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CAPíTULO Estudando a Vida neceu aos cientistas um conjunto de novas perspecti- vas sobre o tema. Em 1996, o estudante de segundo ano da Univer- sidade de Stanford, Pieter Johnson, foi apresentado a uma coleção de rãs do Pacífico com patas extras crescendo dos seus corpos, Ele decidiu direcionar seu projeto de pesquisa para a busca do que causava es- sas deformidades. As rãs vieram de um pequeno lago em uma região de agricultura próxima a minas de mer- cúrio abandonadas; assim, duas causas possíveis para as deformidades eram os agentes químicos usados na agricultura e os metais pesados provenientes das minas antigas, Pieter aplicou o método científico. Com base no que sabia e em sua pesquisa bibliográfica, propôs uma explicação lógica para as rãs monstruosas - poluição aquática ambiental ~ e elaborou um experimento para testar a idéia. O experimento comparou lagos onde existiam rãs deformadas com lagos onde as rãs eram normais e testou a presença ou ausência de poluen- teso Como freqüentemente acontece na ciência, a explicação proposta, ou hipótese, foi invalidada. Entre- tanto, esse trabalho de campo conduziu a uma nova hipótese: as deformidades seriam causadas por um parasita. Pieter realizou experimentos laboratoriais, e os resultados fundamentaram a conclusão de que um determinado tipo de parasita está presente em alguns lagos, Esses parasitas se alojam nos girinos e interrompem o desenvolvimento das patas tra- seiras das rãs adultas. A pesquisa de Pieter não explicou o declínio global dos anfíbios, mas esclare- ceu um tipo de problema que os Por que as rãs estão coaxando? Em agosto de 1995, um grupo de estudantes do en- sino médio de Minnesota, em uma viagem de campo, caminhava através de alguns pântanos locais quando descobriu uma horda de rãs jovens com patas defor- madas, extras ou faltantes. O achado dos estudantes foi divulgado na mídia nacional e chamou a atenção do público para o declínio da população de anfíbios, tópico já em estudo por muitos cientistas, Existem várias razões possíveis para os problemas que os anfíbios enfrentam. A poluição da água é uma possibilidade óbvia, pois esses animais se reprodu- zem e vivem os estágios iniciais de vida em pequenos lagos e córregos. A chuva ácida resultante da poluição atmosférica também poderia afetar seus ambientes aquáticos. A radiação ultravioleta poderia causar a existência de rãs "mutantes"? O aquecimento global afeta os anfíbios de forma adversa? Alguma doença está atacando esses animais? Existem evidências para fundamentar cada uma dessas possibilidades, e não há uma única resposta, Por exemplo: um es- tudante de graduação trouxe uma possível resposta para as questões mencionadas e neste processo for- As rãs estão apresentando graves problemas Estas rãs do Pacífico (Hy/a reg/lia) preservadas exibem de- formações múltiplas nas suas patas traseiras. Deformidades semelhantes foram encontradas em rãs de diferentes regiões do mundo. Um biólogo no trabalho Como estudante do segundo ano :Ja graduação, Pieter Johnson estudou numerosos lagos onde ~abitavam as rãs do Pacífico, tentando descobrir por que al- guns lagos tinham tantas rãs deformadas. 3.nfíbiosapresentam. A ciência geralmente progride'a :::;equenos,mas sólidos passos. Os biólogos utilizam métodos científicos para in- :estigar os processos da vida em todos os níveis, desde as moléculas até os ecossistemas. Alguns :Jesses processos acontecem em milionésimos de segundo, já outros se estendem por milhões de anos. O objetivo dos biólogos é compreender como organis- mos ou grupos de organismos funcionam e, às vezes, eles usam esse conhecimento de formas práticas e benéficas. NESTE CAPíTULO examinamos as ca- racterísticas mais comuns dos organismos vivos e colocamos essas características no contexto dos mais importantes princípios que fundamen- tam a biologia. Posteriormente, oferecemos uma breve descrição geral de como a vida evoluiu e como os diferentes organismos na Terra estão re- lacionados. Então focamos os assuntos de ques- tionamento biológico e o método científico. 1 1 O que é biologia?