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A opinião pública e o sistema de direito criminal artigo RBCCrim

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A OPINIÃO PÚBLICA E O SISTEMA DE DIREITO CRIMINAL: 
SOBRE AS DIFICULDADES DE COMPREENDER ESSA RELAÇÃO COMPLEXA 
 
Public opinion and the criminal justice system: on the difficulties to understand a 
complex relationship 
 
JOSÉ ROBERTO FRANCO XAVIER 
Doutor e Mestre em Criminologia pela Universidade de Ottawa (Canadá). Professor do 
Departamento de Teoria do Direito da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. 
 
ÁREA DO DIREITO: Penal 
RESUMO: Este texto relata alguns achados de uma pesquisa de doutorado que tratou da 
influência da opinião pública sobre a justiça penal. Trago aqui alguns elementos 
empíricos de estruturas de recepção das pressões da opinião pública no sistema penal, 
que foram identificados a partir de entrevistas semiestruturadas com magistrados e 
membros do Ministério Público. Apresento também parte da reflexão teórica 
desenvolvida sobre a dificuldade de se estudar essa relação: há enormes armadilhas 
teóricas e metodológicas no caminho de quem tenta compreender a relação entre 
opinião pública e justiça penal. Por fim, trago também parte de uma reflexão teórica que 
se debruça sobre as razões da dificuldade da justiça penal de se relacionar com a opinião 
pública. 
PALAVRAS-CHAVE: Opinião pública e justiça penal – Mídia e justiça penal. 
ABSTRACT: This paper introduces some findings of a doctoral research on the influence 
of public opinion in the criminal justice system. Here I present some empirical data, 
collected in semi-directive interviews with judges and prosecutors, about the “reception 
structures” created by the mentioned system to integrate pressures from public opinion. 
I also introduce part of my theoretical reflection on the difficulties to study such 
relationship: there are plenty of theoretical and methodological traps in the pathway of 
those who intend to shed light on the exchanges between public opinion and the 
criminal justice system. Finally, I also present a part of a theoretical analysis on the 
reasons why the criminal justice system has such trouble in relating to public opinion. 
KEYWORDS: Public opinion and criminal justice system – Media and criminal justice 
system. 
 
 
SUMÁRIO: 1. Introdução: um tema escorregadio – 2. Algumas considerações sobre a 
literatura: opinião pública, mídia e justiça penal – 3. A pesquisa em si: como a opinião 
pública e o sistema de direito criminal interagem – 4. Qual o lugar da opinião pública 
nessa relação com o sistema de direito criminal? – 5. Referências. 
 
 
1. INTRODUÇÃO: UM TEMA ESCORREGADIO 
O tema deste artigo
1
 é a relação entre o sistema de direito criminal e a opinião pública. 
O que é aqui apresentado são alguns elementos, tanto teóricos quanto empíricos, que 
foram produzidos no quadro de minha tese de doutorado, defendida em 2012, na 
Universidade de Ottawa, no Canadá. O meu propósito neste texto é de apenas trazer, no 
quadro de um breve texto, alguns elementos debatidos naquele trabalho. Não há aqui 
espaço para apresentar a complexidade da discussão que ali foi tratada,
2
 nem tampouco 
de entrar mais a fundo em algumas questões teóricas (como por exemplo as definições 
de opinião pública e sistema de direito criminal). Mas creio ser possível, todavia, 
mostrar a complexidade do problema e estimular um debate mais qualificado sobre essa 
relação a partir do que será dito neste artigo. 
Sobre a pesquisa realizada, o meu interesse naquele momento era entender qual a 
influência da opinião pública sobre as decisões da justiça criminal. Trata-se de um tema 
polêmico, de um tema que funciona muitas vezes como argumento para se acusar um 
magistrado de ser leniente ou demasiado severo, de estar em descompasso com o que a 
sociedade quer. Mas trata-se também de um tema muito pouco analisado, sujeito mais a 
opiniões impressionistas do que a análises baseadas em reflexão teórica profunda ou 
levantamento de dados sistemático. 
O problema era então entender qual o impacto que a opinião pública tem nas decisões 
da justiça criminal, para além de uma mera visão opinativa. Tinha algumas questões 
presentes que me conduziam na pesquisa. Como os juízes e promotores lidam com a 
pressão da opinião pública? Qual o impacto de uma supermidiatização de um caso 
criminal na hora de se fazer justiça no sistema de direito criminal? Para além de um 
 
1
 O texto a seguir é derivado de um texto de apresentação para o Seminário Internacional do IBCCrim. 
Tanto este texto quanto a referida apresentação foram baseados em minha pesquisa de doutorado 
realizada no departamento de criminologia da Universidade de Ottawa (Canadá), sob a direção do 
professor Alvaro P. Pires. A tese foi defendida em 2012, e foi vencedora do prêmio Governor General’s 
Gold Medal. Alguns trechos da conclusão daquela tese foram aproveitados neste texto (depois de 
traduzidos). Agradeço à CAPES e à Canadian Research Chair in Legal Traditions and Penal Rationality 
pelo financiamento desta pesquisa. 
2
 Ver XAVIER, 2012. 
 
