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Vocabulário de Foucault

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OCABULÁRIO DE FOUCAULT NESTE LIVRO 
 
Agenciamento - Fazer parte da relação de preocupações e promover direta ou 
indiretamente soluções. Foucault usa esta expressão com assiduidade quando se refere 
aos mecanismos e dispositivos de sujeição e domesticação praticados pelos poderes. 
Antiguidade – Período que vai do século V a.C. até o século II de nossa Era. Foucault 
estudou principalmente na História da Sexualidade o século IV a.C. e os dois primeiros 
séculos de nossa Era. Neste período da Antiguidade greco-romana está localizado o 
fundamento de uma ética de liberdade que, consideradas as devidas atualizações, é a 
proposta foucaultiana para a libertação hoje, a partir da ética do cuidado de si. 
Aproximação – Possibilidade de comparar e identificar conceitos e ideias que autores 
distintos apresentam em suas obras; relacionamentos intelectuais normalmente derivam 
em justaposições ou argumentos diferentes, mas relacionados ou reciprocamente 
intuídos. Neste caso, não necessariamente as aproximações significam concordância ou 
mesmo semelhança: é mais um processo intelectual de conhecimento. Por exemplo, 
Foucault e Marx, Foucault e Nietzsche. 
Arqueologia – Vestígios de acontecimentos passados que nos levam a compreender 
situações e desfechos, e a explicar os acontecimentos de forma mais perto possível de 
uma “certa verdade”. O problema apontado por Foucault é que as Ciências se detêm em 
certos detalhes e deixam passar outros, exatamente porque a pesquisa arqueológica, 
como as demais ciências, está embebida pelas diretrizes de determinadas relações de 
poder, o que modifica o olhar do historiador e pesquisador. A proposta é “inverter o 
procedimento: pode-se descer no sentido da corrente e, percorrido o domínio das 
formações discursivas e dos enunciados, uma vez esboçada sua teoria geral, correr para 
os domínios possíveis de aplicação. Refletir sobre a utilidade dessa análise que, por um 
ato talvez muito solene, batizei de „arqueologia‟” (A Arqueologia do Saber, 2001a). 
Arte de Existir – Formas de viver, escolhas, opções de vida. Para Foucault a vida é 
uma arte na medida em que cada indivíduo comprometa-se consigo mesmo. Está ligado 
ao conceito de “subjetivação” e à ética do “cuidado de si”. 
Ascetismo – Filosofia de vida em que o sujeito está orientado para a realização de seu 
potencial criativo em um lugar fora dele mesmo e da vida terrena. No caso do 
cristianismo toda a potência de viver, todas as forças humanas de realização estão 
voltadas para um Deus único, e em nome Dele se espera fazer algo para alcançar a vida 
V 
plena e a felicidade, não aqui na Terra, mas no Paraíso. Caso contrário espera-se o 
Inferno. Este esvaziamento da vontade e este deslocamento da energia criativa humana 
enfraquecem o homem e o torna subjugado ao poder pastoral da igreja. Neste caso 
Foucault compartilha a opinião de Nietzsche, para quem um dos três motivos da 
angústia e sofrimento humanos é o comportamento ascético. Os outros dois motivos em 
Nietzsche são o remorso e o ressentimento. 
Behaviorismo – Escola da psicologia experimental cuja proposta é a possibilidade de 
condicionar comportamentos humanos a partir de estímulos exteriores de punição ou 
recompensa. Foucault se insurgia contra tais práticas de sujeição, mas as via 
condicionadas às relações de poder dispersas nos mecanismos sociais disciplinares e de 
controle. Assim, mesmo que se abolissem tais experimentos, haveria outros de igual 
quilate a serviço da normatividade e disciplina. Para ele, a psicologia, como as demais 
ciências, não se propunha a práticas desvinculadas do poder. Portanto, na concepção de 
Foucault é mais importante estudar as relações de poder que exatamente as práticas e os 
enunciados das diversas disciplinas, na medida em que elas são consequência e não 
causa da dominação. 
Biopolítica – A partir do século XVII os governos precisam se dedicar às condições nas 
quais os indivíduos poderão servir aos interesses produtivos e de consumo. É nesta 
dimensão, por dentro destas preocupações políticas, o homem se insere efetivamente 
como problematização a ser enfrentada. As preocupações com saúde, crescimento 
populacional, qualificação de mão-de-obra, duração da vida, deslocam a política para 
uma arte de administração logística de pessoas, quer dizer, em que medida e de que 
formas se poderiam utilizar o potencial das energias humanas para reproduzir todo um 
sistema produtivo e mercadológico. Nestas condições, Foucault localiza os motivos 
pelos quais a partir do século XVII, nos séculos seguintes e até hoje, o confinamento é a 
prática sugerida para doentes mentais, delinquentes, mendigos, menores infratores etc, 
em substituição ao descarte pela morte, até então praticado pelo poder do soberano 
(tanatopolítica). Todos os estabelecimentos de tratamento e punição passam então a ter 
uma função disciplinadora com vistas ao possível aproveitamento desses corpos, 
desenvolvendo para isso dispositivos próprios de domesticação da alma e onde o Estado 
não precisa estar presente de forma acintosa. 
Capilares – Extremidades, ou seja, lugares na periferia do poder onde mecanismos de 
dominação desenvolvem dispositivos especiais de domesticação das vontades. Por 
analogia aos vasos sanguíneos mais delicados e que chegam aos pontos mais distantes 
do corpo humano. 
Cartografia – Conjunto de mapas que definem as possibilidades de caminhos a serem 
trilhados por cada indivíduo. A história tradicional é normalmente contada linearmente 
como se um fato sucedesse a outro num ritmo determinado, em uma relação de causa e 
efeito, o passado a determinar o hoje, hoje o amanhã e assim infinitamente. Esta forma 
de contar a história limita a visão sobre as experiências passadas e afunila as 
possibilidades do caminhar de cada pessoa. Foucault vai romper com este determinismo 
e, ao resgatar outros olhares sobre a história, liberta os homens para que possam 
escolher caminhos diversos a partir de leituras cartográficas “abertas”, através de mapas 
que não levam necessariamente à repetição nem mesmo à determinação de verdades. 
Importante, aqui, o germe da possibilidade de fazer da vida uma obra de arte a partir da 
preocupação consigo mesmo, o cuidado de si regatado no final de sua obra com a 
História da Sexualidade (2007 e 2009). 
Classe dominante – Para Foucault a “classe dominante” seria aquela que determinasse 
as verdades no jogo do poder. Isto rompe com a definição marxista de que a única 
“classe dominante” seria a classe burguesa no sistema capitalista de produção. Foucault 
começa a romper com o marxismo exatamente quando defende que as relações de poder 
determinam quem irá governar, e que esse domínio, capaz de impor as regras e os 
comportamentos desejáveis em determinada realidade, determina a classe dominante. 
Por exemplo, na ex-União Soviética, apesar da revolução proletária, continuava a existir 
uma classe dirigente dominante. Por outro lado, quando Foucault chega à definição de 
microfísica do poder, o centralismo do poder em uma classe única perde um pouco sua 
importância no âmbito geral das relações de poder, porque agora esse poder está 
difundido em instituições e mecanismos especiais encontrados por toda a sociedade, 
como os hospitais, as prisões, os quartéis, a moral e os costumes. Isto, no entanto, não 
significa que Foucault não reconhecesse o poder do Estado, mas todos os poderes 
sempre como decorrência de relações políticas. 
Conhecimento de si – Foucault utiliza este termo para designar o processo pelo qual a 
razão adquire preponderância na filosofia e nas práticas de existência dos homens. Em 
dois momentos o “conhecimento de si” direcionou a humanidade: no advento do 
cristianismo medieval e no racionalismoa partir do século XVII. No primeiro caso, no 
cristianismo, o “conhecimento de si” ganhou conotações religiosas profundas que 
perduram até hoje, pois essa compreensão implica em reconhecer a inferioridade 
humana diante de Deus. Por sua vez esse reconhecimento de sua condição inferior 
coloca os homens na posição de sujeição e renúncia de si mesmos, canalizando suas 
energias e potencialidades em direção a um lugar e um tempo fora da Terra, no Reino 
dos Céus. Mais tarde, por volta do século XII, o cristianismo cede terreno em sua 
dogmática ascética e renasce a autoconfiança dos homens, que vão utilizar a razão para 
desenvolverem cientificamente sua experiência terrena. No século XVII essa 
experiência tecnocientífica se consolida através de uma filosofia racionalista e 
instrumental. Contudo, a isto não corresponde a libertação do homem, vez que sua 
existência agora é dominada pela razão instrumental voltada para a produção e o 
mercado. O “conhecimento de si” é o contrário do “cuidado de si”. 
