 
patrimônio comum da humanidade formado pelas inumeráveis 
traduções que atravessam desde sempre todas as línguas e pelo poder 
que não se pode deter e futuro de transportar textos e mensagens 
entre os mundos. (GNISCI, 1999, p. X, tradução de Helena 
Meneghello)
ii 
 
 
145
 A diversidade que nos traz a riqueza, o “capital literário” (CASANOVA, 2002, 
p. 29), segundo Valéry. Cada país tem o seu, formado pelos textos literários 
classificados como história nacional, podendo ser maior ou menor, de acordo com a 
tradição de cada literatura. Algumas delas mais fortes, melhor estabelecidas, em 
detrimento de literaturas mais periféricas que pelejam pelo reconhecimento, justamente 
suportadas pelas maiores. Nesse contexto, é explicada a razão dos novos escritores 
apoiarem-se em nomes consagrados do cânone. 
 O que Gnisci aborda em seu texto é a estabilização da Literatura Comparada 
como ciência, disciplina investigativa das intra-relações e inter-relações na esfera da 
literatura maior, comum à civilização. Ou seja, trata-se de um discurso múltiplo do qual 
devemos fazer parte, pois é produzido por nós mesmos; uma rede díspar que encerra 
reciprocidades e diferenças. Para o autor, a literatura comparada e a tradução serão, 
assim, “os discursos entrelaçados que nos mantém juntos na complexidade de mundo-
mundos-literatura/literaturas-nós-mundos-mundo” (GNISCI, 1999, p. XIV, tradução de 
Helena Meneghello).
iii
 
 Esse estreito vínculo serve particularmente nesta análise, visto que nos permite 
aliar os interesses de percorrer o trajeto da tradução do manifesto futurista à sua 
influência na consolidação de um modelo literário novo. Isto é, indo além da 
preeminência de um país que emergia como potência
iv
 dentro de uma literatura 
relativamente nova – a brasileira – e não detentora do mesmo grau de relevância neste 
espaço. Para tanto, baseamo-nos, essencialmente na Teoria dos Polissistemas de Itamar 
Even-Zohar, que, de uma maneira mais particular, corrobora os conceitos de Gnisci e de 
Casanova, bem como os de Goethe, mas conferindo às literaturas o status de sistemas. O 
todo é, portanto, o polissistema. 
Como tratamos acima, a tradução pode ser definida como elo, como a mediadora 
do diálogo entre culturas. Dentro dessa perspectiva, os estudos de Even-Zohar podem 
ser considerados referência. Ele remete-se à sociedade como um grande sistema no qual 
literatura e tradução literária estariam contidas. O estudioso desenvolve sua teoria e a 
utiliza, primeiramente, como um artifício que o auxiliará em seus estudos sobre a 
tradução da Literatura Hebraica; porém, podendo ser aplicada a outros sistemas. Ao 
refazer o percurso no qual elaborou e vem elaborando a sua teoria, Even-Zohar 
esclarece-a como intrínseca ao Formalismo Russo, distinguindo-a deste, porém, pelo 
fato de não considerar a literatura como um organismo isolado dos contextos social e 
histórico. O estudioso concebe todos esses contextos como micro sistemas que se 
intersectam, formando um sistema maior, o polissistema. A sua função é defendida 
através do fato de que o dinamismo e mesmo a estaticidade inerentes a cada um, no caso 
146
específico o literário, são interdependentes, e que tal fato não pode ser ignorado como 
até então vinha ocorrendo nos estudos linguísticos. 
A teoria é ainda mais abrangente, visto que é aplicável a outras esferas, isto é, 
não se restringe ao cenário literário, mas abrange a cultura de um modo geral. Em outras 
palavras, por meio de seus procedimentos é possível analisar as intra-relações nas 
comunidades literárias e suas inter-relações com os demais sistemas. Isso ocorre por 
meio de hierarquias, considerado como princípio fundamental para que conceitos como 
heterogeneidade e funcionalidade sejam conciliáveis. Quando citamos a hierarquia 
estamos nos referindo aos procedimentos do polissistema, isto é, aspectos que envolvem 
cânone, repertório, texto e, como mencionado anteriormente, a maneira como eles se 
relacionarão. É na tensão existente entre a interferência entre literaturas que reside a 
concepção do polissistema. 
 
