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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI – UFSJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL JOÃO PAULO ROMANELLI PROPOSTA DE UM MÉTODO DE AVALIAÇÃO SOCIOAMBIENTAL VISANDO A IDENTIFICAÇÃO E O MAPEAMENTO DE REGIÕES SENSÍVEIS À INSTALAÇÃO DE NOVAS PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS EM MINAS GERAIS OURO BRANCO-MG 2016 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI – UFSJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL JOÃO PAULO ROMANELLI PROPOSTA DE UM MÉTODO DE AVALIAÇÃO SOCIOAMBIENTAL VISANDO A IDENTIFICAÇÃO E O MAPEAMENTO DE REGIÕES SENSÍVEIS À INSTALAÇÃO DE NOVAS PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS EM MINAS GERAIS Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal de São João Del-Rei como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre em Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável. Orientador: Professor Dr. Rogério Antônio Picoli Coorientador: Professor Dr. Luiz Gustavo M. da Silva OURO BRANCO-MG 2016 AGRADECIMENTOS À Deus e meus guias espirituais que têm me sustentado com seu amor e misericórdia ao longo de toda a vida. Aos meus pais, meus irmãos e a minha namorada, que formam a minha base emocional; sem a força de vocês eu não teria conseguido. Aos amigos queridos Cássia, Mayara e Débora que foram grandes companhias durante o mestrado e agora para a vida. Aos amigos e familiares que me apoiaram com orações e palavras amigas. Ao meu orientador Prof. Rogério Antônio Picoli pela oportunidade e confiança. Ao meu coorientador Prof. Luiz Gustavo M. da Silva pela amizade, dedicação e companheirismo. Aos professores do PPGTDS pelo conhecimento compartilhado. À UFSJ-CAP pela oportunidade de cursar o mestrado. À CAPES pelo apoio financeiro. Muito Obrigado! “Everybody is a genius. But if you judge a fish by its ability to climb a tree, it will live its whole life believing that it is stupid.” Albert Einstein RESUMO As discussões sobre as mudanças climáticas globais têm incentivado o desenvolvimento de políticas voltadas ao incentivo da participação das fontes renováveis de energia para o atendimento da demanda por esse recurso. No caso do Brasil, a exploração do potencial hidrelétrico representa uma opção estratégica para o país, principalmente por ter caráter renovável. Nesse sentido, as pequenas centrais hidrelétricas (PCH’s) têm um papel importantenos planos de expansão do parque de geração de energia elétrica nos próximos anos. Dessa forma, propõe-se uma ferramenta de auxílio ao processo de planejamento da instalação de novas PCH’s nas bacias hidrográficas do estado de Minas Gerais; partindo de considerações sistêmicas e das recomendações das abordagens da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) e da Avaliação Ambiental Integrada (AAI). Por meio da manipulação dos dados do Zoneamento Ecológico e Econômico de Minas Gerais (ZEE-MG) e da utilização da técnica de suporte à decisão AHP (Analytic Hierarchy Process), foram elaborados cenários de restrições socioambientais em ambiente de sistemas de informações geográficas (SIG’s), buscando apontar as áreas mais sensíveis à instalação desses empreendimentos. Para a validação da metodologia, foram analisadas duas Unidades de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos: a UPGRH PN3 - Afluentes Mineiros do Baixo Paranaíba e a UPGRH PS2 – Afluentes Mineiros dos Rios Pomba e Muriaé. O resultado da ponderação dos pesos das variáveis mostrou-se satisfatório segundo o método AHP, obtendo-se o valor de Razão de Consistência 0,0689. O resultado da análise dos cenários de restrições socioambientais apresentou valores condizentes com a realidade das duas regiões analisadas, concluindo-se que a metodologia é efetiva para a avaliação socioambiental de PCH’s. Palavras-chave: pequenas centrais hidrelétricas; avaliação socioambiental; análise hierárquica de processos; zoneamento ecológico e econômico de Minas Gerais ABSTRACT Discussions on global climate change have encouraged the development of policies to stimulate the participation of renewable energy sources to meet the demand for this resource. In Brazil, the exploitation of hydropower potential is a strategic option for the country, mainly for having renewable character. In this sense, small hydropower plants (SHP) have an important role in the expansion plans of the electricity generation park in the coming years. Thus, we propose a tool to aid the process of planning the installation of new SHPs in river basins of Minas Gerais; starting from systemic considerations and recommendations of the approaches of the Strategic Environmental Assessment (SEA) and Integrated Environmental Assessment (IEA). Through manipulation of the data of the Ecological and Economic Zoning of Minas Gerais (ZEE-MG) and the use of support technical decision AHP (Analytic Hierarchy Process) have been drawn up environmental restrictions scenarios in geographic information systems (GIS's ), seeking to identify the areas most sensitive to the installation of this kind of enterprises. To validate the methodology, we analyzed two Units of Planning and Management of Water Resources: the UPGRH PN3 - Afluentes mineiros do Baixo Paranaíba and UPGRH PS2 - Afluentes mineiros dos rios Pomba e Muriaé. The result of the weight of the weights of the variables was satisfactory according to the AHP method, getting the consistency ratio value 0.0689. The result of the analysis of environmental constraints scenarios presented consistent values with the realities of the two regions analyzed, concluding that the methodology is effective for the environmental assessment of PCH. Keywords: Small hydroelectric plants; environmental assessment; hierarchical process analysis; ecological and economic zoning of Minas Gerais LISTA DE FIGURAS Figura 1. Potencial hidroenergético por região, (p. 7) Figura 2. Diagrama simplificado dos procedimentos necessários para implantação de uma PCH, (p.16). Figura 3. Fluxograma das etapas de implantação de uma PCH, (p. 18). Figura 4. Fluxograma de elaboração do cenário de restrições socioambientais (p. 51). Figura 5. Região Hidrográfica do Paraná, (p. 83). Figura 6. Região Hidrográfica Atlântico Sudeste, (p. 84). LISTA DE TABELAS Tabela 1. Variáveis selecionadas para compor o cenário de restrições socioambientais separadas em grupos temáticos, (p. 6). Tabela 2. Indicadores ambientais e indicadores socioeconômicos considerados na elaboração do índice ISUH (NT DEA 21/10), (p. 33). Tabela 3. Indicadores de impactos ambientais, indicadores de impactos socioeconômicos e indicadores de benefícios socioeconômicos considerados na NT DEA 17/12, (p. 33). Tabela 4. Síntese da análise socioambiental integrada dos projetos de UHE e PCH para a região sudeste, (p. 34). Tabela 5. Conversão de classes da componente fauna para o sistema utilizado no ZEE-MG, (p. 37). Tabela 6. Conversão de classes da componente flora para o sistema utilizado no ZEE-MG, (p. 39). Tabela 7. Estimativa do risco potencial de erosão com base na associação das variáveis erodibilidade e declividade, (p. 42).Tabela 8. Escala Fundamental de Saaty para julgamentos comparatives, (p. 45). Tabela 9. Matriz de comparação pareada e pesos calculados, (p.46). Tabela 10. Índices de Consistência Randômicos (IR), (p. 48). Tabela 11. Definição dos pesos de cada variável com base no método AHP, (p. 49). Tabela 12. Definição de notas dos componentes de legenda das variáveis com base nos atributos estabelecidos pelo ZEE-MG, (p. 50). Tabela 13. Resultado da análise espacial do cenário de restrições para a UPGRH – PN3, (p. 54). Tabela 14. Resultado da análise espacial do cenário de restrições para a UPGRH – PS2, (p. 55). Tabela 15. Percentual de ocorrência das classes restrições de cada variável para a UPGRH PN3, (p. 56). Tabela 16. Percentual de ocorrência das classes restrições de cada variável para a UPGRH PS2, (p. 57). SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1 1.1 Objetivos ............................................................................................................................... 3 1.1.1 Objetivo geral .................................................................................................................... 3 1.1.2 Objetivos específicos ......................................................................................................... 3 1.2 Procedimentos e Métodos ..................................................................................................... 4 2 REFERENCIAIS TEÓRICOS ............................................................................................. 6 2.1 RECURSOS HÍDRICOS ................................................................................................... 6 2.1.1 Potencial hidrelétrico brasileiro ......................................................................................... 6 2.1.2 Viabilidade ambiental da instalação de novas PCH’s ....................................................... 8 2.2 BASE NORMATIVA PARA A IMPLANTAÇÃO DE PCH’S .................................... 11 2.2.1 O setor elétrico nacional: o caso das PCH’s .................................................................... 