Cuidado de si – Quando estudamos as motivações filosóficas existenciais na história 
ocidental percebemos uma clara distinção entre o período clássico da Antiguidade 
greco-romana e os períodos seguintes do cristianismo e da revolução industrial. Naquele 
período, que Foucault estudou entre os séculos IV a.C. e o II de nossa Era, a existência 
cotidiana dos homens era voltada para a execução de dois princípios basilares: a 
liberdade e a cidadania. Não que fosse apregoada e praticada toda a liberdade e que a 
cidadania fosse apenas a exigência de direitos, pelo contrário. Todo o pensamento da 
época invocava comedimento, parcimônia, prudência, certa austeridade e conclamava os 
cidadãos à administração pública da cidade e controle do poder do governante. Portanto, 
mais do que uma libertinagem e uma permissividade irresponsável, a filosofia e a 
política se fundiam para exigir responsabilidade e controle dos excessos de poder e dos 
prazeres mundanos. Mas estes limites não eram colocados através do “medo” do além 
nem pela ação autoritária do governante, mas pela autodeterminação dos cidadãos. A 
filosofia era a orientação, o filósofo o mentor, e cada indivíduo deveria preocupar-se 
consigo mesmo de forma que os excessos de sua liberdade não prejudicassem sua saúde 
física e mental e não o levassem a dominar seus semelhantes. Guardadas as devidas 
proporções, é este cuidado de si que Foucault propõe como uma ética para as “práticas 
de liberdade” atuais. O cuidado de si implica que “uma vez que ser livre significa não 
ser escravo de si mesmo nem dos seus apetites, o que implica estabelecer consigo 
mesmo uma certa relação de domínio, de controle, chamada de archê – poder, comando. 
[...] O cuidado de si é ético em si mesmo; porém implica relações complexas com os 
outros, uma vez que esse êthos da liberdade é também uma maneira de cuidar dos outros 
[...] E o bom soberano é precisamente aquele que exerce seu poder adequadamente, ou 
seja, exercendo ao mesmo tempo seu poder sobre si mesmo. É o poder sobre si que vai 
regular o poder sobre os outros” (A Ética do Cuidado de si como prática de Liberdade, 
2006b). 
Devir – De forma mais simples devir é entendido como o processo de construção 
histórico da vida de pessoas, coisas, nações. Na concepção foucaultiana esse devir 
histórico, no entanto, não pode ser entendido como uma sucessão previsível e encadeada 
de fatos e acontecimentos, mas uma justaposição de eventos mais ou menos aleatórios e 
imprevisíveis. Esta concepção “fluída” da construção do tempo, só possível na cabeça 
dos homens, todavia, pela realização de algo ou a materialização de alguma coisa para 
si, influencia igualmente o discurso foucaultiano de “ser”: na medida em que o 
indivíduo seja um “ser” único, uma singualridade, o tempo histórico necessariamente 
precisa ser descontinuado, contingencial e improvável, porque só o é para cada “ser” de 
forma única. É neste sentido que o “eterno retorno” de Nietzsche é apresentado por 
Foucault, como algo que na verdade não pode ser um círculo contínuo de 
reapresentações a não ser que seja a volta do “homem mesquinho”, pois a grandiosidade 
de ser único em uma liberdade responsável é exatamente poder voltar renovado no fluxo 
da vida. Pode-se ver esta discussão no texto de Foucault intitulado “Theatrum 
Philosophicum” onde o mesmo faz uma análise do pensamento de Gilles Deleuze. O 
artigo foi publicado em 1970 e pode ser encontrado em Ditos & Escritos II. 
Dividual – O que está dividido, portanto não pode ser inteiro e único; antônimo de 
(in)dividual. Usa-se essa expressão no sentido de um sujeito que não pode atingir sua 
plenitude como ser, como indivíduo, visto que é objeto de mecanismos de dominação, 
hoje do tipo informacional, cujo controle é feito de forma binária, codificada, simétrica. 
A vantagem para os mecanismos coercitivos atuais de gestão de pessoas é que os 
códigos são flexíveis e fáceis de serem rastreados e manipulados. 
Dobra – Conceito usado por alguns intelectuais, principalmente Deleuze e Guattari, 
para designar uma passagem de um estado de sujeição para a emancipação do homem. 
Embora essa explicação seja absolutamente plausível em Foucault, pode-se entender 
“dobra” igualmente como o aproximar de dois pontos, no sentido espacial, onde o 
menor caminho não seria necessariamente a linha reta, mas uma curvatura capaz de 
aproximá-los num plano. Ora, na obra foucaultiana em muitos sentidos existe essa 
curvatura, essa “dobra” que aproxima pontos aparentemente distantes no tempo de sua 
obra e nos conceitos desenvolvidos. Então essa “dobra” também pode ser vista como 
possibilidade de aproximação, não só um retorno a postulados ou o resgate de 
elementos dispersos e perdidos, ou mesmo recusados outrora, porque o principio desse 
caminho curvo não é a repetição, mas o avanço rumo a um novo homem e a uma ética 
de efetiva libertação. De qualquer forma, uma vez efetuada essa “dobra” não existe mais 
como voltar: a desaceleração que permitiu outro olhar permitiu a aceleração em outras 
escolhas. 
Domesticação – Usado no sentido de dominação das vontades, no sentido de sujeição 
dos desejos, no sentido de um poder que rouba as energias potenciais do ser humano em 
favor da disciplina e controle fabril; política – ou melhor, Biopolítica – a serviço da 
economia. 
Doxa – Usada algumas vezes por Foucault, expressão grega que significa opinião, e 
usada na Antiguidade clássica muitas vezes como verdade. Presente nos textos de 
Bourdieu, de quem foi companheiro de estudos, designa segundo este autor algo mais 
do que um dogma, no sentido em que o dogma ainda possibilita a desmistificação 
enquanto a doxa, por ser verdade tão arraigada, impossibilita a crítica e a discussão. 
Bourdieu: “Essa idéia se tornou uma doxa, ou seja, mais do que um dogma (palavra da 
mesma família que doxa): um conjunto de crenças que não precisam sequer ser 
enunciadas, que existem por si mesmas” (Entrevista a Maria Andréa Loyola, 2002). 
Enfrentamento – Possibilidade de ser contumaz e resistir ao movimento de subjugação 
das “sociedades disciplinares” e de “controle”. Todavia, deve-se atentar para o fato de 
que este enfrentamento, no pensamento foucaultiano, não privilegia as vias da política 
tradicional, dos aparelhos institucionais e dos movimentos de massa ideologizados, mas 
sim a espontaneidade de indivíduos que, pela ética do “cuidado de si”, aproveitam os 
momentos de escape dos aparelhos de controle para empreenderam o deslocamento de 
sua libertação, de forma individual ou por aproximações. 
Enunciado – Foucault utiliza a expressão “enunciado” quase sempre junto com 
“formações discursivas”. São descrições da realidade ou conceitos que nos discursosexplicativos adquirem a forma de “verdade”, de única verdade. A revolução 
foucaultiana em relação ao saber parte exatamente dessa constatação e de poder 
ultrapassá-la. 
Escapismo – Fuga do sistema. Foucault dá a entender que os próprios mecanismos de 
poder deixam escapar possibilidades de fuga e enfrentamentos; como que por força 
“centrífuga” os dispositivos de vigilância e submissão não o podem evitar: “Mas há 
sempre, com certeza, alguma coisa no corpo social que escapa [...] às relações de poder; 
alguma coisa que não é a matéria primeira mais ou menos dócil ou recalcitrante, mas 
que é o movimento centrífugo, a energia inversa, a escapada” (Poderes e Estratégias, 
2006c). Neste caso, a proposta de Foucault de resistência não parte de uma consciência 
de classe que arregimentada por um partido ou uma direção central, encaminhasse as 
propostas e as práticas de luta, mas quase como que uma “volta da diferença” 
indissociável do próprio movimento de dominação. Todavia esse “relaxamento” da 
vigilância precisa ser percebido e querido pelo sujeito, o que evoca a construção de 
novos saberes a partir da compreensão das relações de poder e o jogo de verdade em 
que se está submetido. Assim a desalienação e a vontade de poder estão tão presentes 
como em qualquer movimento revolucionário, só que aqui em termos de interesse e 
decisão pessoal. A ética do “cuidado de si” se apóia nesta construção “solitária” da 
liberdade. 
Espontaneidade – A ideia de espontaneidade é importante na medida em que as 
possibilidades de fuga e, portanto, de resistência nas sociedades disciplinares e de 
controle se dá por um movimento autônomo e uma verve que atinge o sujeito e o leva 
ao processo de libertação: “É preciso conceber então que ele não poderá sair dele a não 
ser por uma mudança que ele próprio operará em si mesmo” (O Que são as Luzes?, 
2005b). Este princípio capital para Foucault foi alvo de discussões e controvérsias sérias 
com os movimentos marxistas nos anos 60 e 70 do século passado, principalmente 
porque Foucault, diretamente e indiretamente, estava criticando o centralismo 
democrático e vinculando os desmandos autoritários do stalinismo ao fato de ter 
capitaneado autocraticamente o movimento revolucionário das massas trabalhadoras. 