julgamento valorativo sobre uma suposta excessiva severidade ou clemência de 
magistrados e promotores, o interesse era observar e tentar compreender as estratégias e 
mecanismos que o sistema de direito criminal colocava em prática para poder lidar com 
a pressão da opinião pública. 
Do ponto de vista da pesquisa social, este tema não é apenas polêmico. Trata-se de um 
tema fundamentalmente perigoso, escorregadio para a análise acadêmica. Afinal, há 
aqui um risco enorme de se cair numa dicotomia de senso comum e tirar logo 
conclusões demasiado superficiais. Em outras palavras, trata-se de um tema que pode 
muito facilmente nos levar a dizer aquilo que as nossas pré-noções já sabem muito mais 
do que aquilo que podemos descobrir com a pesquisa. 
Há pelo menos dois pontos de vista aqui correntes na sociedade, que já tem uma 
representação pré-concebida sobre esta relação entre opinião pública e justiça penal. São 
duas representações idealizadas, que revelam muitas vezes mais sobre o portador dessas 
representações do que sobre a mencionada relação, e que em nada ajudam a 
compreender e complexificar o problema em termos de pesquisa. Mas vamos falar um 
pouco sobre elas antes de tratar da pesquisa em si. 
A primeira representação que se pode fazer sobre a relação entre opinião pública e 
justiça penal é dizer que sim, os juízes e os promotores são influenciados pela opinião 
pública, pela mídia etc. E essa influência é ainda maior quando se trata de um crime 
midiático. Numa tal representação, considera-se que esses atores são maleáveis 
conforme a pressão da mídia e da opinião pública (pressão, no mais das vezes, por uma 
condenação ou por uma pena mais severa). Considera-se, neste ponto de vista, que a 
autonomia de juízes e promotores fica bastante prejudicada nestes casos em que há uma 
forte midiatização do caso criminal. Como eles poderiam ficar imunes a uma tal pressão 
midiática? Como eles não poderiam carregar um pouco mais na mão numa condenação 
do Maníaco do Parque, da Suzane Richtofen ou do casal que “atirou aquela menina pela 
janela”? Afinal, são crimes que indignaram a opinião pública, que causaram um ultraje 
coletivo, que foram amplamente explorados pela mídia até se tornarem lugares-comuns 
da barbárie em nosso imaginário coletivo. 
Num outro espectro, temos a representação oposta. Podemos conceber também que a 
formação jurídica e a experiência na carreira funcionariam como uma barreira para 
essas influências indevidas de fatores externos ao processo. O verdadeiro magistrado 
não se deixaria mover pelas paixões do momento. Tampouco o verdadeiro promotor. O 
direito seria isento de paixões: o clamor do público e da mídia não são levadosem 
 
conta. Trata-se de elementos impróprios, inadequados. Tornar-se um promotor ou um 
juiz criminal é, antes de tudo, aprender a reconhecer o direito aplicável a um caso 
concreto, de forma a fazer a verdadeira justiça. Somos imunes à exploração midiática 
dos eventos criminais. A mídia e o público não entendem nada de processo penal, de 
como ele deve ser conduzido e de como uma pena deve ser dosada e aplicada. Não 
queira, portanto, que nós, profissionais do direito, levemos em conta o clamor público 
na nossa atividade. 
Duas representações opostas. E duas representações ao mesmo tempo verdadeiras e 
falsas. Qual o problema aqui do ponto de vista da pesquisa social? O problema é a 
superficialidade de uma descrição idealizada, de uma descrição que está no plano do 
dever ser e não no plano da descrição de como essa relação de fato se dá. Essa descrição 
idealizada não nos ajuda a de fato entender melhor essa relação. Vejamos um pouco 
mais detalhadamente o problema. 
Por um lado, parece difícil de fato conceber que juízes e promotores não sejam 
influenciados pela opinião pública e pela mídia. Há aqui uma forte probabilidade de que 
esses personagens, assim como todos nós na sociedade, sejamos de fato influenciados 
pela mídia e pela opinião pública. No entanto, isso não diz muita coisa. É banal como 
afirmação dizer que somos todos, inclusive juízes e promotores, influenciados por mídia 
e opinião pública. Isso não nos permite compreender nada, nem tampouco entender os 
mecanismos de tomada de decisão no processo penal. Somos influenciados como? Que 
a nossa representação do mundo é em grande parte tributária do que vemos na mídia é 
um fato, mas o que isso tem a ver com as nossas tomadas de decisão? Ou ainda, seria 
possível conceber que as nossas decisões não fossem influenciadas pela mídia e pela 
opinião pública, já que ambas são o nosso espelho do que seja a sociedade?
3
 
Por outro lado, mas no mesmo sentido, dizer que a formação e a experiência jurídica 
podem ser uma barreira contra a influência da mídia e da opinião pública também é uma 
afirmação pouco precisa. Se é impossível, como membro da sociedade, ser imune à 
 
3
 Devo dizer que, embora elabore pouco a questão neste artigo, tenho aqui definições precisas do que 
entendo por mídia e opinião pública. Trata-se das concepções esposadas por LUHMANN (2000 e 2001). 
Ele considera a opinião pública tanto como um medium, um dispositivo que permite facilitar uma 
comunicação, como formas que se constituem nesse medium (isto é, discursos que dizem o que é a 
opinião pública apoiando-se nesse dispositivo comunicacional). Não há espaço aqui para desenvolver a 
questão (ver XAVIER, 2012, para o desenvolvimento teórico), mas devo apenas dizer que, numa tal 
concepção, a opinião pública não é “o que as pessoas pensam”, mas simplesmente uma representação que 
algum observador faz sobre discursos que enxerga na sociedade. A mídia, por outro lado, é um sistema 
social que colabora em permanência para a construção dessas representações que identificamos como 
opinião pública. 
 
