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Fritz Utzeri - Do Outro Lado do Mundo

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Do Outro Lado do Mundo 
Fritz Utzeri, 1989 
 
A primeira coisa que posso dizer, com relação 
ao trabalho de correspondente, é que não 
existe nenhuma posição para mim dentro do 
jornalismo que seja melhor. O Reali Jr., que é 
correspondente de O Estado de São Paulo, 
costuma definir essa posição como a de um 
repórter da geral numa cidade que não é a dele. 
O correspondente é alguém que tem que tratar 
de tudo, que tem que falar, por exemplo, da 
eleição francesa, e tentar explica-la para um 
publico que não vai participar dela. Então, ele 
tem que traduzir a realidade do pais em que 
está, e fazer o máximo possível de 
comparações que permitam às pessoas 
identificar o que esta acontecendo com os 
referenciais que estão acostumadas a usar aqui 
em casa. 
O correspondente não pode, de maneira 
alguma, perder o contato com o seu país. O 
tempo todo ele funciona como um brasileiro 
que está na Europa, nos Estados Unidos, no 
Japão, enfim, onde estiver, observando uma 
realidade que não é a dele. É fundamental que 
o correspondente esteja sempre bem 
informado tanto sobre a realidade do país em 
que esta como sobre a realidade do seu próprio 
pais. Não é possível, por exemplo, não saber 
quem é Fernando Collor de Melo, ou Leonel 
Brizola, ou a Xuxa. São coisas fundamentais 
para pinçar na realidade francesa, por 
exemplo, uma comparação brasileira. 
O correspondente, pela estrutura dos jornais 
brasileiros, é o mais livre dos jornalistas. Isso 
é mais verdade ainda na Europa, quando se 
tem cinco horas a favor. O que significa que, 
quando o correspondente esta com a sua 
matéria pronta, o pessoal aqui ainda não 
chegou ao jornal. O correspondente trabalha 
no século XXI. Em casa, com um computador 
na sua frente, ele passa a matéria direto para o 
jornal. Eu costumo brincar dizendo que o 
único jornalista que pode bater uma matéria de 
cueca, em casa, tranqüilo, é o correspondente. 
Os jornais brasileiros, em geral, têm uma 
estrutura que é muito amadorística. Eu fui para 
os Estados Unidos e para a França e ninguém 
jamais me perguntou sequer se eu falava a 
língua. Até achei que falava. Quando cheguei 
aos Estados Unidos, tomei um susto quando 
liguei a televisão. Havia uma crise no ar, e eu 
não estava entendendo nada do que a televisão 
dizia. Entrei em pânico, achei que não ia 
passar de uma semana. No exterior trabalha-se 
de uma forma muito pouco estruturada – com 
exceção de algumas empresas como a Globo e 
a Abril, que têm escritórios. Para o resto dos 
correspondentes, o que acontece é que temos 
que ser o produtor, o telefonista, o continuo. 
Isso é um pouco angustiante, porque se chega 
numa cidade desconhecida com um 
caderninho em branco. E como ser "foca" de 
novo. Rapidamente é preciso montar um 
sistema que permita não ser "furado" se 
acontecer alguma coisa importante, E o 
importante, no caso, vai desde o fato político 
local, até a passagem de algum brasileiro 
ilustre pela cidade. 
Dificilmente o jornal pede as matérias. Em 
90% dos casos a decisão do que escrever, do 
que apurar é do próprio correspondente. Se, 
por um lado, isso da uma grande liberdade, por 
outro obriga que ele seja muito disciplinado, 
porque tem que manter um fluxo regular de 
matérias. E o problema é saber que matérias. 
Pode ser que um assunto, muito interessante 
para o correspondente ou para o leitor francês, 
não interesse ao público brasileiro. Essa 
sensibilidade tem que estar sempre presente. 
Descobrir um bom assunto, escrever de uma 
maneira atraente é importante, porque a 
maioria dos leitores do jornal não lê a seção 
internacional. É importante que o 
correspondente tenha um certo estilo, que 
descubra um gancho, algo que nem é 
necessariamente uma noticia importante. 