Estruturalismo – Em meados da década de 60 do século que findou, a predominância 
do Estruturalismo como método nas Ciências Sociais foi muito forte, principalmente 
devido à importância do trabalho de Lévi-Strauss. No começo, Foucault viu no método 
a possibilidade de reformular os saberes e as relações de poder. No entanto, com o 
passar dos anos, ele se afasta progressivamente do Estruturalismo na medida em que 
mais se aproxima do conceito de “microfísica do poder” e da descontinuidade histórica, 
envolvida pelas relações de poder e a formação de jogos de verdade como dispositivos 
de disciplina e controle. Para Foucault, afinal, não é possível sequer reduzir a 
experiência humana a certas características econômicas, culturais, produtivas etc. Por 
vezes temos a sensação nítida que a ordem e o direito, ou seja, o poder, tido 
tradicionalmente como conseqüência e não causa dos fenômenos sociais, aparece nessa 
relação, entre estrutura e superestrutura, invertido. Em 1969, Foucault explicava sua 
relação com o Estruturalismo nos seguintes termos: “Penso que atualmente o 
Estruturalismo se inscreve no interior de uma grande transformação do saber das 
ciências humanas, que essa transformação tem por ápice menos a análise das estruturas 
do que o questionamento do estatuto antropológico, do estatuto do sujeito, do privilégio 
do homem. E meu método se inscreve no quadro dessa transformação da mesma forma 
que o Estruturalismo – ao lado dele, não nele” (Michel Foucault Explica seu Último 
Livro, 2005b). É neste sentido que muitos autores se referem a Foucault como um pós-
estruturalista. 
Ética – Para Foucault a “ética” deve ser o conjunto de práticas da liberdade de si, ou 
seja, as ações que visam à libertação de cada homem. Essa ética é individualista no 
sentido que cada pessoa deve encapar seu projeto pessoal de fuga dos mecanismos 
disciplinares e de controle modernos. Todavia, Foucault procurou dar uma orientação ao 
mesmo tempo moral e concreta de como ensejar esse caminho para a libertação: ao 
estudar a sexualidade como fenômeno sempre alvo da moral, ele vê na filosofia da 
Antiguidade greco-romana um prelúdio do que poderia servir a nós hoje para sermos 
livres. Nas limitações existentes naquele período, se impunham as orientações 
filosóficas quanto às “práticas de liberdade”, no sentido não de restringir a felicidade e o 
prazer de viver, com tudo que isso implique, mas no sentido de não perpetrar exageros 
que poderiam prejudicar a saúde física, espiritual e o convívio democrático dos cidadãos 
na polis. Claro que Foucault tem a noção de que se devem guardar as devidas 
proporções entre a realidade da Antiguidade clássica e os dias de hoje, mas a orientação 
tem o sentido dos homens se dedicarem mais a si mesmo, cuidarem mais de suas vidas e 
de sua saúde, do que se imiscuírem na vida e infortúnios alheios. Portanto, uma ética 
muito mais voltada para a educação do que para a vigilância e punição, que, em última 
instância, são as causas dos grandes desprazeres da humanidade. 
Filosofia – A “filosofia” sempre teve o papel de ser crítica e formular questões de 
desconstrução ou que levem os homens a repensar os paradigmas, as verdades 
estabelecidas. Foucault chega a opor o filósofo ao intelectual moderno, querendo 
mostrar que os intelectuais acabaram por sucumbir ao determinismo instrumental do 
poder e às necessidades de submissão e padronização mercantil. O resgate da “filosofia” 
estaria, então, nessa volta ao passado, quando nem a “filosofia” tinha a pretensão de ir 
além do questionamento e os filósofos se consideravam apenas mestres mentores. 
Foucault se considerava muito mais filósofo neste sentido, de uma iconoclastia clássica, 
do que um intelectual no sentido moderno do termo. Foi por esse motivo, também, que 
ele chegou a publicar artigos com pseudônimo (Veja-se O Filósofo Mascarado, 2005b). 
Fluxos – A vida, como “fluxo”, é sempre um experimentar mais os momentos e 
contingências do que restringir-se aos valores, às verdades e aos saberes. Em si mesmo, 
o fato de Foucault se aproximar tanto deste conceito já denota a metodologia de sua 
obra e a ética do comprometer-se consigo, que aprofunda nos últimos escritos. Como 
método, não se extingue a história dos homens nas causalidades e nos dogmas 
empedernidos. Como ética, liberta o homem para a experiência prazerosa da vida. 
Como o poeta o disse, “Navegar é preciso, viver não é preciso” (Fernando Pessoa). 
Fuga – O mesmo que escape (escapismo). Ligada à possibilidade e ao querer se afastar 
do centro dessa centrifugação de corpos e almas praticada pelas “sociedades 
disciplinares” e de “controle” desde o século III, desde o cristianismo, aprofundado pela 
revolução científica, realizado pela revolução industrial e de mercado, e sofisticado 
pelas atuais tecnologias de informação. Relacionada com a desobediência por detrás da 
ética do “cuidado de si”. 
Genealogia – Pode ser considerada a ciência da “descoberta”. Ao fazer um 
aprofundamento na história, Foucault não busca as origens e as causas dos 
acontecimentos, mas pretende descobrir os fatos e os personagens que a historiografia 
oficial descartou, por interesse ou por falha na orientação metodológica, aqueles sujeitos 
protagonistas que constituem a ralé dos perdedores ou dos insignificantes a partir dos 
quais se pode contar a história por outro prisma. A genealogia em Foucault, que de 
início era uma crítica aos enunciados e formações discursivastradicionais, acabou por 
se constituir em um método de fato, quando, a partir desses fenômenos controversos - 
esquecidos, repudiados, obliterados – ela revela o poder por detrás das verdades 
construídas, o jogo da verdade por detrás da educação a domesticar, quando, afinal, a 
partir desses personagens bufos, desse “teatro dos horrores”, o homem ganha uma 
consciência ética para si próprio que lhe permite enfrentar a coerção disciplinar e de 
controle. Entre outros, podemos resgatar na literatura esse embate entre uma moral 
escrita a partir da “tradição” histórica onde o vencedor aparece como um sujeito 
universal e exemplar, e uma possível moral escrita a partir da “genealogia” ad-hoc onde 
o perdedor ou o imoral aparece para contar os fatos vistos por outro lado. Para exemplo 
do primeiro tipo, podemos pensar em Tolstoi no seu Guerra e Paz; para exemplo do 
segundo tipo, podemos ler Littell em seu romance ficcional As Benevolentes. Não se 
trata, é bom que se diga, de acariciar o mal, a falta de ética, a imoralidade etc, mas 
apenas de possibilitar ao pensamento a reflexão não ortodoxa e não oficial dos que 
normalmente escrevem a história. “O genealogista tem necessidade da história para 
conjurar a ilusão da origem, um pouco como o bom filósofo tem necessidade do médico 
para conjurar a sombra da alma. É preciso saber reconhecer os acontecimentos da 
história, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes vitórias, as derrotas mal digeridas que 
dão conta dos começos, dos atavismos e das hereditariedades; assim como é necessário 
saber diagnosticar as doenças do corpo, os estados de fraqueza e energia, seus colapsos 
e resistências para avaliar o que é um discurso filosófico” (Nietzsche, a Genealogia, a 
História, 2005b). 
Governamentalidade – Esta expressão é quase uma “metáfora” no pensamento 
foucaultiano: ela tem um sentido maior como “governo das mentalidades”. A 
Biopolítica inicia-se quando entram na agenda de preocupações dos governos a 
sobrevivência dos homens e a usurpação de suas energias humanas. Pode-se mesmo 
afirmar que a grande característica da governabilidade dos Estados modernos é a 
eficiência com que efetuam a gestão desses corpos produtivos e de consumo. Esse 
fenômeno, observado mais distintamente – uma vez que é parte que funda o sistema 
industrial e de mercado – a partir do século XVII, exige, por outro lado, uma 
domesticação da alma e da mente humana. Os mecanismos modernos de governo 
passam necessariamente por maquinarias de sujeição, com dispositivos sofisticados e 
especializados de domesticação e gestão logística das vontades e das potências 
humanas. Toda a ciência é colocada a serviço de novas tecnologias a esquadrinhar e 
aproveitar o potencial produtivo e sua distribuição no espaço e no tempo. Como os 
corpos não podem ser mutilados e descartados, as almas precisam ser disciplinadas e 
controladas; isto coloca como problematização o “governo das mentes” humanas para 
que não percebam e resistam à sua condição de “objeto”. Neste sentido a 
“governamentalidade” é a condição estratégica de perpetuar o poder em jogos de 
verdade absolutamente autoritários. 
Homens Infames – Foucault usava esta expressão quando queria se referir àqueles 
sujeitos que - de tão sujeitados, obscuros e descartados, estando, portanto, à margem do 
sistema de perversidades das “máquinas” disciplinares e de controle -, podem suscitar 
reações adversas a essas maquinarias ao denunciarem por si só a impotência e a 
ineficiência do poder quanto à sua governabilidade. Os “homens infames”, os 
insignificantes, como Foucault os chamava, podem em si mesmo não representarem 
transtorno para as maquinarias da Biopolítica. Contudo, como matéria-prima da 
“microfísica do poder”, sujeitos portadores de comportamentos desnormatizados e 
anormais, como resíduo do poder nos seus jogos de verdade, servem de “exemplo” e 
“motivação” para os demais. Por isso não podem ser omitidos ou esquecidos: mas por 
não o poder fazê-lo, eles se tornam para muitas consciências os estopins de uma outra 
história a ser contada e, a partir de então, uma elucidação de enunciados e formações 
discursivas perversas, o que possibilita fugas na consciência domesticada, um escape às 
práticas de submissão produtiva e consumista, uma força, uma vontade de 
enfrentamento. 