11 2.2.2 Procedimentos de autorização e outorga para implantação de pequenas centrais hidrelétricas .............................................................................................................................. 14 2.2.3Procedimentos de implantação de pequenas centrais hidrelétricas no Brasil ................... 17 2.2.4 Impactos ambientais de pequenas centrais hidrelétricas: considerações sobre suas diferentes tipologias .................................................................................................................. 20 2.2.5 Licenciamento ambiental de pequenas centrais hidrelétricas .......................................... 24 2.3 ABORDAGENS DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL ...................................................... 26 2.3.1 Avaliação Ambiental Estratégica .................................................................................... 26 2.3.2 Avaliação Ambiental Integrada ....................................................................................... 28 2.3.3 Esforços governamentais para o aprimoramento da gestão ambiental ............................ 31 3 SELEÇÃO, JUSTIFICATIVA E INTERPRETAÇÃO DAS VARIÁVEIS ................... 35 3.1 Meio Biótico ....................................................................................................................... 35 3.1.1 Prioridade de conservação da fauna ................................................................................ 35 3.1.2 Prioridade de conservação da flora .................................................................................. 37 3.1.3 Prioridade de conservação da ictiofauna ......................................................................... 39 3.2 Meio Físico ......................................................................................................................... 41 3.2.1 Erodibilidade e Inclinação do terreno .............................................................................. 41 3.3 Componentes-Síntese ......................................................................................................... 42 3.3.1 Unidades de Conservação ................................................................................................ 42 3.3.2 Tribos Indígenas .............................................................................................................. 43 4 ESPACIALIZAÇÃO E ELABORAÇÃO DOS MAPAS TEMÁTICOS ........................ 44 4.1 Método da Análise Hierárquica de Processos (AHP) ......................................................... 44 4.2 Elaboração e composição dos cenários de restrições ......................................................... 48 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ...................................................................................... 52 5.1 Análise do cenário de restrições socioambientais para PCH’s ........................................... 52 5.1.1 UPGRH PN3 - Afluentes Mineiros do Baixo Paranaíba (Bacia hidrográfica do Rio Paranaíba) ................................................................................................................................. 52 5.1.2 UPGRH PS2 - Afluentes mineiros dos rios Pomba e Muriaé (Bacia do rio Paraíba do Sul) ........................................................................................................................................... 54 5.2 Discussões .......................................................................................................................... 55 6 CONCLUSÕES .................................................................................................................... 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 61 ANEXO I ................................................................................................................................. 73 ANEXO II ................................................................................................................................ 74 ANEXO III .............................................................................................................................. 75 ANEXO IV .............................................................................................................................. 76 ANEXO V ................................................................................................................................ 77 ANEXO VI .............................................................................................................................. 78 ANEXO VII ............................................................................................................................. 79 ANEXO VIII ........................................................................................................................... 80 ANEXO IX .............................................................................................................................. 81 ANEXO X ................................................................................................................................ 82 ANEXO XI .............................................................................................................................. 83 ANEXO XII ............................................................................................................................. 84 1 1 INTRODUÇÃO Asdiscussões sobre as mudanças climáticas globais têm incentivado o desenvolvimento de políticas voltadas ao estímulo da maior participação das fontes renováveis de energia na composição da matriz energética dos países (THE WORLD BANK, 2010). Desde a entrada em vigor do Protocolo de Quioto, em 16 de fevereiro de 2005,os projetos de MDL1 - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, cresceram significativamente, e em 2012, com o fim da vigência do Protocolo, registrou-se um grande número de projetos dessa natureza pelo mundo(USA, 2014). Segundo dados do The World Bank (2010) a América Latina contribui com o maior porcentual de geração de energia renovável mundial, considerando as diferentes fontes de geração dessa categoria. No Brasil, de acordo com o Balanço Energético Nacional (BEN, 2015), a participação das fontes renováveis na composição da matriz energética nacional representou em 2014, 39,4% do total de energia gerada, ao passo que a média mundial em 2012 era de 13, 2%. Dessa forma, o país se mantém com as mais elevadas médias mundiais de geração de energia renovável. Considerando a matriz elétrica brasileira, a participação das fontes renováveis é ainda maior. Esse fato decorre, dentre outros fatores, a participação expressiva do potencial hidrelétrico já instalado. Ademais, segundo Tolmasquin (2012), aproximadamente 10% de todo o potencial hidráulico técnico mundial encontra-se no Brasil, portanto, o aproveitamento desse recurso é estratégico para o país. No ano de 2014 a geração hidráulica representou 65,2% de todo o potencial elétrico gerado (BEN, 2015). O parque hidrelétrico brasileiro, ao longo do século XX,desenvolveu-se priorizando a construção de grandes usinas hidrelétricas, controladas principalmente por estatais (ELETROBRÁS, 2000). Durante esse período, as pequenas centrais hidrelétricas (PCH’s) não tinham participação expressiva no contexto hidroenergético do país (CARNEIRO, 2010). No entanto, o endividamento e a falência de algumas dessas estatais, além dos entraves ambientais associados à aprovação desses projetos, favoreceram a ascensão de um 1 O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL, tornou-se uma alternativa para os países em desenvolvimento buscarem investimentos em infraestrutura e tecnologia limpa, além da criação de um mercado internacional de créditos de carbono (certificados emitidos quando há a redução da emissão de gases poluentes que podem ser negociados em um mercado internacional) (MMA, 2007). 2 novo modelo setorial, baseado na privatização de concessionárias de energia (ELETROBRÁS, 2000; LEÃO, 2008). Foi então que, por volta de 1980 se verificou um aumento significativo no número de PCH’s no Brasil (ELETROBRÁS, 2000). As PCH’s ainda surgem nesse contexto como uma das saídas para a questão da crise energética de 2001. Dessa forma, diversos esforços governamentais promoveram a expansão dessa classe de empreendimentos, de modo que a elevação da oferta de energia se desse de forma rápida e eficiente (SOUZA et al., 2002). Dentre os diversos esforços governamentais que buscaram o incentivo às “fontes alternativas” de energia, destaca-se o PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, instituído com objetivo de aumentar a participação da energia elétrica produzida por empreendimentos de produtores independentes autônomos, com base em PCH, fonte eólica e biomassa (ANEEL, 2003; CARNEIRO 2010). Esse programa visou à expansão da oferta de energia emergencial e àuniversalização do serviço público de energia elétrica, através da fixação dessas fontes no Sistema Interligado Nacional – SIN (MME, 2010; CARVALHO, 2014). Esse marco representou um passo importante no sentido da diversificação e descentralização da matriz elétrica nacional, e estimulou a viabilização econômica das PCH’s (FARIA, 2011). Além de simplificar o processo de outorga, o Governo concedeu uma série de outros benefícios com o objetivo de intensificar os investimentos nesse setor (ANEEL, 2003). Com isso, em comparação com as exigências do processo de licenciamento ambiental para as demais categorias de aproveitamentos hidrelétricos, as aprovações de alguns projetos de PCH’s passaram a ter modelos simplificados de avaliação de impactos ambientais conforme a sua potência instalada(LEÃO, 2008). Assim, o setor elétrico vem se desenvolvendo rapidamente,com a participação expressiva das PCH’s; e ainda existe um enorme potencial a ser explorado (FARIA et al., 2012). Segundo dados do Banco de Informações de Geração – BIG, da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, está prevista para os próximos anos uma adição de aproximadamente 27 GW na capacidade de geração do país. Desse montante, o potencial outorgado proveniente de novas PCH’s é de 2.277.329 kW. Do total previsto, 37 já estão em processo de construção e outras 125 em processo ainda não iniciado (ANEEL, 2016). 