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Economia Institucional I Bibl.: Azevedo (1997), caps. 1 a 3; Fiani (2011), caps. 3 e 4; Fiani (2002); Pondé (2002). Aulas 6-7 Estruturas de governança 1 1. Firmas e mercados - I • A visão tradicional da economia nos diz que a maneira mais eficiente de alocar recursos é através do mercado. • Mas as firmas certamente seguem princípios diferentes daqueles do mercado. Ou seja, quando um insumo passa da seção de compras para a produção numa firma, os dois gerentes não ficam barganhando o preço. • Essa questão parece óbvia, mas na teoria econômica tradicional, com a firma reduzida a uma função de produção, não tinha espaço para ela. 1. Firmas e mercados - II • Ronald Coase escreveu em 1937 o artigo “A natureza da firma” no qual faz duas perguntas óbvias mas surpreendentes: 1) Por que existem firmas? Ou seja, por que organizar internamente é melhor que organizar via mercado? – Coase afirma que a explicação está no custo de utilização dos mecanismos de mercado; estes custos existem e são relevantes. 2) Se há vantagens na organização interna, porque há mercados? Por que não se faz tudo em uma única grande firma? – Coase diz que a partir de certo momento, os custos de organização interna crescem (existiriam retornos decrescentes da capacidade gerencial) e ultrapassam aos custos de utilização do mercado. 1. Firmas e mercados - III • Esses custos de utilização do mecanismo de mercado incluem: i. Custos de coletar as informações relevantes. ii. Custos de elaborar e negociar contratos. iii. Custos de mensurar e fiscalizar os direitos de propriedade. iv. Custos de monitorar o desempenho dos agentes. v. Custos de organizar as atividades. vi. Custos de se adaptar às mudanças no ambiente econômico (p.ex., revisão dos contratos). • Esta não é a lista original do Coase, foi ampliada por pesquisadores posteriores. 1. Firmas e mercados - IV • Esses custos podem ser pensados como sendo análogos, no mecanismo de mercado, à fricção nos movimentos. • Esse artigo foi muito citado mas não levado a sério até que foi retomado em 1975 por Oliver Williamson no seu livro “Mercados e hierarquias”. – Williamson denomina a organização interna como hierárquica. • Williamson depois escreveu outros dois livros que arredondam sua visão da firma (mais genericamente, das estruturas de governança): – “As instituições econômicas do capitalismo” (1985). – “Os mecanismos de governança” (1996). • A linha de pesquisa desenvolvida por Williamson é conhecida como “Economia dos Custos de Transação” (ECT). 2. A noção de custos de transação - I • A produção de qualquer bem ou serviço passa por diversos processos. • Alguns desses processos não podem ser tecnicamente separados (p.ex., o médico que faz o diagnóstico é o mesmo que faz a receita). • Mas a maioria das atividades num processo produtivo passa por interfaces separáveis (para fazer um x-salada há que cortar o pão, assar o hambúrguer, fatiar o queijo, limpar a salada, montar o sanduiche) o que pode ser feito ou não por uma mesma pessoa. – Obviamente, montar um carro é muito mais complexo, mas em essência o problema é o mesmo: como combinamos as diferentes partes para chegar no carro. • Cada uma dessas etapas é uma “interface tecnologicamente separável”. 2. A noção de custos de transação - II • Quando temos algum processo que passa por várias interfaces, podemos organizá-lo de diferentes maneiras. • A tecnologia determina quais serão os processos utilizados (não é necessário que exista apenas uma tecnologia para fazer cada bem, tipicamente existem alternativas). • Cada passagem de interface é chamada de transação. • Em cada etapa, podemos nos perguntar se vale a pena que as tarefas sejam feitas por uma mesma pessoa, ou por várias. • E, quando entra mais de uma pessoa, podemos nos perguntar se é melhor organizar isso em uma única firma, ou se é melhor recorrer ao mercado (e nesse caso também podemos ver se é melhor fazer um contrato de fornecimento duradouro, ou comprar cada vez de quem quiser vender nesse momento). 2. A noção de custos de transação - III • Imagine a situação de uma firma (p.ex., um comércio) que tem computadores que podem eventualmente precisar atualizações, apresentarem problemas, etc. • O que a firma faz? – Contrata um funcionário para cuidar dos computadores? – Faz um contrato de assistência técnica com uma firma especializada? – Faz um cadastro de técnicos e chama cada vez ao que tiver tempo e for mais barato? • Essencialmente, a firma tem que decidir como organizar essa transação. 