Em suma, é um dos objetivos principais, e uma possibilidade viável 
para a teoria dos Polissistemas, lidar com as condições particulares 
em que uma certa literatura pode ser interferida por uma outra 
literatura, como resultado de quais propriedades são transferidas de 
um polissistema para outro. (EVEN-ZOHAR, 1990, p. 25, tradução 
nossa)v 
 
 
Transpondo essa ideia de interferência como o diálogo entre culturas, foquemo-
nos nos sistemas literários brasileiro e italiano. A proposta é verificar como esse diálogo 
ocorre através de dois movimentos importantes do século XX para ambas as literaturas. 
Na Itália, o Futurismo, e no Brasil, o Modernismo. Para citarmos a questão do cânone, 
esses períodos possuem um amplo repertório de textos e manifestações artísticas nas 
quais seus autores procuraram fixarem-se como modelos literários. Isso porque os 
cânones de determinada literatura estão sofrendo a todo momento a tentativa da 
literatura periférica de consolidação como literatura central. Fator esse que Even-Zohar 
denominará de Tipos Primário e Secundário. Segundo ele, existe sempre essa disputa 
em assumir a posição principal ou secundária dentro do sistema. 
O interessante é notar que, para o Tipo Primário a existência do Secundário é 
imprescindível para que possa reciclar-se e consolidar-se como dominante dentro de um 
repertório e, consequentemente, no sistema. Isso denotará, portanto, estabilidade e 
perpetuação. 
 
Quando um repertório é estabelecido e todos os modelos derivativos e 
relacionados a ele são construídos em plena conformidade com o que 
ele permite, confrontamo-nos com um repertório (e sistema) 
conservador. Cada produto individual (discurso, texto) será, então, 
147
altamente previsível, e qualquer desvio será considerado ultrajante. 
(EVEN-ZOHAR, 1990, p.21, tradução nossa)vi 
 