opinião pública e à mídia, não podemos ignorar todavia o peso da formação e da 
experiência jurídica que nos dão treinamento e instrumentos para considerar questões 
técnicas de um processo que um leigo não vê. No entanto, parece-me também bastante 
ingênuo pensar que a formação jurídica possa se contrapor totalmente às pressões 
midiáticas. Em todo caso, aqui também sabemos pouco como a formação jurídica 
impediria essas demandas da opinião pública de exercerem uma influência. Saber que 
os operadores do direito, em teoria, são formados de forma a se ater ao direito e não a 
ruídos da mídia não ajuda a de fato entender como eles procedem quando colocados em 
situação de decidir num caso altamente midiatizado. 
Resumindo, há aqui uma questão complexa, que pode ser vista a partir de duas 
representações idealizadas, mas que não nos ajuda de fato a avançar em termos de 
conhecimento sobre o problema. Por isso essas representações são ao mesmo tempo 
verdadeiras e falsas. São verdadeiras naquilo que são obviedades (que, por um lado, 
todos somos influenciados por mídia e opinião pública e que, por outro lado, os 
operadores do direito são formados para não se deixar levar por pressões externas ao 
processo), naquilo que funciona como representação genérica. São falsas justamente 
porque não dão conta da infinidade de contradições que permeia essa relação opinião 
pública e justiça penal, porque ao generalizar escondem a complexidade da questão, a 
imprecisão dos conceitos e as nuances e contradições que subjazem a uma tal 
representação. Um exemplo rápido sobre o problema: dizer que a opinião pública 
influencia a justiça penal. A polissemia do termo influência é o típico caso problemático 
para o pesquisador social. Diz muita coisa e ao mesmo tempo não diz nada por 
imprecisão. 
 
2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A LITERATURA: OPINIÃO PÚBLICA, MÍDIA E JUSTIÇA 
PENAL 
Um segundo grande problema para se entender a relação opinião pública e justiça penal 
é a literatura sobre o tema. Sobre a relação opinião pública e justiça penal, ou melhor, 
como aquela impacta essa, não há muita coisa.
4
 Há alguma literatura interessante sobre 
como o público vê algumas questões criminais.
5
 E há uma enorme literatura sobre o 
 
4
 Conheço apenas os trabalhos mais antigos, e pouco relevantes para o cenário brasileiro, de ROBERTS et 
al. (1999), TOMAINO (1997), WILKINS (1984), KUKLINSKI et STANGA (1979) e COOK (1977). 
5
 A mais interessante me parece ser, de longe, o trabalho de ROBERT e FAUGERON (1978). Esta literatura 
sobre como as pessoas representam questões criminais foi bastante popular na década de 70 do século 
 
papel da mídia e as nossas representações sobre o crime, e como a mídia coloca 
problemas para o sistema penal. Embora esta literatura seja extensa, ela não parece nos 
levar muito longe em termos de conhecimento novo.
6
 Sabemos já faz algumas décadas 
dos problemas que a mídia coloca para a justiça penal. Podemos, de forma bastante 
resumida, elencar alguns deles aqui. 
O primeiro é que a mídia faz um pré-julgamento dos acusados. O tempo da mídia não é 
o mesmo do processo penal: a justiça que leva dois, três ou quatro anos é absolutamente 
incompatível com a justiça midiática, que precisa de celeridade e instantaneidade. 
Assim, a mídia muitas vezes julga e condena (ou, mais raramente, absolve), muito antes 
do processo penal. Se o resultado desse julgamento midiático é conflitante com aquele 
da justiça penal, o público muito possivelmente vai ficar insatisfeito com o resultado do 
processo penal. 
Uma segunda constatação bastante conhecida é a da estigmatização que a mídia faz dos 
acusados. Muito antes que o advogado de defesa possa apresentar qualquer argumento a 
um magistrado, a mídia muitas vezes faz uma gigantesca exposição dos mais ínfimos 
detalhes da vida de um acusado, “demonstrando cabalmente” o seu caráter “desviante” e 
“perigoso”. Antes de qualquer apreciação jurídica dos fatos de um acontecimento 
criminal altamente midiatizado, já temos toda uma construção estereotipada do acusado 
que vai acompanhá-lo ao longo de todo o processo penal. Esse é um problema muito 
familiar aos advogados de defesa. 
Uma terceira questão que sabemos há tempos sobre mídia e justiça penal é a distorção 
da própria atividade da justiça penal e do que acontece como eventos criminais. Se o 
interesse midiático se dá pelo extraordinário, não é de se admirar que são os eventos 
criminais mais violentos, mais inusitados, mais bizarros etc. que vão aparecer nos 
noticiários.O problema que daí decorre é que a nossa percepção da violência e do crime 
é baseada sempre em representações mais graves do que o que de fato acontece. Como é 
sabido por aqueles que trabalham com questões criminais, o grosso da atividade penal, 
isto é, aquilo que os juízes criminais lidam no seu cotidiano, é composto de crimes 
como tráfico, roubo e furto. O serial-killer, o pedófilo, o maníaco estuprador e outras 
figuras do gênero existem, mas são eventos raros. Acontece que a cobertura midiática 
 
passado. Para uma crítica bastante contundente do conhecimento que essa literatura produziu, ver 
SMAUSS (1983). 
6
 A crítica que será feita na sequência não nega a importância histórica da literatura sobre mídia e justiça 
penal. Essa literatura é fundamental para quem se inicia na criminologia. Penso aqui particularmente em 
alguns conceitos que vêm desta literatura que são fundamentais para a crítica do punitivismo na 
sociedade, como o conceito de pânico moral (COHEN, 1972). 
 