O essencial é transmitir para as pessoas que 
estão lendo como é o país onde o 
correspondente está baseado. No meu caso 
particular, como repórter de gera!, sempre 
achei que, quando não ha um grande assunto 
— quando não se esta cobrindo uma 
eleição,uma guerra ou uma crise política —, é 
melhor simplesmente sair pela cidade. Sempre 
aconselho aos repórteres que não fiquem na 
redação, porque ha coisas interessantes 
acontecendo na rua, e e!e tem que estar de 
olho aberto, à procura de uma novidade. Um 
simples passeio por Nova York ou Paris 
permite praticamente esbarrar em pautas na 
rua. Em ultimo caso, pratica-se o chamado 
vampirismo: pega-se, por exemplo, o 
Libération e chupa-se uma matéria. É uma 
coisa que o correspondente não gosta de 
admitir, mas que acontece. Mas mesmo isso 
requer uma certa arte. Não basta simplesmente 
pegar e copiar uma matéria. É preciso 
reescrever o texto de um jeito que o Brasil 
tenha alguma coisa a ver com aquilo. Não é 
necessariamente a matéria mais importante do 
jornal, às vezes é uma notinha. 
Quando eu estava em Nova York, li uma 
matéria pequena num jornal sensacionalista, 
New York Post. Era sobre uma escola 
sofisticada na Califórnia que estava usando as 
crianças, há vários anos, para fazer filmes 
pornográficos. Apurei mais alguma coisa, e a 
matéria teve a maior repercussão porque a 
historia era muito estranha. E era mais 
estranha para mim do que para os americanos. 
Eu me perguntava como nenhuma dessas 
crianças, durante anos, disse nada em casa. 
Através de uma matéria como essa se tem uma 
reflexão do tipo de sociedade que é aquela. É a 
mesma sociedade onde, de vez em quando, um 
louco pega uma carabina e vai ao 
MacDonald’s matar criancinhas. É o que e!es 
chamam de hostage situation (situação de 
refém). Na França, eram freqüentes as 
matérias mostrando mordomias, marajás, mas 
em geral os corruptos acabavam na cadeia ou 
afastados. O papel do correspondente nesses 
casos é comparar as situações. 
Quando eu era criança, na época em que ainda 
havia bonde no Rio, as pessoas me 
perguntavam quando ia a outras cidades: "Lá 
na tua cidade tem bonde?" Cidade que não 
tivesse bonde era ruim. Isso é um pouco o que 
todos fazem com o correspondente: "As 
pessoas comem o quê? Como vivem? Como se 
vestem? o que gostam? o que não gostam?" 
Tudo isso nos temos que responder, e bem. 
Isso não significa que o correspondente não dê 
um tratamento diferenciado às mesmas 
noticia.s que as agências estão enviando, mas 
não ha condição de ele competir com o tipo de 
estrutura de uma UPI ou AP, por exemplo. 
Quando eu era correspondente em Nova York, 
tinha uma dupla dificuldade, porque na época 
o Jornal do Brasil comprava o serviço do New 
York Times. Numa cidade onde se tinha o 
maior jornal do mundo cobrindo e mandando 
na mesma noite tudo o que acontecia, fora as 
outras agências, era preciso realmente procurar 
muito por um assunto interessante. Mas é 
sempre possível encontrar, até pela liberdade 
que o correspondente tem. O fato é que ele 
precisa montar uma estrutura. Trabalhando em 
casa, eu não podia me dar ao luxo de ter quatro 
ou cinco maquinas de telex, uma da Associated 
Press, outra da UPI, outra da France Press. 
Aliás, pegar um telex de agência e "pentear" é 
bobagem, porque o mesmo texto que estaria 
batendo na minha casa, estaria entrando, 
exatamente na mesma hora, na redação do 
Jornal do Brasil. 
O que quero dizer é que nos precisamos saber 
basicamente o que esta acontecendo, mas de 
uma maneira diferente, com uma perspectiva 
local, que permita ao correspondente trabalhar 
em cima dela. Nos Estados Unidos o nosso 
trabalho é facilitado pela CNN, uma rede de 
televisão chamada Cable News Network, que 
pertence ao Ted Turner e permite receber 24 
horaspor dia material não editado. Lembro 
que, quando explodiu a embaixada americana 
em Beirute, a CNN entrou no ar ao vivo, e as 
imagens foram tão horríveis que eles pararam, 
pediram desculpas e editaram um pouco. Isso 
mostra que, se o Reagan levasse um tiro, eu 
teria imagens ao vivo. Para não perder nada, 
compra-se um videocassete e deixa-se 
gravando o dia inteiro. Quando se chega em 
casa, tudo aquilo que aconteceu no país está 
bem à frente. 