 O teórico expande essa tensão para o conflito inovação versus conservadorismo. 
De qualquer forma, um novo repertório que almeja o posto de primário, apesar de sua 
inovação, segue modelos regulados por aquele. Pensemos, assim, na experiência 
modernista no Brasil. Ainda que os seus artistas estivessem à procura de uma identidade 
nacional, não podiam se esquecer dos modelos do cânone. Obviamente, o “desvio”, 
como aponta Even-Zohar, causa e, neste caso, causou um estranhamento. Lembremo-
nos de como fora a recepção por parte do público, ou até mesmo pelos literatos da 
época, de poemas como os de Paulicéia Desvairada, ou do próprio Manifesto Futurista, 
na Itália. Para citarmos novamente Even-Zohar, “nós não entendemos ou aceitamos algo 
novo, exceto no contexto do velho” (1990, p.04, tradução nossa)vii. 
 O Modernismo Brasileiro retomou do “velho” a instrução para reformular os 
conceitos do “novo”. Como era de se esperar, a tentativa de impor o seu repertório 
dentro do cânone foi, em primeira instância, repudiada. A ideia do atual chocou-se com 
um repertório tradicional, acostumado ao tradicionalismo das letras e da arte. 
Entretanto, desse contínuo conflito resulta a mudança do cânone, gerando, por sua vez, 
a evolução do sistema para que esse não se petrifique. Portanto, é necessária essa 
subliteratura para impulsionar a sua vitalidade. 
 Mas, o que se entende como subliteratura? O prefixo “sub”carrega uma 
significação negativa, inferior. Esse termo é curioso, pois ele é variável, isto é, no caso 
do Modernismo, este se apresentou como uma subliteraura para a época, mas 
atualmente, após a consolidação do seu modelo literário, essa visão foi diluída. Em 
outras palavras, atividades primárias e secundárias dependerão da posição que estas 
ocuparão dentro de dado sistema literário. Quando são primárias significam princípio de 
inovação, enquanto que como secundárias servirão para a manutenção do código 
estabelecido. 
 No caso da tradução, o teórico israelense defende que esta não pode mais ser 
vista apenas como “tradução” ou como “obra traduzida”; antes, deve ser considerada 
como sistema literário também e com todas as implicações que este carrega. A literatura 
traduzida é, assim, parte integrante do polissistema e interage com todos os outros co-
sistemas. A sua tarefa, a partir de tal afirmação é analisar quais tipos de relação serão 
obtidas. Quando essa assume uma posição primária, ela participa da modelização do 
centro do polissistema, ou seja, colabora para as inovações, garantindo, assim, uma 
maior semelhança com o texto de origem. Por sua vez, quando essa é secundária, tende 
a seguir modelos “ultrapassados” do centro, servindo, dessa forma, como uma maneira 
148
de perpetuar, de tradicionalizar um gosto passado, enquanto a literatura central já se 
modificou. Baseado em seus estudos e observações, ele afirma que a literatura traduzida 
tende a ser sempre secundária. 
 No tocante aos nossos estudos, nos seria permitido afirmar que as observações 
de Even-Zohar sobre a posição ocupada pela tradução tiveram a mesma constância? O 
manifesto de fundação do Futurismo permaneceu como atividade secundária na 
literatura brasileira? Essas questões não são tão simples de serem esclarecidas, pois 
requerem uma análise mais aprofundada, além de averiguar a condição de centro-
periferia no confronto entre Itália e Brasil. 
 Antes de discutirmos a circulação do Manifesto Futurista em terras brasileiras, é 
interessante recuperar a repercussão em 1909 na Itália e na França. Visto que a primeira 
publicação do manifesto de fundação é italiana, mas ganha respaldo no periódico 
parisiense Le Figaro, verificamos a condição periférica italiana no confronto com a 
francesa? Para responder a essa questão, devemos traçar um paralelo, primeiramente, 
entre as cidades onde foram publicados os respectivos periódicos. 
 Fundado em 1860, o jornal político Gazzetta dell’Emilia era o mais antigo e 
difundido de Bolonha. Na época de sua fundação, a região conquistava a liberação do 
domínio da Igreja. O fato é que a Gazzetta foi um dos poucos periódicos italianos que se 
ocuparam da publicação do manifesto futurista, apresentando uma perspectiva positiva 
sobre a novidade. Isso porque elogia Marinetti na nota que antecede o manifesto, 
qualificando-o como “o mais dinâmico dos poetas italianos” (GAZZETTA 
DELL’EMILIA apud GRASSO, 2009, p. 33, tradução nossa), além de se referir ao 
combate do partido literário. Por outro lado, lançam um desafio à vanguarda quando 
escreve “vejamos se às premissas seguir-se-ão as ideias, os livros e os fatos” 
(GAZZETTA DELL’EMILIA apud GRASSO, 2009, p. 33, tradução nossa).viii 
 Em Paris temos Le Fígaro, fundado em 1826, sendo publicado até os dias atuais. 
Por essa razão é um dos jornais parisienses mais antigos. Paris nesse momento já havia 
presenciado a Revolução Francesa, a construção de dois marcos famosos: o Arco do 
Triunfo e a Torre Eiffel, e vivenciara o Iluminismo e a Belle Époque. Em outras 
palavras, dentro do cenário europeu, detinha um maior glamour artístico em detrimento 
de Bolonha, e, por consequência, projetou os ideais futuristas em âmbito internacional. 
 Retornando à questão posta no parágrafo anterior, apesar da Itália vir 
conquistando o seu espaço como potência literária – e esse era um dos objetivos de 
Marinetti, devemos ressaltar a importância de Paris não somente como cidade dotada do 
maior prestígio literário, mas como aquela que 
 
149
combina de fato as propriedades a priori antitéticas, reunindo 
estranhamente todas as representações históricas da liberdade. 
Simboliza a Revolução, a derrubada da monarquia, a invenção dos 
direitos do homem – imagem que valerá à França sua grande 
reputação de tolerância com respeito aos estrangeiros e de terra de 
asilo para os refugiados políticos. Mas também é a capital das letras, 
das artes, do luxo e da moda. Paris é, portanto, a capital intelectual, 
árbitro do bom gosto, e local fundador da democracia política (ou 
reinterpretada como tal na narrativa mitológica que circulou pelo 
mundo inteiro), cidade idealizada onde pode ser proclamada a 
liberdade artística. (CASANOVA, 2002, p.41) 
 
 Um cenário como este não poderia deixar de ser o local mais propício a abrigar 
uma vanguarda e proclamá-la no mais abusivo da sua propaganda e de suas propostas. 
O conteúdo do manifesto de Marinetti contém o mesmo apelo revolucionário e 
particular da capital que servia como o centro cultural do mundo naquele momento. E 
efetivamente propagou-se de lá o seu conhecimento para os demais países da Europa e 
também para os sistemas periféricos, como Brasil e América Latina, como observa 
Arnaldo Saraiva. 
 