de eventos envolvendo esses personagens é muito mais extensa do que a prevalência 
deles na sociedade. O que justifica a sua exploração midiática é justamente o seu lado 
extraordinário, não sua ocorrência frequente. (Um pequeno parêntese aqui: esta não é 
uma crítica à mídia. A notícia é o extraordinário. Seria ingenuidade nossa querer que a 
mídia retratasse o cotidiano da justiça penal). 
Essas constatações, bastante conhecidas e bastante recorrentes nas pesquisas em 
criminologia crítica, apresentam um problema. De tão conhecidas e de tão repetidas, 
elas são um lugar-comum criminológico. Qualquer estudioso incipiente de questões 
criminais vai muito rapidamente tomar pé destas críticas. E isso é um problema do 
ponto de vista da pesquisa que se interessa por esta relação justiça penal e opinião 
pública: essas constatações das dificuldades que a mídia apresenta para a justiça penal 
são conhecidas há décadas. Não faz muito sentido, no século XXI, fazer pesquisa para 
achar o que já sabemos. Essas dificuldades que a mídia coloca para o processo penal me 
parecem mais um problema de quem milita na área, que precisa preservar a imagem de 
um acusado, do que de um pesquisador que quer descobrir algo novo. 
No entanto, se tomarmos um pouco de distância desta literatura bastante conhecida, há 
também estudos sobre opinião pública e justiça penal, menos conhecidos das pessoas no 
mundo jurídico, que nos trazem um certo tipo de conhecimento que seria importante 
discutir aqui neste contexto. Tenho aqui em mente alguns estudos que são capazes de 
relativizar a nossa imagem da punitividade do público. O que quero dizer aqui? 
Nós pesquisadores e profissionais do direito muito frequentemente representamos a 
opinião pública em matéria criminal como altamente punitiva. Consideramos que o 
público quer sempre respostas cada vez mais violentas, que cada vez mais desumaniza o 
acusado e é indiferente ao seu sofrimento. No entanto, o que algumas pesquisas 
conseguiram demonstrar é que nem sempre o público é tão punitivo quanto a mídia ou 
os atores do sistema penal representam-no. Vejamos alguns exemplos tirados destas 
pesquisas. 
Um primeiro tipo de pesquisa que vale a pena citar aqui faz uma comparação entre 
“penas” do público e penas dos magistrados. E quando estas comparações são feitas, 
alguns resultados são surpreendentes. Há pesquisas (MANDE e ENGLISH, 1989; 
TREMBLAY, CORDEAU et OUIMET, 1994; KUHN, VILLETAZ et JAYET, 2002) que vão 
apresentar cenários de eventos criminais para uma amostra de magistrados e para uma 
amostra do público e pedir para que eles digam o que seria uma pena justa naqueles 
cenários. Por mais contraintuitivo que isso possa aparecer, há pesquisadores que 
 
encontram um público menos punitivo do que os magistrados. Isto é, quando instados a 
dar uma pena sobre um caso supostamente real, as penas que as pessoas do público 
escolhem são menos severas do que as que os magistrados determinam. Quando o 
público é colocado na posição de julgador, com informações mais precisas sobre um 
evento criminal e com a responsabilidade sobre o destino de um acusado (ainda que de 
forma simulada, num cenário de pesquisa), há uma clara moderação no discurso. 
Há também resultados de pesquisa (HOUGH e ROBERTS, 2002) que trazem outro tipo de 
descoberta em relação à punitividade do público: o conhecimento das alternativas 
diminui o apoio à prisão. O fato de abrir um leque de possibilidades, de dar ideias de 
outros tipos de soluções possíveis para os conflitos penais, é um importante elemento 
para que o público deixe de ver a prisão como única solução. Num trabalho de 
simulação de penas em face de um cenário hipotético, dois pesquisadores (HOUGH e 
ROBERTS, 2002) viram o apoio à prisão para determinados crimes cair de 67% dos 
participantes da pesquisa para 54% quando havia o conhecimento de um rol de penas 
além da prisão. 
Um terceiro tipo de descoberta de pesquisa pertinente neste tema me parece ainda mais 
interessante. A informação é um grande elemento de moderação das penas. Mas de que 
informação falamos aqui? De vários tipos. Há pesquisadores (DOBLE et al, 1991) que 
fizeram uma comparação entre as penas dadas pelos participantes da pesquisa para 
cenários simulados (casos concretos apresentados numa curta descrição) antes e depois 
da exibição de um vídeo sobre superpopulação prisional. O conhecimento da 
precariedade do sistema carcerário é um forte fator de redução da severidade das penas 
e de escolha de alternativas à prisão. Serve também como elemento de moderação, a 
informação sobre as práticas de pena que de fato ocorrem no Judiciário. Há autores 
(HOUGH et al., 1988) que constataram que o público tem uma ideia de uma magistratura 
muito mais clemente do que de fato ela é. Quando se dá conta de que as penas são no 
geral maiores do que as expectativas que temos, o grau de insatisfação com o Judiciário 
diminui. 
Finalmente, estas pesquisas sobre opinião pública e penas nos revelam um cenário 
complexo. O grau de insatisfação com o Judiciário e o grau de severidade desejado para 
as penas não é o mesmo segundo o status socioeconômico do entrevistado, segundo o 
gênero, segundo a idade, segundo a profissão, segundo a exposição à violência etc. Ou 
seja, diferentes grupos da sociedade têm diferentes graus de insatisfação com a Justiça e 
 
diferentes concepções do que seriam penas justas para situações concretas que os 
magistrados encaram diariamente.
7
 
