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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS FACULDADE DE MATEMÁTICA JOSÉ MARIA LEAL MIRA JUNIOR A HEURÍSTICA DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS EM GEORGE POLYA Cidade Universitária Professor José Silveira Netto Belém-Pará-Brasil 6 Nada é mais importante do que observar as origens da invenção, as quais são, na minha opinião, mais interessantes do que as próprias invenções. Gottfried Leibniz 7 RESUMO A resolução de problemas é atividade fundamental da matemática, no entanto, em sala de aula, muitas vezes, este importante aspecto é negligenciado e limitado à resolução de problemas rotineiros. Assim, é de nosso interesse neste trabalho, ressaltar pontos importantes da resolução de problemas segundo George Polya. Para tanto, o trabalho analisa aspectos da matemática e da sua linguagem, os conceitos de matemática, os tipos de problemas matemáticos, de heurística, fazendo ainda uma análise bibliográfica do livro “A Arte de Resolver Problemas” com objetivo de apresentar os aspectos fundamentais da heurística de resolução de problemas de George Polya. Apresentando também o método de questionar do professor, visando o incentivo ao aluno e alguns requisitos importantes ao solucionador de problemas, bem como a lista de indagações e sugestões analisando as quatro fases: compreensão, estabelecimento do plano, execução do plano e retrospecto da resolução. O trabalho apresenta ainda alguns pensamentos de George Polya sobre o ensino e aprendizagem de matemática, como a percepção de progresso em resolução de problemas e alguns aspectos inerentes à docência. PALAVRAS-CHAVE: Ensino da matemática. Problemas matemáticos. Heurística de resolução de problemas. 8 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO. ..................................................................................................................... 7 2. MATEMÁTICA A CIÊNCIA DOS PADRÕES. .................................................................. 11 2.1 A necessidade de compreender a matemática e a sua linguagem................................................ 14 3. O QUE É UM PROBLEMA MATEMÁTICO? ................................................................... 18 3.1 Tipos de problemas matemáticos. ............................................................................................... 19 3.2 O que é um bom problema matemático? ..................................................................................... 20 4. HEURÍSTICA DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS. ....................................................... 22 5. A ARTE DE RESOLVER PROBLEMAS, UMA VISÃO DO LIVRO. ............................... 25 6. A HEURÍSTICA DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE GEORGE POLYA. .............. 27 6.1 Breves dados biográficos sobre George Polya. ........................................................................... 28 6.2 Atirando-se cegamente à resolução de um problema. ................................................................. 30 6.3 O método de questionar do professor. ......................................................................................... 32 6.4 Como solucionadores de problemas entram em forma. .............................................................. 33 6.5 Fase 1: Compreensão do problema. ............................................................................................ 36 6.6 Fase 2: Estabelecimento de um plano. ........................................................................................ 38 6.7 Fase 3: Execução do plano. ......................................................................................................... 43 6.8 Fase 4: Retrospecto. .................................................................................................................... 45 7. SE O ALUNO NÃO CONSEGUIR RESOLVER O PROBLEMA PROPOSTO. ............... 48 7.1 Professor e aluno: Imitação e prática. ......................................................................................... 50 7.2 Dez mandamentos para professores. ........................................................................................... 51 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS. .............................................................................................. 55 9. REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 56 7 1. INTRODUÇÃO. O desenvolvimento da matemática está baseado na resolução de problemas, um problema é, para o matemático, motivação para lançar-se na busca de uma solução. Busca que, muitas vezes, no meio do processo solucionador, promove o desenvolvimento de novos ramos da matemática. Em grau de importância, maior ou menor, poderíamos tomar vários exemplos de bons problemas matemáticos, assim como aos grandes gênios que foram capazes de solucioná-los. No contexto educacional, o aluno poderá, por meio da resolução de problemas, experimentar o triunfo da descoberta, obtendo assim, dentre os vários benefícios, o gosto pelo trabalho mental. As fases de resolução da heurística de George Polya, juntamente com as sugestões e indagações, poderão proporcionar-lhe o gosto pelo raciocínio independente, tornando-o um hábil questionador, capaz de “colher frutos” do seu próprio trabalho, descobrindo por si mesmo e assimilando a utilização adequada do método proposto. Neste caminho o aluno poderá desenvolver sua autonomia com discernimento e perceber ainda que resolver um problema passa pela compreensão e o desejo de resolvê-lo. Alguns jornais ou revistas, ou ainda materiais especializados apresentam uma série de enigmas e palavras cruzadas que revelam, de uma forma ou de outra que, as pessoas levam algum tempo do seu dia, resolvendo problemas sem aplicação prática, nas palavras de Polya: Por trás do desejo de resolver este ou aquele problema que não resulta em nenhuma vantagem material, pode haver uma curiosidade mais profunda, um desejo de compreender os meios e as maneiras, as motivações e os procedimentos de resolução. (POLYA, 1995, Pg. 6) George Polya aponta ainda o fato de, a resolução de problemas revelar um aspecto importante da matemática: o de ciência experimental, indutiva, diferente do aspecto rigoroso em que normalmente os fatos matemáticos são postos em sala de aula. É bom lembrar ainda, que a proposta de George Polya não é um livro de receitas sobre resolução de problemas, nem tampouco pretende apresentar regras infalíveis para a descoberta da solução de um problema matemático, a esse respeito Polya se manifesta: Regra de descoberta infalíveis, que levem a resolução de todos os problemas matemáticos, seriam mais preciosas do que a pedra filosofal, em vão procurada pelos alquimistas. Tais regras fariam milagres, mas não há milagres. Encontrar regras infalíveis, aplicáveis a toda sorte de problemas é um velho sonho filosófico, que nunca passará de sonho. (POLYA, 1995, Pg. 133) Dessa forma as fases de resolução de um problema, juntamente com a lista de indagações são, na verdade, o estudo que tem por objetivo desencadear processos mentais 8 específicos que funcionam como elementos auxiliares na busca da solução do problema. Essas sugestões apresentam-senaturalmente ao solucionador de problemas interessado que, muitas das vezes, não se dá conta disso ou não é capaz de exprimir os procedimentos apresentados a si. George Polya, apresenta então a expressão desses fatos, colocados de forma sincera, clara, bem ordenada e com as devidas considerações credenciadas pela sua experiência como matemático. Em 1997, foi publicado nos Estados Unidos um documento denominado Relatório Riley, que aponta a importância da matemática no ensino e a influência deste aprendizado para o pleito de vagas em universidades e mercado de trabalho, nas palavras de Devlin: Usando dados de diversos estudos de longo prazo, o relatório em questão descobriu que 83 por cento dos estudantes do ensino médio que tinham estudado álgebra e geometria ingressavam na universidade, um número maior do que o dobro (36%) do de estudantes que não estudaram essas matérias. Estudantes de baixa renda que estudavam álgebra e geometria tinham uma probabilidade quase três vezes maior de ingressar em uma universidade do que os que não estudavam essas disciplinas. Além do mais, estudantes que haviam concluído o currículo completo destas duas matérias saíam-se notavelmente melhor no curso superior do que seus colegas que haviam deixado o estudo dessas matérias pelo meio. (DEVLIN, 2008, Pg. 303) O mais surpreendente vem em seguida: O relatório não dizia nada sobre a obtenção de boas notas em álgebra e geometria, ou até mesmo sobre a aprovação nas séries . O simples fato de estudar as matérias já trazia benefícios. E mais, os estudantes obtinham os mesmos benefícios independentemente dos cursos universitários que fossem fazer. Alunos de inglês, história e de arte saíam-se bem, da mesma forma que os que se especializavam em matemática e ciência. É o processo de pensamento que faz a diferença. (DEVLIN, 2008, Pg. 304) A interpretação do relatório não pode ser mais evidente, e mostra claramente o benefício do pensamento matemático, segundo o próprio Keith Devlin: “pensar matemática é tão bom para a mente quanto uma caminhada ou uma corridinha é para o corpo.”