Humanismo – Em alguns relatos Foucault rejeita o “humanismo” apenas no sentido em 
que na modernidade a instrumentalização da razão procura definir, portanto, 
“enquadrar”, o homem como um ente universal, uma totalização, uma entidade com 
características totalizantes. Ele não estaria, em absoluto, desqualificando o homem 
como uma entidade portadora de direitos, por exemplo, o direito de se manifestar e 
comportar de forma individual e única. O que Foucault quer chamar a atenção é que em 
nome desses direitos universais se chegou a um homem totalizado, uma totalização, 
com a possibilidade de ser conduzido de forma padronizada pelas estratégias de poder. 
Uma das virtudes de ser humano é precisamente ser único, mas de forma que cada 
indivíduo o seja para si mesmo, quer dizer, que possa usufruir desses direitos para 
constituir-se a si mesmo em experiências de viver únicas para si. Isto também é um tipo 
de “humanismo”, mas é o tipo de “humanismo” que o poder rejeita, persegue, precisa 
dominar, exatamente porque esse querer ser ele mesmo de forma única põe o homem no 
enfrentamento e na resistência à domesticação disciplinar produtiva das “máquinas de 
guerra” modernas. Pode-se colocar como exemplo o pensamento cristão do século XII: 
Sto. Tomás de Aquino revolucionou o cristianismo ao defender que os homens 
enquanto criaturas de Deus tinham o direito do livre-arbítrio – uma definição resgatada 
certamente de Aristóteles -, adaptada à ideia reformista de que Cristo ao morrer na cruz 
havia resgatado os pecados humanos e dado a liberdade aos homens. Aparentemente 
humanista, a aceitação pelo cristianismo desta versão para a liberdade e 
autodeterminação jurídico-política dos homens, continha uma reação do catolicismo ao 
protestantismo – portanto uma cisão em certas relações de poder e no jogo da verdade 
religiosa cristã. Mas contém algo mais profundo: esse “humanismo”, ao mesmo tempo 
em que liberta os homens do pecado e da danação ontológica, obriga-os a expiarem 
mais constantemente seus pecados cometidos na terra e a, inequivocamente, 
permanecerem mais escravizados pela liturgia e mais dominados pelo medo do além, na 
medida em que no juízo final não podem alegar nada em sua defesa já que o humanismo 
os libertara pelo livre-arbítrio. 
Ideologia – É comum que o conceito de “ideologia” esteja relacionado à organização 
filosófico-política da classe social dominante, por exemplo, da classe burguesa. Para a 
esquerda tradicional ideologia é usada pela burguesia para iludir e lubridiar a classe 
trabalhadora em sua condição de dominação e exploração. Isto levou alguns autores a 
proporem que a classe trabalhadora, definida pela sua situação de não-proprietária dos 
meios e formas de produção, não possui ideologia – o caso de Karl Manheim (Ideologia 
e Utopia) ou de Marilena Chauí (O que é Ideologia). Todavia, no pensamento de 
Foucault o que sobressai são as relações de poder onde tanto burgueses como 
trabalhadores estão envolvidos num jogo de verdade pelo poder, consequentemente, 
pela dominação como governo. Ora, neste sentido, a solução para a dominação e 
espoliação não está em combater a “ideologia” com outra “ideologia”, ou fugir dela com 
a utopia, para alcançar o poder – na medida em que se chegando ao poder esta não seria 
mais utopia! -, mas fugir do próprio poder como forma de evitar a domesticação e a 
determinação das vontades. Por isso Foucaultprefere a espontaneidade da organização 
das massas a partir dos interesses muito particulares do cuidar de si mesmo. É possível 
que, a partir desse interesse genuíno e verdadeiramente despojado do poder, por baixo 
das relações de poder, indivíduos efetivamente livres possam em determinadas situações 
se juntarem em protestos e reivindicações de enfrentamento a todo tipo de “ideologia” 
onde ela estiver. De certa forma, ainda que Foucault defendesse o enfrentamento 
político contra o governo (por exemplo, quando Foucault e outros intelectuais formaram 
o GIP – Grupo de Informação sobre as Prisões), o mais importante é perceber que isso 
precisa ser feito em todos os micropoderes de forma muito local e pessoal, pois o 
enfrentamento ideológico nos moldes a que estamos habituados na estrutura tradicional 
político-partidária desvia a atenção e pouca efetividade possui com relação aos poderes 
especializados nos capilares da sociedade, a começar pelo patrulhamento que cada um 
de nós faz sobre a vida dos outros. Existem dois textos preciosos de Foucault sobre esta 
questão: o primeiro de 1972, em uma discussão com jovens maoístas, “Sobre a Justiça 
Popular” (2001b); o segundo de 1974, um debate com N. Chomsky e F. Elders gravado 
para a televisão holandesa, com o título “Da Natureza Humana: Justiça contra Poder” 
(2005b). 
Indivíduo – Normalmente nos relatos foucaultianos este termo serve mais para designar 
aquela pessoa que passou da condição de sujeitado – objetivado, coisa – para a condição 
de livre – subjetivado, ser. O “indivíduo” o é porque não pode ser dividido – é 
indivisível, portanto o oposto de dividual, o que foi ou pode ser dividido. O indivíduo 
foucaultiano é um ser que resiste á divisão, por exemplo, nas “sociedades de controle” 
onde as tecnologias de informação podem combinar dígitos, códigos binários etc. Em 
um de seus cursos, quando se referia ao poder psiquiátrico, Foucault deixa claro como a 
pessoa objetivada não é um indivíduo: “A condição do olhar médico, sua neutralidade, a 
possibilidade de ele ter acesso ao objeto, em outras palavras, a própria relação de 
objetividade, constitutiva do saber médico e critério da sua validade, tem por condição 
efetiva de possibilidade certa relação de ordem, certa distribuição do tempo, do espaço, 
dos indivíduos. Para dizer a verdade [...], não se pode nem mesmo dizer “os 
indivíduos”; digamos, simplesmente, certa distribuição dos corpos, dos gestos, dos 
comportamentos, dos discursos” (O Poder Psiquiátrico, 2006a). 
Jogos de Verdade – Relações de poder são o poder em ação. Centralizado em muitos 
momentos, descentralizado por toda a parte. A essência filosófica do poder é ditar e 
regulamentar a verdade; fornecer e/ou disciplinar os enunciados e os discursos sobre o 
certo e errado, verdade e mentira, bem e mal. Isso é essencialmente o que Foucault quer 
dizer com “jogos de verdade”: portanto, a verdade como discurso do vencedor em um 
outro jogo, o jogo do poder, a dominação nas relações de poder e contudo, a dominação 
e domesticação nas possibilidades desejantes dos sujeitos em vida. Estar nessas relações 
de poder é jogar esse jogo de vida e morte onde os vencedores ditam os enunciados e os 
discursos verdadeiros. Mas também é escapar, também ali se apresenta a fuga, também 
ali a possibilidade de enfrentamento pelo simples recusar-se a jogar nas regras. Para 
Foucault o escape, nunca é demais precisar, é uma reação à força centrífuga! Para fazer 
a diferença é importante estar dentro, pelas aproximações, pelas amizades, pelos 
diálogos e orientações intelectuais. Os miseráveis, os insignificantes, têm pouca “força” 
para reverter esse jogo, ainda que seja o próprio desvelar da submissão. Quem está fora 
e o aceita, ou está impossibilitado, ou está efetivamente fora. Para fazer a diferença tem 
que estar dentro! 
Lado de Fora – O fato de estarem do “lado de fora”, não significa que não façam parte 
do jogo do poder. Como parte visível que as relações de poder manipulam e deslocam 
para a periferia do sistema, o “lado de fora” é apenas o outro lado, não tão excluído 
assim, mas na contramão da normalidade do poder, do jogo de verdade. Os “infames” 
são matéria prima da “microfísica do poder”. Uma ordem pode ser uma desordem 
estabelecida como norma de existência. O bem precisa do mal. Todavia, esta expressão 
aparece em Foucault para dizer das consciências em fuga, dos que resistem e enfrentam 
na ética do cuidar de si as maquinarias modernas de domesticação das energias 
desejantes humanas. Igualmente, virtualmente, matéria prima do não poder. Esses estão, 
na verdade, “dentro”, um “dentro-fora”. Profícuo: ajudando os “infames”, os esquecidos 
ou em vias de o sê-lo, impedindo de se tornarem todos obscuros demais, omitidos 
demais, esquizofrênicos de mais. Existe uma “revolução silenciosa” em andamento, do 
lado de fora do poder, mas por dentro dele. Uma espionagem e uma tática de guerrilha 
por todo o lado onde a objetivação se dá: o cuidado de si. 
Liberdade – Em muitas situações Foucault parece não distinguir “liberdade” de 
“libertação”. Mas em outros momentos essa distinção é clara: nem sempre a libertação 
do jugo do opressor edifica a “liberdade” do sujeito. Não o fez nos exemplos dos 
fascismos e totalitarismos de nossa Época, não o faz nas pseudodemocracias atuais. 
Assim, libertação é vista como um processo e “liberdade” como um fim. Práticas de 
liberdade, como Foucault as apregoa, são possíveis em um processo, isto é, um 
continuum de libertação. Liberdade não é possível sem libertação; mas não se pode 
dizer o mesmo do inverso. Os povos e as pessoas precisam de tempo - mas precisam 
“querer”! - para adequar suas práticas libertárias a uma filosofia de “liberdade” efetiva. 