3 Tendo em vista a importância das PCH’s no contexto energético do país, é importante ressaltar que, embora a geração hidrelétrica reúna importantes atributos do ponto de vista econômico, a sua expansão acelerada e sem uma avaliação adequada pode acarretar impactos ambientais e sociais significativos, que podem ser irreversíveis (WCD, 2000). De acordo com Andrade et al. (2015) o impacto ambiental negativo advindo desse tipo de exploração é substancialmente maior quando o local de implantação do projeto é situado em áreas sensíveis e ambientalmente significantes. Dessa forma, propõe-se com esse estudo, uma metodologia de avaliação socioambiental de pequenas centrais hidrelétricas, a qual visa contribuir com o aprimoramento da sistemática de avaliação socioambiental desses empreendimentos, considerando a sua fase de planejamento. 1.1 OBJETIVOS 1.1.1 OBJETIVO GERAL O objetivo principal desse trabalho é propor uma metodologia de avaliação socioambiental que auxilie o processo de planejamento estratégico da instalação de novas PCH’s no estado de Minas Gerais, a partir da elaboração de cenários de restrições socioambientais em ambientes de sistemas de informações geográficas (SIG’s). O termo ‘metodologia’ é entendido como o conjunto de fatores, procedimentos e recomendações que analisados e articulados que embasam a presente proposta de avaliação socioambiental, representando um esforço para contornar as deficiências e limitações das avaliações vigentes. 1.1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1) Analisar de forma crítica os procedimentos de autorização, implantação e licenciamento ambiental de pequenas centrais hidrelétricas no Brasil e, em particular, no Estado de Minas Gerais, com o intuito de detectar com embasamento científico, as questões deficientes de avaliação socioambiental. 4 2) Identificar as variáveis críticas para a avaliação socioambiental de pequenas centrais hidrelétricas, e posteriormente,buscar dados geoespaciais que as representem. 3) Analisar a metodologia, estrutura e conteúdo do banco de dados do Zoneamento Ecológico e Econômico de Minas Gerais, com o intuito de investigar o seu potencial e suas limitações para a avaliação socioambiental de PCH’s. 4) Propor, a partir das diretrizes da Avaliação Ambiental Integrada (AAI), da Avaliação Ambiental Estratégica(AAE) e das recomendações das Notas Técnicas da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, um método de avaliação socioambiental de PCH’s que possibilite um diagnóstico baseado em mapas temáticos gerados em ambiente SIG. 5) Validar a metodologia proposta a partir da análise de duas Unidades de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricospresentes no estado de Minas Gerais. 6) Indicar as limitações da pesquisa e sugestões para o seu aprimoramento. 1.2 PROCEDIMENTOS E MÉTODOS Voltada para a fase de planejamento, esta proposta envolve a elaboração de cenários de restrições socioambientais em ambiente de sistemas de informações geográficas (SIG’s), como forma de representar as áreas dentro do estado de Minas Gerais sensíveis à instalação de novas PCH’s. A fundamentação teórica e as diretrizes de sua elaboração estão embasadas nas recomendações da Avaliação Ambiental Integrada (AAI), Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) e Avaliação Socioambiental Integrada (EPE, 2012). No primeiro momento, por meio da investigação de referenciais técnicos sobre PCH’s, buscou-se detectar, sob um viés crítico, os aspectos deficientes das diretrizes e exigências legais de avaliação socioambiental associados à essa fonte de geração. Para isso, foram analisados: a atual estruturação do setor elétrico nacional, com ênfase nas PCH’s; a evolução dos mecanismos e procedimentos de autorização, outorga e implantação; as abordagens de avaliação de impactos ambientais e o processo vigente de licenciamento ambiental;com o intuito de incorporar essas questões na metodologia, em uma tentativa de contornar as limitações detectadas. A próxima etapa preocupou-se em levantar uma lista de potenciais variáveis julgadas como críticas para o processo de avaliação socioambiental de PCH’s,como forma de evitar ou 5 mitigar os impactos ambientais que geralmente decorrem desse tipo de exploração; para isso foram considerados: os quesitos técnicos sobre PCH’s (ADRADA, 2013), de forma a selecionar variáveis relevantes comuns às tipologias de PCH’s existentes; as notas técnicas da EPE (NT DEA 21/10; NT DEA 12/12 e NT DEA 19/12), fazendo as devidas adaptações para o contexto das PCH’s; o Estudo de Impacto Ambiental de PCH’s já licenciadas e artigos científicos. Dessa lista de potenciais variáveis, foram selecionadas sete (7), as quais tornaram-se efetivas na composição do cenário de restrições socioambientais.Um dos critérios utilizados para selecionar essas variáveis, foi a correspondência das mesmas com a existência de dados expressos em formato shapefile, presentes no banco de dados do Zoneamento Ecológico e Econômico de Minas Gerais (ZEE-MG). Ademais, essas variáveis tiveram de atender aos seguintes requisitos: a) possibilidade de manipulação em ambiente SIG; b) existência e disponibilidade de dados e; c) informações suficientes e com qualidade. Dessa forma, foram selecionadas as variáveis para compor o cenário de restrições socioambientais. As suas justificativas e modo de interpretação estão descritos no capítulo 3 desse trabalho. Os procedimentos e métodos utilizados na elaboração dos cenários de restrições socioambientais, expressos por meio de mapas temáticos, estão descritos no capítulo 4. A validação dessa proposta é feita a partir da análise dos resultados obtidos com o cenário de restrições socioambientais para duas UPGRH’s. A tabela 1 apresenta as variáveis selecionadas para compor o cenário de restrições socioambientais. 6 Tabela 1 - Variáveis selecionadas para compor o cenário de restrições socioambientais separadas em grupos temáticos. Grupo temático Variáveis (1) Meio biótico Prioridade de conservação da fauna Prioridade de conservação da flora Prioridade de conservação da ictiofauna (2) Meio físico Erodibilidade Inclinação do terreno (3) Componentes-síntese Unidades de conservação Tribos indígenas 2 REFERENCIAIS TEÓRICOS 2.1 RECURSOS HÍDRICOS 2.1.1 POTENCIAL HIDRELÉTRICO BRASILEIRO No Brasil, a maior parte da produção de energia elétrica é proveniente das fontes hidráulicas. Estas fontes de geração são responsáveis por 67,5% da capacidade instalada do país, e a sua importância advém do grande potencial hidrelétrico nacional, o qual representa uma opção estratégica para a expansão do parque de geração de energia, principalmente por ser renovável (ANEEL, 2014; EPE, 2006). A geração hidrelétrica brasileira fundamenta-se em plantas de larga escala e com grande capacidade de armazenamento, que juntamente com as demais fontes de geração de energia, compensam as variações de suprimento pelo país, de modo a complementar as sazonalidades naturais de recursos de algumas regiões (LUCENA et al., 2010). Ainda que a maior parte da matriz elétrica brasileira seja caracterizada pela geração hidrelétrica, a taxa de utilização desse potencial é relativamente pequena em comparação com os países industrializados como Alemanha, Japão, Estados Unidos e Noruega. Estima-se que 7 somente cerca de 30% do potencial hídrico nacional é explorado atualmente (FERREIRA et al., 2016). Figura 1 - Potencial hidroenergético por região. Fonte: Adaptado de Ministério de Minas e Energia (MME, 2007). A baixa utilização do potencial hidrelétrico no norte do Brasil pode ser explicada, dentre outros fatores, devido à predominância topográfica da região, caracterizada por planícies; pela grande diversidade biológica do bioma Amazônico, e pela distância dos principais centros de consumo de energia. (EPE, 2006). Dessa forma, é possível dizer que a disponibilidade de recursos e a configuração socioeconômica, juntamente com os condicionantes socioambientais, direcionam fortemente a distribuição espacial dos projetos energéticos (EPE, 2013). De acordo com o Atlas de Energia Elétrica da ANEEL (2008), cerca de 60% da capacidade hidrelétrica instalada no Brasil está localizada na Bacia do Rio Paraná; as bacias do São Francisco e a do Tocantins, representam 16% e 12%, respectivamente; e as bacias com menor potência instalada são as do Atlântico Norte/Nordeste e Amazonas, que somam juntas 1,5% da capacidade instalada do Brasil (EPE, 2013). 