Todavia, não podemos esquecer que Marinetti e os seus companheiros 
se preocuparam desde a primeira hora com a projeção internacional 
do seu movimento, que tinha um nome publicitariamente sedutor, e 
que ainda por cima não se contentavam com a produção e o 
lançamento de obras de criação ou de reflexão (em sentido restrito), 
antes se apoiavam num “manifesto” (tipo de texto programático, 
claro, rápido e agressivo) que, estrategicamente publicado num 
grande jornal parisiense, visava sem dúvida um numeroso público 
internacional, até por que ao tempo a cultura produzida ou 
publicitada em França despertava em todo o mundo mais ecos do que 
desperta hoje em dia, quando Paris já não é a única grande capital 
cultural. Eis porque não é para admirar que o primeiro manifesto de 
Marinetti tenha sido traduzido em português pouco tempo depois do 
seu aparecimento [...] (SARAIVA, 1986, p.160-1) 
 
 Mesmo responsável por essa divulgação, a França não subtrai da Itália o mérito 
da vanguarda, ao contrário, visto que contribuiu para o enriquecimento de ambos os 
patrimônios literários. Isso porque o novo modelo italiano será absorvido pelo francês. 
A repercussão não se limita ao conhecimento da notícia do novo, é necessário 
experimentá-la. Como a receita de uma iguaria, é preciso prepará-la também, mas com o 
tempero próprio. E através desse exemplo, vemos o dinamismo do sistema e como 
acontecem as interferências entre um co-sistema e outro. Sem tais pontes, os diálogos e 
empréstimos se perderiam e o sistema estagnaria. 
 Pelas observações de Saraiva, podemos nos questionar sobre dois pontos. O 
primeiro remete-nos à função do manifesto, precisamente a do Futurismo dentro do 
polissistema do qual teorizou Even-Zohar. O segundo compete ao reposicionamento de 
150
Paris e da França no estabelecimento de hegemonias dentro deste mesmo polissistema. 
Refletir sobre esses dois pontos nos ajudará a englobar o Brasil no quadro de 
repercussão do Futurismo. Sendo assim, como pode ser visto o movimento italiano 
dentro do polissistema? As suas propostas colaboraram para a elaboração de um novo 
modelo literário dentro da literatura mundial? 
 Em qualquer modo, como visto até então, a resposta eficaz é o sim, mas pela 
escassa recepção à vanguarda ou pelo mal-entendido gerado através de seus ideais, há a 
proposta de uma revisão. O que nos cabe é pensar no conceito de interferência, tambémproposto por Itamar Even-Zohar para melhor compreender a tendência inevitável dentro 
de um sistema literário, da qual se inicia o diálogo entre culturas. Parte essencial do 
diálogo é a literatura que, como afirma o teórico israelense, não pode vir destacada dos 
contextos histórico, social e cultural. Em toda a sua teoria, o estudioso é contundente 
nesse ponto. Sendo assim, a ideia de interferência é definida como 
 
uma relação entre literaturas, em que uma certa literatura A (a 
literatura de origem) pode se tornar uma fonte de empréstimos diretos 
ou indiretos para uma outra literatura B (a literatura de destino). 
Interferência pode ser unilateral ou bilateral, o que significa que pode 
funcionar para uma literatura ou para ambas. (EVEN-ZOHAR, 
1990, p. 54-5, tradução nossa)ix 
 
 E no caso dessas uni ou bilateralidade – tende a ser mais unilateral – o teórico 
explica que está correlacionada com o tipo de contato – condição sine qua non – entre 
elas. Em outras palavras, elas envolvem as diferentes partes do sistema, sendo a mais 
visível o repertório. Na estabilização dessas relações que entrarão as especificações do 
tipo dependente ou independente. As de primeiro tipo correspondem às literaturas 
minoritárias, nas quais a interferência é fato decisivo para a sua existência e 
desenvolvimento, enquanto nas de segundo tipo, mais consolidadas, a interferência 
garante a sua hegemonia. Os exemplos citados são exatamente as literaturas francesa e 
inglesa que ocuparam esse posto por mais de duzentos anos, recebendo recursos de 
outros sistemas literários europeus, como o italiano e alemão, para citar alguns 
exemplos. 
 Quanto aos canais de interferência, eles podem ser de ordem direta ou indireta. 
No segundo caso, está contida a tradução, visto que no caso direto não há a ação de 
intermediários. Transpondo essa teorização para o caso do Futurismo, a sua divulgação 
se deu de forma indireta, gerando a tendência observada por Even-Zohar: 
 
