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VIII Curso de Inverno Fisiologia: do cotidiano ao extremo 16 a 20 de Julho de 2012 2 DADOS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Departamento de Fisiologia e Biofísica Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo Universidade de São Paulo - Instituto de Ciências Biomédicas – Departamento de Fisiologia e Biofísica. Fisiologia: do cotiano ao extremo VIII Curso de Inverno do Departamento de Fisiologia e Biofísica, São Paulo, 2012 / coordenação do Prof. Fernando Rodrigues de Moraes Abdulkader; organização de Cecília Cerqueira Café Mendes, Leandro Bueno Lima. - São Paulo: ICB/BMB, 2012. – 139 f. : il. Apostila do VIII Curso de Inverno Descritores: 1. Fisiologia 2. Fisiologia – Congressos, conferências etc III. Título. 3 Coordenação Docente: Prof. Dr. Fernando Rodrigues de Moraes Abdulkader Comissão Organizadora – Pós-graduandos Cecilia Cerqueira Café Mendes Leandro Bueno Lima Documentação Científica: Leila Affini Pós-graduandos participantes: Aline Coelho Macedo - Ângelo Bernak de Oliveira Ariane de Oliveira Turati - Bárbara Falquetto Barna Caio Jordão Teixeira - Carla Rocha dos Santos Caroline Cristiano Real - Gabriela Pena Chaves Gabriela Virginia Moreira - Hadassa Batinga da Silva Izabela Martina Ramos Ribeiro - Jáfia Lacerda Alves Leandro Bueno Lima - Lucila Emiko Tsugiyama Martina Navarro - Natalia Ribeiro Alunos de iniciação científica: André de Almeida da Mota - Danilo Araújo Amaral Santos Lais Cardinali - Vanessa Sayuri Site: Itamar Klemps Filho Designer Gráfico Paulo Mansur Personagens – Fisiolino e Extremoso Victor Daibert São Paulo – Jul/2012 4 Índice Apresentação .......................................................................................................................... 7 Conhecendo o ICB .................................................................................................................. 8 A Universidade perante a educação e a formação continuada dos professores ..................................................................................................................................................... 9 Cronograma .......................................................................................................................... 11 Capítulo 1 -‐ Equilíbrio energético ................................................................................. 13 1. Introdução .................................................................................................................................. 13 2. O que é Metabolismo? ............................................................................................................. 13 3. Referências Bibliográficas .................................................................................................... 32 Capítulo 2 -‐ Controle Alimentar ..................................................................................... 33 1. Fome X Apetite X Saciedade ................................................................................................. 33 2. Regulação central da ingestão alimentar ........................................................................ 35 3. Mecanismos de regulação da ingestão alimentar ......................................................... 36 4. O alimento no controle alimentar ...................................................................................... 41 5. Alimentação e recompensa ................................................................................................... 42 6. Obesidade ................................................................................................................................... 42 7. Referências bibliográficas .................................................................................................... 44 Capítulo 3 – Equilíbrio Hidroeletrolítico .................................................................... 45 1. Fisiologia Intestinal ................................................................................................................. 45 2. Fisiologia Renal ........................................................................................................................ 50 3. Referências bibliográficas .................................................................................................... 56 Capítulo 4 – Exercício Físico ........................................................................................... 57 1. Sistema Muscular Esquelético ............................................................................................. 57 2. Sistema Respiratório .............................................................................................................. 