 
3. A PESQUISA EM SI: COMO A OPINIÃO PÚBLICA E O SISTEMA DE DIREITO CRIMINAL 
INTERAGEM 
Até aqui falamos sobre as representações de senso comum sobre justiça e opinião 
pública e um pouco da literatura acadêmica que tangencia essa relação. A intenção era 
tentar evidenciar a complexidade do cenário dessa relação e a dificuldade de lidar com o 
tema. Passo agora a tratar especificamente da pesquisa que fiz sobre a relação entre 
opinião pública e sistema de direito criminal. 
O interesse desta pesquisa foi entender como o sistema de direito criminal construía 
uma noção de opinião pública e como esse sistema se deixava influenciar por esta 
construção. Há uma pequena questão teórica por trás deste problema que precisamos 
esclarecer rapidamente. Trabalho com a noção de que o sistema de direito criminal é um 
sistema complexo, operacionalmente fechado, isto é, que não pode ser determinado 
diretamente por pressões que lhe são externas.
8
 Para explicar alguma comunicação do 
sistema de direito criminal, eu não posso olhar para fora do sistema esperando encontrar 
algum fator determinante que produziu aquelacomunicação. Eu tenho que olhar para os 
processos internos que levaram àquele resultado. 
Sei que o ponto até aqui está bastante abstrato e pouco claro. Acredito que um exemplo 
de um epistemólogo norte-americano, Gregory Bateson, vai nos ajudar a entender 
melhor essa questão. BATESON (1972) vai dizer o seguinte. Se eu chuto uma pedra, essa 
pedra vai descrever uma trajetória em forma de parábola e cair alguns metros adiante. 
Eu consigo explicar esta trajetória pela força e direção aplicada na pedra pelo meu 
chute. Ou seja, o meu chute causou esse movimento. Vamos pensar agora que o meu 
chute, em vez de ser numa pedra, foi num cachorro. O que vai acontecer? Eu não posso 
saber exatamente. O cachorro pode me morder. Mas o cachorro também pode fugir, ou 
apenas chorar, ou ainda, se for um cachorro bastante forte, apenas permanecer 
indiferente à minha agressão. O que isso quer dizer? Isso significa que eu não consigo 
explicar a reação do cachorro pelo meu chute. Para uma explicação do que acontece 
 
7
 Temos que precisar no entanto que nenhuma dessas pesquisas foi feita no cenário brasileiro. Num 
contexto de importante violência urbana e grande desagregação social, talvez encontrássemos resultados 
distintos. 
8
 Essa concepção é extraída diretamente de LUHMANN (1984) e LUHMANN (2004). Ver XAVIER (2012) 
para uma operacionalização dessas noções no contexto de um pesquisa empírica. 
 
depois do chute, eu preciso entender os processos internos do cachorro, o seu processo 
“psíquico” em face da minha agressão. O cachorro não é uma pedra, ele é um sistema 
complexo que acusa o recebimento de um estímulo externo e produz um resultado a 
partir de seus próprios processos, não do estímulo externo. 
Pois bem, o sistema de direito criminal é o meu cachorro aqui. Do ponto de vista 
teórico, não podemos considerar que um estímulo externo da opinião pública – uma 
histeria coletiva na sequência de um crime bárbaro, por exemplo – tem uma relação 
direta com o resultado de um processo criminal. Uma coisa não determina a outra. 
Pensar dessa forma é simplificar o problema do ponto de vista teórico, além de 
menosprezar a independência funcional de juízes e promotores. 
No entanto, eu posso olhar para os processos internos do sistema de direito criminal 
para tentar entender o impacto desse estímulo externo da opinião pública. E foi esse o 
desafio que tivemos na pesquisa que apresento para os senhores aqui hoje. Trata-se de 
uma pesquisa que tenta entender, a partir da complexidade das operações do sistema de 
direito criminal, como esse sistema processa estímulos da opinião pública. 
Como isso pode ser feito numa pesquisa empírica? Podemos olhar tanto os documentos 
produzidos por esse sistema (peças jurídicas, processos, jurisprudência) quanto 
conversar com os atores desse sistema. No caso desta pesquisa, a estratégia utilizada foi 
a das entrevistas (até porque os documentos escritos revelam muito pouco sobre o tema 
pesquisado). Assumi aqui que juízes e promotores eram porta-vozes do sistema jurídico 
e o seu discurso era muito mais do que representativo de práticas individuais, mas sim 
sintomático de práticas de um sistema social.
9
 Além disso, o tipo de problema que 
procurava – o impacto da opinião pública na justiça penal – era um tanto improvável de 
aparecer de forma articulada na jurisprudência. Então, realizei 42 entrevistas com juízes 
e promotores, de diferentes regiões do Brasil, para tentar entender melhor a relação do 
sistema de direito criminal com a opinião pública.
10
 