8 Segundo a EPE (2013), os pequenos aproveitamentos hidrelétricos se localizam principalmente nas regiões sul e sudeste, nas bacias do Paraná e Atlântico Sudeste, próximos aos grandes centros consumidores de energia elétrica. Na Bacia do Paraná, destacam-se as sub-bacias do Rio Grande, do Tietê e Paraná/Paranapanema. Na Bacia do Atlântico Sudeste, destacam-se as sub-bacias do Rio Doce e Rio Paraíba do Sul. Os demais aproveitamentos se localizam no centro-oeste do país, principalmente nos estados de Mato Grosso e Tocantins. A expansão das PCH’s tende para as regiões sul e sudeste; e na região centro-oeste, tende para o Estado de Mato Grosso. De acordo com Tiago Filho et al. (2006), o Centro Nacional de Referências em Pequenas Centrais Hidrelétricas – CERPCH, desenvolveu uma série de trabalhos de estimativa do potencial hidrelétrico remanescente do Brasil, com o objetivo de avaliar as expectativas de mercado para PCH’s. Estes estudos resultaram em estimativas do potencial teórico ainda não inventariado no Brasil, o qual aponta para o montante aproximado de 15.453 MW passíveis de serem explorados. Nessas estimativas foram consideradas: as vazões específicas das bacias e o desnível estimado por mapas do IBGE (escala 1:15.000 em alguns pontos da região sul e sudeste, e a escala 1:50.000 no restante do Brasil); e a readequação de aproveitamentos inventariados anteriormente, tendo em vista os aspectos ambientais e de uso múltiplo de recursos hídricos, com as perspectivas de uma nova redivisão de quedas das bacias (TIAGO FILHO et al.,2006). Diante do que foi exposto, é possível dizer que as PCH’s têm um papel extremamente importante nos planos de expansão de geração de energia elétrica para os próximos anos, principalmenteno atendimento das demandas próximas aos centros de carga. Mas também em áreas periféricas ao sistema de transmissão e em pontos marcados pela expansão agrícola nacional, tendo em vista o desenvolvimento econômico do país ancorado numa fonte de geração considerada limpa e renovável. 2.1.2 VIABILIDADE AMBIENTAL DA INSTALAÇÃO DE NOVAS PCH’S As preocupações inerentes comas alterações climáticas e ambientais, tais como o aquecimento global e a acidificação dos oceanos, traçaram novos rumos nas decisões políticas dos países nos últimos anos. Os incentivos voltados à utilização das fontes renováveis de energia para o atendimento do desenvolvimento econômico enfatizam, dentre outros aspectos, a substituição dos combustíveis fósseis e têm por objetivo a mitigação das mudanças 9 climáticas, na premissa de que essa medida pode reduzir substancialmente a degradação ambiental e o aquecimento global (PREMALATHA et al., 2014). No entanto, conciliar o desenvolvimento econômico com o fornecimento de energia compatível com seu ritmo torna-se um grande desafio para as economias emergentes como o Brasil; especialmente, quando se tem em conta as metas de redução das emissões de gases do efeito de estufa e outros objetivos de proteção ambiental (PRADO et al., 2016) Com o intuito de evitar futuras crises de abastecimento de energia e garantir o desenvolvimento econômico, muitos países estabelecem normas de segurança energética (BAJAY, 2006; KELMAN, 2001). Geralmente, opta-se por aumentar os níveis de segurança, incluem mandatos de ampliação da capacidade instalada de geração do país, partindo do pressuposto que o aumento da produção pode evitar as crises de abastecimento e o que dela decorre (BAJAY, 2006; JABUR, 2001). Em contrapartida, o aumento da capacidade de geração implica também no aumento dos conflitos ambientais e as emissões de gases do efeito estufa. Tais fatores, por sua vez, podem comprometer a produção futura de energia em países que dependem fortemente da energia hidrelétrica, entendendo que essa fonte de geração é suscetível às mudanças climáticas e às alterações do ciclo hidrológico (PHILLIPS et al., 2009). É possível dizer, portanto, que a energia hidrelétrica envolve uma complexa relação com a integridade ambiental. Embora muitos ecologistas e ambientalistas não considerem as grandes usinas hidrelétricas como fontes de energia limpa, as pequenas centrais hidrelétricas podem ser consideradas uma possível solução para parte dos problemas advindos dos grandes empreendimentos hidrelétricos (KOSNIK, 2010; ABBASI e ABBASI, 2011). Nesse sentido, nos últimos anos, vem sendo dada uma maior atenção ao desenvolvimento e integração de projetos de pequenas centrais hidrelétricas em sistemas fluviais, com o intuito de minimizar os efeitos ambientais negativos oriundos da exploração hidrelétrica, priorizando a conservação da água (NAUTIYAL et al., 2011). A crença de que as PCH’s são fontes de energia limpa, com poucos problemas ecológicos e efeitos ambientais aparentemente insignificantes contribui para o incitamento de uma rápida expansão desse tipo de empreendimento (PANG et al., 2015; FERREIRA et al.,2016). No entanto, existem divergências sobre esses argumentos. De acordo Premalatha et al. (2014) não é difícil constatar, à luz dos fundamentos da ecologia e hidrologia, os problemas 10 ambientais causados por pequenas centrais hidrelétricas, os quais podem ser tão numerosos quanto aqueles associados às grandes centrais hidrelétricas, podendo ser não menos graves. Os trabalhos elaborados por Zhang et al.(2014) e Pang et al. (2015) apontam para essa questão. Os autores discutem os impactos negativos e efeitos deletérios das PCH’s sob uma análise diferenciada em escalas espaciais, considerando: os impactos ambientais no entorno da planta hidrelétrica e os impactos à sua jusante. A partir dessa abordagem é discutido o potencial ambientalmente viável a ser explorado em um curso d’água e o modo como o recurso é utilizado. O potencial ambientalmente viável determina não só o potencial crítico para o desenvolvimento hidrelétrico das bacias hidrográficas, mas também o potencial de desenvolvimento específico para empreendimentos hidrelétricos. Este potencial crítico e os potenciais específicos têm por objetivo equilibrar a geração de energia hidrelétrica com a proteção ambiental (HENNIG et al., 2013). Essa discussão permite que novas variáveis sejam consideradas na análise socioambiental, ampliando o leque dos aspectos que podem ser contemplados na avaliação da viabilidade ambiental da instalação de uma PCH em um determinado local. De acordo com Li et al. (2007), Zhang et al. (2007) e Pascale, Urmee e Moore (2011), os impactos ambientais no entorno de uma planta hidrelétrica estão associados, em grande parte, às obras civis e à formação do reservatório. As atividades como: movimentações de solos e escavações das rochas, implantação do conduto forçado, formação do reservatório, construção da casa de força e instalação dos equipamentos técnicos, tendem a perturbar o status original do ecossistema. Os principais impactos ambientais decorrentes dessas atividades estão associados aos processos erosivos do solo, à poluição ambiental, à deposição de sedimentos, à destruição de habitats terrestres e aquáticos, à inundação da vegetação, à diminuição da qualidade da água e da produtividade da terra, bem como à supressão de habitat humano (ZHANG et al., 2014). Já no tocante aos impactos ambientais à jusante da planta hidrelétrica, Mcmanamay, Orth e Dolloff (2012) e Yüksel, (2010) mencionam que são impactos muito complexos de difícil avaliação e estão diretamente associados às alterações da hidrologia. Como normalmente os projetos hidrelétricos desviam parte do fluxo do rio para possibilitar a geração de energia, essa redução do fluxo normal, juntamente com as flutuações sazonais dos rios, afetam negativamente o habitat da flora e da fauna à jusante dos canais, planícies aluviais e estuários (ASAEDA; RASHID, 2012; GUO et al., 2012). 11 Segundo Pang et al. (2015), a degradação dos serviços ecossistêmicos à jusante, ocasionada pelas diminuições periódicas de fluxo dos rios, constitui a maior parte dos impactos induzidos pelo desenvolvimento desses empreendimentos. No entanto, os autores ressaltam que se tais danos forem evitados, por exemplo, se a PCH operar a “fio d’água”, os projetos tendem a produzir efeitos deletérios relativamente menores sobre o meio ambiente. Conforme o que foi apresentado, pode-se concluir que novas abordagens e considerações devem ser incorporadas ao processo de avaliação socioambiental de PCH’s, uma vez que foi possível detectar na revisão da literatura técnica que as variáveis e fatores econômicos se sobressaem, de certa forma, às variáveis e aos fatores ecológicos na determinação da viabilidade de instalação de um empreendimento. Esse assunto será melhor discutido no próximo tópico. 