62 3. Sistema Cardiovascular .......................................................................................................... 65 4. Sistema Endócrino ................................................................................................................... 68 5. Referências bibliográficas .................................................................................................... 76 Capítulo 5 -‐ Estresse: fatores desencadeantes, respostas fisiológicas e suas consequências. .................................................................................................................... 77 5 1. Histórico e desenvolvimento do conceito de estresse ................................................ 77 2. Natureza multifatorial do estresse .................................................................................... 78 3. Sistema nervoso autônomo .................................................................................................. 79 4. Endorfinas, Peptídeos cerebrais e outros hormônios ................................................. 84 5. Resposta cardiovascular ao estresse ................................................................................ 86 6. Estresse e envelhecimento ................................................................................................... 87 7. Estresse e sistema imune ...................................................................................................... 88 8. Estresse para o sucesso .......................................................................................................... 89 9. Referências Bibliográficas .................................................................................................... 91 Capítulo 6 -‐ Sono .................................................................................................................92 1. Breve histórico .......................................................................................................................... 93 2. O Ritmo Circadiano do ciclo Vigília/Sono ........................................................................ 93 3. O que acontece enquanto dormimos: sono de ondas lentas e seus estágios ....... 96 4. O sono Paradoxal ou REM ..................................................................................................... 98 5. Neuroanatomia do sono ......................................................................................................... 99 6. Ontogenia do sono ................................................................................................................ 102 7. Substâncias de abuso e Sono ............................................................................................. 105 8. Distúrbios do sono ................................................................................................................ 106 9. Privação de sono ................................................................................................................... 110 10. Considerações finais .......................................................................................................... 111 11. Referências Bibliográficas ............................................................................................... 111 Capítulo 7 – Quente e frio .............................................................................................. 113 1. Introdução ............................................................................................................................... 113 2. Regulação Hipotalâmica da Temperatura .................................................................... 114 3. Transferência do Calor Corporal ..................................................................................... 115 4. Influência da Umidade do Ar nos Processos de Troca de Calor ............................ 117 5. Conservação e Produção de Calor ................................................................................... 118 6. Condições Especiais na Termorregulação .................................................................... 120 7. Fatores que modificam a tolerância ao calor e ao frio ............................................. 122 8. Complicações do estresse térmico excessivo .............................................................. 123 9. Referências bibliográficas ................................................................................................. 125 Capítulo 8 – Altos e Baixos ............................................................................................. 126 1. Respostas Fisiológicas a Altitude ..................................................................................... 126 2. Respostas Fisiológicas ao Mergulho .............................................................................. 