• Biologia é o ramo da ciência que estuda os seres vivos.Os bió- logos definem" seres vivos"como todos os diversos organismos descendentes de um ancestral unicelular que surgiu há quase 4 bilhões de anos. Devido a sua ancestralidade comum, os orga- nismos vivos compartilham muitas características não-encon- tradas no mundo inanimado. A maioria dos organismos vivos: • consiste em uma ou mais células; • contém informação genética; • usa a informação genética para se reproduzir; • é geneticamente relacionada e evoluiu; • pode converter moléculas obtidas a partir do seu ambien- te em novas moléculas biológicas; • pode extrair energia do ambiente e usá-Ia para o trabalho biológico; • pode regular seu ambiente interno. Essa lista pode servir como guia básico sobre os principais temas e para unificar os princípios da biologia encontrados neste livro. Uma lista simples, entretanto, contradiz a incrível complexidade e diversidade da vida. Algumas formas de vida podem não dispor de todas essas características ao mesmo tempo. Por exemplo, a semente de uma planta do deserto pode permanecer por muitos anos sem extrair energia do am- biente, converter moléculas, regular seu ambiente interno ou reproduzir; mas a semente ainda está viva. E os vírus? Embora não consistam em células, provavel- mente evoluíram de organismos celulares, e muitos biólo- gos os consideram organismos vivos. Os vírus não realizam funções fisiológicas por si sós, mas parasitam para que o maquinário das células hospedeiras faça essas funções por eles - incluindo a reprodução. Além de possuírem informa- ção genética, eles certamente evoluem (como sabemos, a evolução do vírus da gripe exige mudanças anuais nas vaci- nas criadas para combatê-Ios). Os vírus estão vivos? O que você acha? Este livro explora as características da vida, como essas ca- racterísticas variam entre os organismos, como elas evoluem e como funcionam juntas para permitir que os organismos so- brevivam e se reproduzam. A evolução é o tema central da bio- logia e, portanto, também deste livro. Por meio da reprodução e da sobrevivência diferencial, os sistemas vivos evoluem e se adaptam aos diversos ambientes da Terra. Os processos de evolução geraram a enorme diversidade que vemos hoje como vida no planeta (Figura 1.1). ros biólogos a melhorar essa tecnologia e a usá-Ia para estudar organismos vivos foram Anthony van Leeuwenhoek (holandês) e Robert Hooke (inglês), no final do século XVII.Foi van Leeuwe- nhoek que descobriu nas gotas de água organismos unicelulares e fez outras descobertas que ajudaram a melhorar, progressivamen- te, seus microscópios após um longo período de pesquisa. Hooke conduziu estudos semelhantes: a partir de observações de tecidos vegetais (usando cortiça, para ser mais específico), ele concluiu que os tecidos eram constituídos de unidades repetitivas chama- das de células (Figura 1.2). As células e os seus processos químicos são tópicos da Parte 2 deste livro. Alguns organismos são unicelulares, constituídos por uma única célula que realiza todas as funções da vida, enquanto outros são multicelulares, formados por um conjunto de células es- pecializadas em diferentes funções. A descoberta das células foi possível devido à invenção do mi- croscópio, na última década do século XVI,por Zaccharias e Hans Janssen, pai e filho holandeses que fabricavam óculos. Os primei- Figura 1.1 As muitas faces da vida Os processos de evolução têm permitido que milhões de organismos diversos habitem a Terra hoje. Archaea (A) e bactéria (B) são organismos unicelulares. As três diferentes bactérias em (B) representam as três formas (bastonetes ou bacilos; héli- ces; esferas ou cocos) freqüentemente vistas nestes organismos, descritos no Capítulo 26. (C) Os organismosunicelulares que apresentam maior complexidade são comumente chamados de protistas. Os protistas são analisados no Capítulo 27. (O) Os Capítulos 28 e 29 tratam dos vegetais multicelulares. Os outros grupos de organismos multicelulares são (E) os fungos, discutidos no Capítulo 30, e (F, G) os animais, descritos nos Capítu- los 31 a 33. Em 1676, Hooke escreveu que van Leeuwenhoek tinha observado "um número grande de pequenos animais em seus excrementos, os quais eram abundantes quando ele estava sofrendo de algum desconforto, e muito poucos ou nenhum quando ele estava bem". Essa simples obser- vação representa a descoberta das bactérias. Mais de uma centena de anos passaram antes de os estudos com células avançarem significativamente. Em 1838, Matthias Schleiden, biólogo alemão, e Theodor Schwann, da Bélgica, es- tavam jantando juntos e discutindo seus trabalhos com tecidos vegetais e animais, respectivamente. Estavam impressionados com as semelhanças nas suas observações e concluíram que os elementos estruturais de plantas e animais eram essencialmen- te os mesmos. Formularam sua conclusão, a teoria celular, que define: • As células são as unidades estruturais básicas e fisiológicas de todos os organismos vivos. • As células são entidades distintas e os blocos construtores dos organismos mais complexos. Entretanto, Schleiden e Schwann não entendiam a origem das cé- lulas. Pensavam que as células emergiam pela auto-organização de matérias não-vivas, como os cristais formados em uma solução de sal. Essa conclusão