2.2 BASE NORMATIVA PARA A IMPLANTAÇÃO DE PCH’S 2.2.1 O SETOR ELÉTRICO NACIONAL: O CASO DAS PCH’S O setor elétrico brasileiro, ao longo de seu desenvolvimento, passou por diversas reestruturações. Tais reestruturações incluíram desmembramento das empresas de geração, transmissão, distribuição e o surgimento de empresas exclusivas para a comercialização de energia elétrica (LEÃO, 2008). Nesse contexto, é possível citar a criação da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, em substituição à antiga DNAEE, e também a instituição do Operador Nacional do Sistema – ONS, entes jurídicos que foram criados com funções administrativas específicas noque se refere à distribuição de energia elétrica. Além disso, outros órgãos e instituições possuem atribuições normativas e funções reguladoras. A Empresa de Pesquisas Energéticas – EPE tem a função de planejamento do setor elétrico; o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico – CMSE é responsável pelo monitoramento da segurança de suprimento de eletricidade; e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, uma associação civil composta pelos agentes das categorias de geração, distribuição e de comercialização, é responsável por negociar a aquisição de energia elétrica no sistema interligado. Merecem destaque ainda o poder de regulador normatizador do Ministério de Minas e Energia e a relativa autonomia do ONS (LEÃO, 2008; CCEE, 2014). 12 Juntamente com as reestruturações e as novas instituições estabelecidas no país nesse período, foram alteradas inúmeras resoluções do setor elétrico. No tocante às pequenas centrais hidrelétricas – PCH’s, essas alterações influenciaram, por exemplo, os procedimentos de licenciamento e os critérios de enquadramento e classificação atuais. Desde a instalação das primeiras PCH’s no Brasil, foram removidas uma série de barreiras relacionadas à viabilização econômica desses empreendimentos, o que favoreceu a entrada de novos agentes na indústria de energia elétrica; resultado de esforços governamentais e políticas setoriais em prol dos investimentos no setor (SOUZA et. al., 2002). O critério segundo o “tamanho” levou à criação dos conceitos de “pequenas hidrelétricas” e “grandes hidrelétricas” no Brasil, sendo definido pela capacidade instalada medida em MW. Os critérios de enquadrament onuma ou outra categoria podem variar de um país para outro, conforme os níveis de desenvolvimento alcançados em cada um deles, e de suas particularidades naturais, bem como outros fatores intrínsecos à geração de energia (ADRADAet al., 2013). Segundo o Special Report do IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change de 2011, a classificação de acordo com o tamanho dos empreendimentos, ainda que bastante comum e administrativamente simples, não representam critérios técnicos e científicos capazes de avaliar seu desempenho sustentável ou econômico. No Brasil, a primeira referência sobre a definição de pequenas centrais hidrelétricas foi citada em 1982, pela na Portaria nº 109, do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE, que definiu as pequenas centrais como empreendimentos que contemplassem cumulativamente as seguintes características (CARVALHO, 2014): Operassem a fio d’água (sem acumulação, com aproveitamento das quedas já existentes nos rios),ou no máximo com regularização diária; Tivessem barragens e vertedouros com altura máxima de 10 metros; Não utilizassem túneis; Possuíssem estruturas hidráulicas no circuito de geração para vazão turbinável de no máximo 20m3/s; Fossem dotadas de unidades geradoras com potência individual de até 5.000 kW; Tivessem potência instalada total de no máximo 10.000 kW. 13 Em 1997, o DNAEE criou um grupo multidisciplinar para realizar um novo diagnóstico das PCH’s no Brasil e indicou, dentre outras recomendações, que houvesse uma alteração no sentido de aumentar o limite da potência instalada para o enquadramento das categorias desses empreendimentos. Nessa época, também foram promovidos esforços do setor empresarial, recomendando que as pequenas centrais hidrelétricas tivessem potência de 50 MW e que a outorga fosse concedida através de uma autorização, sem a necessidade de processo licitatório (CARNEIRO, 2010). Assim, os limites foram sendo aumentados de 10 MW para 25 MW, através de diversas medidas provisórias, até chegar ao limite contemplado pela Lei n.º 9.648/98, que fixou em no máximo 30 MW a potência instalada de pequenas centrais hidrelétricas.Também ficou definido o limite máximo de 3,0km² para a área de inundação dos reservatórios, tendo como referência a vazão com tempo de recorrência de 100 anos (CARNEIRO, 2010). Em 2003, com a publicação da Resolução n.º 652, da ANEEL, foram mantidos alguns critérios de enquadramento e outros foram flexibilizados. Dessa forma, foi definido que: as pequenas centrais hidrelétricas englobam os empreendimentos de potência superior a 1 MW e igual ou inferior a 30 MW, destinado à produção independente ou autoprodução, com área de reservatório inferior a 3,0 km². No entanto, o aproveitamento que não atendesse à condição estabelecida para a área do reservatório, mas que respeitasse os limites de potência e a modalidade de exploração, teria a possibilidade de expandir a limitação do reservatório para até 13 km², desde que atendesse a seguinte inequação, especificada no Art. 4º da referida resolução (CARVALHO, 2014): 𝐴 ≤ 14,3 . 𝑃 𝐻𝑏 Sendo: P = potência elétrica instalada em (MW); A = área do reservatório em (km²); Hb = queda bruta em (m), definida pela diferença entre os níveis d'água máximo normal de montante e normal de jusante. A última alteração nos critérios de enquadramento ocorreu recentemente, com a Resolução Normativa - ANEEL Nº 673, de 4 de agosto de 2015. Essa resolução estabelece que as pequenas centrais hidrelétricas representam os empreendimentos com potência superior a 1 MW e igual ou inferior a 30 MW; e o limite para a área do reservatório pode chegar até 13,0 km², excluindo a calha do leito regular do rio (ANEEL, 2016). 14 Remetendo ao início dos anos 80, os benefícios concedidos pelo governo não implicaram em um aumento significativo no número de empreendimentos de PCH’s como era esperado. No entanto, com o advento dos procedimentos de simplificação de concessões e flexibilização de exigências ambientais, além dos programas de incentivos, do ponto de vista técnico e econômico, criou-se um cenário atrativo para a exploração desses empreendimentos. Embora tenham sido importantes para o país os avanços do setor elétrico e o aumento da participação das PCH’s na composição de sua matriz elétrica, tanto no que se refere ao aumento da capacidade instalada, quanto pela diversificação da matriz e demais benefícios, é perceptível que, desde o início do processo de implantação do sistema regulador, inúmeras questões foram negligenciadas ou não foram apreciadas da maneira devida, permitindo, dessa forma, que fossem executados empreendimentos empresarialmente e ambientalmente contestáveis. 2.2.2 PROCEDIMENTOS DE AUTORIZAÇÃO E OUTORGA PARA IMPLANTAÇÃO DE PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS Os procedimentos para a implantação de pequenas centrais hidrelétricas no Brasil podem ser divididos em três processos que caminham paralelamente: (i) o processo de autorização de exploração do potencial hidroenergético, tramitado junto à ANEEL; (ii) o processo de outorga de uso da água, articulado com os órgãos de gestão dos recursos hídricos e (iii) o procedimento do licenciamento ambiental, nas esferas dos órgãos ambientais responsáveis (FARIAS, 2013). A autorização para a exploração do potencial hidráulico é regulamentada pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 20º, inciso VIII, o qual assegura o potencial hidráulico como bem da União. A exploração do potencial energético dos cursos d’água deve ser feita mediante a concessão (no caso das grandes usinas) ou autorização (no caso das pequenas centrais). Uma vez aprovado o projeto básico de um empreendimento segundo as normas regulamentadas, é dado início ao procedimento de outorga do potencial hidráulico, o qual é praticado nas modalidades de autorização plena ou condicionada (ANEEL, 2004; FARIAS, 2013). 22 Para a obtenção da autorização “plena” é necessária a apresentação da Licença Prévia, conclusão da análise e aprovação do projeto básico. Para autorização “condicionada”, é necessária a apresentação do protocolo de 15 Os procedimentos gerais para a outorga de uso de recursos hídricos são definidos pela Resolução nº 16 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH, de 08 de maio de 2001, a qual faculta ao outorgado o direito de uso do recurso hídrico, por prazo determinado e consideradas as legislações específicas vigentes. Vale ressaltar que a outorga não implica alienação total ou parcial das águas, que são inalienáveis (FARIAS, 2013). Os critérios adotados pelas instituições outorgantes na avaliação dos pedidos de outorga são bastante diversificados e variam conforme a instituição de cada Estado. É possível constatar que existem diversos conceitos para se definir: a vazão remanescente não outorgada (ou vazão residual), a vazão ecológica3, a vazão ambiental4 e o Trecho de Vazão Reduzida - TVR5(ANA, 2005). Existe ainda uma clara divisão de responsabilidades nos cumprimentos legais inerentes à instalação de um empreendimento hidrelétrico, tanto na esfera federal, quanto nas esferas estaduais. De acordo com a Gerência de Outorgas da ANA, a integração de informações com o IBAMA, por exemplo, é realizada usualmente por meio de reuniões. Com relação aos demais órgãos ambientais estaduais, essa articulação é habitualmente feita via ofício, devido à distância física entre esses órgãos. Os procedimentos de integração de informações entre os diferentes órgãos, segundo o artigo 1º da Resolução CNRH nº 65/2006, fundamentam-se nos princípios do uso múltiplo e racional dos recursos hídricos e possuem a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gestão, com foco nas prioridades estabelecidas nos planos de recursos hídricos e ambientais, e nas legislações pertinentes. A Figura 2 apresenta um diagrama simplificado dos procedimentos necessários para a implantação de uma pequena central hidrelétrica no Brasil, resumindo as principais etapas do processo e os agentes envolvidos em cada uma delas. entrega dos estudos ambientais ao órgão responsável, sendo a aprovação do projeto básico efetuada a posteriori, época que deverá ser entregue a licença prévia, permitindo que as atividades de licenciamento ambiental sejam implementadas em paralelo com o processo de outorga de autorização da exploração do potencial (ANEEL, 2004). 