132 3. Referências Bibliográficas ............................................................................................. 132 6 Suplemento ......................................................................................................................... 133 Quando a fisiologia falha: Ciclo percepção-‐ação .................................................... 133 1. Introdução ............................................................................................................................... 134 2. Conclusão ................................................................................................................................. 137 3. Referências .............................................................................................................................. 138 Anexo………………………………………………………………………………………………………………………………..139 VIII Curso de Inverno ICB-USP 7 Apresentação Parabéns! Se vocês estão lendo este texto, significa que vocês foram selecionados para participar da sétima edição do Curso de Inverno do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB-USP. Esse Curso já tem história, e é uma iniciativa dos alunos de pós-graduação do departamento que conta também com o auxílio de estagiários de iniciação científica, sendo voltado para professores do ensino médio e fundamental. Foi inspirado por propostas semelhantes desenvolvidas no Departamento de Bioquímica do IQ-USP pelo prof. Bayardo Baptista Torres desde 2002. A cada três anos, a temática do Curso de Inverno vem sendo renovada. Em anos anteriores, os temas "Alimentação: do hábito à célula" e "Fisiologia da reprodução humana: do comportamento ao desenvolvimento" foram abordados. Para 2011, os pós-graduandos e alunos de iniciação científica encararam o desafio de desenvolver um novo tema: "Fisiologia: do cotidiano ao extremo". E por que esse tema? Se entendemos a Fisiologia como o estudo do funcionamento do organismo saudável, os princípios fisiológicos estão por trás de todas adaptações do nosso organismo no nosso dia-a-dia, e também quando o colocamos à prova. Em outras palavras, a Fisiologia é algo que "acontece" com a gente, e não só nos livros didáticos. No entanto, a forma em que essa disciplina é ministrada, separando-a nos diferentes sistemas orgânicos, muitas vezes faz com que os alunos a enxerguem como algo estanque e distante da realidade. Isso não é verdade, pois é o funcionamento em concerto de todos esses sistemas que nos possibilitam realizar as tarefas mais triviais de um dia qualquer, como acordar, ir ao banheiro, comer, nos exercitar, enfrentar os estresses do trabalho e dormir. Mesmo quando desafiamos o nosso organismo, em grandes altitudes ou no mergulho, em ambientes quentes ou frios, os princípios fisiológicos e a conversa entre os diferentes órgãos continuam presentes. É essa visão integrada da Fisiologia que os pós-graduandos e alunos de iniciação científica do Departamento de Fisiologia e Biofísica querem oferecer para vocês. Ao longo do primeiro semestre de 2012, eles trabalharam arduamente na concepção do Curso. Acreditamos que muitas das questões que serão discutidas vocês também as encontrem nas suas salas de aula. Se assim for, esperamos que tenhamos com o Curso de Inverno os ajudado a respondê-las. Mas se não for esse o caso, por favor nos ajudem a melhorá-lo para as próximas edições. Pois é justamente a participação e a contribuição de vocês, professores, que têm sido a motriz e o incentivo para que esse Curso continue sendo oferecido. Sejam bem-vindos!!! Fernando Rodrigues de Moraes Abdulkader Professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica ICB-USP Coordenador do VII Curso de Inverno VIII Curso de Inverno ICB-USP 8 Conhecendo o ICB O Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) tem um total de 183 laboratórios onde atuam 145 docentes-pesquisadores, oriundosdas mais diferentes áreas de formação, sendo 93,7% em regime de dedicação exclusiva ao ensino e à pesquisa, e todos com titulação igual ou superior a Doutor. Mantém um quadro de 295 funcionários, composto por 21% de servidores de nível superior, 42% de técnicos e 37% de servidores de nível básico. O ICB é constituido por uma Administração Central e por 7 Departamentos (Anatomia, Biologia Celular, Fisiologia e Biofísica, Farmacologia, Imunologia, Microbiologia e Parasitologia), além de sediar o Centro de Pesquisa em Biotecnologia da USP e de dispor de um Centro Avançado para estudo de moléstias tropicais na região Amazônica. A infraestrutura para ensino e pesquisa destes Departamentos ocupam hoje 4 diferentes prédios. O ICB é uma unidade que oferece disciplinas básicas e aplicadas de graduação, para alunos de 16 cursos de graduação da USP. São oferecidas anualmente 108 disciplinas aos 10.400 alunos