Em geral, os correspondentes gostam de dizer 
q\le boa cobertura é aquela em que se vai para 
urna guerra, ou para urna revolução. No 
período em que estive fora, infelizmente ou 
felizmente — no sentido de que não sou tão 
deformado que quero que o circo pegue fogo 
para que eu faça urna boa matéria —, não 
houve nada nesse sentido. Entre 82 e 85, nos 
Estados Unidos, o único episódio realmente 
empolgante do ponto de vista militar foi a 
invasão de Granada, mas ninguém pôde chegar 
perto. Foi o único caso que vi de censura à 
imprensa nos EUA. 
Havia a tal ponto, que as redes de televisão: à 
noite, mostravam alguns pequenos barquinhos 
de borracha com equipes da televisão tentando 
chegar perto e helicópteros voando baixo, 
fazendo marola para que o pessoal fosse 
embora. Foi um bloqueio completo e com 
aprovação do publico. 
Quando cheguei à França, estávamos em plena 
época dos atentados. Em Paris havia urna 
verdadeira histeria, todo mundo era revistado. 
E a população até queria realmente que se 
revistasse, porque não é muito interessante 
estar numa loja e, a qualquer momento, voar 
tudo pelos ares. Enfim, a única crise 
internacional que houve, e à qual os 
correspondentes em Paris não conseguiram ter 
acesso, foi o episódio do bombardeio à Líbia. 
Todos os jornalistas franceses, inclusive eu, já 
tinham lugar marcado a bordo de um avião 
líbio que sairia de Paris. 
Demos azar parque o governo francês resolveu 
expulsar quatro líbios e, obviamente, não iriam 
dar a chance de eles viajarem no mesmo avião 
que a imprensa. O vôo foi cancelado e, então, 
saiu um avião, com os jornalistas que estavam 
em Roma — inclusive quem viajou nesse 
avião foi o Roberto Pompeu, que era da Veja. 
Em geral, o correspondente tem pouco contato 
profissional com os "coleguinhas" do país 
onde esta. A não ser que o assunto envolva 
brasileiros. Quando houve aquele caso das 
máquinas de videopôquer do Castor de 
Andrade, e os franceses estavam envolvidos 
— havia um burocrata do governo, Yves 
Chalier, que tinha vindo ao Brasil com um 
passaporte falso, dado pelo ministério do 
Interior francês, e tinha participado da 
montagem do esquema -, n6s trabalhamos em 
ligação com repórteres da televisão francesa. 
Eu era o bom canal para transmitir a eles o que 
acontecia na polícia do Rio de Janeiro e, por 
outro lado, era muito mais fácil para eles ir à 
delegacia em Paris e conseguir informações. 
Não adianta ficar indo às redações de jornal 
chateando o "coleguinha", porque o 
fechamento dele é mais apertado e os 
interesses não são iguais. 
Eventualmente posso recorrer a algum 
"coleguinha" se não entendo alguma coisa 
muito complicada, ou quando, numa viagem, 
preciso assimilar muito rapidamente a 
rea1idade do local. Isso aconteceu quando fui 
cobrir, antes de ser correspondente, a queda da 
lsabelita Perón. A primeira pessoa que 
entrevistei na Argentina foi o Jacopo 
Timmerman que era do Opinion, para ele me 
dar uma luz. Lembro o que ele me disse: 
"Bom, o senhor, quando chegar na Argentina, 
sua primeira impressão vai ser do caos total. O 
senhor vai olhar pra Argentina e não vai 
entender absolutamente nada, vai pensar que 
está maluco. Com uma semana de Argentina o 
senhor vai ficar feliz, vai achar que entendeu 
tudo. E ai quando o senhor estiver bem feliz, 
de repente vai lhe bater a certeza de que o 
senhor jamais entenderá a Argentina, e assim o 
senhor vai continuar para o resto de sua vida 
junto com todos os argentinos." É mais ou 
menos o que acontece no Brasil. O que é mais 
freqüente é um jornalista francês ou 
americano, que vai viajar para o Brasil, 
precisar de informações ou dicas. 
Em geral, os correspondentes brasileiros no 
exterior se ajudam na cobertura dos eventos 
que envolvem personagens brasileiros, até por 
causa da precariedade da nossa estrutura. 