estava de acordo com a visão prevalente do momento, na qual a vida surge a partir de matérias não-vivas por geração espontânea - camundongos a partir de roupas sujas, lar- vas a partir de carne morta e insetos a partir de misturas de palha e poças d'água. O debate sobre se a vida poderia ou não surgir da matéria não-viva continuou até 1859, quando a Academia Fran- cesa de Ciências patrocinou uma disputa do melhor experimento para provar ou refutar a geração espontânea. O prêmio foi venci- do pelo grande cientista francês Louis Pasteur - seu experimento provando que a vida deve estar presente para que possa ser ge- rada está descrito na Figura 3.30.A visão de Pasteur sobre os mi- crorganismos o levou a propor a teoria dos germes das doenças e a explicar o papel dos organismos unicelulares na fermentação do vinho e da cerveja. Ele também criou um método de preservação de leite por aquecimento para matar microrganismos, processo hoje conhecido por pasteurização. --- '" Figura 1.2 Toda a vida consiste em células (A) O desenvolvi- mento de microscópios, tais como o instrumento de Robert Hooke, revelouo mundo microbianopara os cientistas do século dezesse- te. (B)Hooke foio primeiroa propor o conceito de células, baseado nas suas observações de finas fatias de tecido vegetal (cortiça)em microscópio. (C)Umamoderna versão do microscópio óptico. (O) Umamoderna micrografiarevelaa complexidade de células em uma folha. Hoje, prontamente aceitamos que as células provêm de célu- las preexistentes. Além disso, compreendemos que as proprieda- des funcionais dos organismos derivam de suas células. Também compreendemos que as células de todos os tipos compartilham muitos mecanismos essenciais, porque elas compartilham um an- cestral comum de bilhões de anos atrás. Portanto, adicionamos mais elementos à teoria celular: • Todas as células provêm de células preexistentes. • Todas as células são semelhantes em composição química. • A maioria das reações químicas da vida ocorre dentro das cé- lulas. • Conjuntos completos de informação genética são replicados e repassados durante a divisão celular. Ao mesmo tempo em que Schleiden e Schwann construíam as fundações para a teoria celular, Charles Darwin começava a com- preender como os organismos sofrem mudanças evolucionárias. A diversidade da vida decorre da evolução por seleção natural A evolução por seleção natural, como proposta por Charles Darwin, é talvez o mais importante princípio unificador da biolo- gia e é o tópico da Parte 5 deste livro. Darwin propôs que os organismos vivos descendem de an- cestrais comuns e estão, portanto, relacionados uns aos outros. Ele não tinha a vantagem de conhecer os mecanismos de herança genética que você aprenderá na Parte 3, mas mesmo assim su- pôs que tais mecanismos existiam porque a prole se assemelhava aos pais de muitas maneiras. Esse simples fato é a base para o conceito de espécie. Embora a definição precisa de urna espécie seja complicada, em seu mais amplo uso, se refere a um grupo de organismos que se assemelham ("são morfologicamente seme- lhantes") e podem se reproduzir de forma bem-sucedida com um outro organismo. Entretanto, a prole também difere dos seus genitores. Qual- quer população de uma espécie de planta ou animal apresenta variação, e, se você selecionar os pares para reprodução com base em algum traço específico, esse traço tem mais probabilidade de estar presente na sua prole do que na população geral. Darwin reproduziu pombos e estava bem atento aos tipos extravagantes selecionados por padrões de penas, formas do bico e tamanhos do corpo incomuns. Ele percebeu que, se os humanos poderiam selecionar traços específicos, o mesmo processo poderia acontecer na natureza - daí o termo seleção natural. Como a seleção poderia funcionar na natureza? Darwin pos- tulou que diferentes probabilidades de sobrevivência e sucesso reprodutivo poderiam fazer esse trabalho. Ele raciocinou que a capacidade reprodutiva das plantas e animais, se não controlada, resultaria em um crescimento ilimitado da população na nature- za; portanto, somente uma porcentagem da prole deve sobreviver Muitas folhas são amplas e planas, configuração que apresenta o máximo de superfície fotossintética para o sol. Algumas árvores, tais como o bordo sacarino, perdem as folhas em resposta ao frio ou ao tempo seco. Estes lírios-d'água são enraizados na parte inferior do lago. Suas grandes folhas são "plataformas" planas que flutuam na superfície. para reproduzir. Então, qualquer traço que confira um pequeno aumento na probabilidade de que seu possuidor sobreviverá e se reproduzirá seria fortemente favorecido e poderia se espalhar na população. Darwin chamou esse fenômeno de seleção