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A PSICOLOGIA DA GESTALT: APLICABILIDADE ‘A PRÁTICA PEDAGÓGICA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS1 GESTALT PSYCHOLOGY: APPLICABILITY ON PEDAGOGICAL PRACTICE OF EDUCATION OF YOUNGSTERS AND ADULTS Kátia Regina Roseiro Coutinho** Resumo O artigo tem como objetivo apresentar a Psicologia da Gestalt como alternativa de abordagem teórico- metodológica para aplicação na prática pedagógica de educação de jovens e adultos (EJA) brasileiros nos dias atuais. Inicia com as pesquisas que foram feitas para apresentação de breve histórico de EJA no Brasil, com levantamentos que mostram a EJA sendo discutida entre nós há muito tempo, pelo menos desde a transição do regime imperial para a república, período que se estende do final do século XIX ao início do século XX. Neste histórico apresenta também diferentes movimentos de organização da EJA já desenvolvidos no país, seja na esfera pública e na esfera privada bem como a sua realidade atual no amplo espectro da educação brasileira. Em seguida, aborda e explicita sucintamente o aparecimento da teoria e os os principais conceitos e leis da Psicologia da Gestalt na tentativa de demonstrar e elucidar a possibilidade da aplicabilidade proposta. A autora finaliza o artigo apresentando as possíveis relações entre conceitos e leis da Gestalt e educação de jovens e adultos, de forma a usá-las no cotidiano de sala de aula a fim de otimizar o processo de ensino e aprendizagem de Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Palavras-chave: Gestalt, Educação de Jovens e Adultos, Professores, Alunos. Abstract The goal of this article is to introduce the Gestalt Psychology as an alternative approach to be applied in the present pedagogic practice of education of brasilian youngsters and adults (EYA) starting with researchs done to introduce the short hystory of EYA in Brazil demonstrating its discussion among us since a long time, at least, since the transition from the Imperial to the Republican period, wich comes from the end of the XIX Century up to the begining of the XX Century. This history also shows different organizational moves of EYA already developed in this country in the public and private fields, as well its present reality in the large spectrum of brazilian education. Right after, it approachs and explains shortly the rising of the theory and the main concepts and laws of the Gestalt Psychology in an atempt to demonstrate and enlight its proposed applicability. The author finishs the article introducing the possible relation among concepts, Gestalt laws and education of youngsters and adults to be applyed day by day in the classroom to optimise the process of teaching and learning in the Education of Youngsters and Adults in Brazil. Key words: Gestalt, Educacion of Youngsters and Adults, Teachers, Pupils. INTRODUÇÃO A PSICOLOGIA DA GESTALT: APLICABILIDADE ‘A PRÁTICA PEDAGÓGICA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Este artigo apresenta a Psicologia da Gestalt como alternativa de abordagem teórico- metodológica para aplicação na prática pedagógica de educação de jovens e adultos (EJA) brasileiros nos dias atuais. Para tal, serão feitos breves 1 O artigo foi escrito tendo como objetivo apresentar e divulgar as primeiras ações de leituras e pesquisas feitas no curso de Doutorado em Educação na UNESP-Marília. * * Professor Assistente Efetivo em Regime de R.D.I.D.P. desde 1997 na UNESP – Departamento de Educação - Assis. Mestre em Educação e Doutoranda em Educação – UNESP – Marília. Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.1, p.33-40, jan./abr. 2008. A psicologia da gestalt: aplicabilidade ‘a prática pedagógica da educação de jovens e adultos históricos de EJA no Brasil, sua realidade atual e, também, serão apresentados conceitos e leis da teoria da Psicologia da Gestalt na tentativa de elucidar tal aplicabilidade. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL – BREVE HISTÓRICO A EJA vem sendo discutida no Brasil há muito tempo, pelo menos desde a transição do regime imperial para a república, num período que se estende do final do século XIX ao início do século XX. Atualmente, especialmente desde Paulo Freire e sua participação nas denúncias do analfabetismo adulto brasileiro, a EJA é destaque, seja por seus avanços como o aumento significativo de matrículas nos últimos dez anos ou pela continuidade de alguns de seus problemas. No início do século XX, o Brasil tinha 75% de população analfabeta, configurando comprometimento da inserção do país na industrialização e no processo de urbanização. Beisiegel aponta que nesta época o país tinha intelectuais que promoviam campanhas de alfabetização mas também pessoas com interesses políticos de aumentar o número de eleitores para dar continuidade ao modelo político-econômico em curso. (2003) O primeiro movimento nacional de educação de adultos no Brasil aconteceu nos anos 40 do século passado, com a “Campanha de Educação de Adultos”, que concebia o analfabetismo como causa e não como efeito da situação sócio-econômica. O movimento não atingiu seus propósitos pois se limitou ‘as etapas iniciais da alfabetização sem preocupação com continuidade de educação pós- alfabetização. A criação da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) em 1945, estimula a realização de programas nacionais de educação de base e mais investimentos na educação de adultos em países membros como o Brasil. Os estímulos da UNESCO e anseios de trabalhadores que vinham da zona rural para os grandes centros urbanos, proporcionaram nos anos 1950 campanhas como a Campanha Nacional de Educação Rural e de Erradicação do Analfabetismo. Na década de 60, movimentos de educação popular começam a aparecer de forma mais forte no Brasil que iniciava nesta época seu desenvolvimento industrial. A escrita torna-se, assim, elemento fundamental para o domínio das técnicas de produção. A escolaridade torna-se instrumento de ascensão social, índice de progresso do país e amplia as bases eleitorais. Na mesma década Paulo Freire, educador e criador de idéias e modelos pedagógicos, expressa sua filosofia educacional em suas primeiras experiências de alfabetização como a de Angicos, Rio Grande do Norte, em 1963. A partir de Paulo Freire, a alfabetização fica relacionada a processos de conscientização que levem as pessoas à aquisição dos instrumentos de leitura e escrita e também à libertação da condição de oprimidas. Esse modelo de alfabetização é forte mas não chega a ser amplamente adotado pela educação brasileira devido à mudança de regime político que interrompeu os trabalhos dos intelectuais progressistas em 1964. O regime militar paralisa os movimentos populares e a alfabetização de adultos passa a ser organizada pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL. O MOBRAL fica em ação até o fim da ditadura militar e em 1985 dá lugar à Fundação EDUCAR que subsidiava técnica e financeiramente programas de alfabetização, também extinta em 1990. A extinção de a Fundação EDUCAR deixou um vazio de organizações de EJA no Brasil, só preenchido com a criação de programas no final da década de 90 e início dos anos 2000. Teórico e metodológicamente, os anos 80 e 90 apontam o que alguns autores chamam de “reflexo positivo” na alfabetização de crianças e de adultos pelas novas pesquisas sobre língua escrita baseadas em ciências como a Lingüística e a Psicologia. Para Batista, as “...pesquisas trouxeram reflexos positivos na alfabetização de um modo geral, uma vez que esses estudos evidenciavamque os processos de leitura e escrita eram mais que o domínio e decifração de códigos”. (2004, 39) A língua escrita passa a ser vista por processos que se orientam pela busca e construção de significados por parte daqueles que aprendem, independentemente de sua idade. A Constituição Federal de 1988 garante aos adultos pouco escolarizados a obrigatoriedade e gratuidade de ensino, garantias antes dispensadas apenas para as crianças. Este direito, porém, foi sendo destituído durante a década de 90 pois em 1991 o Ministério da Educação e Cultura formalizou sua desobrigação com a educação de jovens e adultos analfabetos, uma vez que os esforços iriam para a educação das crianças, Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.1, p.33-40, jan./abr. 2008. 