Numa reunião do Clube de Paris, nós tínhamos 
que ficar na rua a uma temperatura de 15 graus 
abaixo de zero. Virar uma noite, a 15 graus 
abaixo de zero, na rua, brigando com o 
“coleguinha”, é absolutamente impossível. 
Nos Estados Unidos, por exemplo, existem os 
chamados Foreign Press Centers, que são 
Centros de Imprensa Estrangeira, nos quais o 
correspondente se inscreve e tem acesso a 
todas as publicações que saem no país, a 
documentos do governo americano, material 
de pesquisa e xerox livre, o que significa uma 
facilidade de pesquisa para qualquer matéria. 
Na França não existe nenhum lugar para os 
correspondentes se reunirem, e a televisão só 
dá as notícias no dia seguinte. É realmente 
mais complicado. Mas como existem as cinco 
horas de diferença — nos Estados Unidos se 
trabalha contra o relógio — fica muito mais 
difícil acontecer algo importante que não possa 
ser utilizado. 
A posição do correspondente brasileiro é 
muito diferente dos outros. Os corresponden-
tes americanos no Brasil, em geral, estão na 
coluna social, até pela própria posição 
político-econômica dos Estados Unidos em 
relação a nós. Os correspondentes americanos 
na Europa, obviamente, são importantes, e os 
correspondentes europeus nos Estados Unidos, 
alguns deles, são importantes também. 
Lembro numa das entrevistas coletivas do 
Reagan, por exemplo, que era o próprio 
presidente que escolhia quem faria as 
perguntas. Ele começava: "Helen Thomas, da 
UPI" — que era, e ainda é, a decana do corpo 
de imprensa de Washington e invariavelmente 
fazia a primeira e a última perguntas — 
"Fulano de TaI da AP", "Sicrano do New York 
Times", "Beltrano do Washington Post" e 
assim por diante. O Pravda, certamente, se 
tivesse alguma pergunta para fazer, faria. 
O resto, nós, o Jornal do Brasil e O Globo, 
nunca tínhamos chance. A única oportunidade 
de nos aproximarmos de uma figura assim era 
se, por acaso, ela visitasse o Brasil. Logo que 
cheguei à França, o Mitterrand deu uma 
coletiva para a imprensa brasileira porque viria 
ao Brasil. No exterior nos ganhamos a noção 
da nossa desimportância. Na França é um 
pouco melhor, porque a bagunça quase é igual 
à do Brasil. Liga-se para uma pessoa e ela não 
responde à ligação, briga-se com a secretária e 
acaba-se conseguindo falar com um ministro. 
Nos Estados Unidos, não se passa, em geral, 
do Secretário de Assuntos Latino-Americanos. 
A volta para o Brasil não é muito fácil, e é 
completamente diferente para quem até então 
escrevia tudo e só dependia de si mesmo. O 
JB, antes da minha volta, tinha me feito a 
proposta de montar a editoria de ciência e 
tecnologia. Devo fazer um parêntesis e dizer 
que sou médico e entrei no jornal em 68 
exatamente para cobrir o setor de saúde. Fazer 
o chamado jornal medicamentoso era 
tranqüilo, porque ainda era uma época em que 
a censura não estava muito preocupada com 
esse assunto. Depois ela ficou, porque 
começou a meningite e nós descobrimos que 
através da saúde podia-se contar a historia 
social do país. Até que se descobriu isso, e 
ficou difícil também. E foi o que fiz durante 
alguns anos, e não com muito boa vontade. 
Por melhor que fosse a matéria, havia sempre 
uma coisa que pesava contra mim: "O Fritzé 
médico." Eu sentia que jamais seria aceito 
como jornalista se ficasse apenas nesse setor. 
E foi aí que mudei assim que pude. 
Quando o JB me fez o convite de voltar para 
fazer a mesma coisa, a minha resposta foi 
simplesmente não. Ficou uma situação 
estranha, porque fiquei deslocado, 
completamente à margem, e sem muita 
perspectiva de crescimento. Tinha a sensação 
de que, depois de ter sido correspondente eu 
não iria mais a lugar nenhum. E foi então que 
resolvi sair. Quando a Globo me fez a mesma 
proposta, aceitei, e não ha nenhuma 
incoerência nisso, porque o veículo é diferente. 
Eu começaria fazendo aquilo que já fazia em 
jornal, mas desta vez aprendendo num veículo 
diferente. Os problemas de origem persistem, 
passei a escrever pouco e dependo muito mais 
do trabalho dos outros. A televisão é alucinada 
e não existe um trabalho individual. 