(DEVLIN, 2008, Pg. 28) Na contra mão desses dados, observa-se que, no que diz respeito à educação matemática no Brasil, os índices de desempenho apontam a necessidade de melhorias, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) do governo federal, coloca a matemática como principal responsável pelas reprovações dos alunos com dificuldades relacionadas à aplicação de conceitos e resolução de problemas. De imediato justifica-se a pergunta: Se a matemática é tão importante para a sociedade, como poderemos melhorar o seu ensino? Obviamente a resposta não é única e muito disso justifica-se por questões extraclasses como a baixa remuneração dos professores, falta de motivação, falta de recursos materiais e humanos, evasão escolar, falta de políticas voltadas à escola brasileira, entre 9 outros. Neste cenário é interessante propor novos métodos de ensino, dentre os quais é de nosso especial interesse a resolução de problemas. Tendo em vista que o uso da heurística, em especial a proposta por George Polya, é pouco aplicada por diversos motivos que vão, desde falta de tempo, ao total desconhecimento do assunto por parte do professor ou ainda é posto em prática apenas uma caricatura do método de resolução, deixando de lado fases importantes como a do retrospecto da resolução, conforme pode-se ver abaixo: A prática mais frequente consiste em ensinar um conceito, procedimento ou técnica e depois apresentar um problema para avaliar se os alunos são capazes de empregar o que lhes foi ensinado. Para a grande maioria dos alunos, resolver um problema significa fazer cálculos com os números do enunciado ou aplicar algo que aprendem nas aulas. (BRASIL-PCN, 1998, Pg. 40) A capacidade de resolver problemas traz inúmeros benefícios ao aluno, dentre eles destacam-se a autonomia de pensamento que o levará à assimilação, por imitação e prática, dos passos necessários para a resolução de um problema, tornando-o, assim, um hábil questionador com a capacidade de traçar e executar planos plausíveis. Em seu livro “A Arte de Resolver Problemas”, George Polya, aponta alguns benefícios da resolução de problemas: Uma grande descoberta resolve um grande problema, mas há sempre uma pitada de descoberta na resolução de qualquer problema. O problema pode ser modesto, mas se ele desafiar a curiosidade e puser em jogo as faculdades inventivas, quem o resolver por seus próprios meios, experimentará a tensão e gozará o triunfo da descoberta. Experiências tais, numa idade susceptível, poderão gerar o gosto pelo trabalho mental e deixar, por toda a vida, a sua marca na mente e no caráter. (POLYA, 1995, Pg. 5) Para tanto, este trabalho, será fundamentado na heurística de resolução de problemas de George Polya e terá como base o livro A Arte de Resolver Problemas, juntamente com a lista de sugestões e indagações e alguns apontamentos do autor sobre o ensino e aprendizagem. Desta forma o trabalho será desenvolvido inicialmente a partir de informações importantes para o solucionador de problemas, como o conceito, de grande parte dos matemáticos, sobre o que é a matemática, linguagem matemática, problema matemático, tipos de problemas matemáticos e, naturalmente, o próprio conceito de heurística de resolução de problemas. Num segundo momento é feita uma análise sobre o livro “A Arte de Resolver Problemas”, de George Polya, apontando as principais divisões do texto, juntamente com breves comentários dos conteúdos desenvolvidos nos capítulos da obra. Na terceira parte deste trabalho ocorre o estudo da heurística de George Polya, 10 com o apontamento de dados biográficos do autor, alguns fatos motivadores para a utilização de um método heurístico e a lista de indagações e sugestões, juntamente com as quatro fases de resolução. Na quarta parte do trabalho são apresentados alguns pensamentos de George Polya sobre o ensino e aprendizagem de matemática, apresentando aspectos de incentivo ao aluno com dificuldades de aplicação do método, apontando aspectos importantes ora na perspectiva do aluno, ora na perspectiva do professor, juntamente com objetivos a serem atingidos por quem pretende ser um bom professor de matemática. 11 2. MATEMÁTICA A CIÊNCIA DOS PADRÕES. No mundo moderno, a competição e a excelência funcionam como parâmetros para o desenvolvimento do indivíduo, as novas tecnologias que permeiam a sociedade atual reforçam a importância do desenvolvimento científico e suas aplicações. Nesse cenário, a matemática tem um papel de destaque, já que é a ciência que descreve muito bem vários fenômenos do mundo que nos cerca. Sem a matemática não é possível compreender o que mantém um avião no ar, um satélite em órbita, as ondas de rádio, música, eletromagnetismo, etc. Sem ela não poderíamos olhar para o futuro e realizar previsões estatísticas, como resultados de eleições, climáticas, dentre outras. Muitos são os exemplos de aplicação matemática em nossas vidas cotidianas, que sobre uma visão superficial já seriam suficientes para mostrar a importância e a influência da matemática na sociedade moderna, contudo, não justifica a necessidade do ensino da matemática, já que, a maior parte dos cidadãos do mundo moderno são apenas consumidores da tecnologia disponibilizada, perante os avanços matemáticos. Nas palavras de Devlin: A justificativa mais comum é que o mundo é tão dependente da ciência e da tecnologia que todo mundo necessita ser bom em matemática para poderter sucesso na vida, e contribuir integralmente para a sociedade. Isso é o mesmo que dizer que, como nossas vidas são tão dependentes do automóvel, todo mundo deve aprender a consertar um carro. Embora uma sociedade dependente do automóvel certamente exija um número apropriado de engenheiros e mecânicos bem treinados, para a maioria de nós é bastante saber dirigir. O mesmo acontece com a matemática. (DEVLIN, 2008, Pg. 300) Percebe-se ainda que, alguns alunos sentem dificuldades em justificar as horas que passam sobre seus livros de matemática. Dessa forma o estudo da matemática não define um objetivo claro para a obtenção desse conhecimento e acaba tendo como fim, a obtenção de notas finais suficientes para aprovação. Dentre as justificativas para o ensino da matemática pode-se destacar a transmissão da cultura humana, a capacidade de questionar, interpretar, compreender, mudar de opinião, formular planos, tomando decisões e diferentes caminhos adaptáveis logicamente. Em resumo um fator importante da matemática é a capacidade de fazer o indivíduo pensar. Muitas das dificuldades em matemática, explicam-se pela forma com qual o professor ensina os conteúdos em sala de aula. Grande parte das aulas, seguem roteiros de definições seguidos de exercícios rotineiros e praticamente imutáveis ano após ano. Ora, mas o que permite a alguns perceber algo aparentemente inatingível aos outros? Parte desta explicação talvez esteja na forma com a qual essas pessoas definem e enxergam a matemática. Se perguntado a qualquer pessoa, o que é a matemática, provavelmente obteremos 12 como resposta algo do tipo, “é uma ciência que estuda os números” ou mesmo “são regras de como lidar com números” essas definições, precárias, muitas vezes limitam-se à aritmética, que apesar de ser uma parte da matemática, não é sequer sua maior parte. Para Devlin, As partes mais avançadas da matemática pouco têm a ver com aritmética ou com o cálculo numérico, ou até mesmo com os números, em absoluto, quando estes são usados no seu sentido usual. Na verdade, alguns dos melhores matemáticos não são bons com números. (DEVLIN, 2008, Pg. 23) Entender o que os matemáticos afirmam ser matemática é um passo importante para incentivar a continuidade de estudo atenta e eficaz, tendo em vista que assim é estabelecida uma meta, um objetivo interessante a ser alcançado que ressalta vários aspectos importantes. Um desses aspectos é indicado por Devlin: Um aspecto da matemática que atrai muita gente é que ela é muito bem ordenada e confiável, em contraposição ao mundo do dia a dia no qual vivemos. Um individuo que procura um alto padrão de ordem na sua vida poderia muito bem encontrá-lo na matemática. (DEVLIN, 2008, Pg. 298) Em meio a isso, uma observação se faz necessária, se o aluno não souber o que é a matemática, como poderá entender sua necessidade de estudo? Esse cenário permite questionamento por parte dos alunos e um dos mais comuns é “onde vou aplicar isso na minha vida?” Se perguntado a um matemático, “o que é a matemática?”, a resposta mais comum será a que diz que a matemática é a ciência dos padrões, que não deixa de ser uma boa resposta desde que a palavra “padrão” seja definida. A esse respeito Devlin se manifesta: Permita que eu assinale que os padrões estudados pelo matemático podem ser reais ou imaginários, visuais ou mentais, estáticos ou dinâmicos, qualitativos ou quantitativos, utilitários ou recreativos. Eles surgem do mundo a nossa volta, das profundezas do espaço e do tempo, e do funcionamento da mente humana. Diferentes tipos de padrões fazem surgir diferentes áreas da matemática. Por exemplo a teoria dos números estuda (e a aritmética usa) padrões de número e de cálculo numérico; a geometria estuda padrões de formas; o cálculo infinitesimal nos permite lidar com padrões de movimento; a lógica estuda padrões de raciocínio; a teoria das probabilidades lida com padrões do acaso; a topologia estuda padrões de proximidade e posição. (DEVLIN, 2008, Pg. 26) Percebe-se então que os padrões estudados pelos matemáticos não são exclusivamente numéricos, embora o padrão numérico usado na aritmética