natural. Porque os organismos com certos traços sobrevivem e se re- produzem melhor sob conjuntos específicos de condições, a sele- ção natural conduz a adaptações: traços estruturais, fisiológicos ou comportamentais que aumentam as chances de um organismo sobreviver e reproduzir no seu ambiente (Figura 1.3). Os muitos ambientes diferentes e as comunidades ecológicas de organismos, que têm se adaptado ao longo da história evolucionária, têm con- duzido a uma extraordinária quantidade de diversidade, a qual contemplaremos na Parte 6 deste livro. Se todas as células provêm de células preexistentes e se to- das as diversas espécies de organismos na Terra estão relaciona- das por descendentes com modificação a partir de um ancestral comum, então qual é a fonte de informação que é passada de células-mãe para células-filha e de organismos genitores para a sua prole? As folhas de muitas coniferas verdes, como pinheiros, são agulhas cobertas por ceras que resistem à perda da água e não são trocadas anualmente. As folhas de plantas-jarro formam um vaso que mantém água. A planta recebe nutrientes extras a partir da decomposição dos corpos dos insetos que se afogam no jarro. A habilidade para escalar pode ser vantajosa para uma planta, permitindo atingir o topo de outras plantas a fim de obter mais luz do sol. Algumas das folhas deste pepino têm gravinhas fortemente enroladas que se prendem ao redor de uma estaca. Figura 1.3 Adaptações ao ambiente As folhas de todas as plantas são especializadas em fotossín- tese - a transformação da água e dióxido de carbono em moléculasestruturaís maiores chamadas de car- boidratos, acionada pela luz do sol. As folhas de dife- rentes plantas, entretanto, apresentam muitas adap- tações diferentes aos seus ambientes individuais. Um nucleotídeo ~ Quatro nucleotídeos (C, G, T e A) l&J ~ são os blocos construtores do DNA. ~:l ; l f O DNA é composto de duas fitas de seqüências de nucleotídeos ligados. Um gene consiste de uma seqüência específica de nucleotídeos. /Gene DNA~~I~ A seqüência de nucleotídeos em um gene contém a informação para construir uma proteína específica. proteína~ A informação biológica está contida em uma linguagem genética comum a todos os organismos As instruções das células - ou"protótipos"para existência - estão contidas no seu genoma, que é o conjunto total de todas as molé- culas de DNA na célula.As moléculas de DNA (ácido desoxirribo- nucléico) são longas seqüências de quatro diferentes subunidades chamadas nucleotídeos. A seqüência dos nucleotídeos contém a informação genética. Os segmentos específicos de DNA chama- dos de genes contêm a informação que a célula usa para produ- zir as proteínas (Figura 1.4). As proteínas representam muito da estrutura de um organismo e são as moléculas que coordenam as reações químicas no interior das células. Fazendo uma analogia, os nucleotídeos do DNA são como as letras de um alfabeto e as moléculas de proteína são as frases que elas escrevem. As combi- nações de proteínas que constituem estruturas e controlam pro- cessos bioquímicos são os parágrafos. As estruturas e os processos organizados em diferentes sistemas com tarefas específicas (tais como digestão ou transporte) são os capítulos do livro e o livro completo é o organismo. A seleção natural é a autora e a editora de todos os livros na biblioteca da vida. Se você tivesse que escrever seu próprio genoma usan- do quatro letras para representar os nucleotídeos, es- creveria um total de mais de 3 bilhões de letras. Se você usar o mesmo tipo de letras como estas neste livro, seu genoma preencheria cerca de mil volumes do tamanho deste. Todas as células de um organismo multicelular contêm o mes- :no genoma. Diferentes células têm diferentes funções e formam e truturas diversas. Portanto, diferentes tipos de células em um Figura 1.4 O código genético é o protótipo da vida As ins- truções para a vida estão contidas na seqüência de nucleotídeos nas moléculas de DNA. Seqüências de DNA específicas cons- tituem os genes, e a informação em cada gene fornece à célula as informações de que ela necessita para produzir uma proteína específica. O comprimento médio de um único gene humano é 16.000 nucleotídeos. organismo devem expressar distintas partes do seu genoma. O controle da expressão gênica, que viabiliza o desenvolvimento e o funcionamento de um organismo complexo, é o principal foco da atual pesquisa biológica. O genoma de um organismo consiste em milhares de genes. Se a seqüência de nucleotídeos de um gene for alterada, é pro- vável que a proteína que ele codifica seja alterada. Alterações de genes são chamadas de mutações. As mutações ocorrem esponta- neamente; elas também podem ser induzidas por