de graduação matriculados anualmente nos sete Departamentos (6 delas, para alunos do período noturno). É responsável pelo oferecimento de um curso de Graduação, o Bacharelado em Ciências Fundamentais para a Saúde (CFS), que tem como alvo alunos regulares da USP que apresentam inclinação para a pesquisa e ensino e que não conseguiram desenvolver essas habilidades no curso de origem. Foi recentemente criado o curso de Biomedicina oferecido pelo ICB. Com início em 2012, o referido curso, com duração de oito semestres e 40 alunos anualmente, será ministrado em tempo integral e contempla um currículo de atividades destinada a promover uma sólida base teórica e prática nas diversas disciplina da área biomédica. O ICB oferece Programas de Pós-Graduação nas áreas de Biologia Celular e Tecidual, Biologia da Relação Patógeno-Hospedeiro, Ciências Morfofuncionais, Farmacologia, Fisiologia Humana, Imunologia e Microbiologia, nos quais se encontram matriculados, atualmente, um total de 609 alunos entre Mestrado e Doutorado, com bolsas obtidas da FAPESP, CAPES ou CNPq. É responsável pela gestão acadêmica, administrativa e financeira do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia (interunidades), que interage com o Instituto de Biociências, Escola Politécnica, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia e com o Instituto Butantã. Benedito Corrêa Professor Titular do Departamento de Microbiologia ICB-USP Vice-Diretor do ICB VIII Curso de Inverno ICB-USP 9 A Universidade perante a educação e a formação continuada dos professores A importância da educação pode, e deve, ser considerada em dois níveis diferentes. No plano individual, é a garantia da inserção social conveniente e da inclusão e manutenção no mundo do trabalho. É a instrumentação necessária para melhor entender o mundo, apreciá-lo e participar da vida comunitária. Ou seja, é a forma de exercer e ter reconhecida a cidadania. No plano coletivo, é o recurso mais consistentemente reconhecido como capaz de promover o desenvolvimento do país, com a consequente melhoria das condições de vida de seus cidadãos. A história recente registra os êxitos marcantes de programas de médio e longo prazo adotados em países que souberam reconhecer a necessidade da adoção de políticas públicas educacionais para superar a estagnação do desenvolvimento. Qualquer que seja o projeto educacional a ser adotado, seu sucesso estará subordinado ao desempenho dos professores. São eles os agentes diretos e multiplicadores da ação educativa. Nas condições das nossas escolas públicas, em que um professor de ensino médio tem a seu cargo em torno de 300 alunos/ano (uma estimativa conservadora), o potencial amplificador justifica os investimentos na formação desses docentes. Até há algumas décadas, a boa formação do profissional estava associada à quantidade de conhecimento acumulada no curso de graduação (informação) e no exercício da profissão (experiência prática). Na maioria dos casos, o conteúdo coberto no curso de graduação, complementado com eventuais atualizações, era suficiente para um longo tempo de exercício da profissão. Este modelo, frequentemente denominado conteudista, perdurou enquanto foi possível os currículos assimilarem o aumento exponencial de conhecimento. Atentos à necessidade de alterar o modelo educacional, organismos nacionais e internacionais têm lançado diretrizes sugerindo que os projetos pedagógicos contemplem, além dos conteúdos, o desenvolvimento da capacidade de incorporar e articular conhecimentos novos. Estas recomendações baseiam-se na premissa de que a habilidade fundamental atualmente exigida dos egressos dos cursos superiores é a capacidade de transformar informações em conhecimento na ausência de um tutor. Em outras palavras, preconiza-se a formação continuada para todas as categorias profissionais; os professores não são exceção. 10 A universidade tem contribuído com a formação continuada de professores, embora não de maneira articulada e centralizada. As numerosas oportunidades que oferece são, em geral, provenientes de iniciativas pontuais, sem um programa institucional amplo e contínuo. Esse cenário felizmente está mudando e, cada vez mais, acumulam-se indicadores da tomada de consciência de que esta é também uma responsabilidade da Universidade. Este reconhecimento atinge também as agências de fomento. São paradigmáticas destas mudanças as diretrizes estabelecidas pela FAPESP para os projetos de criação de Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão, em edital atual. Além do desenvolvimento de pesquisas inovadoras, os projetos devem contemplar ações específicas voltadas à educação: Além de se integrar nos programas usuais de iniciação científica e de pós-graduação, cumpre também aos Centros realizar atividades de extensão na área de educação