Em relação ao país, depois de sete anos no 
exterior, entre os Estados Unidos e a França, é 
claro que é difícil voltar e se acostumar. O 
nível da deterioração dos serviços e até mesmo 
o empobrecimento que noto são enormes. 
Tomei um susto quando recebi o meu primeiro 
salário brasileiro, e era um salário razoável 
para os padrões locais. O correspondente, 
mesmo dentro dos padrões brasileiros, com a 
penúria empresarial e o custo do dólar, em 
geral, é um profissional bem pago, inclusive 
para os padrões franceses ou americanos. Eu 
ganhava na França iguaI a um bom jornalista 
francês, o que significa um bom salário, 
porque os salários dos jornalistas de lá são 
melhores do que os daqui. Em geraI os salários 
lá são o suficiente para viver. Essa é a 
diferença básica. Mesmo no caso de um "foca" 
que está começando e ganha mal, esse mal é o 
suficiente para ele viver. 
Uma das propostas que o Jornal do Brasil 
tinha me feito, e era até uma boa proposta, era 
para ser editor nacional, porque eu seria 
alguém que teria uma visão ainda um pouco 
escandalizada do Brasil, e poderia transmiti-la 
às pessoas. Quando cheguei, os deputados 
brasileiros estavam querendo aumentar os 
salários deles e as pessoas me perguntaram: 
"Quanto é que ganha um deputado na França?" 
Eu disse: "Olha, um deputado na França ganha 
exatamente a mesma coisa que os deputados 
querem ganhar aqui, a única diferença é que 
esse dinheiro na França equivale a 12 salários 
mínimos, aqui equivale a 120." Há uma 
distorção maior dentro da sociedade, e são 
coisas com as quais não é possível se 
acostumar. Talvez fosse bom não se adaptar 
realmente. Acho que ainda estou resolvendo a 
minha volta. Conheço alguns "coleguinhas" 
que não resolveram bem esse problema, que 
saíram do jornalismo e foram fazer assessoria, 
"piraram" ou voltaram para o exterior. 
A experiência de correspondente é muito boa, 
tanto que eu não pedi para voltar. Mas os 
jornais, hoje, criaram uma espécie de rodízio, 
em que acham que o jornalista deve 
permanecer três anos no exterior. O prazo 
adequado para um correspondente ficar no 
exterior está em torno de quatro a cinco anos. 
Depois ele deveria .voltar. O primeiro ano é 
um ano de construção, não se sabe de nada. No 
segundo, já se começa a ficar à vontade, e o 
terceiro é o ano em que, efetivamente, a pessoa 
já é conhecida, já tem um alentado caderninho 
de endereços. Quando chega a esse ponto a 
pessoa é transferida, pega o caderninho, 
arquiva na mala, e vai para outro lugar com 
uma nova folha em branco. Fiz isso duas 
vezes, e estou fazendo pela terceira, porque 
voltar para o Rio depois de tanto tempo é 
recomeçar do zero. Aliás, espero que daqui a 
três anos alguém me mande para fora. Até 
acho que pode existir uma carreira de 
correspondente, afinal, hoje, os jornais 
costumam ser cada vez mais especializados. 
Mas, mesmo que existisse essa carreira, o 
jornalista deveria passar um tempo na redação 
antes de seguir para outro país. 
Em geral, o cargo de correspondente é visto 
como um prêmio, ou então como solução para 
uma questão política interna da redação. 
Quando saí daqui em 82, tinha chegado ao 
Jornal do Brasil e dito: "Não agüento mais o 
JB, vou me embora." Então, eles me fizeram a 
proposta de ir para Nova York. 
Na mesma hora eu disse: "Vou." E fui. Mas 
imaginem desembarcar em Nova York — 
Manhattan, Empire State, World Trade Center, 
Wall Street, milhões de carros na rua, todo 
mundo falando inglês — com uma folha de 
papel em branco, sem conhecer ninguém. É 
preciso ir à polícia tirar uma credencial, ao 
Foreign Press Center, arranjar um apartamen-
to, descobrir quem são os correspondentes dos 
outros jornais, começar a conhecer as pessoas, 
pôr as crianças na escola. A agenda em branco 
leva um certo tempo para se encher. O que 
mais complicou a minha chegada a Nova York 
foi que, dois meses depois, o México decretou 
a moratória, e o sistema financeiro 
internacional quase foi à falência. Eu, que 
nunca tinha coberto economia, fui aprender 
navegação a bordo do Titanic. 