34 COUTINHO atendendo orientações de agências financiadoras internacionais (REGIS, 2004). A criação do FUNDEF (Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental e valorização do Magistério) instituído em 1996 no governo Fernando Henrique Cardoso suprime, indiretamente, a garantia legal da educação de jovens e adultos ao omitir as matrículas de Educação de Jovens e Adultos e, consequentemente, não prevê financiamentos e investimentos nesse nível de educação. Ainda nos anos 90, no governo Collor, em virtude da Conferência Mundial de Educação para Todos em Jomtien na França, o Brasil lança o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania, movimento que pretendia mobilização nacional interrompido pelo processo de impeachment do presidente. A conferência de Jomtien foi responsável por ações voltadas para a educação de crianças e de adultos nos nove países com maior taxa de analfabetismo do mundo, entre eles o Brasil. Uma dessas ações foi o “Plano Decenal de Educação para Todos” (1993-2003), elaborado durante o governo Itamar Franco, que incluiu um importante esforço de reflexão sobre as diretrizes de uma política nacional de educação de jovens e adultos.(Batista, 2004) Em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional retoma a preocupação de reorganizar o sistema educacional brasileiro em dois níveis de ensino - Educação Básica e Educação Superior- incluindo na educação básica a modalidade de ensino - educação de jovens e adultos. Sob a influência de políticas educacionais neoliberais, especialmente entre os anos de 1995 e 2000, observa-se no Brasil a adoção de parcerias entre governo e o terceiro setor (que se ocupa basicamente da prestação de serviços) configurando um movimento social que proclama a co- responsabilidade entre Estado e sociedade civil para a solução dos problemas sociais. Organizações como o Programa de Alfabetização Solidária nascem desse movimento que começa a ser proclamado, defendido e implementado no país. Em 2003, pela primeira vez na história da república brasileira, o governo passa a ser dirigido por um partido de trabalhadores, cujo presidente – Luis Inácio Lula da Silva, eleito a partir do compromisso com o social, tinha como uma de suas principais propostas o combate ao analfabetismo em todo o país. Neste aspecto, uma das primeiras ações do novo governo foi a criação de um outro Programa de EJA, o Brasil Alfabetizado. O novo programa tomou como base informações do IBGE-2001 que apontava que 13% da população economicamente ativa, aproximadamente 20 milhões de pessoas acima de 15 anos, eram semi ou totalmente analfabetas (INEP/MEC, 2002). A prioridade fica então estabelecida em “...tirar da escravidão do analfabetismo cerca de 20 milhões de brasileiros jovens e adultos. Uma missão que transcende a capacidade do Estado: governo e sociedade devem se unir para cumpri-la” (BUARQUE, 2003). O governo Lula cria a Secretaria Nacional de Erradicação do Analfabetismo com representantes de organizações governamentais e não- governamentais para atuar como articuladora dessa empreitada. Seu objetivo é contribuir para a elaboração de diretrizes nacionais em relação à concepção de alfabetização, à gestão, ao financiamento, à formação do alfabetizador, ao material didático e às linhas de ação (Faria, 2003). Tomando como exemplo o Programa de Alfabetização Solidária - PAS, organização brasileira não governamental instituída em 1997 entre parceiros como MEC, universidades públicas e privadas e organizações da sociedade civil, observamos que o projeto visa atender jovens e adultos que não tiveram oportunidade de se escolarizar ou que mesmo escolarizados não tiveram chances de serem alfabetizados. Segundos seus relatórios (PAS, 2004, 2005), a maioria das pessoas atendidas pelo PAS são moradores de zonas rurais de municípios pobres, de diferentes estados brasileiros que tenham grande índice de analfabetismo e pouca estrutura para organização e desenvolvimento de Educação de Jovens e Adultos. Atualmente o programa atende cerca de 2000 municípios nos quais funcionam cerca de vinte mil salas de aulas de EJA, especialmente voltadas para alfabetização. No ano de 2004 foram atendidos aproximadamente quinhentos mil adultos ou jovens a partir dos 15 anos de idade. Este percurso revela que, ao longo de sua história, a EJA esteve submetida às intenções de natureza político-ideológica, inerentes às tensões e disputas entre classes sociais. Apesar da criação e da atuação paralela de modelos parcialmente diferentes para erradicação do analfabetismo no país e de iniciativas isoladas, de ordem privada ou pública, um olhar sobre a situação brasileira atual Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.1, p.33-40, jan./abr. 2008. 