3 A vazão ecológica é definida como a vazão que deve ser mantida no rio para atender aos ambientais, incluindo os usos de recursos hídricos a jusante da intervenção do corpo de água (ANA, 2005). 4A vazão ambiental é considerada a vazão necessária para garantir a preservação da bacia de forma integrada, de modo a assegurar a sua sustentabilidade, levando em conta todo o ecossistema (ANA, 2005). 5 O trecho de vazão reduzida é a distância medida ao longo do curso do rio entre o eixo do barramento e o canal de restituição das águas turbinadas (canal de fuga) de um aproveitamento hidrelétrico cuja adução é proposta por derivação (ANA, 2005). 16 Figura 2 – Diagrama simplificado dos procedimentos necessários para implantação de uma PCH. Fonte: Adaptado de (Farias, 2013). 17 2.2.3PROCEDIMENTOS DE IMPLANTAÇÃO DE PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS NO BRASIL Os primeiros estudos visando a implantação de um empreendimento hidrelétrico começam com a estimativa do potencial hidrelétrico da bacia ou sub-bacia onde se deseja implantar um projeto. Trata-se de uma avaliação preliminar das características hidrológicas, topográficas, geológicas e ambientais, no sentido de verificar a vocação do local para a geração de energia elétrica (CEPEL, 2007). É característica dessa fase a análise de dados disponíveis nos diversos órgãos existentes, pretendendo uma primeira avaliação do potencial e a estimativa de custo do aproveitamento da bacia hidrográfica, além das definições de prioridades para as etapas posteriores, como os Estudos de Inventário Hidrelétrico(CEPEL, 2007; FARIA, 2011; MAKARON, 2012). Segundo o artigo 4 da Resolução 393 da ANEEL, os aproveitamentos de no máximo 50 MW podem conduzir os Estudos de Inventário Hidrelétrico de forma simplificada. Nestes casos, cabe ao interessado submeter à ANEEL um relatório de reconhecimento, no qual se fundamenta de forma técnica a simplificação desse relatório (ELETROBRÁS, 2000). Fica reservado, portanto, às usinas com potência instalada máxima de até 50 MW o Inventário Hidrelétrico Simplificado, enquanto os demais aproveitamentos (acima de 50 MW) devem conduzir o Inventário Hidrelétrico Pleno (PEDREIRA, 2004; SCHWEITZER, 2010). O Manual de Inventário Hidrelétrico de Bacias Hidrográficas – Edição 2007 é a referência para a realização de inventários plenos, apresentando “um conjunto de critérios, procedimentos e instruções para a realização do inventário do potencial hidroelétrico de bacias hidrográficas” (CEPEL, 2007). A edição de 2007 é uma atualização da edição de 1997, utilizada para a elaboração e análise de inventários hidrelétricos simplificados. Dessa forma, entende-se que o Inventário Hidrelétrico é o primeiro estudo necessário para a obtenção da outorga de um aproveitamento hidrelétrico, cujo objetivo principal é apresentar a melhor divisão de quedas para cada curso d’água estudado (SCHWEITZER, 2010). O fluxograma a seguir descreve as etapas de implantação de uma PCH e as suas interações, contemplando os estudos de engenharia, ambientais e providências institucionais: 18 Potencial conhecido? Avaliação Expedita da Viabilidade da Usina Potencial interessante? Levantamento de Dados Estudos Básicos Lay-out Preliminar Orçamento Estimado Economicamente Viável? Estudos Energéticos Estudos Ambientais Negociação Proprietários Estudos de Interligação Detalhamento do Projeto Estudos Geológicos Estudos Hidrometeorológicos Apresentação do PB para Aprovação da ANEEL juntamente da LP Projeto Básico Aprovado Desenvolvimento do Projeto Executivo, Construção da Usina e Implantação dos Programas Ambientais PCH em Operação Projeto Arquivado Solicitação da Licença de Instalação (LI) LI concedida não não não s im s im não Cumprir exigências FLUXOGRAMA DE IMPLANTAÇÃO DE UMA PCH Inventário Simplificado (Res. 393 - ANEEL) Elaboração do Projeto Básico de Engenharia Levantamentos Complementares de Campo Obtenção da Licença de Operação (LO) Solicitação da Licença Prévia (LP) Definição com o Órgão Ambiental dos Termos de Referência Ambientais Cumprir Exigências não s im Registro na ANEEL para Execução do Projeto Básico Elaboração do EIA/RIMA ou Relatório de Impacto Ambiental Simplificado Obtenção da LP junto ao Órgão Ambiental LP concedida Cumprir Exigências Referentes ao Estudo não s imOtimização do Projeto de Engenharia Consulta aos Órgãos de Recursos Hídricos para Obtenção de Outorga de Uso da Água Outorga de Uso concedida nãoCumprir Exigências sim s im sim INÍCIO interação Elaboração do Projeto Básico Ambiental (PBA) Figura 3 - Fluxograma das etapas de implantação de uma PCHFonte: ELETROBRÁS, 2000. 19 Antes de dar início aos procedimentos de implantação de uma PCH, é fundamental o levantamento preliminar acerca da existência de dados prospectivos sobre o local onde se pretende instalar determinado empreendimento. Isso contribui para a redução de incertezas e riscos associados aos aspectos técnicos e socioambientais. Desse modo, é possível orientar os investimentos, antecipando e prevenindo alguns dos impactos socioambientais inerentes a cada projeto, conforme predizem as orientações da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), discutida no item 2.3.1. Por essa razão, é importante o inventário das informações disponíveis, bem como a sua sistematização e sintetização em quantidade e qualidade suficientes para a caracterização da bacia hidrográfica em questão. Ressalta-se, assim, a importância dos estudos de zoneamento para subsidiar informações que possibilitam as análises preliminares, estratégica e integradas6 das regiões com potencias de utilização. Contudo, o primeiro passo para a definição de um potencial hidroenergético é a condução do Inventário Hidrelétrico. A sequência que se propõe a partir desse estudo é a realização de uma avaliação expedita do aproveitamento e, caso seja interessante continuar, são conduzidos estudos mais detalhados (FARIA, 2011). A definição do potencial hidroenergético para as pequenas centrais hidrelétricas não é uma tarefa simples, até porque historicamente este tipo de fonte energética foi negligenciada até muito recentemente. Uma ilustração desse aspecto crítico encontramos no antigo “Manual de Inventário Hidrelétrico da ELETROBRÁS” (1997), o qual indica que: no caso dos estudos de inventário nas regiões sul, sudeste, centro-oeste e nordeste, deveriam ser descartados da análise os aproveitamentos com potência inferior a 20 MW; e no caso dos estudos de inventário na região norte, deveriam ser descartados da análise os aproveitamentos com potência inferior a 50 MW. Desta forma, durante décadas, deixou-se de avaliar um número considerável de aproveitamentos nos inventários hidrelétricos (CARVALHO, 2014) Ademais, os estudos de inventário, da forma como são conduzidos e interpretados, objetivam, segundo a interpretação do fluxograma (Figura 6), a determinação da viabilidade técnica e econômica do empreendimento (ELETROBRAS, 2000). Nota-se que, até esse momento, os condicionantes socioambientais não são elencados como fatores determinantes. 6 A abordagem da Avaliação Ambiental Integrada (AAI) está discutida no item 2.3.2. 20 Dando sequência à discussão sobre os procedimentos de implantação, com a entrega do estudo de inventário à ANEEL, é realizada a análise dos requisitos necessários à emissão do despacho de aceite. A partir de então, o processo evolui para a elaboração do projeto básico, concomitantemente aos estudos de impacto ambiental (EIA), visando a obtenção da licença prévia. A caracterização dos condicionantes socioambientais, detalhados nos estudos técnicos do EIA, somente são conduzidos após a determinação da viabilidade econômica do projeto. Após a aprovação do projeto básico e do projeto ambiental, é obtida a Licença de Instalação do empreendimento, que juntamente com a Outorga, conduz o processo para a elaboração do projeto executivo. O passo final é a obtenção da Licença de Operação para o comissionamento da usina. Goodland (2005) chama a atenção para o aspecto reativo, característico de um EIA, e o relaciona diretamente com a demanda da análise de impacto ambiental para um projeto específico. Segundo o MMA (2002), o licenciamento ambiental e a avaliação de impacto ambiental são instrumentos que se limitam a subsidiar as decisões de aprovação de projetos de empreendimentos individuais e não as decisões políticas e estratégicas que originam esses projetos ou o seu processo de planejamento. Andrade et al. (2015) sinalizam, dentre outras questões, o fato de muitas decisões importantes já terem sido tomadas antes de serem iniciados os EIA’s, também criticam o modo e o formato da participação pública nesse processo, considerada pelos autores limitada e restrita. Uma das formas de se corrigir essas lacunas que tornam o processo de avaliação socioambiental de PCH’s deficiente é fornecer informações sintetizadas e específicas já para a etapa de planejamento desses empreendimentos. É o que se pretende mostrar nesse trabalho, com a elaboração dos cenários de restrições socioambientais com base nos inventários de informações e na sua sistematização e sintetização. 