Quando se está lá fora, pode-se reparar que o 
mundo está se integrando cada vez mais, que 
estão se formando grandes blocos econômicos 
e políticos: a Europa de 92, os Estados Unidos, 
o México e o Canadá que estão praticamente 
formando uma unidade econômica, o Japão e 
os países do Sudeste Asiático e a China, 
namorando essa órbita de influência. Nós nos 
vemos aqui no quintal, longe desse processo, 
às voltas com as nossas velhas histórias. Os 
jornais estão muito preocupados com: “Fulano 
diz”, “Sicrano faz”. Na época em que comecei, 
os jornais tinham um ar mais corajoso, se 
investia mais em reportagem. Posso estar até 
generalizando. Os jornais não são muito 
diferentes uns dos outros. O Globo, por 
exemplo, para mim não mudou nada. Outros 
jornais mudaram um pouco, a Folha 
aperfeiçoou o que já vinha fazendo, é 
interessante, mas ainda é um jornal muito 
confuso. Sinto falta da grande matéria, da 
matéria de repórter. 
No período em que fui correspondente, 
observei dois universos muito diferentes em 
termos de jornal. Os nossos jornais e 
televisões têm um padrão muito mais parecido 
com o americano. O Jornal do Brasil é muito 
mais parecido com o New York Times do que 
com o Le Monde, sem sombra de dúvida. O 
americano tem um jornalismo mais 
investigativo. Basta acompanhar, por exemplo, 
os escândalos que periodicamente acontecem 
sobre a vida privada dos políticos americanos. 
Quando o Jornal do Brasil publicou uma 
matéria sobre a filha do Lula, ele disse que 
isso acontecia porque estava morando aqui e 
não nos Estados Unidos. Lula disse uma 
bobagem, porque lá, possivelmente, iriam 
querer saber não só da filha dele, mas da 
primeira namorada que ele teve... Isso dá idéia 
de que lá as coisas têm conseqüência. Basta 
ver o efeito da imprensa em cima do caso 
Watergate, e, recentemente, do Irãgate. É só 
comparar com o que acontece no Brasil. Aqui 
as coisas se diluem. 
Os jornais americanos são muito ágeis. Até 
porque eles têm uma enorme quantidade de 
dinheiro. Há os grandes jornalões, o 
Washington Post, o Los Angeles Times, o New 
York Times; que são nacionais, e as duas 
grandes revistas a Time, e a Newsweek, além 
de uma infinidade de outras revistas da melhor 
qualidade. O New York Times tem um corpo 
enorme de correspondentes, um staff 
gigantesco, e é um jornal massudo, com um 
faturamento absurdo, que cobre tudo que se 
puder imaginar. Mas há um outro fenômeno 
nos Estados Unidos, que é fundamental, a 
televisão. As três grandes redes e a CNN têm 
programas de jornalismo com os quais nós não 
podemos nos comparar. Sópara ter uma idéia, 
um programa chamado 60 Minutes tem 150 
produtores. 
Na França, todos os jornais têm opinião sobre 
tudo. O Le Monde, por exemplo, é um belo 
jornal, com uma perspectiva histórica que, 
certamente, explicará tudo ou quase, até 
porque o francês médio pensa melhor do que o 
americano. Mas é difícil saber o que aconteceu 
ontem. Uma vez houve uma manifestação 
muito grande da CGT em Paris e o Le Monde 
garantiu, em três linhas, que aquela 
manifestação tinha sido menos importante do 
que a de 1984. Eu li e disse: "Obrigado." Essas 
três linhas resumiam tudo o que tinha 
acontecido naquela tarde, e seguia-se uma 
página de análise sobre sindicalismo. Ou seja, 
notícia é em outro lugar. 
Existe ainda um jornal chamado Libération. 
um tablóide muito bem-feito, que não tem a 
pretensão de cobrir tudo mas sempre tem 
alguns assuntos muito bons. O Figaro é o que 
mais se aproximaria do nosso modelo de 
jornalão, uma espécie de Estado de S. Paulo. É 
o maior jornal nacional da França. Há 25 
jornais em Paris, cada um deles tem uma 
tendência política. O Figaro é escandaloso, 
porque a posição política não está só no 
editorial, o noticiário também sofre essa 
interferência. Quem lê o L'Humanité e o 
Figaro vê dois fatos completamente diferentes, 
porque eles têm uma posição política que é 
muito mais marcada do que estamos 
acostumados a ver. 