fatores externos, incluindo agentes químicos e radiação. A maioria das mutações é deletéria, mas, ocasionalmente, uma mudança nas propriedades de uma proteína altera sua função, de forma a melhorar o funcio- namento do organismo sob as condições ambientais encontradas. Taismutações benéficas são a matéria-prima da evolução. As células usam nutrientes para fornecer a energia e construir novas estruturas Os organismos vivos adquirem substâncias chamadas nutrien- tes a partir do ambiente. Os nutrientes suprem os organismos com energia e matéria-prima para construir estruturas biológi- cas. As células obtêm moléculas de nutrientes e as quebram em unidades químicas menores. Fazendo isso, elas podem capturar a energia contida nas ligações químicas das moléculas de nu- trientes e usar essa energia para diferentes tipos de trabalho. Um tipo de trabalho celular é a construção, ou síntese, de novas moléculas e estruturas a partir de unidades químicas menores. Por exemplo, estamos todos familiarizados com o fato de que os carboidratos ingeridos hoje podem ser depositados no organis- mo como gordura amanhã (Figura 1.5A). Outro tipo de trabalho que as células fazem é o mecânico - por exemplo, moléculas se movimentando de uma localização celular para outra, ou mesmo o movimento de células ou tecidos completos, como no caso dos músculos (Figura 1.58). Os organismos vivos controlam o ambiente interno A vida depende de milhares de reações bioquímicas que ocorrem dentro das células. Essas reações requerem materiais que se mo- vem para dentro ou para fora das células de maneira controla- da. Dentro das células, as reações estão ligadas de forma que os produtos de uma serão as matérias-primas da próxima. Para essa complexa rede de reações ser propriamente integrada, as veloci- dades das reações dentro de uma célula devem ser precisamente controladas. Uma grande proporção das atividades celulares está direcionada para a regulação de múltiplas reações químicas conti- nuamente em andamento no seu interior. Os organismos compostos de mais de uma célula têm um am- biente interno que não é celular. Isto é, suas células são banhadas em fluidos extracelulares, a partir dos quais recebem nutrientes e para os quais excretam seus dejetos. As células de organismos multicelulares são especializadas em contribuir de alguma forma para a manutenção do ambiente interno. Entretanto, com a evo- h~ú'1ã'ti If I!(f~rgráa partír dos nutrientes pode ser armazenada ou usada imediata- mente (A)As células deste esquilo do Ártico degradam carboidratos complexos de plantas e convertem suas moléculas em gorduras, que são armazenadas no corpo do animal para fornecer o suprimento de energia nos meses frios. (8) As células deste canguru estão degradando moléculas do alimento e usando a energia em suas ligações químicas para fazer trabalho mecânico - neste caso, pular. lução de funções especializadas, estas perdem muitos dos papéis exercidos por organismos unicelulares e, portanto, dependem do ambiente interno para os tra- balhos essenciais. A interdependência dos diferentes tipos de células em um organismo multicelular pode ser expressa no famoso lema dos Três Mosqueteiros: "Um por todos e todos por um!". Para cumprir tarefas especializadas, conjuntos de células semelhantes são organizados em tecidos. Por exemplo, uma única célula muscular não pode gerar muita força, mas, quando muitas se combinam para formar o tecido de um músculo em contração, força e movimento consideráveis podem ser gerados (ver Figura l.5B). Os diferentes tipos de tecidos são orga- nizados para formar órgãos que cumprem demandas específicas. Os órgãos familiares incluem o coração, o cérebro e o estômago. Os órgãos cujas funções são in- ter-relacionadas podem ser agrupados em sistemas de •. aF:ap~~'-ciascé'fu~s, crc;stecidos, dos órgãos As moléculas são compostas de átomos. As células são constituídas de moléculas. As células de muitos tipos são os componentes necessários para o funcionamento dos organismos vivos. Um tecido é um grupo de muitas células com funções semelhantes e coordenadas (tais como sensores de odores). Os órgãos combinam diversos tecidos que funcionam juntos. Os órgãos formam os sistemas, como o sistema nervoso. fl9ura '\.8 A biologia é estudada em muitos niveis de or- ganização As propriedades da vida emergem quando o DNA e outras moléculas são organizados em células. A energia flui por todos os níveis biológicos demonstrados aqui. Um organismo é um indivíduo reconhecível, em si mesmo. Um organismo multicelular é constituído por órgãos e sistemas de órgãos. As comunidades biológicas na mesma localização geográfica formam os ecossiste- mas. Os ecossistemas trocam energiae criam a biosfera da