2.2.4 IMPACTOS AMBIENTAIS DE PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE SUAS DIFERENTES TIPOLOGIAS Toda ação ou atividade antrópica que causa alterações no meio ambiente ou em algum de seus componentes é considerada impacto ambiental. Essas alterações, segundo Carvalho 21 (2014) devem ser quantificadas, uma vez que apresentam diversos níveis de influência: direto, indireto, positivo, negativo, de curto, de médio ou de longo prazo. No Brasil, o primeiro mecanismo legal associado à avaliação de impactos ambientais foi colocado pela Lei Federal 6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente e o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA. A partir desse marco, a Avaliação de Impactos Ambientais – AIA passou a ser requerida nos processos de licenciamento ambiental (SÁNCHEZ, 2008). A Resolução CONAMA nº 01/86 consagrou o Estudo de Impacto Ambiental - EIA como o principal documento veiculador da avaliação de impactos ambientais; e por meio da Resolução CONAMA nº 237/1997, firmou-se a obrigatoriedade da emissão de EIA/RIMA para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ambiental (SÁNCHEZ, 2008). Como cada empreendimento é desenhado de forma a atender as especificidades do local selecionado para a sua implantação, os impactos ambientais são altamente variáveis em magnitude, extensão e efeitos (CARVALHO, 2014). Portanto, o correto entendimento sobre a dinâmica dos impactos socioambientais gerados pelas PCH’s deve considerar assuas diferentes tipologias. Conforme a capacidade de regularização da vazão explorada, as PCH’s podem ser classificadas como: (i) a fio d’água; (ii) de acumulação com regularização diária do reservatório; e (iii) com regularização mensal (ELETROBRÁS, 2000). Uma PCH típica, normalmente opera a fio d’água, ou seja, gera energia a partir de uma parte do fluxo normal de um rio (BRASIL, 2013). Já as PCH’s de acumulação são instaladas em locais onde é possível estabelecer um reservatório, visando a regularização de uma vazão (ELETROBRÁS, 2000). Embora existam diferentes configurações e componentes de obra civil nesses empreendimentos, é possível associar a eles uma lista de potenciais impactos ambientais que geralmente decorrem desse tipo de exploração, considerando os impactos positivos e negativos nas diferentes fases de evolução do projeto. Segundo TIAGO FILHO et al. (2008); ELETROBRÁS, (2013); CARVALHO, (2014); e ANDRADE et al., (2015), os impactos ambientais positivos geralmente são: aumento da oferta de energia elétrica; atendimento a comunidades isoladas e geração distribuída; geração de empregos diretos e indiretos; aumento na arrecadação de impostos; 22 valorização imobiliária no entorno do reservatório e contribuição para a sustentabilidade local. Segundo ANDRADE, (2006) e SALIBA et al. (2002) a dinâmica dos impactos ambientais de uma PCH pode ser entendida a partir de uma concepção simplificada de grandes empreendimentoshidrelétricos. Seus impactos ambientais geralmente são similares, obedecendo obviamente, a uma escala de grandeza diferente. Dessa forma, acrescenta-se aos impactos ambientais positivos a menor emissão de gases de efeito estufa, em comparação com as grandes usinas, e a possibilidade de venda de créditos de carbono. Da mesma forma, é possível elencar os principais impactos negativos associados a esses empreendimentos. Segundo ANEEL (2002); Andrade (2006); Leão (2008); Tiago Filho et al. (2008) e Andrade et al. (2015), tais impactos incluem: o aumento do tráfego de veículos nas vias de acesso; riscos de acidentes; supressão da vegetação; alteração das características físicas, químicas e microbiológicas da água; deslocamento e alteração comportamental da fauna; poluição atmosférica e sonora; alteração das características do solo; impactos sobre a ictiofauna; diminuição da vazão do rio no trecho entre a barragem e o canal de fuga; alteração no ritmo de vida da população da área de entorno; e a alteração da paisagem natural. Os impactos ambientais de empreendimentos hidrelétricos podem repercutir, de uma forma geral, na dinâmica de todo o ecossistema de uma bacia ou sub-bacia hidrográfica. Portanto, a potencialidade e a fragilidade desse meio, frente às especificidades das obras, devem ser consideradas, já que podem ser gerados impactos irreversíveis sob a fauna e a flora, assim como nas comunidades locais (ANDRADE, 2006). Vale ressaltar que o impacto ambiental negativo advindo desse tipo de exploração é substancialmente maior quando o local de implantação do projeto é situado em áreas sensíveis e ambientalmente significantes(ANDRADE et al., 2015). Embora as pequenas centrais gerem uma gama de impactos ambientais menores do que as grandes usinas, principalmente no que se refere à área de alagamento dos reservatórios e a emissão de gases do efeito estufa, deve-se considerar que esses empreendimentos podem resultar na construção de vários barramentos se forem instalados em “cascata”.7 Ademais, o sequenciamento de vários desses barramentos em um mesmo corpo d’água pode aumentar o número de conflitos de uso e torná-los mais problemáticos (MAIA et al., 2011). 7 Uma cascata de pequenas centrais hidrelétricas corresponde a um conjunto de PCH’s que dependam da vazão de jusante da anterior para sua geração de energia (MAIA, 2011). 23 Como os impactos ambientais não se limitam ao local de implantação dos projetos, é possível dizer que diversos fatores influenciam suas características, como por exemplo: o tipo de fonte de geração, as tecnologias utilizadas, o local de instalação do empreendimento, dentre outros (PDE, 2022). A abordagem integradora das questões socioambientais que envolvem as PCH”s pode, dessa forma, apontar para discussões acerca de impactos cumulativos e sinérgicos 8 ocasionados por um conjunto de empreendimentos de geração de energia (PDE, 2022). Essa perspectiva permite que novos desdobramentos sejam considerados no processo de avaliação socioambiental (CARVALHO, 2014). Embora exista um certo reconhecimento sobre a importância da avaliação de impactos cumulativos e sinérgicos no contexto da avaliação de impactos ambientais, a viabilização dessa prática sofre interferências de diversos fatores (DIAS, 2001), o que dificulta a sua operacionalização. Dentre esses fatores, pode-se citar a insuficiência de definição de conceitos, normas e procedimentos de avaliação. Sendo assim, a avaliação continua a ser limitada pela consideração dos impactos diretos provocados pelos empreendimentos (OLIVEIRA, 2008). Também a forma como atualmente as informações são obtidas e o modo como são interpretadas no processo de tomada de decisão influenciam a tendência a se desconsiderar os impactos cumulativos. O processo de avaliação ambiental começa com informações pouco precisas, que progressivamente tornam-se mais detalhadas, sobretudo em nível técnico e econômico. Em contrapartida, o que se espera de uma avaliação de impactos ambientais (AIA) é uma análise uniforme dos aspectos e domínios do escopo do projeto, já na fase do planejamento, até que uma opção possa ser determinada por uma análise comparativa (CARVALHO, 2014). De fato, um grande número de estudos em vários países mostra que a forma como os impactos cumulativos são descritos e incluídos nos AIA não é satisfatória (WÄRNBÄCK E HILDING-RYDEVIK, 2009). Segundo USA (2011) e Egré e Milewski (2002), os impactos socioambientais cumulativos e sinérgicos gerados por um conjunto de empreendimentos de PCH’s, em 8 Entende-se por impacto cumulativo, o impacto que resulta de uma ação acrescida de outras ações (passadas, presentes e futuras), razoavelmente previsíveis, independentes de sua magnitude, mas que coletivamente são significativas (USA, 2016). Segundo Canter (1986), impactos cumulativos são impactos de natureza aditiva, interativa, sinergética ou irregular (imprevisível), gerados por ações individualmente insignificantes, mas coletivamente significativas que se acumulam no espaço e tempo. 24 comparação aos impactos socioambientais oriundos de uma grande usina hidrelétrica, ainda permanecem obscuros; e dependem, dentre outros fatores, das especificidades de cada um dos empreendimentos em análise. Como forma de superar alguns desses impasses e aspectos deficientes da avaliação socioambiental, especialistas e instituições têm sugerido que a avaliação de impactos ambientais se desenvolva nos moldes da Avaliação Ambiental Estratégica – AAE (Strategic Environmental Assessment – SEA, no inglês) (SADLER; VERHEEM, 1996; MMA, 2002; RODRIGUES E ROSA, 2013; e ANDRADE et al.,2015). A AAE se realizada em uma etapa preliminar do processo de planejamento da expansão do setor elétrico possibilita que as demais opções de um determinado plano sejam consideradas, contribuindo com a avaliação e mitigação de impactos ambientais (COOPER, 2004). Esse direcionamento, entretanto, só será efetivo se ocorrer de maneira transparente e com a participação dos diversos interessados (ANDRADE et al., 2015). 