A eficiência da libertação, sua filosofia e ética são essenciais para que o indivíduo seja 
livre. Por isso mesmo, por essa dificuldade em ajustar a luta “libertária” à „liberdade”, 
que sujeitos e nações caem permanentemente na armadilha de trocarem uma dominação 
por outra. Mesmo o sujeito mais libertário pode estar caindo na armadilha. Da mesma 
forma que a democracia é uma luta constante para os liberais, a liberdade exige uma luta 
permanente, atenta aos percalços, para os libertários. De qualquer forma como pensar a 
liberdade que não seja em relação aos “outros” e no meio deles, no meio de relações de 
poder e de jogos de verdade?! De alguma forma, a liberdade de mim mesmo, pelo 
cuidado de mim mesmo, precisa da “universalização” da ética do “cuidado de si”, quer 
dizer, da permanência e universalidade dessas preocupações e práticas em termos de 
“outros”. Dado que as “sociedades de controle” atuais são globalizadas, parece haver a 
necessidade de colocar o “cuidado de si” em termos de uma internacionalização dos 
processos de libertação, ou subjetivação. Em 1984, Foucault alertava: “São indivíduos 
livres que tentam controlar, determinar, delimitar a liberdade dos outros e, para fazê-lo 
dispõem de certos instrumentos para governar os outros. Isso se fundamenta então na 
liberdade, na relação de si consigo mesmo e na relação com o outro” (A Ética do 
Cuidado de si como Prática da Liberdade, 2006b). 
Loucura – No pensamento foucaultiano vários aspectos sobre a “loucura” devem ser 
entendidos dentro da perspectiva do poder, da Biopolítica e da razão instrumental ou de 
minoridade. “Nessa loucura, o homem não é mais considerado numa espécie de recuo 
absoluto em relação à verdade; ele é, aí, sua verdade e o contrário de sua verdade; é 
considerado na objetividade do verdadeiro, mas é verdadeira subjetividade; está 
mergulhado naquilo que é sua perdição, mas só entrega aquilo que quiser entregar; é 
inocente porque não é aquilo que é, e culpado por seraquilo que não é” (História da 
Loucura, 2005a). Portanto, em Foucault, a loucura é vista mais como uma “desrazão” 
do que uma patologia. Não se trata de negar a existência da loucura – como doença ou 
como desrazão. Como doença mostra, no mínimo, o tratamento disciplinar perverso. 
Como desrazão, como outra razão, a resistência à razão instrumental. Como no jogo da 
verdade o errado do enunciado deve existir comparativamente, na formação discursiva 
da razão deve existir a desrazão. Na verdade, tudo isso, de uma forma ou de outra, serve 
à manipulação de um saber/poder para realizar a dicotomia entre as regras exteriores, a 
serem seguidas como desejáveis e normais, e as regras internas, as do instinto, como 
perversas, animalescas e imorais. No fim toda a desrazão deve ser tratada tecnicamente 
como loucura para que os patologistas de plantão, os oficiais da cura e da saúde, possam 
indicar aos outros o caminho da obediência e da disciplina. Por existir uma patologia, o 
poder pode se servir dela na sua Biopolítica. Mas, de forma característica, a partir do 
século XIX, o internamento e o tratamento de fatos pertencentes apenas ao nível da 
desrazão, da não submissão, da afirmação da vida em outros olhares e processamentos 
de liberdade, serão tratados como loucura patológica. Então, se de um lado o 
internamento é necessário para se exercer à “luz do dia” a construção disciplinar dos 
sujeitos, esse internamento será levado a práticas abomináveis sem distinção de graus 
entre desrazão, insubmissão e doença mental propriamente dita. Em muitos aspectos, a 
psicologia e a psiquiatria assumem desastrosamente o papel daquilo que seria objeto 
específico da neurologia. O fato é que na dinâmica moderna das “sociedades 
disciplinares” a Biopolítica decide, em nome da gestão da sobrevivência material dos 
homens, de sua capacidade produtiva e sua potencialidade de consumo, a 
responsabilidade de determinar a verdade, o normal, o correto, o bem e as formas de 
punição de todos os comportamentos que possam colocar enfrentamentos com relação 
ao poder. Quando o idiota diz “não”, isso não é um problema, porque ele não está a 
afrontar um sistema cuja governabilidade tem o sentido de brutalizar e esvaziar as 
vontades e os desejos mais íntimos dos homens. Mas quando o “louco” diz “sim” a si 
mesmo, quando transforma em realidade verdades transfiguradas para ele, acaba 
colocando em check esse mesmo sistema de domesticação e submissão. Por isso, em 
nome da saúde e da normalidade, o médico e as instituições do saber médico, aquelas 
onde se ensina e onde se cura, exercem o poder de transformar, muitas vezes, esse 
“sim”, que é afirmação de vida, porém outra vida, em “não”, em negação da vida, em 
afirmação da mesma vida. 
Máquinas – Muitas vezes Foucault fala de “máquinas” e “maquinarias”: entendam-se 
mecanismos de disciplina e controle. Esses mecanismos, por sua vez, usam dispositivos, 
tecnologias de submissão e formatação de desejos, de instintos, de vontades criativas, 
em suma de potencialidades. Essas potencialidades estão no mundo moderno destinadas 
a serem inventariadas e qualificadas para a produção e reprodução da vida em bases 
determinadas pelo grau de desenvolvimento de interesses econômicos e políticos. Nesse 
sentido, Deleuze fala de “máquinas energéticas” e “máquinas de guerra”: os jogos de 
verdade são destinados a uma “guerra” pelo poder, relações de poder que fazem esse 
levantamento e essa programação logística das energias humanas. A noção de 
“energias” a serem esquadrinhadas e introduzidas, através das relações de poder, no 
capital social circulante, tem a ver com a relação freudiana entre uma energia 
primogênita libidinal humana e o aproveitamento das mesmas, através dessas 
maquinarias para suprir o mercado de trabalho e realizações sociais coletivas. Os 
homens, nesta perspectiva, podem ser vistos como “máquinas desejantes” cujos desejos 
são desfigurados pela sujeição. 
Microfísica do Poder – Um dos grandes temas de Foucault: a perspectiva de que o 
poder se estende pelo corpo social até onde seria inimaginável descortiná-lo. Nos 
capilares da sociedade existem instituições que inventam por si só e reproduzem a 
sujeição e domesticação das pessoas. O confinamento, as internações, mas também as 
instituições educacionais, os quartéis, a igreja e as clausuras, os reformatórios e os 
asilos, funcionam como mecanismos de repressão e disciplina. Os internatos, hospitais, 
hospícios, casernas, clausuras, reformatórios, separam o mundo exterior da 
“normalidade” e o interior da “anormalidade”; Goffman, citado por Foucault, deu o 
nome a essas instituições de “Instituições Totais”. Mais do que separar o “normal” do 
“anormal” tais mecanismos têm a função Biopolítica de ajudar o governo a ser único em 
suas próprias razões de Estado, destruindo as razões das pessoas, ignorando sua 
plasticidade, experiências particulares e criatividade de inventarem a si mesmas e 
governarem suas vidas por elas mesmas. Portanto, a “microfísica do poder” tem uma 
relação de causa e efeito com o poder e as relações de poder dominantes em momentos 
precisos ao longo da história. A “microfísica do poder” não pode existir além do poder 
dominante, da mesma forma como esse poder não pode prescindir dela. A 
especificidade da “microfísica do poder” é o saber especializado, a inventividade e a 
formulação de tecnologias disciplinares e de controle, ali, onde não é possível ou não é 
interessante que se perceba que sua função não passa de procriar os enunciados e os 
discursos de bom comportamento e sanidade da razão instrumental. Devido a esta 
extensão do poder pelos capilares sociais, a primeira sensação que se tem é que o poder 
domina tudo e todas as possibilidades de resistência e fuga. No entanto, esta concepção 
deforma a concepção foucaultiana em sua essência política: exatamente porque o poder 
está esparramado por todo o lugar, ele se fragiliza e por mais que se domine o outro, 
este sempre poderá desobedecer, ser violento, criar subterfúgios, subverter a ordem. 
Uma máxima “existencialista” preconizada, por exemplo, pela Teoria Egológica de 
Carlos Cossio (1903-1987), afirma que não existe nada ou força alguma capaz de per si 
obrigar um indivíduo a obedecer à lei. Evidentemente isso não significa que não 
existam sanções e punições, até mesmo a morte. Mas a prerrogativa da morte é, em 
última instância, a condição de liberdade e a afirmação de um ser livre quando e no caso 
em que a dominação for absoluta. Nietzsche já tinha afirmado que parecia um absurdo 
que não houvesse uma legislação sobre o direito de morrer: “Há um direito segundo o 
qual tiramos a vida a uma pessoa, mas nenhum segundo o qual lhe tiramos a morte; isto 
é mera crueldade” (Humano, Demasiado Humano, 2005b). A verdade é que no plano da 
microfísica do poder a dominação pressupõe filosófica e praticamente a liberdade. Por 
isso Foucault é tão enfático em dizer: “Mas a afirmação: „Vocês vêm poder por todo o 
lado; então não há lugar para a liberdade‟, me parece totalmente inadequada. Não é 
possível me atribuir a idéia de que o poder é um sistema de dominação que controla 
tudo e que não deixa nenhum espaço para a liberdade” (A Ética do Cuidado de si como 
Prática da Liberdade, 2006b). 