Terra. :' .ios sistemas de órgãos são todos integrados para organismos =-_- ticelulares (Figura 1.6).A biologia dos organismos é o assunto .::"S Partes 8 e 9 deste livro. Como a Figura 1.6 demonstra, os organismos individuais não -:--em em isolamento e a hierarquia da biologia continua além :':õ5:e nível. s organismos vivos interagem ns com os outros 2" organismos interagem com os ambientes externos tão bem .:--.:.antocom os ambientes internos. Os organismos individuais in- ::,:ao-em entre si e fazem parte de uma população que, por sua vez, ::::,:aciona-se com populações de diferentes organismos. Os organismos interagem de muitas formas diferentes. Por :"I.emplo, alguns animais são tenitoriais e por isso tentam preve- ::~ outros indivíduos de sua espécie da exploração do recurso que :,:es defendem, seja alimento, ninhos ou parceiros (Figura 1.7A). 05 animais também podem cooperar com membros de suas espé- ':::es, formando unidades sociais, tais como uma colônia de cupins, ::- cardume de peixes ou uma colônia de suricatos (Figura 1.7B). =ssas interações entre indivíduos têm resultado na evolução de ~omportamentos sociais, como a comunicação. As interações das populações de muitas espécies diferentes .'om1am uma comunidade, e tais relações são uma força evolucio- ::ária importante. As adaptações que dão a um indivíduo de uma 25. écie vantagens em obter membros de uma outra espécie como aumento (e o inverso, adaptações que reduzem as chances de um :"'ldivíduo de se tornar alimento) são primordiais na história evo- :'-lcionária. Organismos de diferentes espécies podem competir ?elos mesmos recursos, resultando em seleção natural para adap- :ações especializadas que permitan1 certos indivíduos explorarem esses recursos mais eficientemente do que os demais. Em uma dada localidade geográfica, as comunidades intera- gem formando ecossistemas. Os organismos no ecossistema po- dem modificar o ambiente de várias formas que afetam outros organismos. Por exemplo, em alguns ambientes terrestres, as ?lantas dominantes modificam bastante as condições ambientais nas quais animais e outras plantas devem viver. As formas nas quais as espécies relacionam-se umas com as outras e com seu ambiente é assunto da ecologia, o tópico da Parte 7 deste livro. Figura 1.7 Conflito e cooperação Os orga- nismos da mesma espécie interagem uns com os outros de várias formas. (A) Elefantes marinhos territo- riais defendem extensões de. praia de outros machos. Um único macho que con- trola uma extensão de praia é capaz de se acasalar com muitas fêmeas (veja ao fundo) que vivem ali. (B) Membros de uma colônia de suricatos estão comu- mente relacionados uns aos outros. Suricatos co- operam de muitas formas, tais como controlando a presença de predadores e dando um sinál de alerta se um deles aparecer. As descobertas na biologia podem ser generalizadas Corno toda a vida está relacionada a descendentes provenientes de um ancestral comum, e compartilha um código genético e consiste em blocos de construção semelhantes - as células -, o conhecimen- to obtido a partir de investigações de um tipo de organismo pode, com cuidado, ser generalizado para outros organismos. Portanto, os biólogos podem usar sistemas-modelo de pesquisa, sabendo da possibilidade de estenderem seus achados a outros organismos e aos humanos. Por exemplo, nosso conhecimento básico das rea- ções químicas nas células origina-se da pesquisa sobre bactérias, mas é aplicável a todas as células, incluindo as células humanas. De modo semelhante, a bioquímica da fotossíntese - o processo em que as plantas usam a luz do sol para produzir moléculas biológicas - foi amplamente estudada por meio de experimentos em Chlorella (um tipo de alga; ver Figura 8.12). Aprendemos muito do que sabe- mos sobre os genes que controlam o desenvolvimento de plantas a partir de trabalhos acerca de uma única espécie (ver Capítulo 19). O conhecimento de como os animais se desenvolvem provém de estudos sobre o ouriço-do-mar, sobre os anfíbios, sobre as aves, so- bre os nematóides e sobre as moscas-das-frutas. Recentemente, a descoberta do principal gene controlador da cor da pele humana foi obtida com base em um eshldo do peixe-zebra. Ser capaz de gene- ralizar a partir de sistemas-modelo é uma ferramenta poderosa . 