35 A psicologia da gestalt: aplicabilidade ‘a prática pedagógica da educação de jovens e adultos onde ainda temos cerca de 20 milhões de pessoas com idade acima de 15 anos analfabetas puras ou analfabetas funcionais (PAS, 2005), mostra serem necessários mais estudos e mais reflexão da pertinência sobre o que estamos fazendo, como fazemos, o que estamos conseguindo e como podemos melhorar teórica e metodológicamente o que queremos continuar fazendo. PSICOLOGIA DA GESTALT – CONCEITOS E APLICABILIDADE Baseados em Engelmann (2002), Campos (1996), Kofflka (1982) e Kohler (1978), trataremos de conceitos da Psicologia da Gestalt para, posteriormente, os associarmos 'a prática pedagógica de EJA. A palavra Gestalt é um termo intraduzível do alemão para o português. No Dicionário Eletrônico Michaelis, encontram-se como possibilidades de tradução : figura, forma, feição, aparência, porte; estatura, conformação; vulto, estrutura e configuração. No Brasil, é mais comum encontrarmos Gestalt definida como a Psicologia da Forma. A Gestalt nasceu aproximadamente na década de 70 do século XIX, quando pesquisadores alemães e austríacos como Ehrenfels (1859-1932) e Kruger (1874-1948), começaram a estudar os fenômenos perceptuais humanos. Seus estudos procuravam entender como se davam os fenômenos perceptuais, utilizando-se em grande parte desses estudos, obras de arte como elementos de percepção. Os estudiosos pretendiam entender o que ocorre durante o processo perceptivo para que determinados recursos pictóricos resultem em efeitos x para uns e em efeitos y para outros. Em 1890, Ehrenfels começa a divulgar as bases do que hoje chamamos de estudos da Psicologia da Forma (originalmente, Gestaltpsychologie).Suas experiências levaram-no a descobrir que há duas espécies de “qualidades da forma”, ou ainda, duas maneiras de interpretarmos as formas: as sensíveis – que são as qualidades próprias do objeto - e as formais que são as contruídas a partir de nossas interpretações e concepções. É, portanto, no agrupamento de ambas as qualidades da forma do objeto que nós o percebemos. As pesquisas de Ehrenfels desencadearam outros estudos sobre as formas psicológicas – ou ainda, sobre os aspectos subjetivos, não-materiais das formas fisiológicas e físicas. A forma psicológica só existe na percepção humana e é assim que a Gestalt a analisa. A estes estudos convencionou-se denominar de Psicologia da Gestalt ou Psicologia da Boa Forma. Os autores e estudiosos mais conhecidos são Max Werteimer e seus discípulos Kurt Koffka e Wolfgang Köhler. Foram eles os criadores das Leis da Gestalt, relativas à percepção humana, que até hoje se mantêm válidas. Portanto, o estudo da percepção humana constitui-se a base das teorias gestaltistas, não sendo, no entanto, utilizado de forma pedagógica mais contundente. A Teoria da Gestalt afirma que não se pode ter conhecimento do todo através das partes, e sim das partes através do todo. Que os conjuntos possuem leis próprias e estas regem seus elementos, e, que só através da percepção da totalidade é que o cérebro pode, de fato, perceber, decodificar e assimilar imagens ou conceitos. Alguns conceitos da Gestalt são importantes para a discussão de sua aplicabilidade 'a prática pedagógica de EJA. Entre esses estão: PERCEPÇÃO: conceito fundamental da Gestalt - a forma como interpretamos os estímulos do meio ambiente, utilizando nossa experiência e vivências anteriores e nossas necessidades presentes, constitui o ato de perceber. Experiências anteriores, maior ou menor interesse pelos estímulos, motivação, estado afetivo-emocional no momento de observação, sensibilidade dos órgãos dos sentidos para estímulos particulares e a integração ou organização do que está ocorrendo – determina nossa percepção dos fatos. INSIGHT – No senso comum, o conceito de insight está relacionado 'a interpretação instantânea de um fato ou idéia. É um repente momentâneo e a idéia antes problemática agora está resolvida. Para a Gestalt, insight tem uma conceituação diferente desta do senso comum. A aprendizagem de idéias está intimamente ligada ‘a interpretação das situações e estas dependem da percepção que temos no momento. Nossas primeiras interpretações são provisórias, como tentativas para a compreensão. Quando conseguimos perceber as relações existentes em uma situação problemática, formando uma estrutura e integrando os elementos em um todo, compreendemos a situação, temos um insight, ou seja, uma reorganização de pensamentos anteriores que leva à boa forma e a compreensão. FIGURA E FUNDO – Percebemos as situações em termos de figura e fundo. A figura destaca-se, parece mais sólida, estruturada e mais organizada. É a figura que permite a interpretação de uma Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.1, p.33-40, jan./abr. 2008. 