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1 A Globalização e o Iluminismo Mitológico Joelton Nascimento O pintor espanhol Goya, em um de seus quadros, alertava que "o sono da razão gera monstros". Para a Escola de Frankfurt o contrário é igualmente verdadeiro: a razão vigilante e desperta também pode produzi-los. Este é um dos pontos basilares da Teoria Crítica: a revisão ampla dos símbolos mais preciosos da moderna sociedade industrializada; a ciência e a tecnologia. Contudo, toda a literatura sobre a globalização repousa sobre ambos os cânones. Para os intelectuais, a globalização é a expansão tecnológica do capitalismo ocidental sobre o mundo. Logo, permanece latejante a questão posta pela Teoria Crítica. Urge que nos esforcemos em saber das intenções que regem este processo de mundialização. Em outras palavras, deve continuar permanente a questão: em que direção ela caminha? No encalço desta pergunta, nós do GESF, ouvimos os pensadores frankfurtianos. Não preciso ir muito longe em nossas memórias para descobrir que as ciências e as técnicas como valores fundamentais da sociedade são ideais tipicamente iluministas. Daí não ser nem um pouco absurdo que postulemos que a efetivação do processo de globalização é a efetivação de um antigo ideal iluminista. Ora, se segundo o principal lema do iluminismo o mundo todo precisa ser iluminado pelas luzes da razão, então todo o mundo precisa se conhecido, esquadrinhado e, principalmente, dominado. É, portanto, na raiz da constituição das avançadas sociedades industriais que a Escola de Frankfurt situará sua profunda crítica. As primeiras manifestações desta crítica, já no final da década de 30, tentavam compreender como poderia, naquela altura do seu desenvolvimento, ter a sociedade alemã se envolvido com o monstruoso processo do Totalitarismo. A resposta não foi política, como a de Trotsky, "para quem o crescimento das forças de extrema-direita na Alemanha e o ulterior advento da Segunda Guerra Mundial deveram-se à incapacidade das lideranças políticas de esquerda em firmar uma aliança entre social-democratas e comunistas". Nem foi a dos economistas, que afirmavam que a inflação crescente e a ausência de um mercado para exportação eram a origem do expansionismo alemão. Também não era a versão dos historiadores que atribuíam o militarismo à "humilhação sofrida com a derrota alemã na Primeira Guerra; e o não-pagamento das dívidas de guerra seria uma revanche pela perda da Alsácia e Lorena para a França e pela proibição de a Alemanha manter um exército." Diz Olgária Matos, importantíssima intérprete brasileira da Teoria Crítica: A Escola de Frankfurt reconheceu o valor dessas abordagens, mas não as considerou suficientes para a compreensão do fim do sonho revolucionário e a vitória final do Totalitarismo, seja ele o nazismo, o 2 stalinismo ou a "sociedade unidimensional" tecnocrática. (...) Os frankfurtianos desenvolveram uma explicação sobre o fenômeno do totalitarismo que é de ordem metafísica: é na constituição do conceito de Razão, é no exercício de uma determinada figura, ou modo de racionalidade, que esses filósofos alojam a origem do irracional. Daí porque Horkheimer escreve na década de 70 um ensaio intitulado de Eclipse da Razão, onde tenta demonstrar que o nazismo foi uma "revolta da natureza reprimida" que, de diversas formas se reproduz na sociedade industrial avançada como um todo. Notamos, portanto, que o conceito de Iluminismo para os frankfurtianos não era apenas o de um período na história das ideias, era também "uma atitude, uma tendência epistemológica, ética e política anterior e posterior ao século XVIII." Novamente socorre-mo-nos do trabalho de Olgária Matos: O conceito é trans-histórico e funda-se no exame da origem das formas de dominação. Todavia, um terceiro sentido de Iluminismo também está presente na obra dos frankfurtianos. Com efeito, porque são irracionalistas, os frankfurtianos consideram possível outro "iluminismo", um esclarecimento que não vise à dominação, mas à verdadeira emancipação. Um dos textos principais aos quais se faz referência ao se estudar este aspecto da Teoria Crítica é a Dialética do Iluminismo no qual Adorno e Horkheimer traçam uma peculiar história da