também pode ser estudado matematicamente. Ao ampliar o horizonte da definição de padrão temos uma parca ideia das áreas de estudo da matemática, assim, somos capazes de perceber que a matemática está claramente inserida no mundo a nossa volta, em toda parte da natureza e muitas vezes não tem nada a ver com números. A este respeito Devlin se manifesta: Por que, perguntava Wigner ”a matemática pode ser aplicada com tanta freqüência e com tão bons resultados?” A partir do momento em que se percebe que a matemática não é um jogo qualquer inventado pelas pessoas, mas sim algo que diz 13 respeito aos padrões que surgem no mundo à nossa volta, a observação de Wigner não parece tão surpreendente. A matemática não é algo que diz respeito a números, mas sim à vida. Ela é algo que nasce no mundo em que vivemos. Lida com ideias. E, longe de ser aborrecida e estéril, como muitas vezes é retratada, ela é cheia de criatividade. (DEVLIN, 2008, Pg. 98) Ao discorrer sobre o que é a matemática, Keith Devlin (2008, Pg. 96) compara a matemática a um par de óculos que permite ver semelhanças entre fenômenos que, em um primeiro momento, aparentam ser bastante diferentes, ela funciona como um aparelho de raios X, ou uns óculos de visão noturna militar, capaz de tornar visível o invisível. Por exemplo, “Gravidade” é dar um nome à coisa, mas não explica o fenômeno que leva algo ao chão quando largados no ar. Somente com as equações newtonianas no século 17 foi possível “ver” o fenômeno, que não só elucidou o que faz a maçã cair da árvore ao chão como também foi possível compreender o que mantém a terra girando ao redor do sol, a lua ao redor da terra, um satélite artificial etc. Para descrever esses padrões o matemático necessita de uma linguagem, que acaba sendo outra forma de definir matemática por algumas pessoas, já que na presença da linguagem matemática, dentro de um determinado contexto, é possível detectar conceitos matemáticos, figuras, símbolos e, consequentemente, a matemática. Esta linguagem, mesmo sendo apontada como um dos motivos da dificuldade de aprendizado, é necessária, principalmente por eliminar paradoxos que surgem com o uso indiscriminado da linguagem corrente. Além disso a utilização de uma notação adequada, inequívoca, fecunda e fácil de lembrar, antecede o bom entendimento do conceito matemático. O professor tem um papel importante então: mostrar ao aluno a necessidade do uso desta linguagem e não apresentá-la de forma arbitrária. O aluno deve perceber, de preferência por si só, com o auxílio da experiência e prática que a linguagem matemática é importante e necessária e que está presente para ajudar e não para atrapalhar. Dessa forma não representará uma sobrecarga para a memória pois, o aluno estará satisfeito com os argumentos e pronto para utilizá-los. Várias pessoas comparam a matemática com a música, com alguma razão, pois as duas são recheadas de símbolos e possuem linguagem própria, os matemáticos e os músicos se expressam por meio dessas linguagens. Um músico lendo uma partitura, pode ser comparado a um matemático lendo um teorema, o primeiro, ao ler símbolos musicais, alcança diretamente os sons e os matemáticos lendo símbolos matemáticos alcança diretamente os padrões, com exceção é claro do fato do músico poder expressar os símbolos na forma de um som. A linguagem matemática certamente afasta muito as pessoas, a ponto de causar 14 temores a simples vista de simbologia matemática, ora, se o matemático trabalha com padrõesabstratos, nada mais natural que faça uso de uma linguagem abstrata para descrevê-los. Nas palavras de Devlin: Você pode pensar nos padrões abstratos dos matemáticos como “esqueletos” de coisas do mundo. O matemático pega um aspecto do mundo, digamos, uma flor ou um jogo de pôquer, separa um determinado aspecto da coisa escolhida, e depois descarta todas as características particulares, deixando apenas um esqueleto abstrato. No caso da flor, esse esqueleto abstrato pode ser sua simetria. Quanto ao jogo de pôquer, pode ser a distribuição das cartas, ou o padrão de apostas. (DEVLIN, 2008, Pg. 99) Keith Devlin (2008) relata uma pesquisa realizada com modernas técnicas de tratamento de imagem, que mostram as partes do cérebro ativadas enquanto o paciente realiza tarefas mentais ou físicas, nesse estudo foi comparado quais regiões do cérebro estavam ativas quando um matemático profissional e um músico profissional trabalhavam, o resultado só vem corroborar com as similitudes, já que as regiões ativas eram muito semelhantes em ambos os casos, embora com músicos e matemáticos amadores, o resultado nem sempre é semelhante. 2.1 A necessidade de compreender a matemática e a sua linguagem. Ao lidar com a matemática, as pessoas normalmente dividem-se em dois grupos, os que acham a matemática algo difícil, quase incompreensível, e outro grupo menor, que acha a matemática bastante fácil e ainda são capazes de perceber elementos estéticos como beleza e elegância nos padrões matemáticos. Sabe-se, porém, que para se fazer uso da capacidade matemática o homem não necessita de nenhuma capacidade especial, individualizada. Todos somos capazes de dominar a matemática e dela colher frutos. Mas exatamente o quê, torna a matemática interessante para uns e uma terrível obrigação para outros? Parte dessa explicação reside na forma com que a matemática é ensinada em sala de aula, o aluno recebe o conhecimento matemático como se fosse uma receita do que fazer com os números, do tipo “faça isso e obterá a resposta”. A esse respeito Polya se manifesta: O livro de cozinha fornece uma descrição detalhada dos ingredientes e dos procedimentos, mas não dá nenhuma demonstração ou razão para as receitas: prova-se o pudim comendo-o. O livro de cozinha pode servir perfeitamente aos seus fins. De fato, ele não precisa de qualquer sistema lógico ou mnemônico, pois as receitas estão escritas e impressas, não precisando ficar retidas na memória. (POLYA, 1995, Pg. 117) Se um professor seguir muito de perto o que faz um livro de receitas corre o risco de não trazer nenhuma motivação as suas aulas, e o pior, fará com que os conteúdos 15 matemáticos não sejam compreendidos, pois os fatos matemáticos enunciados dessa forma tornam-se facilmente esquecidos, principalmente pela sua incoerência aos olhos do aluno. Nesse modelo as aulas tornam-se manipulações de símbolos sem sentido. Nesse momento surge um fator importante, a linguagem matemática. Que é o meio mais apropriado de descrever as propriedades, já que a complexidade e abstração da matemática tornam proibitivo o uso de outra coisa que não seja a notação simbólica. O aluno deverá então ser capaz de ler o símbolo, atribuindo a ele seu significado matemático. Podemos tomar como exemplo, o uso dos numerais para denotar os números, como ilustra Keith Devlin (2008) “Para usar o numeral “7” para denotar o número 7, devemos reconhecer o número 7 como uma entidade.” O mesmo ocorre, por exemplo, com a utilização de letras para denotar números desconhecidos em equações algébricas, é preciso que o aluno ao utilizar uma letra como o x para denotar um certo número inteiro, tenha em mente o conceito de um número inteiro. O símbolo matemático, neste sentido, permite que evoquemos conceitos matemáticos que a priori já devem estar definidos em nossa mente. Qualquer manipulação simbólica que não siga esta orientação será arbitrária e desprovida de sentido. Keith Devlin toma como exemplo, para ilustrar o ponto de vista do aluno, o procedimento que descreve a soma de frações: 1 2 + 3 5 Esta operação aponta um erro bastante comum, o aluno enxerga a operação como duas adições, e para solucionar o problema soma os numeradores 1 + 3 = 4 e os denominadores 2 + 5 = 7. Obtendo como resposta: 4 7 O que, simbolicamente, parece ser o mais lógico a se fazer, porém o resultado não faz sentido matematicamente. Este exemplo pode representar um motivo pelo qual o aluno começará a sentir dificuldade em compreender conceitos matemáticos. E se o professor não mostrar passo a passo o que acontece em termos dos números representados pelos símbolos, todo o processo se tornará incompreensível, contudo, devido a capacidade do cérebro humano em adaptar-se e aprender determinadas sequências de ações, o aluno aprenderá a forma correta de operar os símbolos, motivado talvez, pela necessidade de obtenção de notas nas avaliações, ele estará encontrando assim, uma resposta correta, mesmo que ela não faça nenhum sentido para ele. Assim, o aluno inteligente, não ficará satisfeito em verificar se os passos ou o 16 raciocínio estão corretos, mas compreender a motivação e finalidade desses passos, e não obterá proveito nenhum se o passo mais importante permanecer nebuloso, nas palavras de Devlin: Quantas crianças deixam a escola com boas notas em matemática, mas sem compreender o que estão fazendo? Certamente que muitas, a julgar pelo grande número de alunos perfeitamente inteligentes que não conseguem somar frações. Se apenas entendessem o que está acontecendo , elas nunca se esqueceriam de como fazê-lo. Sem essa compreensão, no entanto, poucos conseguem se lembrar de um procedimento tão complicado por muito tempo, depois de terminado o exame final. (DEVLIN, 2008, Pg. 88) Esses fatos ilustram parcialmente um dos motivos que levam as pessoas a compreender ou não a matemática, focado na manipulação simbólica desprovida de sentido. Outro ponto bastante conhecido, está relacionado com a capacidade do aluno de expressar em símbolos matemáticos um problema formulado em palavras. Esta tradução de um problema colocado em linguagem corrente, para linguagem matemática, é denominada equacionamento, termo que foi utilizado primeiramente por Newton em sua Arithmetica Universalis. As dificuldades que surgem no equacionamento são dificuldades de tradução. Já que o uso de palavras muitas vezes é repleto de duplo sentido, causando a necessidade do resolvedor de problemas escolher o significado que mais se adapta ao caso. Aqui surge uma oportunidade interessante que é a descrição de um fato matemático em linguagem corrente, tendo em vista que alguns filósofos chegaram ao ponto de afirmar que o uso de palavras é fundamental para o raciocínio, contudo, os matemáticos alegam que existe a possibilidade de fazer uso do raciocínio sem utilizar palavras, como quando, o matemático faz uso de figuras geométricas e símbolos algébricos para nortear o raciocínio matemático, segundo Polya (POLYA, 1995, Pg. 97) é possível aprofundar ainda mais esta afirmativa alegando que “o uso de signos parece indispensável ao uso do raciocínio.” Tomemos como exemplo o seguinte enunciado, proposto por Keith Devlin (2008): “Um fazendeiro tem 12 vacas. Todas menos 5 morrem. Quantas vacas restam?”