Niilismo – Negação. Mas aqui todo o cuidado é pouco: seguindo as pegadas de 
Nietzsche, o niilismo é uma força, uma potência “autofágica”, quer dizer, que se devora 
a si mesmo. De fato, na medida em que se exacerba esse niilismo, como é o caso dos 
dias atuais, a “negação se nega a ela mesma”, ou seja, se destrói na ânsia de tudo negar, 
e neste pormenor, já não é uma força reativa, mas a afirmação de um novo tempo e um 
novo homem. O “último homem” nietzschianoé precisamente aquele que conseguiu 
superar as negações da vida – remorso, rancor e apego ascético -, e deixa espaço para 
que o “super-homem” mate o “último homem” que há em si e renasça dessa negação de 
tudo que o impede de ser singular para além das maquinarias de “objetivação” humana. 
Segundo as palavras de Foucault, “Para Nietzsche, finalmente, a morte de Deus 
significa o fim da metafísica, mas o lugar permanece vazio; não é absolutamente o 
Homem que toma o lugar de Deus. De fato, somos os últimos homens no sentido 
nietzschiano do termo. O super-homem será aquele que tiver superado a ausência de 
Deus e a ausência do homem no mesmo movimento de ultrapassagem” (O Que é um 
Filósofo?, 2005b). Muitas vezes somos levados a acreditar que Foucault, assim como 
Nietzsche, é cético, que veem o futuro sem esperança. Foucault rejeitou esta leitura de 
sua obra e de si mesmo, ainda que visse poucas oportunidades de liberdade no mundo 
atual. Mas distinguir e revelar, por exemplo, os mecanismos de controle informacionais 
de hoje, e mostrar quanto o poder conseguiu sofisticar os dispositivos logísticos de 
apropriação da potencialidade humana, não significa obrifatoriamente que não existam 
escapes possíveis de enfrentamento e construção da individualidade. Apesar de extremo 
realismo a ética do cuidado de si foucaultiana aponta, afinal, para a construção da 
liberdade, da mesma forma que o niilismo nietzschiano é alvissareiro com relação à 
possibilidade do renascimento de um novo homem. Existe “otimismo” em tudo isso. 
Objetivação – O contrário de “subjetivação”; significa “transcrever” no homem os 
objetivos do poder, da governabilidade, da ordem, do direito e das tecnologias 
produtivas. O homem “objetivado” é um homem sem vida própria, sem escolhas, sem 
definição de si mesmo, pois, antes de tudo, ele é um instrumento de produtividade e 
uma peça da engrenagem industrial. Em nome dessas necessidades de mercado, o poder 
tem a responsabilidade de alimentar essa maquinaria obtendo corpos dóceis e 
submissos. É assim que a Biopolítica é a razão instrumental dos governos e por isso o 
homem não pode ser visto como um fim em si mesmo, mas como um meio; ele não 
pode se definir como ser autônomo e tampouco escolher a existência que lhe daria 
prazer, mas tão somente, aquela que os dispositivos de disciplina, qualificação e 
distribuição lhe permitem, ou melhor, lhe obrigam a executar. Um homem “objetivado” 
é um ser sujeitado, coisa, sem liberdade. 
Ordem – A questão da ordem em Foucault se prende ao conceito de juridicidade. Não 
tanto ao fato óbvio de que quando se fala em ordem no mundo moderno, sabemos que 
ela vem acompanhada de um estatuto jurídico, de um ordenamento legal, de leis de 
comportamento e leis de procedimento judiciário. O fato mais relevante, contudo, no 
pensamento foucaultiano é que o próprio homem só pode ser definido nesses termos, ou 
seja, ele só adquire o status de humano no âmbito dessa juridicidade e tecnocracia 
jurídica. Direitos e deveres, em relação à propriedade, à hereditariedade, à cidadania, ao 
Estado, à família, o que lhe é devido e o que deve, afinal, toda a matéria a partir da qual 
ele se define como sujeito passa por essa relação com a ordem, uma determinada ordem 
estabelecida muito aquém de sua vontade e de sua definição do que é o correto, o que é 
devido, o que pode exigir para si. Uma definição de homem pelo estatuto jurídico-
político é a possibilidade moderna que a governabilidade autoriza para se constituir 
como ser, definição política, jurídica, objetiva, totalizante. O ser não pode ser 
considerado um “indivíduo” porque enquanto definição jurídica e enquanto 
possibilidade de vida dentro dessa ordem jurídica, ele não tem motivação e nem 
necessidade para ser “único”, quer dizer, com estatuto próprio. Muito da 
irresponsabilidade política dominante e da apatia com relação à coisa pública vem 
exatamente do fato do homem só ser definido em termos de ordem, pois, neste caso, o 
cuidado com a coisa coletiva não está ligada a uma filosofia que privilegia sua liberdade 
de escolha e as conseqüências inevitáveis de suas atitudes para a comunidade. Quem 
cuida de si não almeja o poder nem a dominação dos outros e pode estabelecer a relação 
pública em bases de equidade. O contrário também é verdadeiro: quem não se cuida 
pouca importância dará ao cuidar do espaço coletivo e das aproximações inerentes à 
cidadania. 
Panóptico – Construção das casas de detenção sugerida por Bentham para patrulhar e 
controlar as ações dos prisioneiros e internados. Foucault resgatou o “panóptico” de 
Bentham como exemplo e modelo “ideal” engendrado a partir do século XVII como 
parte das maquinarias disciplinares e de controle. Porque a partir de então não basta 
punir: é preciso “reeducar”, e isso se dá pela vigilância sem contato do dispositivo 
punitivo do algoz. Como Foucault o vislumbrou, a importância do esboço do 
“panóptico” não era tanto a possibilidade prática de construir tais tipos de dispositivos 
de controle e vigilância, mas de dispor de artimanhas que perfurem a alma em busca da 
submissão, da sujeição, inferiorizando os internados para que possam ser domesticados. 
A grande arte do “grande irmão” é essa: ver tudo e não ser visto por ninguém. Isso 
domestica a alma, saber que se é vigiado e será punido quando menos esperar, mesmo 
sem poder identificar concretamente seu delator e algoz. As maquinarias modernas são 
tão mais eficientes quanto mais submeterem e padronizarem as mentes sem prejudicar 
os corpos. Estes são precisos para alimentar as máquinas de triturar. Então disseram: 
Foucault não deixa rastros, não identifica inimigos, não encaminha estratégias, a luta é 
impossível. Não entenderam: a luta é possível ali onde exatamente parece que ela não é 
necessária. Todo o adulto percebe a vigilância, sente a mão-invisível da opressão, sabe 
qual jogo quer que ele jogue. Foucault havia percebido em 1976 que a Biopolítica 
disciplinar só funcionava a contento quando permeada e quando envolvia as tecnologias 
da regulamentação: “Dizer que o poder [...] tomou possa da vida [...] (a partir do século 
XIX), incumbiu-se da vida, é dizer que ele conseguiu cobrir toda a superfície que se 
estende do orgânico ao biológico, do corpo à população, mediante o jogo duplo das 
tecnologias de disciplina, de uma parte, e das tecnologias de regulamentação, de outra” 
(Em Defesa da Sociedade, 2005c). 
Poder – “Poder” é sempre “relações de poder”. O poder é impotente não apenas diante 
da plasticidade da vida, mas diante do que por si só já foge à disciplina e ao controle. 
No pensamento foucaultiano a fuga não é parte do acaso, mas a perpétua inquietação, a 
duradoura perseverança e a persistente atenção nos momentos propícios que os “buracos 
negros” desse universo de submissão deixam escapar. O confinamento e as sevicias 
educacionais por todos os lados demonstram essa impotência e ineficácia totalizante. O 
poder é impotente por isso: por toda a parte precisa dos mecanismos de dominação e por 
toda a parte o poder é a gama de micropoderes. Esses micropoderes têm e inventam 
saberes. Nessa invenção escapa controles, perdem-se disciplinas, abrem-se 
oportunidades de escape. Outros saberes não totalizantes, de resistência, se criam junto 
e podem abalar, questionar, propor, executar uma definição autônoma de si, um 
enfrentamento mais ou menos silencioso. Sem a devida compreensão dessa extensão 
das sociedades disciplinares e de controle não é possível libertar-se. Como que o poder 
não tem adjetivos, gêneros ou graus de intensidade: poder é poder! O perigo está 
exatamente em achar nele classificações ou determinações que iludem a possibilidade 
real de resistência. No socialismo,por exemplo, Foucault deixava claro que “Em todo o 
caso, uma coisa é certa: é que o tema do biopoder [...] não só não foi criticado pelo 
socialismo mas também, de fato, foi retomado por ele, desenvolvido, reimplantado, 
modificado em certos pontos, mas de modo algum reexaminado em suas bases e em 
seus modos de funcionamento” (Em defesa da Sociedade, 2005c). 
Práticas de Liberdade – Foucault refere-se a “práticas de liberdade” quando quer 
designar aquelas atitudes e comportamentos que estão relacionados com o cuidado de 
si, quando o indivíduo faz sua existência para si mesmo. As “práticas de liberdade” 
constituem, neste sentido, uma “arte de viver”, isto é, um modelo próprio e único de 
subjetivação, de resistência e fuga à sujeição das máquinas de poder. Tais práticas 
exigem por parte de cada indivíduo uma energia própria, a formação de “outro saber”, a 
perscrutação de “espaços ad-hoc”, uma resistência que conduz a outras aproximações. 