O objetivo das entrevistas realizadas era descobrir os “caminhos” da opinião pública 
pelo sistema de direito criminal, ou seja, quais eram os pontos de recepção, as estruturas 
jurídicas que eram criadas para dar conta de uma pressão da opinião pública. Sempre 
lembrando que, de um ponto de vista teórico, um sistema complexo (como o sistema de 
direito criminal) não é determinável pelo exterior: os estímulos externos são percebidos 
 
9
 Neste sentido, ver PIRES e GARCIA (2007). 
10
 Deixo de lado as questões metodológicas mais complexas, que foram trabalhadas num capítulo inteiro 
em XAVIER (2012). 
 
no entorno, mas sua influência é sempre mediada por estruturas internas de recepção 
que determinam se e como tais estímulos devem ser considerados. 
O que queremos dizer aqui com “estruturas de recepção”? A ideia é simples: a pressão 
da opinião pública não é um critério jurídico para, por exemplo, determinar uma 
condenação ou um aumento de pena. Não é juridicamente sustentável dizer que fulano 
vai ser condenado porque o crime chocou a opinião pública. O indivíduo é condenado 
porque cometeu um ilícito penal previsto na legislação. Também não é aceitável dizer 
que a pena vai ser aumentada porque a opinião pública se revoltou com o crime. A 
revolta da opinião pública não é um fator agravante nem causa de aumento de pena: em 
outras palavras, a opinião pública não é, por assim dizer, uma categoria jurídica como é 
o “emprego de meio cruel” ou “impossibilitar a defesa da vítima”. 
Desta forma, o que procurávamos era a forma como a pressão da opinião pública 
poderia ser traduzida em termos jurídicos. As “estruturas de recepção” são argumentos 
jurídicos, são construções do mundo jurídico que permitem dar conta de um estímulo 
externo ao sistema (opinião pública) sem que isso soe forçado, sem que cause 
estranheza para os demais operadores desse sistema jurídico. Sem, portanto, que numa 
reavaliação da decisão num outro grau de jurisdição, esta decisão seja vista como 
“inapropriada” ou “mal fundamentada” e, assim, reformada ou anulada. 
Partindo para o plano empírico, quais foram os argumentos mobilizados que fomos 
capazes de sistematizar a partir das entrevistas com magistrados e promotores? 
Apresento agora alguns desses resultados, mas não sem antes uma pequena precisão 
teórica. Tais estruturas são pontos de recepção possíveis, mas nunca obrigatórios. Ou 
seja, ao mesmo tempo que certos operadores verão aqui uma possibilidade de receber a 
opinião pública, de ver uma forma de dar satisfação para a pressão que vem do público 
num caso determinado, para outros uma tal forma de proceder é inaceitável. 
Vejamos então quais são essas estruturas de recepção que permitiram “filtrar” a opinião 
pública numa tomada de decisão, de levá-la em consideração sem que isso soasse 
esdrúxulo no sistema de direito criminal.
11
 
a) “Ordem pública”: como é bastante conhecido pelos operadores do Direito, uma das 
razões para se determinar uma prisão preventiva é a garantia da ordem pública (art. 312 
do CPP). Não é de todo surpreendente encontrar no meio jurídico alguém que defenda a 
ideia de que um crime de grande repercussão social (leia-se midiática) pede a prisão 
 
11
 Para os extratos empíricos que demonstram como essas estruturas são utilizadas, ver mais uma vez 
XAVIER (2012). 
 
preventiva dos envolvidos a fim de se garantir a ordem pública. Por mais estranho que 
possa parecer (e por mais que o STF já tenha se manifestado contra uma tal 
interpretação), essa forma de olhar a garantia da ordem pública como uma das formas 
de dar uma resposta à opinião pública está presente no sistema de direito criminal 
(doravante SDC) e é mobilizada por vários de seus operadores. O olhar de sociólogo do 
direito nos aconselha a tomar distância de um julgamento do acerto ou não de uma tal 
interpretação: o que conta aqui no quadro desta pesquisa, é que tal interpretação existe e 
lança-se mão dela para determinar prisões preventivas em casos onde há uma pressão da 
opinião pública.b) “Culpabilidade”: aqui encontramos uma outra estrutura de recepção da opinião 
pública. Para ser franco, até começar esta pesquisa, eu não tinha nenhuma lembrança do 
que a doutrina entendia como “culpabilidade”. Em outros países, sobretudo na tradução 
do Common Law, culpability não tem nada a ver com o que entendemos por esse termo. 
Num determinado momento da pesquisa, fazendo uma apresentação na Escola de 
Direito da FGV, um dos participantes me sugeriu investigar o que a doutrina entendia 
por “culpabilidade”. Fui atrás desse conceito, para então descobrir que há um 
entendimento doutrinário de que “culpabilidade” seja a “reprovabilidade social da 
conduta”. Mais uma vez, há aqui uma expressão aberta, cujo conteúdo é determinado 
pelos operadores do sistema de direito criminal. Ao interrogar esses operadores, foi 
possível constatar que a reprovabilidade social da conduta é, por alguns deles, passível 
de ser verificada pelo grau de midiatização do crime. Um evento criminal que é muito 
difundido na mídia e que acaba sendo muito comentado vai, para alguns de nossos 
entrevistados, ser um evento em que a culpabilidade do réu é aumentada e por isso 
merecedora de penas mais duras. 
 