. Caso a aluno atire-se cegamente à resolução, ficará tentado a realizar a subtração 12 − 5 = 7, obtendo 7 como resposta. Quando na verdade a resposta correta é 5, provando que a dificuldade de tradução pode representar um resultado desastroso, dessa forma, Devlin observa que, Gente que é “boa em aritmética” não comete esses erros. O que distingue essas pessoas demuita gente que parece “nunca pegar a coisa” não é o fato de que elas memorizaram melhor as regras. Em vez disso, elas compreendem essas regras. Na verdade, sua compreensão é de tal ordem que elas não precisam absolutamente de regras. (DEVLIN, 2008, Pg. 89) Para que ocorra a tradução correta, primeiramente é preciso compreender 17 integralmente o enunciado que foi posto em linguagem corrente. Em um segundo momento é preciso estar familiarizado com as formas e expressões matemáticas. A exemplo do que ocorre em uma tradução do inglês para o português, a tradução fica mais simples se pudermos realizar uma tradução literal, contudo, há expressões inglesas que não permitem esse artifício. Nos casos mais simples teremos uma tradução imediata para símbolos matemáticos, já nos mais difíceis, precisaremos estar atentos ao significado, sendo necessário, talvez, reformular o enunciado para fazer melhor uso dos símbolos matemáticos. O que fica claro é que os conteúdos matemáticos repletos de símbolos, tornam-se mais fáceis se soubermos seus significados, quando os símbolos passam a fazer sentido. Isto influencia diretamente a nossa capacidade de abordar problemas, pois somos dependentes da nossa familiaridade com os conceitos matemáticos. Um outro aspecto importante de alguém que consegue um bom desempenho em matemática não reside apenas na capacidade de compreender os símbolos matemáticos, mas também na forma que as pessoas enxergam essas entidades matemáticas. Segundo Keith Devlin (2008) “um matemático é alguém para quem a matemática é uma série de televisão”. Onde os personagens nessa série não são pessoas, mas sim objetos matemáticos. Já os fatos e as relações de interesse não são casamentos ou casos amorosos, mas fatos e relações matemáticas. Tomemos como exemplo o π, que, para alguns é apenas um número irracional, mas que pode adquirir todo um significado, ilustrado a seguir pela ideias de Devlin: Para uma pessoa comum, o número π é apenas isso: um número que você obtém quando divide a circunferência de um círculo pelo seu diâmetro. (O resultado é aproximadamente 3,14159). Mas, para mim, π tem uma personalidade definida. É um personagem importantíssimo numa peça que vem se desenrolando numa enorme paisagem nos últimos 2.500 anos. E vejo π como um indivíduo muito influente, bem relacionado, aparecendo em diferentes locais, e tendo relação com muitos outros objetos matemáticos. (DEVLIN, 2008, Pg. 285) Com a diferença de que não se pode ter uma imagem visual de π, já que π é completamente abstrato. Portanto a principal chave para lidar com a matemática, é o querer. Desejar compreender a matemática faz com que usemos nosso cérebro de uma maneira ligeiramente diferente, permitindo uma forma diferente de conceber a matemática. Segundo Keith Devlin (2008) “quando as pessoas acham que realmente precisam dominar matemática, elas geralmente o conseguem”. Não perceber isso pode ser a diferença entre os dois grupos de pessoas citadas inicialmente. 18 3. O QUE É UM PROBLEMA MATEMÁTICO? O dicionário Michaelis define problema matemático como “toda questão em que se procura calcular uma ou várias quantidades desconhecidas, denominadas incógnitas, ligadas mediante relações a outras conhecidas e chamadas dados.” Ou “proposição que afirma qualquer coisa que deve ser executada ou demonstrada.” A definição de problema matemático, colocada de forma intuitiva, diz respeito à necessidade de solucionar uma situação matemática onde os meios para esse fim não são conhecidos. Em outras palavras, deseja-se resolver algo, mas se desconhece o caminho para tanto. É certo dizer que a preocupação de resolver um problema, matemáticos ou não- matemático, é exercitada em nossa vida cotidiana. Mesmo em atividades sem fins práticos, colocamos em exercício, ainda que inconscientemente e com base em nossa experiência, processos necessários à resolução dessas situações conflitantes. Nas palavras de Polya: Resolver problemas é uma atividade humana fundamental. De fato, a maior parte do nosso pensamento consciente relaciona-se com problemas. A não ser quando nos entregamos a meros devaneios ou fantasias, os nossos pensamentos dirigem-se para um fim, procuramos meios, procuramos resolver um problema. (POLYA, 1995, Pg. 139) Em sala de aula, erroneamente, utiliza-se indiscriminadamente a palavra “problema” para descrever toda sorte de situações colocadas aos alunos, grande parte dessas são exercícios, denominados “problemas rotineiros” por George Polya, que são aplicações de resultados matemáticos já conhecidos pelo aluno. Esse problema rotineiro, por exemplo, pode ser a aplicação de algum algoritmo, como o da fórmula geral de resolução de equações de 2º grau, desde que o aluno de posse da fórmula tenha visto a resolução por substituição das letras pelos números em uma questão anterior. Nesse caso só lhe resta seguir uma rotina já exemplificada, um passo a passo deu um exemplo já visto. Em situações como esta o aluno não tem necessidade de fazer uso de seu discernimento e de suas faculdades inventivas, embora, a resolução de problemas rotineiros seja parte importante no aprendizado de matemática já que faz uso da capacidade de reconhecer padrões do cérebro humano. No caso de resolução de problemas pode-se utilizá-los para evocar elementos já conhecidos ao solucionador, capazes de trazer familiaridade com o problema proposto, já que é possível fazer uso de seu método e experiência adquirida. Esses conhecimentos previamente adquiridos podem representar a diferença entre o que é um problema fácil ou difícil. Com a definição de problema colocada nas linhas acima, pode-se concluir que o que é um problema para um, pode não passar de um exercício rotineiro para outro. Tudo 19 dependerá da experiência e capacidade adquirida por quem se propõe a resolvê-lo. 3.1 Tipos de problemas matemáticos. Os problemas matemáticos dividem-se basicamente em dois grupos, problemas de determinação e problemas de demonstração. O primeiro deles, tem por objetivo a obtenção de um resultado, denominado incógnita, que nada mais é que um objeto procurado no enunciado do problema proposto. Sobre esses aspectos, Polya aponta ainda que, A incógnita é também chamada quaesitum, ou aquilo que se procura ou de que se necessita. Os “problemas de determinação” podem ser teóricos ou práticos, abstratos ou concretos, problemas sérios ou simples enigmas. Podemos procurar determinar incógnitas de todos os tipos; podemos tentar encontrar, calcular, obter, produzir, traçar, construir todos os tipos imagináveis de objetos. No problema da novela policial, a incógnita é um assassino. No problema de xadrez, a incógnita é a jogada do enxadrista. Em certos problemas de Álgebra elementar, a incógnita é um número. Num problema de traçado geométrico a incógnita é uma figura. (POLYA, 1995, Pg. 124) Já o problema de demonstração, tem por objetivo concluir se uma certa afirmativa é verdadeira ou falsa. A questão principal é esta: se o enunciado é ou não verdadeiro, para isto a pessoa empenhada em demonstrar o problema deve concluir uma das duas hipóteses possíveis: provando-a verdadeira ou provando-a falsa. Tendo em vista que algo não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo exclui- se uma terceira possibilidade. A esse respeito Polya se manifesta: Uma testemunha afirma que o acusado passou em casa toda uma certa noite. O juiz tem de verificar se essa afirmativa é verdadeira ou não e, além disso, tem de apresentar razões tão boas quanto possíveis para a sua conclusão. Assim, o juiz tem um “problema de demonstração”. ( POLYA, 1995, Pg. 125) É possível ressaltar ainda as diferenças entreas partes dos problemas. Os problemas de determinação, por exemplo, têm como partes principais a incógnita, os dados e a condicionante, já os de demonstração, têm