Os procedimentos seguidos pelos agentes de transferência em casos 
de contatos diretos são menos visíveis do que no caso de produtos 
151
traduzidos observáveis, que muitas vezes podem ser comparados com 
os textos originais. Mas também se pode dar exemplos de casos em 
que alguma literatura fonte é acessada através de uma terceira parte 
- como uma terceira língua e literatura - que filtra os modelos para o 
alvo. Se isso acontecer, de ser uma língua conhecida por um grande 
número de produtores literários, naquele sentido para a 
“instituição”, pode haver alguns produtos de tradução real 
necessários aqui também. (EVEN-ZOHAR, 1990, p. 57, tradução 
nossa)x 
 
 De fato, após a publicação no Le Figaro, o Manifesto Futurista foi traduzido por 
certo número de periódicos europeus; mas esse alcance é devido a vários fatores, por 
exemplo: prestígio e dominação, resquício da hegemonia conquistada por longos anos, 
como já verificamos. Do contato entre as literaturas em diante, abre-se um leque de 
possibilidades ou leis que regerão a maior assimilação ou não pelo sistema receptor. O 
que não podemos confundir é interferência com a aceitação, pois esta não é inerente 
àquela, pelo contrário, é possível que haja alguma rejeição, além da possibildade de ela 
não atuar em todos os níveis do sistema. O consequente sucesso do novo repertório 
passa a ser uma condição particular à literatura que está sofrendo a interferência. Neste 
quesito, parece que encontramos uma explicação para o fato ambíguo de que mesmo 
com duas traduções, a repercussão fora escassa naquele momento. 
 Às literaturas receptoras cabe o poder de apropriar-se apenas de partes do 
repertório, por meio de simplificações, regularizações ou esquematizações. No caso do 
Brasil, é possível citar a revista Klaxon pela não aceitação de todo o conteúdo 
programático do manifesto de Marinetti; e, em contrapartida, porque o sistema 
brasileiro encontrava-se desatualizado para a introdução de uma nova estética. O 
repertório brasileiro não oferecia plenamente aos modernistas as opções dessa 
remodelagem. A solução foi buscar nas vanguardas europeias os elementos para a 
elaboração de movimentos como o Pau-Brasil e Antropofágico, de Oswald de Andrade. 
Ao invés de simplesmente ignorá-las por orgulho e escolha da não-apropriação da 
cultura alheia, o modernista Oswald propõe a exportação da cultura brasileira e, em 
contrapartida, a deglutição do academicismo e erudição europeus em favor da literatura 
nacional. 
 A trajetória do Futurismo no panorama cultural brasileiro do início do século 
consiste no processo de diálogo entre as manifestações literárias e entre os sistemas 
mais e menos consolidados. Por vezes, isso pode gerar uma revisitação, possibilitada 
pela liberdade do tradutor. É o caso da tradução do manifesto, em 1909, por Almachio 
Diniz no Jornal de Notícias de Salvador. Naquele momento, não houve grande 
repercussão, mas ele opta por retomá-la, explorando melhor os conceitos ali presentes, 
dedicando-lhes maior atenção em 1926, quando Marinetti apresenta-se no Brasil e o 
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assunto está em pauta. Ainda assim, com a polêmica que o evento suscitou, notamos 
que a tensão entre os sistemas não estava resolvida. Apesar da aparência negativa que 
esta provoca, a inconstância dos cânones é a causa da sua atualização constante e 
promove esse diálogo cultural, que na maioria das vezes, torna-se um debate ou embate. 
 
 
Referências bibliográficas 
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Vasconcellos Abreu e Paula Azambuja Rossato Antinolfi. Porto Alegre: Editora da 
UFRGS, 2005. 
 
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Appenzeller. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. 
 
DINIZ, Almachio. F. T. Marinetti: sua escola, sua vida, sua obra em literatura 
comparada. Rio de Janeiro: Lux, 1926. 
 
EVEN-ZOHAR, Itamar. Polysystem Studies. Tel Aviv: The Porter Institute for Poetics 
and Semiotics, and Durham: Duke University Press, 1990. 
 
GNISCI, Armando. A literatura comparada. Tradução de Helena Meneghello. In: 
RELIT-Revista de Estudos Literários do Neiita. Florianópolis, v. 1, n. 2, p. 95-104, 
mar. 2011. Disponível em: 
<http://www.neiita.cce.ufsc.br/relit/Numeros/N2Vol1Mar%C3%A7o2011.pdf>. Acesso 
em: 07 dez. 2011. 
 