2. A noção de custos de transação - IV • Em cada caso, a firma tem que ver os custos associados a cada opção: – Se eu contrato o trabalhador, haverá serviço para ele ou ficará à toa? Quanto custa o aumento da folha? – E a assistência técnica, será que a firma vem mesmo? Vão mandar o melhor técnico ou o estagiário? Vão inventar custos desnecessários? – E no mercado, será que eu encontro técnicos quando preciso? Não será muito caro? Não é muito chato ficar ligando para muitas firmas e negociar cada vez? • Esses custos de organizar a transação de diferentes maneiras são denominados custos de transação. 2. A noção de custos de transação - V • De acordo com minha decisão de resolver dentro da firma ou recorrer ao mercado, eu organizo a firma de maneira diferente. • Cada uma dessas alternativas é uma estrutura de governança (EG). • Inicialmente, Coase e Williamson enfatizavam unicamente a dicotomia entre mercados e firmas (hierarquias). A firma pode optar por fazer uma coisa (organização interna), ou pode comprá-la no mercado (o dilema entre fazer ou comprar feito). • Anos mais tarde, Williamson incluiu a possibilidade de estruturas híbridas, que não são nem firmas nem mercado (terceirizações, parcerias, joint-ventures, contratos de longo prazo). 3. Características dos agentes • Para fazer sua abordagem realista das firmas, Williamson descreve os agentes de maneira diferente da tradicional. • Ele diz que seus agentes se caracterizam por: i. Racionalidade limitada: os agentes querem ser racionais mas não conseguem sê-lo. ii. Oportunismo: os agentes procuram o autointeresse com malícia (guile) Isso não quer dizer que os agentes vão matar para roubar uns aos outros, mas que p.ex. podem mentir de maneira que os favoreça (“Demorei porque tinha um engarrafamento enorme!”). iii. “Economizing”: os agentes preferem usar os recursos eficientemente. iv. Dignidade: para os agentes não é indiferente qual é a tarefa que estão fazendo (o gerente que pedir para um economista limpar banheiros em lugar de fazer projeções não conseguirá que este mantenha seu desempenho, mesmo mantendo o salário). 4. O problemas da agencia - I • Uma questão básica que a firma tem que resolver é o chamado “problema da agência”. • Este problema surge sempre que alguém não quer (ou não pode, ou não sabe) fazer uma tarefa que é do seu interesse, e tem que contratar um terceiro para que a faça no seu lugar. • A pessoa que quer a coisa feita e contrata à outra é chamada de principal; quem faz a tarefa para o principal é denominado agente. • O problema surge porque em geral o agente não está tão interessado quanto o principal em que a tarefa seja feita. 4. O problemas da agencia - II • Os problemas do principal (aqui, da firma) são: i. Localizar os agentes; ii. Comprovar a capacidade dos agentes e estabelecer os contratos; iii. Explicar o que ele(a) quer do agente; (mas muitas vezes o agente sabe mais que oprincipal; eu posso dizer para o mecânico que quero que meu carro funcione, mas pode que eu não tenha nenhuma noção de mecânica para ver se ele está fazendo o trabalho bem). iv. Coordenar as tarefas dos diferentes agentes; 4. O problemas da agencia - III • Como em toda situação de agência, o principal tem que enfrentar situações de informação assimétrica, das quais duas são as mais importantes: 1. Diferenças de informação antes de fazer o contrato, o que é o problema da seleção adversa. – antes de fazer o contrato, a firma não tem como distinguir o candidato trabalhador do preguiçoso, ou o competente do incompetente. 2. Diferenças de informação após a realização do contrato, o que é o problema do risco moral (moral hazard) – p.ex. a firma não sabe se o desempenho do vendedor foi ruim porque ele não visitou os clientes, ou se ele os visitou mas eles por algum motivo não quiseram comprar. 