como partes principais a hipótese e a conclusão. É preciso dizer que os termos: “problemas de determinação” e “problemas de demonstração” foram adotados com objetivo de substituir termos históricos que podem causar confusão pelo uso corrente. Nas versões latinas de textos matemáticos gregos os “problemas de determinação” são denominados simplesmente “problemas” e os “problemas de demonstração” são denominados “teoremas”. No livro “A arte de resolver problemas” de George Polya, a lista de indagações que evocam as operações mentais típicas de resolução de problemas, é melhor aplicada em problemas de determinação, sendo necessária alterações para que as sugestões também possam ser aplicadas em problemas de demonstração. Além disso os problemas matemáticos podem ser formulados com base em 20 contextos do mundo a nossa volta. Esses problemas intitulados práticos, exigem atenção redobrada, pois tendem a ser mais complexos e menos nítidos. Em um bom problema matemático as partes do problema são essenciais e devem ser levadas em conta, já em um problema prático tudo tende a ser mais nebuloso, as partes do problema podem ser numerosas e não são necessariamente úteis e muitas vezes precisam ser descartadas. Acrescente ainda o fato de problemas matemáticos derivados de problemas práticos, ocasionalmente, tolerem aproximações como resultado, sendo razoável, então, pequenas imprecisões no cálculo, se obviamente, a aproximação trouxer o benefício da simplicidade ou a utilização de um resultado já conhecido. Contudo a motivação e as atitudes tomadas no caminho do processo solucionador dos problemas puramente matemáticos ou dos problemas práticos parecem ser as mesmas. 3.2 O que é um bom problema matemático? Um problema matemático é mais interessante, a medida que o solucionador necessite fazer uso de várias ferramentas ou mesmo inventar argumentos necessários ao processo solucionador. O próprio desenvolvimento da matemática necessita desses tipos de problemas, tomemos como exemplo o teorema de Fermat, que afirma que não existe nenhum conjunto de inteiros positivos x, y, z e n, com n maior que 2, que satisfaça �� + � = ��. Este enunciado foi escrito por Pierre de Fermat às margens de uma tradução de Arithmetica de Diofanto, juntamente com o enunciado, Fermat afirmava ter descoberto uma demonstração do teorema, mas que não poderia mostrá-la por falta de espaço. Este problema de demonstração foi objeto de pesquisa por cerca de 300 anos. Os matemáticos apoiados na afirmativa de Fermat, acreditavam e buscavam a demonstração do teorema com toda dedicação. Demonstração que só veio ocorrer em 1994, realizada pelo matemático britânico Andrew Wiles. Hoje se acredita que Fermat enganara-se ao afirmar ter realizado a demonstração, pois Wiles utilizara ferramentas avançadas não disponíveis para Fermat. O teorema de Fermat, pode ser tomado como um bom problema matemático, pois, no caminho da demonstração provocada pelo enunciado, promoveu-se o desenvolvimento de ideias e ferramentas matemáticas originais, fundamentais no processo solucionador. No contexto educacional, é preciso definir o que é um bom problema. Um bom problema para o aluno passa antes por um diagnóstico, cuidadosamente realizado pelo professor, onde, deve ser feito apontamento que indique o nível de desenvolvimento do aluno 21 e da turma, permitindo assim, a elaboração de um problema mais próximo da capacidade do aluno, que deverá então ser capaz de compreendê-lo e resolvê-lo se realmente tiver interesse. Antes de qualquer coisa o enunciado verbal do problema precisa ser claro e suas partes principais bem definidas para que o estudante adquira o hábito de direcionar sua atenção nesses pontos, beneficiando sua capacidade de resolver problemas. Um bom problema nunca fica completamente esgotado, sempre restará alguma coisa a fazer, compreender e melhorar a resolução. Esses tipos de problemas servem ainda para aumentar consideravelmente o repertório do solucionador, proporcionando um método ou resultado que, com bom senso e o devido cuidado, poderá ser aplicado em vários outros casos. Esses pontos relevantes devem ser estimulados e podem representar a diferença entre um problema fácil e um difícil. Outro aspecto importante de um bom problema matemático é que ele deve despertar algum interesse em quem está disposto a resolvê-lo. Só assim, para o solucionador, será possível consagrar toda a personalidade na busca do objetivo final. Muitas vezes quando um estudante mostra-se pouco interessado e sem perseverança, nem sempre a culpa é inteiramente dele, já que o estudante pode carecer do desejo para compreender e interessar-se pela resolução do problema, em outras palavras é preciso gostar para fazer bem. Na visão de Polya: É uma tolice responder a uma pergunta que não tenha sido compreendida. É triste trabalhar para um fim que não se deseja. Estas coisas tolas e tristes, fazem-se muitas vezes, mas cabe ao professor evitar que elas ocorram O aluno precisa compreender o problema, mas não só isto: deve também desejar resolvê-lo. Se lhe faltar compreensão e interesse, isto nem sempre será culpa sua. O problema deve ser bem escolhido, nem muito difícil nem muito fácil, natural e interessante, e um certo tempo deve ser dedicado à sua apresentação natural e interessante. (POLYA, 1995, Pg. 4) Na citação acima, George Polya utiliza um termo pouco comum: “desejo”. Inaugura-se então a pedagogia do desejo, apontando a necessidade de uma sincera motivação para resolver problemas. Se o professor for capaz disso, provocará uma revolução na forma de enxergar a matemática por parte dos seus alunos. 22 4. HEURÍSTICA DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS. Segundo o dicionário Aurélio (5ª edição revista e ampliada, Rio de Janeiro 2001 Editora Nova Fronteira), Heurística é o “conjunto de regras e métodos que visam à descoberta, à invenção ou à resolução de problemas.” Já o adjetivo “heurístico” significa “que serve para descobrir”. Essas definições, um tanto quanto precárias, ressaltam aspectos gerais importantes da heurística, mas carecem de um conceito mais detalhado. Diante de uma situação conflitante, necessária ao exercício de certa atividade, somos levados a executar uma série de ações com objetivo de solucionar esse ou aquele problema. O processo psíquico que auxilia a resolução do problema que, até então era algo inédito ao solucionador, é também denominado pensamento criador, atividade heurística ou simplesmente, heurística. A importância da heurística fica evidente nas palavras de Puchkin: Não é difícil imaginar a importância e a significação de uma atividade produtiva e criadora. Descobertas científicas, criação de novas formas de construção, elaboração de planos de batalha ou atividades operativas num posto de expedidor, investigação de um crime complicado etc., nem de longe compõem a relação dos diversos trabalhos em que, como importantíssimo componente, entra a atividade criadora. Esse componente comprova até que ponto são relevantes o estudo dado dessa atividade e a descoberta de sua constante. (PUCHKIN, 1969, Pg. 8) Pode-se então definir heurística como a ciência que estuda os padrões da atividade do pensamento criador. Porém não é limitado somente a isso, já que abrange também a elaboração de métodos do processo heurístico. Esta nova utilização do termo heurística é denominada por George Polya como heurística moderna, que:Procura compreender o processo solucionador de problemas, particularmente as operações mentais, típicas desse processo, que tenham utilidade. Dispões de várias fontes de informação, nenhuma das quais deve ser desprezada. Um estudo consciencioso da Heurística deve levar em conta, tanto as suas bases lógicas quanto as psicológicas . Não deve esquecer aquilo que autores antigos como Pappus, Descartes, Leibniz e Bolzano escreveram sobre o assunto, mas muito menos deve desprezar a experiência imparcial. (POLYA, 1995, Pg. 87) George Polya define Heurística ou “ars inveniendi” como um ramo não bem delimitado ora pertencente à Lógica, ora à Filosofia, ora à Psicologia que apresenta algumas características não definidas claramente, mas que já se fazia presente nos trabalhos dos comentaristas de Euclides, onde podemos destacar Pappus, matemático grego, que viveu aproximadamente no ano 300 de nossa era. Em sua obra Pappus descreve um estudo denominado por ele de analyomenos, que segundo a tradução de George Polya significa “Tesouro da Análise” ou “Arte de Resolver Problemas” ou finalmente “Heurística”, é fácil perceber que George Polya prefere e utiliza a ultima denominação. 