básica, tais como atividades para alunos e professores de segundo grau, treinamento de professores, cursos de difusão científica e programas de educação continuada. (FAPESP - Edital Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão - CEPID – 2011). Com a reunião de esforços dos diferentes segmentos empenhados na melhoria da educação brasileira, certamente poderemos oferecer aos professores o apoio que desejam e merecem. Bayardo Baptista Torres Professor Titular do Departamento de Bioquímica IQ-USP 11 Cronograma Segunda-feira (16/07) 8:30 – 10:15h Abertura: Prof. Dr. Ângelo Rafael Carpinelli – Vice-Chefe do Departamento Apresentação do Cronograma Entrega de referências para as discussões em grupo 10:15 – 10:30h Intervalo 10:30 – 12:30h Aula teórica: Introdução à Fisiologia 12:30 – 14:00h Almoço 14:00 – 15:45h Aula teórico-prática: Equilíbrio energético, parte 1 15:45 – 16:00h Intervalo 16:00 – 18:00h Aula teórico-prática: Equilíbrio energético, parte 2 Terça-feira (17/07) 8:30 – 10:15h Aula teórica: Controle Alimentar 10:15 – 10:30h Intervalo 10:30 – 12:30h Discussão em grupo : Quando a Fisiologia Falha, parte 1 12:30 – 14:00h Almoço 14:00 – 15:45h Aula teórica: Equilíbrio hidroeletrolítico 15:45 – 16:00h Intervalo 16:00 – 18:00h Aula teórico-prática: Exercício Físico, parte 1 Quarta-feira (18/07) 8:30 – 10:15h Aula teórico-prática: Exercício Físico, parte 2 10:15 – 10:30h Intervalo 10:30 – 12:30h Trabalho em grupo: Metodologia de Ensino, parte 1 12:30 – 14:00h Almoço 12 14:00 – 15:45h Aula teórica: Estresse 15:45 – 16:00h Intervalo 16:00 – 18:00h Visita aos laboratórios do Departamento de Fisiologia e Biofísica Quinta-feira (19/07) 8:30 – 10:15h Aula teórica: Sono 10:15 – 10:30h Intervalo 10:30 – 12:30h Visita aos laboratórios do Departamento de Fisiologia e Biofísica 12:30 – 14:00h Almoço 14:00 – 15:45h Aulateórica: Quente e Frio 15:45 – 16:00h Intervalo 16:00 – 18:00h Discussão em grupo: Quando a Fisiologia Falha, parte 2 Sexta-feira (20/07) 8:30 – 10:15h Aula teórica: Altos e Baixos 10:15 – 10:30h Intervalo 10:30 – 12:30h Aula teórica: Fisiologia dos Extremos - Microgravidade 12:30 – 14:00h Almoço 14:00 – 14:30h Convidado: Prof. Dr. Luiz Menna Barreto (EACH/USP) – O tempo e a vida 14:30 – 15:45h Trabalho em grupo: Metodologia de ensino, parte 2 15:45 – 16:00h Intervalo 16:00 – 18:00h Avaliação do Curso/Fórum VIII Curso de Inverno ICB-USP 13 Capítulo 1 - Equilíbrio energético Autores: Caroline Cristiano Real, Gabriela Pena Chaves-Kirsten, Paula Bargi de Souza Revisão: Prof. Dr. Ubiratan Fabres Machado 1. Introdução Um dos principais fatores limitantes da vida dos seres vivos é a obtenção de energia para que o organismo desempenhe suas atividades. Essas atividades englobam desde os processos vitais para a sobrevivência até a prática de exercício físico intenso, por exemplo. Assim, é através da alimentação que obtemos os nutrientes necessários (carboidratos, proteínas e lipídios), que quando oxidados, levam à produção de CO2, H2O e energia. O que acontece com o nosso organismo quando nos alimentamos? Quais os principais hormônios envolvidos com o metabolismo energético e como eles atuam regulando a disponibilidade de energia para as diversas atividades desenvolvidas no cotidiano? Estas questões serão abordadas neste capítulo sobre equilíbrio energético, suas vias e o destino dos nutrientes ingeridos após a refeição e a importância da regulação hormonal nos estados de jejum e absortivo. 2. O que é Metabolismo? O metabolismo é definido como a transformação química de qualquer molécula, que ocorre em células ou organismos. Algumas dessas reações químicas envolvem a liberação ou armazenamento de energia, o que chamamos de metabolismo energético. Essas reações químicas corporais irão determinar o que acontece com os nutrientes absorvidos a partir dos alimentos ingeridos. Assim o metabolismo energético envolve a utilização de substratos energéticos (a partir de fontes endógenas ou exógenas), síntese (anabolismo – requer gasto energético para que ocorra) e degradação (catabolismo – envolve quebra de moléculas grandes e 14 mais complexas em moléculas menores e mais simples e resultam usualmente em liberação de energia) de componentes estruturais e funcionais e também a eliminação de resíduos gerados a partir destas reações. Todos esses processos são regulados pelo Sistema Endócrino em termos de velocidade ou direção das reações de acordo com a necessidade do organismo naquele determinado instante. 