1.1 RECAPITUlAÇÃO Os organismos vivos são constituídos de células, evoluem por seleção natural, contêm informação genética, obtêm energia a partir do seu ambiente e a utilizam para fazer tra- balho biológico, controlar seu ambiente interno e interagir uns com os outros. • Você pode descrever a relação entre a evolução por seleção natural e o código genético? Ver p. 5-? • Você compreende por que os resultados da pesquisa bioló- gica de uma espécie podem ser generalizados para outras espécies muito diferentes? Ver p. 9. Agora que fizemos uma revisão sobre as principais característi- cas da vida, que serão exploradas com profundidade neste livro, podemos perguntar como e quando a vida surgiu primeiramente. Na próxima seção, descrevemos a história da vida tendo em vista as suas formas mais simples até os organismos mais complexos e diversos que habitam nosso planeta hoje. o que os biólogos entendem quando dizem que todos os organis- mos são geneticamente relacionados? Eles querem dizer que todas as espécies na Terra compartilham de um ancestral comum. Se duas espécies são semelhantes, como os cães e os lobos, provavelmente possuem um ancestral comum em um passado bastante recente. O ancestral comum de duas espécies diferentes - como cachor- ros e cervos - viveu provavelmente no passado distante. E se dois organismos são muito diferentes - como um cão e um molusco - então devemos voltar para um passado ainda mais distante para encontrar o seu ancestral comum. Como podemos dizer o quanto distante viveu o ancestral comum de qualquer organismo? Em outras palavras, como descobrimos as relações evolucionárias en- tre os organismos? Por muitos anos, os biólogos investiga- ram a história da vida por meio do estudo do registro fóssil - os restos preservados dos organismos que viveram em um passado distante (Figura 1.8). Com base no conhe- cimento produzido pelos geólogos sobre as idades dos fósseis e sobre a natureza dos ambientes nos quais eles vivem, os biólogos inferiram as relações evolucionárias entre organismos vivos e fósseis ao comparar suas semelhanças e diferenças anatômicas. O de- senvolvimento de modernos métodos mo- leculares para comparar genomas, descrito no Capítulo 24, tem permitido aos biólogos estabelecer, de forma mais precisa, os graus de relação entre organismos vivos e usar esta informação para nos ajudar a interpretar os registros fósseis. Em geral, quanto maiores forem as dife- renças entre os genomas das duas espécies, mais distante o ancestral comum. Usando técnicas moleculares, os biólogos estão ex- plorando questões fundamentais sobre a vida na Terra. Quais foram as formas mais precoces de vida? Como organismos simples deram origem à enorme diversidade de or- ganismos vivos hoje? Podemos reconstruir a árvore genealógica de toda a vida? 1.2 Como está relacionadatoda a vida na Terra? A vida surgiu a partir de matéria não-viva por meio da evolução química Os geólogos estimam que aTerra tenha cerca de 5 bilhões de anos. No primeiro bilhão de anos, o planeta não era um local muito favo- rável para a vida. A vida provavelmente sur- gira apenas no final desse período, ou cerca de quatro bilhões de anos atrás. Se compa- 20 Evolução das células eucanóticas A presençademoluscosamonóidesbem preservadosemumleitofóssil freqüentementeajudaos cientistasa datar outrosfósseisencontradosnomesmolocal. Figura 1.8 Os fósseis fornecem uma visão da vida passada Os mais proeminentes dos muitos organismos fossilizados nesta amostra de pedra são amonóides, umgrupo extinto de molusc s cujos parentes vivos incluem os cefalópodes. Os amonóides se desenvolveram entre 200 milhões e 60 milhões de anos atrás; es::: grupo específico de fósseis tem cerca de 185 milhões de anos. mais antigos 14 Evolução da fotossíntese 21 22 23 24 25 26 Organismos multi- celulares 28 29 30 27 Primeiras plantas 28 29 terrestres Florestas que originaram o carvão mineral P_. . 30nmelros passaras Primeiras plantas com flores I Surgimento de mamíferos •.. f'nmerr,: hc Insetos Primeiros mamíferos Era dos dinossauros o Homo sapiens (homem moderno)surgiunosúltimos 10minutosdodia30. Figura 1.9 O calendário da vida Ao descre- vermos a história da vida na Terra em uma esca- la de um mês correspondendo a 30 dias, tem-se noção da imensidão do tempo evolutivo. ~~emos a história da Terra como um calendário de 30 dias, este _ -::'::-.o ocorreria aproximadamente no final da primeira semana gura 1.9). uando consideramos como a vida pode ter surgido da -.=.:éria não-viva, devemos considerar as propriedades da jo- ::'= atmosfera terrestre, oceanos e clima, que eram muito di- -::'::-~.e quando comparadas com as dos dias atuais. Os biólo- ~_-:' ::'0 tulam que as moléculas complexas surgiram através de _ =.associação física de agentes químicos naquele ambiente. _: ~xperimentos que simularam as condições da Terra, naque- - ::,?oca, confirmaram que a geração de moléculas complexas -: :ais condições é possível, até mesmo provável. Entretanto, o -.