23 Conforme a indicação de Geoge Polya, matemáticos e Filósofos ao discorrer sobre o tema, sentiram a necessidade de uma melhor sistematização e, nesse sentido, deve-se muito a Descartes, Leibniz e Bernard Bolzano. Descartes (1596-1650) desenvolveu um método universal para a resolução de problemas chamado Regras para a Direção do Espírito. Este material inacabado, encontrado somente após a morte de Descartes, aparentemente foi escrito antes de sua obra mais conhecida o Discours de La Méthode. Neste material, Descartes relata o que parece ser a origem de suas ideias: “Quando jovem, ao ouvir falar de invenções engenhosas, tentei inventá-las eu próprio, sem nada ter lido dos seus autores. Ao fazê-lo, percebi, gradualmente, que estava a utilizar certas regras.” Em um certo ponto da proposta de Descartes, o autor cogita a redução de qualquer tipo de problema, a um problema matemático, o que já demonstra a necessidade de melhoria em sua proposta de heurística, já que nem sempre isso é possível. Já Leibniz (1646-1716) objetivou escrever uma obra denominada “Arte da invenção” sem, contudo, concluí-la. Do que seria este material, nos restam diversos fragmentos dentre os quais esta valiosa observação: “Nada é mais importante do que observar as origens da invenção, as quais são, na minha opinião, mais interessantes do que as próprias invenções.” Bolzano (1781-1844) em sua obra sobre Lógica denominada Wissenschaftslehre, reservou parte do trabalho para tratar de Heurística, com objetivo de formular em linguagem clara o processo heurístico, comumente utilizado pelo solucionador de problema, ainda que de forma inconsciente. Para Polya o estudo da heurística: Tem objetivos “práticos”: melhor conhecimento das típicas operações mentais que se aplicam à resolução de problemas pode exercer uma certa influência benéfica sobre o ensino, particularmente sobre o ensino da matemática. (POLYA, 1995, Pg. 87) Com esses breves comentários, somos capazes de conceituar heurística, mas devemos ficar atentos para um de seus produtos e uma das principais razões do nosso estudo, o raciocínio heurístico, que nada mais é que a capacidade de formular e elaborar planos plausíveis com a capacidade de perceber se a ideia provisória é boa ou má, planejando ainda metodicamente a sua aplicação a um determinado problema. A utilização de um método heurístico pode proporcionar o melhor aproveitamento das alternativas de resolução de um determinado problema, já que não fará uso de todas as possibilidades de solução, mas apenas de umas delas, escolhidas com base no discernimento do solucionador. Com base nisso, podemos caracterizar dois tipos de planos de resolução, os 24 sistemáticos e os heurísticos. Tomemos como exemplo o problema proposto por Puchkin (1969, Pg. 8) que é o de procurar uma bola em um recanto qualquer de uma clareira. O autor aponta que o meio mais seguro de obter a solução, é o de procurar a bola vasculhando canto por canto da clareira, este modelo ilustra uma resolução sistemática. Contudo nem sempre é possível fazer uso de planos sistemáticos, mesmo que bem concebidos, pois são pouco positivos e nem sempre são possíveis de se por em prática. Como alternativa a isso temos os planos heurísticos que, desde que sejam plausíveis e não apenas uma adivinhação desconectada das condições do problema, poderá ter a capacidade de solucionar rapidamente e da forma mais eficiente, já que limita as possibilidades de resolução. Este tipo de raciocínio orienta a vida cotidiana e tem como característica não apresentar a certeza de uma demonstração rigorosa, mas ser extremamente útil na aquisição de conhecimento. 25 5. A ARTE DE RESOLVER PROBLEMAS, UMA VISÃO DO LIVRO. Não é fácil encontrar grandes matemáticos que dediquem especial interesse pelos currículos e métodos voltados ao ensino da matemática. Neste cenário George Polya tem um papel de destaque, suas opiniões acerca do processo de ensino-aprendizagem, resultam de uma longa experiência, como matemático profissional e professor, fundamentada num longo estudo de métodos de resolução de problemas que aqui chamaremos de heurística de George Polya. Suas reflexões sintetizadas em vários excelentes artigos do qual se destaca e temos especial interesse pelo livro “A arte de resolver problemas”, traz à tona excelentes orientações ao professor, aluno ou a qualquer pessoa interessada em aprender e ensinar matemática. George Polya sintetiza suas ideias e objetivos a partir de uma lista de indagações e sugestões denominada “Como Resolver um Problema”, a reunião desses elementos recebe a denominação de “a lista” ou “nossa lista” pelo próprio autor. A heurística de George Polya se desenvolve a partir dessa lista, determinando seus objetivos, fundamentos, operações mentais e aplicação prática a partir de exemplos ilustrados com diálogos idealizados pelo autor, entre um aluno e um professor fictícios. A lista de indagações tem como característica principal a generalidade e pode certamente ser aplicada a problemas de qualquer tipo, tendo em vista que é dotada de naturalidade e segue um caminho que provavelmente seria adotado por um solucionador interessado, na ordem natural e mais provável do surgimento da indagação, nada além do bom senso comum. Nas palavras de George Polya: Está com fome? Deseja então conseguir comida e pensa em meios conhecidos de obtê-la. O seu problema é de Geometria? Deseja então traçar um triângulo e pensa em maneiras conhecidas de encontrar essa ou outra incógnita semelhante. Se fizer isto, estará seguindo exatamente a sugestão que citamos em nossa lista. E estará assim no caminho certo, pois a sugestão é boa e indica um procedimento que frequentemente apresenta bons resultados. (POLYA, 1995, Pg. 2) O livro foi dividido em quatro partes, a primeira delas, denominada “Em Aula”, que contém vinte seções. Nas seções de 1 a 5 expõe em termos gerais os objetivos da lista de indagações e sugestões, já as de 6 a 10 discute as divisões principais, questões principais da lista e apresenta ainda um exemplo prático. As seções 18, 19 e 20 acrescentam outros exemplos. Já a segunda parte, intitulada “Como Resolver um Problema”, apresenta um diálogo fictício entre um professor e um aluno idealizados por George Polya. A terceira parte, a mais extensa do livro, é denominada “Pequeno Dicionário de Heurística”,é composta por sessenta e sete artigos, em ordem alfabética, e serve para 26 complementar, definir e aprofundar termos utilizados pela heurística de forma geral. Temos ainda uma quarta parte do livro, denominada “Problemas, Indicações, Soluções”. Onde são propostos alguns problemas para o leitor mais interessado, esses problemas são apresentados com algumas indicações que direcionam o solucionador no caminho da resolução. Muitas vezes um bom solucionador de problemas sequer percebe os procedimentos que ele adota na resolução de um problema, ou então esta preocupação nunca lhe passou pela cabeça o livro “A arte de resolver problemas” preocupa-se em expressar esses fatos. Outro ponto claramente definido no livro é o objetivo de auxiliar o professor de matemática na execução de seu trabalho, várias passagens falam diretamente ao professor, estabelecendo objetivos e condutas que não são impostos, mas fundamentados em sólidos argumentos, conforme podemos observar nas palavras de Polya: Há dois objetivos que o professor pode ter em vista ao dirigir a seus alunos uma indagação ou uma sugestão da lista: primeiro, auxiliá-lo a resolver o problema que lhe é apresentado; segundo, desenvolver no estudante a capacidade de resolver futuros problemas por si próprio. (POLYA, 1995, Pg. 2) O professor deve então desenvolver a capacidade de resolver problemas em seus alunos, inicialmente pela imitação, posteriormente pela prática e finalmente pelo próprio convencimento do aluno de que o método é eficaz. A esse respeito Polya se manifesta: A resolução de problemas é uma habilitação prática como, digamos, o é a natação. Adquirimos qualquer habilitação por imitação e prática. Ao tentarmos nadar, imitamos o que os outros fazem com as mãos e os pés para manterem suas cabeças fora d’água e, afinal, aprendemos a nadar pela prática da natação. Ao tentearmos resolver problemas, temos de observar e imitar o que fazem outras pessoas quando resolvem os seus e, por fim, aprendermos a resolver problemas, resolvendo-os. (POLYA, 1995, Pg. 3) O autor, trazendo consigo sua vasta experiência como matemático profissional e professor, afirma que, a utilização da lista, juntamente com um trabalho bem elaborado de aplicação das sugestões, posto de forma genérica e de modo a deixar boa parte do trabalho ao próprio aluno, muito frequentemente auxilia o aluno a adquirir uma boa capacidade de resolver problemas, este, depois de seguidas utilizações do método, deve inclusive ser capaz de notar seu benefícios por conta própria e ser capaz de absorver a ideia tornando a utilização da lista uma atitude natural. Este é o objetivo de George Polya com o livro a Arte de Resolver Problemas, a assimilação da lista. 