2.2.5 LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS O licenciamento ambiental de pequenas centrais hidrelétricas passou a ocorrer, em grande parte, de forma simplificada no Brasil, conforme foram sendo desenvolvidas as regulamentações do setor energético, visando, dentre outros fatores, o abastecimento de energia compatível com a demanda, a partir do incremento da capacidade instalada da matriz elétrica nacional. A estratégia de estímulos utilizada pelo governo, fez com que muitas usinas entrassem em funcionamento sem uma avaliação adequada desconsiderando questões socioambientais importantes. Segundo Bastos (2013), não existe na legislação brasileira uma padronização sobre os critérios de análise de impactos ambientais. Tal situação favorece discrepâncias significativas nos estudos e projetos exigidos ao longo dos processos de licenciamento e autorizações ambientais. O processo de licenciamento ambiental de usinas hidrelétricas está condicionado à elaboração do EIA/RIMA previsto pela Resolução CONAMA n°01/86 (BARÃO, 2007). O seu principal documento balizador é o termo de referência estadual, que orienta e condiciona o processo, tratando das especificidades ambientais locais e regionais dos projetos (FACURI, 2004). 25 Entre as exigências postas por essa resolução estão: a obrigatoriedade de elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para o licenciamentode usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a forma de energia primária, acima de 10 MW e de barragens para fins hidrelétricos, acima de 10 MW; diferentemente do ocorre com os demais empreendimentos considerados de pequeno potencial de impacto ambiental, regulados pela Resolução CONAMA nº 279 de 2001, e sujeitos ao procedimento simplificado de licenciamento ambiental. Nesse caso, o documento requerido é o Relatório de Controle Ambiental (RCA), um documento mais simples que o EIA, seguido da apresentação de um Plano de Controle Ambiental (PCA), ambos elaborados de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo órgão ambiental estadual ou federal competente (AGUILAR, 2011). Percebe-se, dessa forma, que desde as primeiras fases de regulamentação do setor elétrico, os procedimentos e prazos do licenciamento ambiental foram estabelecidos com base no potencial instalado dos empreendimentos. É possível inferir, portanto, que no tocante às decisões, os critérios técnicos e econômicos prevalecem sobre os demais. Andrade et al. (2015), analisando o processo de licenciamento ambiental de 24 (vinte e quatro) plantas hidrelétricas de grande porte que já passaram pela fase de licenciamento prévio, juntamente com a análise de estudos já publicados na área, listaram uma série de limitações encontradas nessa fase, dentre as quais pode-se mencionar: a baixa eficácia dos EIA realizados na fase de planejamento; a falta de parâmetros objetivos para a determinação da viabilidade ambiental do empreendimento; a limitação da análise de alternativas; a falta de integração do EIA e os demais instrumentos de gestão; a lentidão da informação apresentada; e a participação pública limitada. A determinação da viabilidade da instalação de projetos hidroelétricos, segundo Andrade et al. (2015) prioriza a possibilidade de minimização dos impactos negativos previstos, confrontando-os com a possibilidade de geração de renda e desenvolvimento regional, mas não coloca seriamente em pauta a discussão sobre da viabilidade ambiental desses empreendimentos. A decisão final de aprovação ou não de um projeto é baseada na avaliação do EIA, a qual é qualitativa e, em larga medida, subjetiva e discricionária. Contudo, faz parte do conteúdo dos Termos de Referência (EPE, 2013) o laudo de conclusão da viabilidade ambiental do empreendimento, baseado em comparação de cenários, de maneira que a hipótese de implantação seja confrontada com a hipótese da não implantação do projeto em uma determinada região. 26 A tal orientação acrescenta-se que, segundo a Agência Nacional da Águas (ANA, 2010), para se explorar um recurso hídrico com vista à geração hidrelétrica deve-se levar em consideração os diferentes usos da água (Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997). Além disso, deve-se analisar todos os projetos propostos para uma bacia em relação a outras bacias, considerando seus potenciais e vulnerabilidades; sendo necessário que, ainda na fase de planejamento, as alternativas sejam analisadas. Conclui-se, dessa forma, que um método inclusivo, objetivo e criterioso de avaliação ainda deve ser criado (ANDRADE et al., 2015). 2.3 ABORDAGENS DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL 2.3.1 AVALIAÇÃO AMBIENTAL ESTRATÉGICA As discussões relativas ao meio ambiente e à conservação ambiental se intensificaram em âmbito mundial a partir da segunda metade do século XX, refletindo na elaboração de diversas leis norteadas pelos princípios da sustentabilidade. No Brasil, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) oficializou alguns critérios e instrumentos, tais como: o zoneamento ambiental, a avaliação de impactos ambientais (AIA), o licenciamento ambiental, a criação de espaços territoriais especialmente protegidos, penalidades disciplinares, entre outros. A partir de 1995 em Minas Gerais, com a criação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), foram estabelecidos vários instrumentos de gestão ambiental integrados à Política Ambiental do Estado, dentre eles a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) (RODRIGUES e ROSA, 2013). A AAE, segundo Rodrigues e Rosa (2013), passou a ser uma condição para aquisição de créditos junto ao Banco Mundial e desde 2001 é reconhecida como uma ferramenta importante na tomada de decisão nos estágios iniciais do planejamento de projetos e análise de potenciais efeitos ambientais decorrentes de sua execução; bem como, um requisito de avaliação da capacidade institucional dos estados e países solicitantes de crédito para lidar com os impactos dos projetos. Goodland (2005) chama a atenção para as aparentes semelhanças entre a AAE e o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) exigido nos estudos para licenciamento ambiental. O autor ressalta o aspecto pró-ativo da primeira, diferentemente do que ocorre no Estudo de 27 Impacto Ambiental (EIA), que tem uma característica mais reativa, relacionada diretamente com a demanda da análise de impacto ambiental para um projeto específico. Por essa e outras características, a AAE é reconhecida como o instrumento da política ambiental capaz de promover a articulação das várias dimensões de uma dada política e de, dado um plano ou programa de desenvolvimento, favorecer a formulação clara dos objetivos e o entendimento das questões ambientais relacionadas à implementação dos projetos, além de orientar os agentes envolvidos no processo e indicar os caminhos para a sua viabilização (MMA, 2002). Entre os profissionais da área, em nível internacional, é cada vez mais claro o consenso quanto à premência da adoção de práticas que assegurem a integração dos princípios e do conceito geral de avaliação ambiental estratégica, o mais cedo possível, no processo decisório (MMA, 2002; MMA, 2006). O processo de AAE deve se manter flexível e se ajustar à natureza do processo de decisão em que está sendo aplicado, já que não existe uma formulação específica ou mais eficaz para a aplicação da AAE. Haverá tantas formas quantos forem os processos decisórios que a utilizem, fazendo com que seja praticamente impossível estabelecer uma única metodologia capaz de cobrir todas as atividades técnicas envolvidas na sua implementação (MMA, 2002). Em suma, a AAE tem a proposta de subsidiar a tomada de decisões governamentais e particulares, disponibilizando informações sobre as potenciais consequências ambientais dos programas governamentais dos setores considerados estratégicos: mineração, agronegócio, saneamento, geração de energia e rodoviário (RODRIGUES e ROSA, 2013). Segundo a Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos – SQA/MMA, é possível listar uma série de fatores que devem ser considerados na aplicação da AAE, dentre os quais estão (SQA/MMA, 2002): a) Adoção de procedimentos de análise e avaliação ambiental em todas as etapas do processo de planejamento do setor elétrico; b) A incorporação da dimensão ambiental no planejamento, por meio da consideração e da avaliação ambiental de decisões alternativas, atualmente formuladas apenas a partir de critérios e parâmetros econômicos e energéticos (técnicos); c) Avaliação sistemática das consequências ambientais decorrentes das alternativas de composição da matriz energética, a partir do conhecimento dos impactos ambientais 28 decorrentes de cada uma das fontes de energia, considerando seus efeitos globais, regionais e locais, cumulativos e sinérgicos; d) Definição de critérios ambientais explícitos para a seleção das fontes de energia, das tecnologias empregadas na geração e da localização das unidades geradoras; e) Avaliação ambiental sistemática dos planos
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