c) “Consequências do crime”: o mesmo art. 59 do CP que fala de culpabilidade, fala 
também que um dos fatores que o juiz deve levar em consideração, para estabelecer 
uma pena criminal, são as “circunstâncias e consequências do crime”. Da mesma forma 
que acontece com a culpabilidade, há aqui também uma construção feita pelos 
operadores do sistema de direito criminal que associa essas consequências do crime à 
repercussão que o crime teve na opinião pública. É claro, aqui também, que essa não é a 
única forma de construir o conceito de “consequências do crime”: para alguns dos 
entrevistados associar esse conceito à repercussão que o crime teve na mídia é uma 
 
aberração. Isso não muda o nosso cenário: uma estrutura de recepção é uma construção 
que permite o acolhimento da opinião pública, mas que jamais obriga. A discordância 
aqui é sempre parte integrante do cenário jurídico. 
 
d) A opinião pública e as teorias da pena: para alguns de nossos entrevistados, a melhor 
forma de dar conta desse estímulo externo da opinião pública é mobilizar, ainda que de 
forma não consciente, uma teoria da pena. Esse parece ser o caso quando, em resposta a 
um clamor, se invoca um efeito pedagógico da pena ou efeito de denúncia. Aqui se 
mobiliza uma teoria da pena pouco conhecida, mas que no entanto é bem digerida pelo 
sistema de direito criminal (teoria da denunciação).
12
 Fala-se que, num crime de grandes 
repercussões, a pena tem que ser ainda mais exemplar, pois ela é portadora de um efeito 
pedagógico, ou um efeito de afirmação da reprovação social do crime. Quanto mais a 
opinião pública se manifesta, mais necessária é uma resposta forte que demonstre 
cabalmente a repulsa social para com aquela conduta. 
 
e) “Credibilidade” ou “legitimidade” da Justiça: uma outra fórmula reproduzida com 
frequência na sequência de um crime de repercussão, é a ideia de que uma resposta que 
não seja a contento do público coloca em xeque seja a credibilidade, seja a legitimidade 
da justiça penal. Alguns operadores vão justificar penas mais severas e processos mais 
céleres em casos famosos a partir de um raciocínio segundo o qual a falta de uma 
sanção exemplar e célere causa um prejuízo de sua imagem junto ao público. A 
credibilidade ou a legitimidade estaria ligada à capacidade do SDC de performar 
segundo as expectativas da opinião pública. Esse argumento, por mais incômodo que 
pareça para muitos operadores do direito pelo fato de colocar a 
legitimidade/credibilidade do sistema num elemento externo e instável, é inegavelmente 
parte de uma argumentação que circula nas justificativas dos operadores do sistema. 
 
4. QUAL O LUGAR DA OPINIÃO PÚBLICA NESSA RELAÇÃO COM O SISTEMA DE DIREITO 
CRIMINAL? 
Para além dos resultados de uma pesquisa específica, o que podemos dizer sobre essa 
relação entre opinião pública e sistema de direito criminal? Em primeiro lugar, 
 
12
 Sobre essa teoria, ver o trabalho de LACHAMBRE (2011). 
 
precisamos ter consciência que qualquer análise numa relação tão difícil quanto essa nos 
leva a assumir pontos de vista que são ao mesmo tempo defensáveis e criticáveis. 
De um lado, há na sociedade um ponto de vista que considera o SDC como hermético, 
como desconectado da sociedade, como fechado sobre si mesmo, até mesmo, por essa 
razão, como “antidemocrático”. Com frequência é muito difícil para observadores 
externos ao sistema jurídico compreenderem ações de juízes e promotores. Como 
aceitar, por exemplo, o fato que os juízes possam permanecer indiferentes a certas 
demandas populares de “justiça”? Em face de alguns crimes graves altamente 
midiatizados que chocam a população, os juízes parecem ser os únicos que se opõem a 
essa vontade de punir da opinião pública. Como compreender essa desconexão, essa 
falta de sintonia, como se os juízes não fossem parte da sociedade e não devessem 
explicações a ela? Segundo tal ponto de vista, o que a justiça criminal produz é muitas 
vezes uma caixa preta, incompreensível para o cidadão comum. 
Por outro lado, há também uma outra representação na sociedade sobre o papel do SDC. 
Sob essa outra representação, a tarefa de fazer justiça passa pelo equilíbrio e pela 
serenidade, qualidades raras nas manifestações da opinião pública. O papel do SDC 
seria de levar em consideração as circunstâncias do evento criminal, de tratar esses 
elementos de acordo com um processo regido pelas normas jurídicas (com paridade de 
armas para acusação e defesa, com garantia dos direitos dos acusados), e só depois 
emitir um juízo. Essa démarche seria, portanto, intencionalmente incompatível com o 
elã punitivo da opinião pública. Se naquela representação a pressa é necessária, aqui o 
recuo e a ponderação são os elementos da justiça. Sob este ângulo, seria (aqui também) 
“antidemocrático” de deixar ao sabor de uma opinião pública o destino de um acusado 
de um crime que choca a população. No final das contas, a própria existência do Estado 
e de suas instituições se justificaria pela estabilidade e pela ponderação e distanciamento 
com que toma decisões em eventos criminais que são problemáticos para a sociedade. 
Existe uma representação e um caminho possível, entre essas duas representações do 
funcionamento da justiça? Seria possível conciliar os inputs da opinião pública, 
melhorando a credibilidade do SDC junto a ela, sem que esse sistema se torne 
permeável à opinião pública e potencialmente injusto para com os acusados? Seria 
possível aceitar esse estímulo externo sem que o sistema sabote suas próprias normas de 
procedimento ou os direitos dos acusados? 
 