27 6. A HEURÍSTICA DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE GEORGE POLYA. Quando estamos interessados em resolver um problema, tendemos a adotar determinadas posturas diante da situação apresentada e mudamos continuamente nosso ponto de vista até perceber progresso, novas possibilidades, um particular ponto de vista que nos leve a um novo estágio no caminho da solução. Essas mudanças de perspectiva são fundamentais e devem ser estimuladas no processo de solução de problemas ao ponto de, tornar-se uma postura natural do solucionador diante de situações desafiadoras. Esta postura, segundo o autor, pode ser estimulada a partir da sua proposta de Heurística com a utilização correta da lista de indagações e sugestões, George Polya tem o mérito de propor a primeira lista deste tipo, logo o autor deixa claro que ela certamente pode ser aperfeiçoada, sem que a lista deixe de ser simples, natural, genérica e curta. Simples e natural pois do contrários não seria discreta, genéricas para ser aplicável a problemas de todos os tipos e curta para que o aluno possa repeti-la com frequência em várias condições, tornando-se mais fácil a possibilidade de assimilação. Uma dos importantes aspectos da heurística de George Polya é que e o autor não tem interesse de apresentar um método infalível para resolução de problemas, esta posição demonstra que o bom solucionador de problemas deverá ter pela frente um caminho que não é fácil, que será necessário dedicação, tempo, prática e perseverança. A familiarização com a lista de indagações e sugestões visa então a compreensão da ação sugerida, percebendo que a lista serve como um exercício de uma postura natural de resolução. Essas atitudes, que visam a aplicação de uma regra, com naturalidade e objetividade é denominado mestria. Por outro lado, a aplicação de uma regra, sem o devido exame da necessidade de utilizá-la é denominado pedantismo. Logo, a atitude que nos interessa, é a atitude desencadeada por mestria, sendo assim, a lista de indagações e sugestões de George Polya, deve ser compreendida, tornando sua aplicação uma atitude adotada graças à experiência adquirida com a aplicação do método. Assim, não se deve fazer uso de uma sugestão ou indagação indiscriminadamente, simplesmente por hábito, mas sim por discernimento e necessidade de utilização. Com a finalidade de agrupar convenientemente a lista de indagações, George Polya sugeriu quatro fases de resolução, que serão colocadas superficialmente aqui, com posterior aprofundamento das mesmas. A primeira fase é a fase de compreensão, que tem a ver com a percepção dos objetivos solicitados no enunciado. A segunda fase é a fase de 28 estabelecimento do plano de resolução, priorizando o levantamento das relações entre as incógnitas e os dados do problema. A terceira fase trata da execução do plano e a quarta e ultima fase é a do retrospecto da resolução, com a revisão e discussão da eficácia do plano adotado. Devemos destacar ainda, o papel fundamental do professor na utilização da lista de indagações e sugestões. O professor pode começar por uma indagação ou sugestão da lista, mas caso ela não obtenha o efeito desejado e o aluno não perceba a indicação, o professor deve reformular a indagação ou sugestão, descendo gradativamente para outras mais específicas e concretas até chegar à que provoque o efeito desejado na mente do estudante, tentando dar o máximo de trabalho ao aluno ou pelo menos a ilusão dele, nas palavras de Polya: Este método de questionar não é rígido. E ainda bem, pois, nestes assuntos, qualquer procedimento rígido, mecânico, pedante, será forçosamente prejudicial. O nosso método permite uma certa elasticidade e variação, admite abordagens diversas, pode e deve ser aplicado de tal maneira que as questões apresentadas pelo professor possam ter ocorrido ao próprio aluno. (POLYA, 1995, Pg. 14) Se o aluno atira-se imediatamente a realizar cálculos sem compreender o problema, manipulando detalhes sem ter um plano, ou ainda após executado o plano, não faça a verificação de seus passos criticamente com objetivo de melhorar e ampliar sua proposta de solução, ele certamente deixará de adicionar inúmeros benefícios a sua capacidade de resolver problemas. É preciso perceber a importância das quatro fases e a cuidadosa disposição delas, que, logicamente podem ser revisitadas nas diferentes perspectivas adotada pelo solucionador, sem que se perca o benefício, e a disposição naturalmente proposta. O estudante precisa adquirir uma perfeita noção das fases a ponto de perceber e fazer uso da atitude mental estimulada por elas, para que ele possa convencer a si mesmo do benefício e necessidade da utilização da lista. 6.1 Breves dados biográficos sobre George Polya. George Polya nasceu em Budapeste, Hungria, no dia 13 de dezembro de 1887 em uma família judaica de origem polaca. Teve um bom desempenho no ensino secundário,apesar de se sentir pouco a vontade com o ensino baseado em memorização, prática considerada por Polya, sem utilidade e monótona. Esse autor, Recorda-se do seu tempo de estudante, um aluno um pouco ambicioso, ávido por compreender alguma coisa de Matemática e de Física. Ele assistia às aulas, lia 29 livros, tentava assimilar as resoluções e os fatos que lhe eram apresentados, mas havia uma questão que o perturbava repetidamente: “Sim, a resolução parece que funciona, que está certa, mas como seria possível inventar, eu próprio essas coisas?” Hoje o autor ensina matemática numa universidade. Pensa, ou espera, que alguns dos seus alunos mais interessados façam perguntas semelhantes e procura satisfazer a curiosidade deles. (POLYA, 1995, Pg. 5) George Polya licenciou-se em 1905 entre os quatro melhores alunos de sua turma o que proporcionou-lhe uma bolsa de estudos na universidade de Budapeste. A exemplo de seu pai, ingressou no curso de Direito, porém, achou o curso aborrecido passando a cursar Línguas e Literatura. Posteriormente teve seu interesse despertado por Latim, Física, Filosofia e finalmente por Matemática tendo, em 1912, concluído o seu doutoramento. Em 1913 foi para Paris com objetivo de trabalhar no seu pós-doutoramento. Em 1914 assumiu um cargo na Universidade de Zurique, neste mesmo ano foi convocado pela Hungria para prestar serviço militar, mas recusou-se a ir para a guerra, com medo de ser preso, retornou a sua pátria somente após a segunda guerra mundial. Em 1940, com receio de uma possível invasão alemã na Suíça, decidiu ir para os Estados Unidos aceitando um cargo na universidade de Stanford, onde permaneceu até o momento em que aposentou-se em 1953. George Polya continuou trabalhando ativamente até sua morte em 7 de setembro de 1985. Nos últimos 40 anos de sua vida, interessou-se pelo ensino da matemática, dedicando-se quase exclusivamente ao estudo da transmissão do conhecimento matemático. George Polya publicou vários livros e artigos originais que lhe deram grande reputação em Análise Clássica, Combinatória e Probabilidades. Dentre suas publicações destacam-se “Aufgaben und Lehrsãtze aus der Analysis” (Berlim, 1924) onde Polya foi co- autor deste livro, escrito em conjunto com Gabor Szegö. Neste material Polya e Szegö mostram como o ensino da Análise Matemática pode ser desenvolvido dos fundamentos até as fronteiras do conhecimento, com base em uma sequência de exercícios e problemas escolhidos de uma forma conveniente, material que já demonstra o interesse do autor pelo benefício dos problemas. Contudo o mais famoso de seus livros “How to Solve It” que recebeu a tradução para o português como “A Arte de Resolver Problemas”, é um material voltado ao ensino aprendizagem, seguiram-se ainda nesta linha “Mathematichs and Plausible Reasoning” (Princeton Univ. Press, 1954) e “Mathematical Discovery” (2 vols., Wiley, 1962 e 1965). As sugestões de Polya, sobre o ensino da matemática não propõe truques ou fórmulas miraculosas, mas um judicioso trabalho pautado em uma orientação bem cuidada por parte do professor, onde nela o aluno é levado a perceber os princípios da descoberta e tem a oportunidade de exercitá-los, com objetivo de proporcionar trabalho independente e o uso de 30 suas faculdades inventivas na resolução de problemas, muitos desses problemas, dotados de suprema elegância. Suas obras completas, em 4 volumes, foram publicadas em 1984 pelo MIT Press, e se constituem importante fonte de pesquisa para a matemática e para a educação. 6.2 Atirando-se cegamente à resolução de um problema. Quando parte dos alunos deparam-se com um problema matemático desafiador costumam tentar resolvê-los de qualquer forma, sem muitos critérios, na maioria das vezes esperam que “caia dos céus” uma ideia brilhante, uma solução inesperada que surgirá de repente, pronta e acabada com todos os detalhes necessários à resolução do problema. Mesmo cientes de que, quanto menos se conhece sobre um determinado assunto, menor a possibilidade do surgimento dessa ideia, essas esperanças ainda são mantidas, baseadas somente na fé. Outros são mais audaciosos, e atiram-se cegamente à tentativa de solucionar o problema, esses costumam manipular dados indiscriminadamente, sem objetividade ou apoio lógico, tornando a resolução do problema uma simples obra do acaso. O professor tem então um grande desafio, que consiste em detectar as dificuldades individuais dos alunos durante as tentativas de resolução de problemas, com objetivo de contorná-las da melhor forma possível. George Polya sugere que o professor interessado em caracterizar o aproveitamento do aluno, no que diz respeito à resolução de problemas, deverá empregar um diagnóstico, termo que, segundo Polya (1995, Pg. 59) é a “caracterização mais rigorosa do aproveitamento do aluno” este diagnóstico, ao contrário do que uma nota de exame faz grosseiramente, deve ser capaz de apontar os aspectos bons e maus dos alunos durante a resolução de problemas, assim teremos não só a simples constatação de que o aluno não é capaz de resolver determinado problema, mas sim, quais aspectos no desenvolvimento da solução, são positivos e quais são negativos. Demonstrando ainda a eficácia do aluno em resolver determinado problema, pois mesmo que a solução seja obtida, o caminho que levou até ela, pode ser melhorado. Deste modo, George Polya sugere a utilização das quatro fases de resolução propostas por ele, com objetivo de determinar o ponto, no desenvolvimento da resolução, que está causando dificuldade ao aluno, proporcionando assim, uma ação direcionada por parte do professor nos pontos que causam dificuldades. Esta ação deverá fazer uso da lista de sugestões e indagações proposta pelo autor, como um aliado capaz de direcionar o aluno rumo a uma ideia plausível, fazendo