GNISCI, Armando (Org.). Introduzione alla letteratura comparata. Milano: 
Mondadori, 1999. 
 
GRASSO, Sebastiano. Futurismo: a Bologna il Manifesto. In: Corriere della Sera, 
Milão, 01 fev. 2009. Archivio, p. 33. Disponível em: 
<http://archiviostorico.corriere.it/2009/febbraio/01/Futurismo_Bologna_Manifesto_co_
9_090201067.shtml>. Acesso em: 07 dez. 2011. 
 
MARINETTI, Filippo Tommaso. Fondazione e Manifesto del Futurismo. ______. 
Teoria e invenzione futurista. Milano: Mondadori, 1968. p. 7-14. 
 
RICOEUR, Paul. Sobre a tradução. Tradução e prefácio Patrícia Lavelle. Belo 
Horizonte: Editora UFMG, 2011. 
 
SARAIVA, Arnaldo. O modernismo brasileiro e o modernismo português: subsídios 
para o seu estudo e para a história de suas relações. Porto: Rocha; Artes Gráficas, 1986. 
 
 
 
 
i
 Título homônimo de seu livro. 
 
ii
 “[...] “la letteratura” ha la consistenza di un’immagine che dovrebbe corrispondere alla presenza 
ideale di un patrimonio comune delle diverse civiltà. Una specie di biblioteca infinita e progressiva. Essa 
è riunita intorno all’immenso campo di forze emanato dal potere della parola, orale e scritta, che inventa 
153e vivifica mondi e che si lascia ascoltare proprio perché apre le intelligenze alla complessa presenza del 
mondo e alla simultanea possibilità di diversi mondi. Al tempo stesso la barra posta tra letteratura (e) 
letterature lo dice chiaramente – la letteratura non esiste se non nelle concrete letterature espresse in 
lingue diverse; la loro diversità babelica muove verso una fluente riunione attraverso la traduzione; a 
sua volta la traduzione è il patrimonio comune dell’umanità formato dalle innumerevoli traduzioni che 
traversano da sempre tutte le lingue e dal potere inarrestabile e futuro di trasportare testi e messaggi tra 
i mondi”. (GNISCI, 1999, p. X) 
 
iii
 “i discorsi intrecciati che ci tengono insieme nella complessità di mondo-mondi-letteratura/letterature-
noi-mondi-mondo” (GNISCI, 1999, p. XIV). 
 
iv
 Sobre “o espaço literário internacional”, ver: CASANOVA, Pascale. A república mundial das letras. 
Tradução de Marina Appenzeller. São Paulo: Estação Liberdade, 2002, p. 25. 
 
v
 “In short, it is a major goal, and a workable possibility for the Polysystem theory, to deal with the 
particular conditions under which a certain literature may be interfered with by another literature, as a 
result of which properties are transferred from one polysystem to another”. 
 
vi
 “When a repertoire is established and all derivative models pertaining to it are constructed in full 
accordance with what it allows, we are faced with a conservative repertoire (and system). Every 
individual product (utterance, text) of it will then be highly predictable, and any deviation will be 
considered outrageous”. (EVEN-ZOHAR, 1990, p.21) 
 
vii
 “we do not understand or accept anything new except in the context of the old” (EVEN-ZOHAR, 1990, 
p.04). 
 
viii
 “Il Futurismo lo ha inventato Marinetti, il più "dinamico" dei poeti d' Italia. La rivista Poesia ci 
manda il proclama focosissimo con cui il nuovo partito letterario scende a combattere. Vedremo se alle 
premesse seguiranno le idee, i libri e i fatti”. (GAZZETTA DELL’EMILIA apud GRASSO, 2009, p. 33) 
 
ix
 “a relation(ship) between literatures, whereby a certain literature A (a source literature) may become a 
source of direct or indirect loans for another literature B (a target literature). Interference can be either 
unilateral or bilateral, which means that it may function for one literature or for both”. (EVEN-
ZOHAR, 1990, p. 54-5) 
 
x
 “The procedures followed by agents of transfer in cases of direct contacts are less visible than in the 
case of observable translated products, which often can be compared with the original texts. But one can 
also provide examples of cases where some source literature is accessed via some other third party – 
such as a third language and literature – which filters the models for the target. If this happens to be a 
language known to a large number of the literary producers, in that sense to the “institution,” there may 
be few actual translation products needed here either”. (EVEN-ZOHAR, 1990, p. 57) 
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