36 COUTINHO forma,ou seja, é o que vemos e percebemos em primeira instância. Já o fundo parece ser o espaço vazio, ou mesmo o espaço de fundo para que a figura possa ser percebida. A Teoria da Gestalt descobriu leis que regem, determinam ou influenciam a percepção humana das formas, facilitando a compreensão das imagens e das idéias. Essas leis são baseadas em estudos com conclusões sobre o comportamento natural do cérebro ao agir no processo de percepção. Os elementos constitutivos são agrupados de acordo com as características que possuem entre si. Entre estas estão as leis a seguir: SEMELHANÇA ou “similaridade”, possivelmente a lei mais óbvia que define que os objetos similares tendem a se agrupar. Objetos parecidos tendem a agrupar-se em nossa percepção. A similaridade pode acontecer na cor dos objetos, na textura e na sensação de massa dos elementos. Estas características podem ser exploradas para criar relações ou agrupar elementos na composição de uma figura e até mesmo de grupos de pessoas ; PROXIMIDADE: os elementos são agrupados de acordo com a distância que se encontram uns dos outros. Elementos que estão mais perto de outros numa região tendem a ser percebidos como um grupo. Se um elemento estiver mais distante, mesmo sendo similar aos que estão mais afastados, será percebido como externo ao grupo; BOA CONTINUIDADE: relacionada à coincidência de direções ou alinhamento das formas dispostas em uma superfície. Se vários elementos de um quadro apontam para um mesmo canto o resultado final de nossa percepção “fluirá” mais naturalmente para aquele lugar, facilitando a compreensão. Observa-se isto em salas de aula em conteúdos escritos em lousas para serem copiados ou intermediarem a compreensão dos alunos; PREGNÂNCIA: todas as formas tendem a ser percebidas em sua modalidade mais simples. Figuras como fios entre postes e bacias podem tornar-se retas e círculos. É o princípio da simplificação natural da percepção. Quanto mais simples a forma, mais facilmente é percebida e assimilada. Se observamos nosso comportamento perceptivo, veremos que as partes mais facilmente compreendidas em um desenho, em uma forma, quadro ou mesmo em uma situação, são as que estão dispostas mais regularmente, as que requerem menos simplificação ou ainda, já estão estruturalmente simplificadas; CLAUSURA: chamada também de “fechamento”, o princípio de que a boa forma se completa, se fecha sobre si mesma, formando uma figura delimitada. O conceito de clausura relaciona-se ao fechamento visual, como se completássemos visualmente um objeto incompleto. Ocorre geralmente quando o desenho do elemento sugere alguma extensão lógica, a exemplo de um arco de quase 360º que percebemos como um círculo; EXPERIÊNCIA PASSADA: esta lei relaciona-se com o pensamento pré-Gestáltico que via nas associações, o processo fundamental da percepção da forma. A associação é imprescindível, pois certas formas só podem ser compreendidas se já a conhecermos. Pode acontecer tambem se tivermos consciência prévia de sua existência. Da mesma forma, a experiência passada favorece a compreensão metonímica: se já tivermos visto a forma inteira de um elemento, ao visualizarmos somente uma parte dele reproduziremos esta forma inteira na memória. As associações daquilo que vemos ou vivenciamos com o que já conhecemos e já experenciamos anteriormente, influenciam e, em algumas vezes definem nossa percepção. A psicologia da Gestalt vem sendo retomada desde a última década do século passado por pensadores que a consideram importante em instâncias como a terapia, a educação e até mesmo a saúde das pessoas. Spillmann (1997) batiza de abordagem neo-gestáltica o renascimento da psicologia da Gestalt em meados da década de 80 do século passado, especialmente nos países de língua inglesa. Vários problemas que no início se apresentavam como pouco claros, hoje em dia, com a tecnologia dos computadores, voltam a ser estudados e os resultados confirmam os antigos pesquisadores da Gestalt quanto aos elementos e leis da percepção humana. Neste sentido, um dos exemplos é o das pesquisas de Singer (1995), ao descobrirque as descargas dos neurônios são sincronizadas de maneira a obedecerem os critérios gestálticos no agrupamento perceptivo. Essas descargas de milhares de células ocorrem ao mesmo tempo numa escala de milissegundos. A GESTALT NO ENSINO- APRENDIZAGEM DE JOVENS E ADULTOS ANALFABETOS. Em 1977, o russo radicado na Alemanha, Hilarion Petzold, propõe uma nova abordagem em pedagogia, denominada Gestaltpedagogia, que trata da transposição dos princípios da Gestalt Terapia Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.1, p.33-40, jan./abr. 2008. 