Assim, a liberdade sai de uma ética de viver que se compromete consigo mesmo, uma 
política libertária que não passa por reformas nas estruturas sociais, mas que as coloca 
como possível final de iniciativas subjetivas. 
Problematização – Mais para o final de sua obra, Foucault diz que no fim o que estava 
em jogo era captar “certas problematizações” que entravam no rol de preocupações da 
governabilidade e que colocavam questões fundamentais para o poder. “A noção que 
unifica os estudos que realizei desde a História da Loucura é a da problematização, 
embora eu não a tivesse ainda isolado suficientemente” (O Cuidado com a Verdade, 
2006b). A partir do século XVII grande parte da governabilidade está voltada para 
preocupações relacionadas à reprodução humana e sua sobrevivência, sua manutenção e 
sua saúde. Nesse contexto, é que o homem e sua vida passam a ser objeto de tecnologia 
governamental, como não o havia sido desde o século III com o Cristianismo. Por 
exemplo, ao se perguntar por que a sexualidade é uma questão moral, coloca-se de 
imediato um problema para a governabilidade, quer dizer, em que medida e de que 
forma a sexualidade podia e era utilizada nas relações de poder para se construir uma 
maneira de viver a alimentar e legitimar a Biopolítica, a reprodução da dominação e 
exploração das energias humanas. O mesmo se pode dizer de outros fenômenos que são 
usados pelas maquinarias desse status social e que se constituem como 
“problematizações” na agenda da governabilidade, como as doenças mentais, a 
delinqüência juvenil, a criminologia, cuidados com os velhos, o uso da força policial e 
do exército etc. Por dentro e através desses acontecimentos pode-se estudar e elaborar 
saberes “não oficiais” que engendrem fugas à moral e à ética exigida de forma 
autoritária. 
Relações de Poder – “Relações de poder” estão por toda a parte: desde que nascemos e 
por toda a vida carregamos o “político” conosco. Hannah Arendt chamou isso de “a 
condição humana”, o homem político forçado pelas circunstâncias mais comuns: as de 
nascermos de alguém, de sermos educados por alguém, de produzirmos nossa 
sobrevivência com e em relação a outros indivíduos. Essa gênese que é a condição 
social humana cria sempre determinadas “relações de poder”, que podem ser 
acompanhadas na história prática da humanidade. “Quase não emprego a palavra poder, 
e se algumas vezes o faço é sempre para resumir a expressão que sempre utilizo: as 
relações de poder. [...] Quero dizer que, nas relações humanas, quais quer que sejam 
elas – quer se trate de comunicar verbalmente, como o fazemos agora, ou se trate de 
relações amorosas, institucionais ou econômicas -, o poder está sempre presente: quero 
dizer, a relação em que cada um procura dirigir a conduta do outro” (A Ética do 
Cuidado de si como Prática da Liberdade, 2006b). Foucault intuiu que esses 
relacionamentos podiam ser estudados através de certas situações, ou 
“problematizações”, que vão se colocando na pauta de discussão e preocupações dos 
gestores sociais e governantes. Assim o poder não é uma abstração, mas pode ser 
sentido, logo antagonizado, de forma concreta, e colocado dentro das possibilidades de 
vida de cada pessoa. Portanto, se de um lado, o poder é mais imperceptível e/ou mais 
real para nós, já que emana de nossos relacionamentos, e não de uma única instituição 
como o Estado, por outro lado, exatamente porque ele se constitui a partir dessas 
relações humanas, também se abrem grandes possibilidades de contestação e 
enfrentamento. O “não-querer” que forma o poder nos meandros sociais também pode 
ser o querer do “não-poder” que o altere no sentido de mais liberdade. 
Saber – Muitas vezes se atribuiu a Foucault a máxima de que “saber é poder”. No 
entanto, para o nosso autor nada poderia ser tão impreciso: eles não são a mesma coisa; 
tampouco existe uma reciprocidade inevitável entre eles. Neste fato está exatamente a 
possibilidade de escape e resistência ao poder, ou mais precisamente, às relações de 
poder que produzem dominação. Se saber fosse sinônimo de poder ou se saber 
determina-se incontinente o poder, então não haveria a possibilidade de se produzir uma 
contra-cultura de dominação, na medida em que todo saber não oficial produziria um 
outro tipo de dominação. Mas, como saber não é poder, pode existir, e de fato por todo 
o lado há resistência à dominação, já que outros saberes se constituem não como 
poderes alternativos, mas como não-poderes, como recusa de poder nos jogos de 
verdade, a recusa de uma verdade única, de certas totalizações, de universais morais, de 
regras e legislações pertinentes e desejáveis etc. Por outro lado, e neste sentido, o 
pensamento foucaultiano se aproxima de uma situação em que se pode afirmar que um 
poder que se quer constituir como tal, isto é, como governo de outros, como Biopolítica, 
precisará de saberes específicos e especiais para isso, mais ou menos de forma 
centralizada, menos do que mais, mas sempre em virtude de razões de Estado, da 
ordem, do direito, da normalidade e da saúde. 
Sociedade de Soberania – As “sociedades de soberania” vão aparecer na Europa a 
partir do século XII, onde com o declínio do período medieval surgem os príncipes 
detentores de um poder soberano. Era este soberano que detinha o poder de fazer as leis 
e de ignorá-las ou reformá-las quando quisesse, por conseguinte, de atender às 
solicitações de julgar, reconhecer ou punir as pessoas. Em uma palavra, eles eram os 
verdadeiros senhores da vida e da morte. Em um período em que a utilidade do homem 
pré-industrial não se estende além da supressão de necessidades básicas de 
sobrevivência, o corpo pode ser flagelado e mutilado e a vida pode ser descartada sem 
prejuízo econômico e político. Por isso Foucault denomina essas “sociedades de 
soberania” de sociedades de “tanatopolítica”: o fundamento político de dominação é o 
medo de perder a vida. O “rebanho” é sacrificado. 
Sociedade Disciplinar – No século XVII o homem entra de forma planejada como 
elemento primordial entre as preocupações de governabilidade do poder. Nos séculos 
seguintes até nossos dias, o homem é um objeto científico para todas as ciências e para 
os antigos e novos conhecimentos: o homem é alvo, portanto, de tecnologias que o 
perscrutam, o devassam, o compreendem e, principalmente, o aproveitem como energia 
industrial e de mercado. Essas tecnologias são desenvolvidas no âmbito de máquinas 
educacionais (escola), produtivas (fábrica), trabalho (escritórios), assistenciais 
(orfanatos, asilos), pecuniárias (seguro desemprego, aposentadoria), hospitalares 
(hospícios), reformatórias (albergues, prisões), religiosas (igrejas, conventos), policiais 
(polícia, exército) etc. O objetivo de colocar o homem no centrodesses entendimentos, 
dos enunciados e formações discursivas não se prende tão somente ao antropocentrismo 
filosófico do renascimento e iluminismo, quer dizer, à importância e à responsabilidade 
humana em gerir seus destinos e usar o conhecimento em seu benefício, mas 
essencialmente com o objetivo de domesticar, qualificar, depositar e distribuir essas 
potencialidades do ponto de vista econômico e jurídico. Tal interesse governamental 
exige a preocupação com atividades de reprodução da vida (víveres, habitação, saúde, 
deslocamento, educação/qualificação), portanto caracteriza a atividade do poder como 
Biopolítica. Por extensão, a Biopolítica moderna, que se consagra pelas tecnociências 
desenvolvidas no século XVIII, aprimoradas no século XIX e revolucionadas a partir da 
segunda metade do século XX, é uma verdadeira máquina de guerra onde o humano 
gira em torno de necessidades de aproveitamento da vitalidade do corpo e da capacidade 
da alma em termos de docilidade produtiva – economias de guerra. As “sociedades de 
disciplina” são, portanto, aquelas onde uma tremenda maquinaria de dominação e 
exploração da vida se estende por toda a parte viabilizando grandes estoques da “coisa 
humana” domesticada, sujeitada, padronizada. Por isso neste período o confinamento, a 
internação em “instituições totais”, é o método corretivo e de tratamento mais eficaz. A 
Biopolítica deste período deseja a vida, pretende preservá-la e em nome dela executa a 
alma. Nas “sociedades disciplinares” o corpo deve ser preservado; logo é a alma o 
objeto de suplício desses dispositivos, dessas tecnologias de admoestação humana. O 
fundamento político de dominação é o medo de perder a liberdade. O “rebanho” é 
domesticado. 