Não tenho uma resposta aqui. Aliás, não creio que alguém as tenha. Mas posso deixar 
aqui alguns comentários que creio podem contribuir para aqueles que refletem sobre 
essa difícil relação. 
a) A minha opinião é que o sistema de direito criminal não tem como fugir de uma 
imagem de ser “hermético” e até “antidemocrático” junto à opinião pública. Isso é 
inevitável em casos penais bastante midiatizados nos quais os apelos por julgamentos 
sumários se chocam com a própria existência de um sistema que deve responder ao 
evento criminal a partir de regras preestabelecidas que precisam garantir os direitos dos 
acusados. Em tais casos, ceder aos apelos da opinião pública, significa para a justiça 
penal abdicar de sua própria identidade como sistema diferenciado encarregado de fazer 
justiça. Seria a morte do sistema jurídico tal qual o conhecemos. Assim, sendo obrigadoa manter uma distância das emoções das respostas imediatistas, o sistema de direito 
criminal nunca vai deixar de ser “antidemocrático” para uma grande parcela do público 
que exige respostas expressas. 
 
b) Um certo distanciamento das demandas da opinião pública não deve ser visto como 
um problema: isso é um fato comum nas sociedades contemporâneas altamente 
complexas, onde existem sistemas sociais específicos e diferenciados para responder a 
certas necessidades da sociedade. Certas decisões dos poderes do Estado são e devem 
ser contramajoritárias. Por exemplo, seria razoável deixar ao sabor da opinião pública as 
decisões relativas à distribuição e à coleta de impostos na sociedade? Seria razoável 
pedir a opinião do público sobre a aceitação de rezas ou oferendas num sistema público 
de saúde? Algumas decisões na sociedade, que tem um evidente impacto para o público, 
são e devem continuar a ser o produto de sistemas especializados que têm um alto grau 
de especialização técnica.
13
 Agir de outra forma me parece uma demagogia populista 
pouco construtiva. 
 
 
13
 Nesse sentido, estamos de acordo com o que dizem BAGARIC et EDNEY (2004:129): “Seeking public 
views on sentencing is analogous to doctors basing treatment decisions on what the community thinks is 
appropriate or engineers building cars, not in accordance with the rules of physics, but on the basis of 
what lay members of the community 'reckon' seems about right. Sentencing is an intellectual social 
discipline. It should have underlying principles which govern the way it ought to be administered. These 
are ascertained through a process of inductive and deductive logic and analyzing the relevant empirical 
evidence to determine what objectives are and are not achievable through a system of state imposed 
punishment. Guidance on sentencing matters should be sought from experts in the field not the 
uninformed”. 
 
c) Esse distanciamento inevitável que o sistema de direito criminal deve tomar da 
opinião pública não implica uma completa indiferença a ela. O sistema jurídico é 
conhecido por ser pouco transparente e dar muito pouca atenção a seu público (de 
vítimas, de réus e de interessados em geral). Uma maior participação desses públicos 
certamente contribui para uma melhor imagem do sistema. Várias críticas da opinião 
pública dirigidas ao sistema de direito criminal não constituem exatamente pressões 
para uma decisão num sentido ou noutro. Para vários observadores do sistema, sua 
credibilidade junto à opinião pública seria bastante favorecida se houvesse um esforço 
maior de prestar contas de suas atividades. Certamente não é uma tarefa das mais 
simples explicar para o grande público princípios jurídicos ou aspectos técnicos que 
orientam uma decisão. No entanto, informações simples, como comunicar às vítimas 
sobre o andamento do processo, motivar de forma mais elaborada as decisões ou 
simplesmente explicar para o público do processo que os atos judiciais precisam de um 
certo tempo, podem fazer uma grande diferença em termos de credibilidade. Como um 
dos juízes que entrevistamos nesta pesquisa nos disse, a justiça penal não tem obrigação 
de dar a resposta que a opinião pública pede, mas ele tem certamente a obrigação de dar 
uma resposta, assim como de mostrar que o sistema trabalha e se encarrega de eventos 
criminais que causam consternação para toda a sociedade. 
 
d) Para concluir, devemos considerar também que o sistema de direito criminal se 
encontra numa péssima posição em termos de relações públicas: trata-se de um sistema 
que nunca poderá entregar aquilo que promete. De um lado, a promessa de promover 
uma sociedade mais segura, de combater o crime, de dissuadir eventuais transgressores 
e neutralizar aqueles que já transgrediram, de reabilitar e reintegrar à sociedade aqueles 
que são condenados e, ainda, de fazer justiça. De outro lado, a expectativa da sociedade 
que esse sistema faça tudo isso e ainda mais. Em resumo, temos aí um cenário de 
promessas irrealistas para um público com expectativas desmesuradas. A relação do 
sistema de direito criminal com a opinião pública é, sob esse ângulo, uma perpétua 
máquina de produzir frustrações. 
 
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