37 A psicologia da gestalt: aplicabilidade ‘a prática pedagógica da educação de jovens e adultos para as situações de ensino e aprendizagem. (http://www.gestaltsp.com.br/gestalt.htm acesso em 21/06/2007). Livros foram escritos sobre a Gestaltpedagogia, entre eles Gestaltpedagogia: um caminho para a Escola e a Educação de Olaf-Axel Burow e Karlheinz Scherpp com tradução de Luiz Alfredo Lilienthal (1985), em que os autores apresentam a gestaltpedagogia como uma possibilidade de educação integral nas escolas públicas. Os resultados de suas pesquisas através de experiências básicas em salas de aula e como se pode introduzir técnicas e princípios gestálticos aos planejamentos de ensino e ao cotidiano vivido na escola são abordagens feitas por Burow w Scherpp (1985). Não obstante as pesquisas feitas com o ensino em geral, o objetivo deste artigo é provocar reflexões sobre a possibilidade de aplicar leis e princípios da Gestalt na educação de jovens e adultos da realidade brasileira. Recorreremos, portanto, 'a interrelações e necessidades entre princípios gestálticos e EJA. Em geral, no Brasil, os jovens e adultos que não se escolarizaram ou não conseguiram ser alfabetizados nas faixas etárias mais adequadas na infância, têm ainda outras dificuldades como dependência de ajuda para mobilidade, precariedade de órgãos sensoriais como a visão e a audição, conceitos e princípios morais e éticos construídos culturalmente em gerações anteriores e ainda concebidos como corretos, níveis sócio-econômico mais baixos, entre outras dificuldades. (Coutinho, 2006) Se esta é a siuação dos alfabetizandos, não é também muito melhor a situação de seus alfabetizadores, especialmente nas Zonas do Norte e Nordeste brasileiros, onde encontram-se as maiores taxas de analfabetismo do Brasil. Pesquisas realizadas entre 2001 e 2005 (Coutinho, 2006) revelam que as pessoas que aparecem para participação de processos seletivos para alfabetizadores nos municípios de quase todos os estados das regiões Norte e Nordeste do Brasil, em sua grande maioria, são jovens (têm entre 16 e 25 anos de idade), estão desempregados (a oferta de trabalho é muito pequena e geralmente é composta de subempregos), completaram apenas o Ensino Fundamental (com exceções - alguns já iniciaram ou terminaram o Ensino Médio e raros são os que iniciaram ensino superior, em geral, o curso de Pedagogia) e nunca tiveram experiência em sala de aula como docentes. É com este perfil de pessoas que, em geral, são realizadas as seleções e com as quais são feitas formações iniciais e continuadas para que possam atuar como alfabetizadores de salas de EJA. Se assim é, quais as possíveis aplicações da Psicologia da Gestalt 'as situações de EJA? Abordamos algumas abaixo: • Dar ao conhecimento e ou resgatar entre os professores de EJA, o conceito de percepção e de como ela pode ser diferente para cada aluno diante e dependente de fatores como experiência anterior, necessidades presentes, interesse pelos estímulos, motivação pessoal e da comunidade, estado emocional do momento, sensibilidade dos órgãos dos sentidos para estímulos particulares e a integração ou organização do que está ocorrendo. • Observar junto com o alfabetizador qual o seu interesse por essas diferentes percepções e como as considera no contexto do desempenho do aluno. • Dar ao conhecimento e ou resgatar entre os professores de EJA, o conceito de insight como instrumento de aprendizagem. Questionar entre a comunidade da escola, da educação de EJA, quantas vezes deixamos de oferecer aos alunos o direito de encontrar suas próprias respostas por serem mais velhos? • Aprofundar em situações de formação de professores de EJA, as reflexões sobre diferentes estratégias de aulas com o favorecimento de