Sociedade de Controle – Situadas a partir da segunda metade do século XX as 
“sociedade e controle” se caracterizam por exercerem a sujeição e qualificação logística 
dos indivíduos, a partir de sofisticados mecanismos e dispositivos informacionais. O 
ambiente de tecnologia de informação, telecomunicações, informática e mecânica 
avançada ou robótica, viabilizou em dimensões planetárias o rastreamento e 
enquadramento dos sujeitos no círculo de gestão de bens e serviços como uma coisa 
objetivada, virtualmente controlada e usurpada de suas energias desejantes. O homem 
nas “sociedades de controle”, que para muitos autores são sociedades pós-industriais ou 
pós-modernas, passam a experimentar uma fluidez e um amorfismo relativista de 
valores, crenças, manejos, trabalhos e lazer, maleabilidade e aproveitamento global 
através de manipulações digitais, codificações e decodificações binárias à velocidade da 
luz. Nesse fluir de uma existência cibernética a sensação de liberdade é ilusória como 
jamais o foi em períodos anteriores; quanto maior é a possibilidade de controle e 
absorção da potencialidade pulsante dos homens, mais eles se sentem com autonomia, 
ou simplesmente, em nome dessa pretensa liberdade, se deixam enredar nesses 
mecanismos de rastreamento e direcionamento para as necessidades do poder. O caráter 
disciplinar das sociedades dos últimos séculos ainda permanece no modelo atual 
cibernético, as chamadas “sociedades de controle”. A disciplina, a domesticação, a 
docilidade e o embrutecimento são os mesmos e apenas adquirem novas roupagens do 
tipo digitais e informacionais, agora em escala planetária. O confinamento, a internação, 
a permanência de “instituições totais” são questionadas. Por toda a parte a exclusão, a 
descriminação, o isolamento, a reclusão, a censura e as práticas reformatórias tendem a 
ser banidas. Mas por toda a parte os homens possuem pulseiras, coleiras, são 
digitalizados, em todos os cantos filmados e “chipados” (cartões, senhas, logins, 
códigos de barras, proliferam os dispositivos de comunicação remota, e mais 
recentemente os dispositivos biométricos). O fundamento político de dominação da 
“ciberpolítica” é o medo de possuir liberdade. O “rebanho” é! 
Subjetivação – Caracteriza, no pensamento foucaultiano, a ação de perder a 
objetivação, o movimento em direção à liberdade, que inclui um novo aprendizado, a 
renúncia aos enunciados e discursos oficiais, que inclui a predisposição tenaz à 
resistência, uma vontade de poder apurada, que inclui um acurado senso de 
oportunidade. Logo, toda a fuga exige um tipo de recusa e implica o enfrentamento: 
portanto estamos diante de opções e comportamentos bem reais, bem concretos. Isto 
implica uma ética, que, inspirado pela filosofia greco-romana da Antiguidade, Foucault 
chamou de “cuidado de si”. A “subjetivação” é esse movimento, o conjunto de 
procedimentos a “[...] determinar o que deve ser o sujeito, a que condições ele está 
submetido, qual o seu status, que posição deve ocupar no real ou no imaginário para se 
tornar sujeito legítimo deste ou daquele tipo de conhecimento; em suma trata-se de 
determinar seu modo de “subjetivação”; pois este não é evidentemente o mesmo quando 
o conhecimento em pauta tem a forma de exegese de um texto sagrado, de uma 
observação de história natural ou de análise do comportamento de um doente mental” 
(Foucault, 2006b). 
Tecnologia Política do Corpo – Foucault criou esta expressão na obra Vigiar e Punir, 
para designar um conjunto de dispositivos, formas de conhecer e controlar o corpo com 
vistas ao seu domínio, sujeição e aproveitamento, que vai muito além do conhecimento 
de seu funcionamento ou conseguir vencer suas forças. “Quer dizer que pode haver um 
„saber‟ do corpo que não é exatamente a ciência de seu funcionamento, e um controle de 
suas forças que é mais do que a capacidade de vencê-las: esse saber e esse controle 
constituem o que se poderia chamar a tecnologia política do corpo” (2002). 
Observações importantes com relação a essas tecnologias políticas do corpo: 1) Elas 
estão disseminadas por todo o corpo social, muito mais do que em instituições de 
Estado (microfísica do poder); 2) São políticas na medida em que derivam de relações 
de poder e objetivam esses corpos para a reprodução de um sistema determinado 
econômico-jurídico; 3) Só a partir do século XVII essas tecnologias vão se preocupar 
mais em preservar e não mutilar esses corpos o que exige delas maneiras de sujeição e 
docilidade da alma. 
Totalização – É a crença, contestada e repudiada por Foucault, de que o homem e a 
história que ele produz possam ser definidos em termos de valores, procedimentos, 
saberes, enunciados e discursos universais, genéricos ou mesmo imutáveis. Neste 
sentido, a filosofia na obra deste autor é uma filosofia concreta e materialista, indutiva, 
porque parte da realidade, do real, da realidade multiforme, contingencial, relacional 
com a intervenção humana enquanto agente de poder, embora não confira a qualquer 
estrutura ou fato a causalidade explicativa na forma de uma exegese universal, uma 
sequência lógica, uma predominância de atributos da razão, ascéticos ou morais. “É 
preciso desmistificar a instância global do real como totalidade a ser restituída. Não há 
„o real‟ do qual se iria ao encontro sob a condição de falar de tudo ou de certas coisas 
mais „reais‟ que as outras, e que falharíamos, em benefício de abstrações inconsistentes, 
se nos restringíssemos a fazer aparecer outros elementos e outras relações. [...] Um tipo 
de racionalidade, uma maneira de pensar, um programa, uma técnica, um conjunto de 
esforços racionais e coordenados, objetivos definidos e perseguidos, instrumentos para 
alcançá-lo etc., tudo isso é algo do real, mesmo se isso não pretende ser a própria 
„realidade‟, nem „a‟ sociedade inteira. E a gênese dessa realidade, do momento em que 
nela fazemos intervir os elementos pertinentes, é perfeitamente legítima” (A Poeira e a 
Nuvem, 2006c).Vontade de Poder – É a vontade de querer fazer, não a vontade de querer submeter o 
outro. De alguma forma, para nós, homens sociais, o querer é sempre querer fazer algo 
“junto” com outros, não necessariamente em parceria, ainda que também o possa ser, 
mas em uma ralação, relação essa irrecusável em vários níveis da reprodução concreta 
da condição social do existir. E por isso, através disso, essa potência criativa é sempre 
“autorizada” em algum nível pela potência do outro. Foucault sabia que onde impera o 
autoritarismo a potência de alguém sempre estará submetida ao outro e neste caso o 
querer fazer não é próprio, não tem autonomia criativa e não existe a possibilidade de 
conciliar as vontades de poder fazer a si mesmo. Por outro lado, quando existe 
liberdade, essa potência de criar a si mesmo esbarra em algum momento no mesmo 
desejo legitimo de outrem, motivo pelo qual, a liberdade pressupõe em muitos aspectos 
a realização de alguém em relação a outro, quer dizer, a possibilidade de dominar uma 
outra vontade de querer fazer, um outro desejo de ser. “Certamente é preciso enfatizar 
também que só é possível haver relações de poder quando os sujeitos forem livres. [...] 
Se um dos dois estiver completamente à disposição do outro e se tornar sua coisa, um 
objeto sobre o qual ele possa exercer uma violência infinita e ilimitada, não haverá 
relações de poder. Portanto, para que se exerça uma relação de poder, é preciso que haja 
sempre, dos dois lados, pelo menos uma certa forma de liberdade” (A Ética do Cuidado 
de si como Prática da Liberdade, 2006b). De qualquer forma é na ética do cuidado de si 
que cada indivíduo pode se libertar do vazio em que se encontra diante da dominação 
das maquinarias disciplinares e de controle, e, ao realizar esse projeto pessoal, poder 
realizar a sua vontade de poder sem a ânsia ou descuido em submeter a vontade de 
poder alheia. Nem mesmo a situação em que alguém se submeta por vontade própria, 
nem mesmo que o faça conscientemente – e isto, obviamente pressupõe liberdade de 
escolha -, nem mesmo assim essa autonomia e essa liberdade de escolher a sujeição 
podiam ser aceitáveis por aquele que se dedica ao cuidar de si mesmo, porque a sua 
ética o impele a ser livre e seria um contra-senso, um paradoxo instransponível, fazer 
isso à custa da vontade de submissão de outrem, pois o que o indivíduo desejaria de 
liberdade para si se extinguiria no momento exato em que isso exige a não-liberdade, o 
não-querer e o não-fazer, não apenas do outro, mas enquanto situações mesmas de 
liberdade e da potencialidade humana. Por isso, mesmo quando em Kant ou em Hegel o 
outro aparece como limite, e a dedicação ao outro, ou à coisa pública, ou ainda a doação 
amorosa, possam parecer a negação da ética do “cuidado de si”, na verdade não 
significa a perda da sua vontade de potência em beneficio exclusivo da vontade e do 
fazer alheio, mas a compatibilização aceitável por espíritos livres que em sua liberdade 
decidem caminhar junto, quer dizer, um em relação ao outro. Quando Foucault 
explicava a ética do “cuidado de si” em relação aos antigos, ele sabia da importância 
dessa relação com o outro: “Ele é certamente (Sócrates) o homem que cuida do cuidado 
dos outros: esta é a posição particular do filósofo. Mas, digamos simplesmente, no caso 
do homem livre, acredito que o postulado de toda essa moral era que aquele que 
cuidasse adequadamente de si mesmo era, por isso mesmo, capaz de se conduzir 
adequadamente em relação aos outros e para os outros” (A Ética do Cuidado de si como 
Prática da Liberdade, 2006b). Claro que a expressão “vontade de poder” é criação de 
Nietzsche, muitas vezes traduzida como “vontade de potência”, talvez para simplificar o 
entendimento no sentido de que o poder nietzschiano não é dominação de outrem, mas 
de si mesmo: em verdade o querer fazer deve-se controlar para preservar a sua própria 
ética sem a qual não existe ser livre para si mesmo!

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