2.1. Energia Aquisição vs Consumo e Taxa Metabólica Basal A disponibilidade de energia para os humanos consiste na energia química contida nas ligações químicas que estão presentes nos alimentos que ingerimos. A regulação da quantidade de alimentos ingeridos depende de mecanismos comportamentais como a fome e a saciedade para nos avisar o quanto e quando comer. Assim, é através da alimentação que realizamos a aquisição energética. Nos alimentos encontramos três categorias de nutrientes que podem vir a gerar energia: carboidratos, lípides e proteínas, dos quais, alguns metabólitos podem ser oxidados gerando energia, ou então armazenados para futura utilização. A quantidade de energia obtida pela oxidação varia com a categoria do substrato e é expressa em termos de Calorias/grama ou Kcal/grama. Assim a quantidade de Kcal produzida por cada 1 grama do nutriente é de 4,2 para os carboidratos, 4,3 para as proteínas e 9,4 para as gorduras. Cerca de metade da energia liberada nas reações químicas é perdida na forma de calor. Já com relação ao consumo de energia, 60-70% da energia ingerida é utilizada para manter as condições mínimas de existência, caracterizando a Taxa Metabólica Basal (TMB). Além da TMB, a energia é necessária para realizar o processamento dos alimentos (5-15%), ou seja, é necessário um gasto energético para que as reações químicas que envolvem a digestão, absorção e armazenamento dos alimentos ocorram. Também utilizamos energia para manter a temperatura corporal constante através da Termogênese. Outra forma de consumo energético envolve o exercício físico que pode ser classificado em espontâneo ou ocupacional (postura corporal, manutenção do tônus muscular, preocupação – consumo de 20-30%) ou proposital (exercício físico). O consumo total de energia tem uma grande variabilidade de pessoa para pessoa, de dia para dia, tipo e duração dos exercícios realizados. Por exemplo, o gasto calórico de 15 um indivíduo adulto em repouso é de 1440 cal por dia, entretanto durante atividades domésticas este valor pode aumentar de 2 a 5 vezes, e durante exercício físico. Até 10 vezes. Por isso, existem diferenças na quantidade de energia adquirida pela ingestão alimentar necessária para manter a TMB. Com relação à TMB, o gasto energético é necessário para manter as condições mínimas de existência, e os processos envolvidos incluem: reações químicas de síntese e degradação, geração de gradientes iônicos que, por sua vez, são de fundamental importância para a gênese e condução de sinais nervosos (estes são responsáveis por cerca de 40% do consumo energético da TMB), além disso, há gasto energético para a realização de trabalho mecânico como respiração e circulação sanguínea. Vários fatores afetam a TMB em humanos, como a idade (declina com a idade), sexo, quantidade de massa muscular, dieta (uma vez que depois de cada refeição há um gasto energético), hormônios e mesmo fatores genéticos. Homens têm uma TMB média de 1,0 kcal/h/kg e para as mulheres é 0,9 kcal/h/g. A diferença surge principalmente porque as mulheres possuem uma porcentagem de tecido adiposo mais elevada e uma menor massa muscular magra. Os músculos têm uma taxa de consumo de oxigênio (que representa o gasto energético) em repouso mais elevada do que a gordura, porque adicionalmente ao gasto energético básico para a manutenção da homeostase celular o músculo gasta energia para manter o seu tônus contrátil. Alguns hormônios também influenciam a TMB. Os hormônios tireoidianos, T3 e T4, aumentam o metabolismo por aumentar a taxa de reações químicas, a testosterona inibe ações catabólicas no músculo esquelético, induzindo maior massa muscular, o hormônio do crescimento (GH) estimula muitas reações celulares que gastam energia. O estado febril também aumenta a TMB basal, uma vez que para ocorrer o aumento da temperatura corpórea é necessário aumento na atividade de reações que consomem energia. Os fatores que reduzem a TMB incluem o sono, o jejum e a desnutrição, o que serve para poupar a energia adquirida. Disponibilização de Energia Os carboidratos, proteínas e lipídios absorvidos após a refeição são metabolizados sofrendo modificações por diversas reações enzimáticas encadeadas, chamadas de “vias metabólicas”. Carboidratos, proteínas e lípides podem gerar 16 substratos que são passíveis de serem oxidados. A oxidação é um fenômeno final de algumas vias metabólicas, que culmina com geração de energia. Em outras palavras, a partir da oxidação dos alimentos são geradas moléculas de adenosina trifosfato, ATP, que fazem um elo entre as funções que utilizam e as que mobilizam energia. Por esta razão, a ATP é conhecida como a moeda energética presente em todas as células e é necessária para as diferentes funções dascélulas. A molécula de ATP possui duas ligações de alta energia entre os seus fosfatos. Esta energia corresponde a 12 kcal por ligação de fosfato, totalizando 24 kcal por molécula de ATP convertida a ADP e em seguida a AMP. Para ter-se uma idéia, cerca de 2300 kcal são geradas ou consumidas por dia, o que equivale a 63 kg de ATP. Deste modo, a molécula de ATP participa de diversas funções que necessitam