insights que mais e melhor promovam a aprendizagem. Fazer o mesmo com relação aos insights de educadores nos momentos da prática em sala de aula. • Dar ao conhecimento e ou resgatar entre os professores de EJA, o conceito de figura e fundo – como pode ser importante para os alunos mais velhos ter a sala de aula como uma experiência de vida, como figura gestáltica, ou seja, vivê-la como seu espaço de vida, de aprendizagem, de agrupamento social, de construção de possibilidades de caminhos novos e mais enriquecedores. • Observar junto aos educadores a vivência interpessoal (incluindo-se alunos, alfabetizador e outras pessoas que precisem acompanhar os alunos em classe, a comunidade escolar) na escola e fora dela, os conteúdos, seu desenvolvimento e avaliação no ensino de EJA com fundamentos nas leis da Gestalt como Rev. Teoria e Prática da Educação, v.11, n.1, p.33-40, jan./abr. 2008. 38 COUTINHO • - a pregnância (apresentação de conteúdos de forma simples ou da maneira mais facilmente compreendida e internaliada pelos alunos, uso da linguagem próxima da cultura dos alunos); • - a semelhança ou similaridade (agrupamento de conteúdos semelhantes na tentativa de criar mais e melhores relações entre os mesmos para que sejam melhor compreendidos em sua totalidade; relações entre o conteúdo a ser desenvolvido e suas semelhanças com elementos da cultura local, das diferentes histórias pessoais, etc.); • - proximidade (aproveitar espaços de discussão onde se reflita como operacionalizar menor espaço de tempo entre aulas que discutam o mesmo tema, ou seja, abrir possibilidades metodológicas de iniciar, contextualizar, refletir e finalizar pequenos conteúdos por aula; proporcionar alternativas de boas aproximações entre os alunos de EJA e alunos de salas regulares de ensino fundamental ou médio, sem deixá-los como elementos fora do grupo); • - boa continuidade (Alinhamento de teorias, de conteúdos em harmonia ou explicação de suas “desarmonias” ou diferenças, apresentação de conteúdos com sequências compreendidas pelos alunos, apresentação de conteúdos em quadros negros com bom alinhamento das palavras que deverão ser escritas em tamanho maior que o costumeiro, estabelecer relações entre a vida escolar do aluno mais velho e sua vida profissional e familiar); • - clausura (utilizando-a como possibilidade de boas e corretas conclusões, bons fechamentos a partir de conteúdos e problemas apresentados de forma organizada para que a boa forma se complete e se construa o conhecimento; deixar que as conclusões que já são construídas na pessoa mais velha sejam reveladas e discutidas entre todos): • - experiência passada (a experiência passada favorece a compreensão daquilo que é novo pois lembra imagens, evoca recordações, implica associações que favorecem ou atrapalham a aprendizagem. No caso de EJA, as experiências passadas podem ser revisitadas e sempre respeitadas. Se o educador consegue reconhecê- las como motivadoras ou impeditivas da construçãodo conhecimento, pode colaborar propondo sua continuidade ou sua interrupção). As pesquisas do professor de EJA sobre as percepções de seus alunos sobre homem, vida, trabalho, desejos, entre outras, de ordem pessoal (como as suas vivências anteriores em seus diversos grupos sociais), podem desencadear conteúdos e metodologias interessantes ao grupo de alunos. Na especificidade da Educação de Jovens e Adultos, especialmente nas comunidades do Norte e do Nordeste brasileiros, a maior parte dos alunos situa-se na faixa etária de 40 a 80 anos, viveu quase a vida toda no mesmo lugar ou região, tem valores culturais diferentes e arraigados, alguns apresentam dificuldades de estabelecimento de raciocínios simples e mais ainda para cadeia de raciocínios, para os insights quando não compreende porque está fazendo isto ou aquilo, ou ainda, percebe a vida de forma diferente porque é diferentemente que ele vive. A forma de manejo de conteúdos e de sua apresentação, a percepção que educadores têm de seus alunos e a consequente atuação em sala de aula e no desempenho dos alunos, têm respaldos na teoria da Gestalt que abrem possibilidades de estratégias metodológicas e comportamentais para a população de EJA no Brasil. REFERÊNCIAS ATISTA, M. A O educador de jovens e adultos como agente do desenvolvimento humano.São Paulo, UMC, 2005 ATISTA, M. 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