5. Fatores que afetam os custos de transação - I • Basicamente há três fatores que afetam os custos de transação: a. Especificidade dos ativos envolvidos b. Frequência com a qual as transações são realizadas. c. Incerteza envolvendo as transações. • Quanto à especificidade, um exemplo seria o de uma firma que precisa uma peça fora dos padrões, e um fornecedor que poderia fabricar a peça mas só o faria se tivesse a garantia de que a firma vai comprá-la. 5. Fatores que afetam os custos de transação - II – A situação pode ser comparada com um monopólio bilateral, os dois dependem mutuamente do parceiro. – Obviamente, se é uma peça padrão, o contrato pode não se justificar, é melhor fazer uma transação ocasional no mercado (spot) cada vez que a firma precisa da peça. • Neste caso, ao se estabelecer a relação ocorre o que o Williamson denomina a “transformação fundamental”: os diversos fornecedores e clientes são ex-ante iguais entre si, mas a partir do momento em que se estabelece a relação surge uma dependência mútua ex-post. 5. Fatores que afetam os custos de transação - III • Os motivos de especificidade dos ativos podem ser muito diferentes: a. Especificidade locacional: os custos de deslocar o ativo são tão altos que dificultam as mudanças. b. Especificidade física: as características do ativo são diferentes das habituais. c. Especificidade de ativos dedicados: p.ex., um investimento que só se justifica porque tem garantia de compra pela outra parte. d. Especificidade de ativos humanos: há conhecimentos que só podem ser aplicados em uma firma específica. 5. Fatores que afetam os custos de transação - IV • Uma maior frequência nas transações permite elaborar um sistema permanente de monitorar a transação. • Também permite criar reputação. – Quando há uma relação frequente com altos custos de monitoramento ou sem confiança, a organização interna é preferível ao mercado spot. Todavia, quando se consegue uma criar mecanismos que permitam manter desenvolver a relação, o híbrido pode ser mais eficiente que a organização interna. • Maior incerteza favorece a organização interna. – A incerteza pode ser primária (ocorre porque os eventos não podem ser antecipados com certeza) ou comportamental (quando os indivíduos fazem ações oportunistas). 6. Escolha das estruturas de governança - I •Partimos de um modelo com três EGs possíveis, mercado (M), híbrido (X) e hierarquias (H). •A escolha da EG dependerá dos custos de produção associados com as mesmas. –Custos de produção são a soma dos custos de transformação com os custos de transação. •Duas variáveis definem a escolha das EGs: a. A especifidade dos ativos, k. b. Algumas variáveis de deslocamento, Θ. 6. Escolha das estruturas de governança - II M = M (k, Θ) X = X (k, Θ) H = H (k, Θ) Com k = 0 M (0) < X (0) < H(0) Com k > 0 M’ > X’> H’ • A utilização de um eixo contínuo de k é um recurso algo forçado. Williamson entende que não há infinitas estruturas possíveis, mas propõe a análise estrutural discreta (escolha entre um número limitado de alternativas). 6. Escolha das estruturas de governança - III •As EGs têm vantagens diferentes: •Ao nível tecnológico, M é o mais eficiente, pois aproveita economias de escala. • Ao nível de informação, M é mais eficiente para coletar informação, mas H evita informação privada. • Ao nível organizacional, contratos internos estão caracterizados pelo fiat, logo permitem maior controle. 6. Escolha das estruturas de governança - IV •As três estruturas têm tipos de contratos diferentes: • Mercado: contrato clássico, termos claros no estabelecimento, termos claros para avaliar o resultado (sharp in by clear agreement, sharp out by clear performance). •Híbridos: contrato neoclássico, permite revisão e adaptação, as partes são interdependentes. •Hierarquia: caracterizada pela abstenção (forbearance), pois as partes se abstêm de recorrerem à justiça, deixando que a autoridade interna decida as coisas. –Isso não inclui o contrato que estabelece a relação, que é o contrato de trabalho. 7. Algumas consequências da ECT • É importante lembrar que o estudo dos CTs complementa a abordagem dos custos de produção tradicionais, não a substitui. • A importância dos CTs tem crescido nas modernas economias de mercado. • É difícil dizer que uma forma específica seja sempre a mais eficiente, porque os custos de transação têm uma dimensão subjetiva. Somando isso às expectativas, temos que diferentes pessoas poderiam fazer escolhas diferentes mesmo quando enfrentados com a mesma situação objetiva. •A ECT permitiu um olhar diferente sobre algumas atividades empresariais. P.ex., uma integração vertical deixou de ser vista apenas como um aumento do poder das firmas, e passou a ser vista como uma escolha eficiente em situações de CTs altos.
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