uso do método socrático (que será conceituado mais adiante) 31 para atingir este objetivo. As conjecturas que interessam ao solucionador de problemas, devem ser simples e plausíveis, logo, não podem surgir desconectadas da incógnita, dos dados e da condicionante do problema. Essas ideias devem manter uma regularidade, uma sintonia com o problema a ponto de orientar o solucionador. Claro que, para que o solucionador possa vislumbrar uma ideia proveitosa, ele deve compreender o problema como um todo. Compreendido o problema o solucionador terá uma melhor posição para examinar os detalhes do problema, percebendo e decompondo os pontos essenciais até onde for necessário. Porém, naturalmente, nem todos os alunos procederão desta maneira, alguns deles inclusive, tem o mau hábito de “mexer” em detalhes do enunciado sem ter compreendido o problema, isto quase sempre desencadeia resultados desastrosos. A falta da compreensão adequada é talvez, a deficiência mais comum encontrada nos alunos. O surgimento de uma ideia, que mereça atenção, que seja plausível e possa acrescentar elementos importantes para a solução do problema, deve estar vinculada à compreensão do problema, as ideias que surgem a partir da compreensão, não devem ser desprezadas e comumente apresentam, se não a solução procurada, pelo menos fragmentos da mesma. Essas ideias proveitosas estão baseadas em raciocínio heurístico, que nada mais é que, o raciocínio que não se considera final e rigoroso, mas provisório e plausível. No que diz respeito à concepção do plano, juntamente com a elaboração de uma ideia proveitosa, o problema normalmente está em atirar-se à resolução, realizando cálculos e desenhos sem ter um plano capaz de direcionar suas atitudes, ou ainda, esperar o surgimento de uma ideia sem tomar nenhuma atitudepara proporcionar a sua aparição. Na fase de execução do plano, a falta de uma verificação eficiente dos passos da resolução é um desleixo bastante comum, já que exige atenção e paciência nas verificações. Finalmente, na fase de retrospecto, onde deve-se verificar seus métodos e resultados, alguns alunos contentam-se com o resultado obtido, por mais absurdo que ele pareça. Nas palavras de Polya: Alguns deles não ficam, de modo algum, desconcertados quando encontram 4.839 metros para o comprimento de um navio e 8 anos e 2 meses para a idade de seu comandante, do qual se sabe, a propósito, que já é avô. Este desprezo pelo óbvio não revela, necessariamente, imbecilidade e sim indiferença para com problemas artificiais. (POLYA, 1995, Pg. 67) Dessa forma o aluno deve evitar o pedantismo, e concentrar-se na aplicação honesta da heurística de George Polya, com atenção especial às sugestões do autor. Sendo ainda, capaz de perceber seu progresso na aplicação do método a partir de suas próprias 32 conclusões. 6.3 O método de questionar do professor. Vimos anteriormente que a base onde está assentada a heurística de George Polya, baseia-se na lista de sugestões e indagações cuidadosamente escolhida pelo autor, para servir de suporte às quatro fases de resolução. Os benefícios da lista devem proporcionar ao aluno, gradativamente, a autonomia de utilizá-las por conta própria, percebendo o momento oportuno de sugerir ou indagar a si mesmo, de acordo com os desafios que demandam do problema. Dada as dificuldades dos alunos, em perceber em curto prazo, o benefício da heurística de George Polya, é importante que nos primeiros contatos dos alunos com problemas desafiadores, o professor tome para si o papel de questionar e sugerir aos alunos possibilidades de caminhos promissores para a solução do problema. Esta técnica de investigação, que faz uso do diálogo entre o professor e o aluno, que permite que o aluno reflita a descoberta dos próprios valores, é chamada de método socrático. O nome da técnica é devido a Sócrates, filósofo grego do século V a.C. considerado o primeiro a fazer uso desses artifícios. Apesar, de não termos nenhuma obra escrita atribuída a Sócrates, seus diálogos foram transmitidos por Platão. Nesses diálogos, Sócrates utiliza um discurso que permite que a pessoa interessada em resolver um problema, obtenha a solução por ela própria, percebendo contradições em suas próprias suposições. Sócrates iniciava sua discussão sobre algo, com uma pergunta, e por meio dela obtinha a opinião do interlocutor, que em um primeiro momento era aceita. Depois, a partir de sugestões e indagações, mostrava pontos contraditórios no argumento, levando o interlocutor a perceber que seu argumento inicial estava errado. Em seguida, partindo novamente do raciocínio inicial do interlocutor, agora, já convencido da necessidade de mudanças em seus argumentos, constrói em conjunto, a solução do problema proposto inicialmente. Deste modo a verdade surgirá de uma discussão que levará o interlocutor ao convencimento da validade de suas afirmações, e não por um fato imposto e desconectado. O professor deverá apoderar-se dessa belíssima forma de ensinar por convencimento e mérito, aplicando-as em suas aulas, sempre que possível. O professor deve perceber seu papel na aquisição de conhecimento dos alunos, pois o que ele diz é importante, mas o que os alunos pensam em consequência do que foi dito, é muito mais. Ele deve dar informações sim, mas seu objetivo maior será atingido se ele 33 conseguir com que o aluno tenha capacidade de usar essas informações. Para atingir esse objetivo, o professor pode utilizar o método socrático, fazendo com que as ideias principais na resolução do problema, nasçam na mente do aluno, George Polya compara o professor a uma parteira, que traz ao mundo as ideias desenvolvidas pelo próprio aluno. O professor deve perceber que a lista de indagações e sugestões de George Polya, pode ser adaptada a um certo contexto, encontrado pelo professor em sala de aula. Isto lhe dará ferramentas para aplicar o método, baseado na receptividade dos alunos e no tempo que será necessário para resolver problemas. Neste caminho, o professor deve aperfeiçoar a utilização de suas indagações e sugestões. Ele deve perceber que não há nenhum benefício em sugerir a ideia principal do problema, levando o aluno diretamente a solução. O ideal é reformular as sugestões e indagações, descendo gradativamente ao ponto em que o aluno perceba algo de útil para a formulação de sua ideia. Se o professor insistir em apresentar as sugestões e indagações que levem diretamente a solução do problema, os alunos enxergarão essas ideias como coelhos retirados da cartola por um habilidoso mágico, não percebendo assim, a possibilidade de aplicar o método em outros problemas, tornando-se uma sugestão pouco instrutiva. 6.4 Como solucionadores de problemas entram em forma. Segundo George Polya a base onde a heurística está assentada, é baseada na experiência na resolução de problemas juntamente com a experiência na observação dessa atividade por parte dos outros. Esta atividade deve procurar aspectos comuns na maneira de resolver problemas de todos os tipos, independentemente do assunto, logo o estudo da heurística visa a generalidade. Para que o solucionador de problemas seja capaz de resolver um problema, ele precisa adquirir certos hábitos e atitudes mentais diante da situação problema. Contudo, o processo de resolução de problemas é complexo, apresentando diversos aspectos diferentes, por conta disso George Polya apresenta vários elementos importantes para alguém interessado em tornar-se um solucionador de problemas. Um solucionador de problemas, para obter sucesso, necessita de alguns pré- requisitos. Dentre eles, deve possuir algum conhecimento sobre o assunto envolvido no problema, mas não somente isso, pois deverá ser capaz de reunir e selecionar o que de fato o auxiliará a resolver o problema. A concepção do problema no fim é sempre mais elaborada do que no início, esta melhor compreensão do problema, é provocada por conta dos 34 conhecimentos extraídos da memória, assim o solucionador busca elementos já conhecidos, como por exemplo, um problema correlato com mesma incógnita ou condicionante, um teorema aplicável, este é um fator essencial e George Polya denomina este ato de mobilização. No entanto, para resolver um problema não basta relembrar fatos vinculados ao problema, precisamos organizar esses fatos a ponto de que essas informações sejam úteis para a resolução. Essas informações combinadas e adaptadas é denominada por George Polya como: organização. Temos agora dois fatores importantes para auxiliar o solucionador de problemas, e mais, a mobilização e a organização não podem ser separadas. Sobre esses aspectos, Polya se manifesta: Quando trabalhamos com concentração num problema, relembramos apenas aqueles fatos que estão mais ou menos relacionados com o nosso objetivo e nada temos a relacionar e organizar a não ser o material que relembramos e mobilizamos. (POLYA, 1995, Pg. 130) George Polya ressalta ainda que a mobilização e a organização são dois aspectos de um processo muito mais complexo, constituído de muitos outros aspectos, dentre eles a já citada mudança de concepção do problema, já que no início e posteriormente no fim da fase de compreensão o problema apresenta outros elementos ao solucionador, muitos deles provocados por variações do problema. Conforme pode-se ver abaixo nas palavras de Polya: À medida que progredimos no sentido de nossa meta final, passamos a conhecê-la
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