ilustração, que, para eles, começava em seu oposto, nos Mitos da antiguidade. Segundo os pensadores: "O mito queria relatar, denominar, dizer a origem, mas também expor, fixar, explicar. Com o registro e a coleção dos mitos, essa tendência reforçou-se". Mais do que isso, dizem, existiu uma razão-de-ser nos mitos, eles já exerciam um papel controlador e dominador. "A renúncia e o sacrifício às divindades ligava-se, até certo ponto, ao controle sobre a natureza." A constituição mitológica e sua disposição em animar a natureza a fim de colocá-la ao seu dispor, se converterá posteriormente em iluminismo, que apesar de se autoproclamar a antítese do mito por ser racional, calculador, tem como plano de fundo e intenção motriz, as mesmas necessidades de controle e dominação da natureza encontrada nos mitos. Matos explica a passagem do mito ao Iluminismo, desta forma: A mutação ocorre quando a natureza se torna identidade abstrata, classificável e cambiável, correlato de outra identidade, ao mesmo tempo frágil e soberana, a do eu "que não pode se perder na identificação com o outro, mas toma posse de si definitivamente como máscara impenetrável" . Passa-se de um mundo feito de afinidade entre entes à univocidade da relação entre "sujeito doador de sentido e 3 objeto sem sentido". Esta passagem operada pela razão, porém, já está anunciada como possibilidade no mito. Com efeito, tanto a Mitologia quanto o Iluminismo encontram suas raízes nas mesmas necessidades básicas: sobrevivência, autoconservação e medo (angst). O impulso à autoconservação nasce do medo mítico de perder o próprio eu. Este medo é o medo da morte e da destruição, que se manifesta em toda situação que determina a diminuição ou a opressão do eu, gerando um recolhimento egocêntrico do sujeito sobre si mesmo até a cegueira: o eu se torna tão importante para si mesmo, que tudo que é outro com relação a si não tem nenhum valor senão o valor negativo, sendo visto como hostil, perigoso e devendo ser dominado. É fácil perceber que em Dialética do Iluminismo Adorno e Horkheimer procedem a uma "demolição" do que comumente chamamos de desenvolvimento e progresso. Nos moldes em que está sendo proposto, para ambos, "O Iluminismo é a angústia mítica radicalizada", ou seja, aquilo que nos discursos políticos e científicos são tidos como "neutros" como onipresentes e necessários, as técnicas e as ciências, elas mesmas, são os símbolos maiores do triunfante Iluminismo mitológico. Finalmente, diz Olgária Matos: A lógica do domínio, que se origina na angústia mítica, corrompe na raiz o conhecimento. Este não toma o outro pelo que é, mas só o considera em função de uma intenção manipuladora. O Iluminismo, nascido do impulso egocêntrico, manifesta-se como lógica de domínio. Embora pareçam demasiadamente abstratas estas considerações, basta que as relacionemos com o novo expansionismo econômico-militar dos EUA, símbolo do avanço tecno-capitalista, em terras do islã, como um exemplo. Umberto Eco, em recente artigo afirmou que "Falta ao governo Bush conhecimento antropológico sobre a cultura islâmica para ajudá-lo a resolver a crise iraquiana". Se sabemos bem que Antropologia é um discurso sobre as outras culturas, de posse da experiência da crítica de origem frankfurtiana, podemos radicalizar a afirmação de Umberto Eco de que não é só o conhecimento Antropológicoque falta à representatividade política norte-americana, é o próprio contato com o outro, com o diferente de si, e que constitui o discurso antropológico é que falta. Daí as recaídas ocasionais na barbárie irracional da guerra que se intitula, a despeito do imenso paradoxo que enseja, de "tecnologicamente avançada". É certo que o estudo do conteúdo da Escola de Frankfurt jamais anunciará para onde deve ir à globalização, numa suposta resposta à nossa questão inicial. Também é certo, porém, que como pessimismo crítico que é ela dirá para onde esta não deve ir, pois a experiência do nazismo trouxe a catástrofe até à superfície de um mundo ocidental que, se não retornar à razão crítica que o originou, tende a presenciar o retorno catastrófico da horrível experiência do Totalitarismo. http://www.odialetico.hpg.com.br
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