No Brasil, todo mundo sabe de que lado um 
jornal está, apesar de eles gostarem de, pelo 
menos, dar uma aparência de que isso não é 
verdade. Na França as pessoas, em geral, não 
se preocupam muito com isso., Os jornais 
defendem suas bandeiras abertamente. O 
jornal mais "furão" da França é um semanário 
satírico que chama-se Le Cal1ard Enchainé, 
que é, literalmente, o pato acorrentado. Esse 
jornal, de vez em quando, dá furos, denuncia 
escândalos, cria crises de governo. É como se 
fosse o Pasquim dos bons tempos dele. 
A televisão não tem o mesmo papel, 
principalmente porque ela era estatal até pouco 
tempo. Além disso, o francês não gosta muito 
de televisão. Não é igual aos Estados Unidos 
ou ao Brasil. Basta dizer, por exemplo, que um 
dos programas de maior audiência na França 
chama-se Apostrophes, um programa literário. 
Alguém consegue imaginar um programa 
literário no Brasil às 9h da noite na Rede 
Globo? No metrô de Paris, as pessoas, em 
geral, estão todas apertadinhas com o seu 
livrinho, nas posições mais esdrúxulas, 
tentando ler alguma coisa. lê-se 
alucinadamente. Inclusive, às vezes, os 
noticiários terminam recomendando um livro. 
Realmente isso não faz parte da nossa cultura. 
Os jornais franceses atendem muito a esse tipo 
de necessidade. Os franceses têm uma idéia 
talvez maior da história, existe uma memória 
que nós aqui, infelizmente, não. temos. 
A preocupação com a imagem do país não é só 
dos brasileiros: Fiz uma matéria que saiu 
publicada num livro na França, chamado A 
França no exterior, em que se reuniram 250 
artigos de imprensa para mostrar como o país 
era visto pelos correspondentes. Depois a 
revista Actuel traduziu três desses artigos, o 
meu abria e o do Pravda fechava, dizendo 
inclusive que as mulheres francesas eram feias 
e raquíticas. 
Meu artigo era sobre o seguinte: quando se 
mora na França, todo ano é preciso ir à polícia 
e tirar uma Carte de Sejour, uma autorização 
de permanência. A Carte de Sejour é o terror 
do estrangeiro na França, porque ele tem que ir 
para uma fila quase igual à do Félix Pacheco 
do Rio. Os jornalistas são mais bem tratados, 
tiram o documento no mesmo lugar em que os 
diplomatas obtêm os deles. Quem não é nem 
uma coisa nem outra vai para a fila, e no 
inverno, fica-se esperando na rua. Resolvi não 
tomar conhecimento da simpática velhinha que 
cuidava disso para mim no serviço dos 
diplomatas e fui como um mortal comum. 
Depois de três horas e meia de fila, a 15 graus 
abaixo de zero, finalmente me colocaram 
numa sala, que media 9m
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, junto com outras 
60 pessoas. Quando consegui chegar ao 
guichê, a mulher carimbou um papel e disse: 
"Volte em maio", ou seja, quatro meses 
depois. Não me deu a Carte de Sejour, me 
mandou para uma nova fila, em maio, quando 
já estaria um pouco mais quente. Então tive 
um ataque, gritei, e quase quebrei uma porta 
de vidro, porque eu queria ser preso. Não 
aconteceu nada, porque os franceses não 
reagem. Saí de lá morrendo de raiva e escrevi 
uma matéria no jornal, contando tudo, 
inclusive dizendo que "quando a gente 
importou a cultura francesa, a gente importou 
a arrogância, a prepotência". Foi uma matéria 
editorializada e de um mau humor absoluto. 
Obviamente que os franceses souberam, 
porque depois a matéria apareceu traduzida na 
revista. Aliás, não me pagaram por isso até 
hoje.
Referência bibliográfica 
UTZERI, Fritz. “Do Outro Lado do Mundo” in RITO, Lúcia; ARAÚJO, Maria Elisa de; 
ALMEIDA, Cândido J. Mendes de (orgs.). Imprensa ao Vivo, Rio de Janeiro: Rocco, 
1989. págs.145-158

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