=.s~o rítico para a evolução da vida teria sido o aparecimento - - ::-.oléculasque poderiam se reproduzir e também servir como - - ':elo para a síntese de moléculas maiores com formas com- - .:: "5. mas estáveis. A variação das formas dessas moléculas :=--=:':ese estáveis (descrita no Capítulo 3) permitiu a elas parti- -::-=-=- em um crescente número e tipos de interações com outras - - .",,-ulas:as reações químicas. - evolução biológica começou ndo as células se formaram x~.illdo passo crítico na origem da vida foi a delimitação de - _::-.::Jlasbiológicas complexas em membranas, que as manti- .:::.::::,róximas e aumentavam a freqüência com que elas inte- =-~-:-:.:\Ioléculas semelhantes a gorduras foram os ingredientes -:::J-:': orno estas não são solúveis em água, elas formam filmes -::-'::':0 com membranas. Esses filmes tendem a formar vesícu- :::'éricas, as quais poderiam manter as organizações de outras , biológicas. Os cientistas afirmam que há cerca de 3,8 _- ~_: de anos, esse processo natural de formação de membra- - - ::-:::J ou nas primeiras células com habilidade de se replicar- -= :='ento que marcou o início da evolução biológica. J:S milhões de anos após as células se originarem, todos os -=-.-.:5::10Sconsistiam somente de uma célula, Esses primeiros -==-.:5a\osunicelulares eram (e são, desde que inúmeros de seus :::,::':entes existem de forma similar ainda hoje) os procario- ... ~ trutura da célula procariótica consiste de DNA e outros - -"':":tosdelimitados por uma membrana. :=-_ procariotos antigos estavam confinados nos oceanos, -:: ::a\Ía abundância de moléculas complexas que eles pode- -- ..:5arcomo matéria-prima e fonte de energia. O oceano pro- ~ :.:~es organismos dos efeitos deletérios da luz ultravioleta, ='-=. :""1tensanaquela época, porque não havia oxigênio na at- .-::'::-=.e. portanto, sem a proteção da camada de ozônio. - ~:0 al de todas as reações químicas que ocorrem dentro de - :~:::":aconstitui o metabolismo celular. Para abastecer seu - J:::' o, os procariotos obtinham moléculas diretan1ente do .:::-:-:ente, degradando estas pequenas moléculas para libe- _ =:-e::-'a contida nas suas ligações químicas. Muitas espécies . -::-:e:-:tesde procariotos ainda funcionam desta maneira e de - ::-:,j'o bem-sucedida. ~ - ?asso extremamente importante que mudaria a natu- .::2 ' 'da na Terra ocorreu há cerca de 2,5 bilhões de anos :. :='olução da fotossíntese. As reações químicas da fo- explicadas no Capítulo 8) transformam a energia da 2.:' em uma forma de energia capaz de ativar a síntese de - -:: .. oléculas biológicas, Essas moléculas grandes se tor- .:~locos construtores das células; elas também podem ser Figura 1.10 Os organismos fotossintéticos mudaram a at- mosfera da terra Esta moderna cianobactéria pode ser muito parecida com os procariotos fotossintéticos antigos que introduzi- ram o oxigêniona atmosfera terrestre. quebradas para fornecer energia metabólica. Uma vez que os processos que capturam energia fornecem alimento para outros organismos, a fotossíntese é a base de uma significativa parte da vida na Terra hoje. As células fotossintéticas antigas eram provavelmente seme- lhantes aos procariotos dos dias atuais, chamados de cianobac- térias (Figura 1.10). Ao longo do tempo, os procariotos fotos- sintéticos se tornaram tão abundantes que vastas quantidades de gás oxigênio - O2, produto da fotossíntese - começaram len- tamente a se acumular na atmosfera. O O2 foi venenoso para muitos dos procariotos que viveram naquele tempo. Entretanto, aqueles organismos que toleraram o O2 foram capazes de proli- ferar, já que a presença de oxigênio abriu vários caminhos para a evolução. O metabolismo baseado no uso de O2, chamado de metabolismo aeróbico, é mais eficiente do que o metabolismo ana- eróbico (que não usa oxigênio), que caracterizava os organismos mais antigos. O metabolismo aeróbico permitiu que as células crescessem mais e hoje é usado pela maioria dos organismos da Terra. Por milhões de anos, as vastas quantidades de oxigênio libe- rados pela fotossíntese formaram a camada de ozônio (O:;)na at- mosfera, Com o aumento da camada de ozônio, foi interceptada muito da letal radiação solar ultravioleta. Somente nos últimos 800 milhões de anos, a presença de uma densa camada de ozônio permitiu que os organismos deixassem a proteção dos oceanos e vivessem na superfície terrestre . As células eucarióticas evoluíram a partir dos procariotos Outro importante passo na história da vida foi a evolução das cé- lulas com discretos compartimentos intracelulares chamados de organelas, capazes de realizar funções celulares especializadas. Esse evento aconteceu em torno de 3 semanas no nosso calen- dário da história da Terra (ver Figura 1.9). Uma dessas organelas, o núcleo, surgiu para conter a informação genética da célula, O
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