energia como trabalho mecânico, reações sintéticas, transporte pelas membranas, geração e condução de sinal seja ele de natureza química, mecânica ou elétrica. Participa também da produção de calor que atua na regulação da temperatura corporal e desintoxicação do organismo por degradação de produtos tóxicos, como a amônia que é convertida em uréia com consumo energético. Portanto, pouquíssimo ATP é estocado no organismo. Além do ATP, a molécula de fosfocreatina também é capaz de “armazenar” energia através de uma ligação fosfato presente em sua molécula. Essa ligação, em condições fisiológicas, corresponde a 13 kcal. A fosfocreatina é de 3-8 vezes mais abundante que o ATP no músculo, mas não serve como elo direto entre a energia obtida dos alimentos e o consumo mediado pelas funções celulares. A geração desta molécula ocorre quando o grupo fosfato do ATP é transferido para a creatina, tendo como produtos o ADP e fosfocreatina. Assim, essa molécula serve como um sistema tampão de ATP. Quando há grandes quantidades de ATP formado, a reação é deslocada para a síntese de fosfocreatina, cuja principal reserva ocorre nos músculos, de 70 a 80 nmol (o que sustenta apenas 20s de exercício intenso) e quando o consumo de ATP é maior que a síntese, há uma redução na quantidade de ATP, e com isso a reação é deslocada garantindo as necessidades de ATP livre para o consumo, e consequentemente creatina livre também. De modo geral, os substratos que chegam à circulação, provenientes das biomoléculas ingeridas, digeridas e então absorvidas podem seguir vários caminhos: metabolizadas imediatamente gerando ATP ou fosfocreatina, que podem ser imediatamente utilizadas em compostos com capacidade de estocar grande 17 quantidade de energia, ou ainda metabolizadas gerando compostos utilizados para a síntese de componentes básicos necessários para o crescimento e manutenção celular e tecidual. Particularmente importante é o fato de que substratos ricos em energia como a glicose e os ácidos graxos, após cada refeição, são estocados como glicogênio e gordura respectivamente, ficando disponíveis para serem utilizados como fonte de energia nos períodos de jejum. 2.2. Estado Absortivo vs Estado pós-absortivo Em humanos, os estados metabólicos são 2: o estado absortivo (ou alimentado) e o estado pós-absortivo (ou jejum). O estado absortivo é o período que se segue após uma refeição quando os produtos digeridos estão sendo absorvidos, metabolizados e utilizados ou armazenados. É um estado preponderantemente anabólico, no qual substratos básicos (glicose, ácidos graxos e aminoácidos) estão sendo utilizados na síntese de compostos complexos, e a energia das moléculas esta sendo transferida para moléculas altamente energéticas ou armazenadas em ligações químicas de outras moléculas. Após algum tempo, cessa a absorção dos alimentos, o organismo entra no estado pós-absortivo ou de jejum, e passa a explorar as reservas energéticas que estão armazenadas. Trata-se de um estado catabólico, em que as células degradam macromoléculas que contenham substratos capazes de serem oxidados liberando energia. 2.2.1. Estado Absortivo Metabolismo dos Carboidratos Os carboidratos são absorvidos principalmente como glicose, sendo que a sua concentração sanguínea (glicemia) é a mais regulada dos três nutrientes (incluindo proteínas e gorduras), pois a glicose é o único substrato que o cérebro pode metabolizar, exceto em períodos de inanição, assim como é preferido pela retina e epitélio germinativo das gônadas. As hemácias são células que também dependem exclusivamente da glicose como substrato energético. Logo, faz-se necessário um maior controle metabólico deste substrato. 18 Os valores glicêmicos variam de 60 a 110 mg/dL, conforme o estado alimentar, e se a glicemia cair abaixo de certo nível as funções cerebrais, por exemplo, são imediatamente afetadas apresentando desde irritação, sonolência até perda de consciência. Além de garantir um suprimento adequado para o SNC, a regulação da glicemia é importante no controle do volume urinário (excreção excessiva deste substrato na urina, que ocorre quando há um aumento exacerbado da glicemia) provoca aumento da excreção de líquidos pela chamada de diurese osmótica. A glicose entra nas células através do mecanismo de difusão facilitada por meio de proteínas transportadoras de glicose que estão presentes na membrana plasmática das células. Nas células, a glicose é convertida rapidamente em glicose-6- P (impedindo sua saída para o meio extracelular) e pode ser oxidada por meio da glicólise, seguida pelo ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa, ou ainda, pode ser acumulada sob a forma de polímeros de glicogênio através da glicogenoênese. Este armazenamento de glicogênio pode ocorrer em todas as células, mas ocorre em grandes quantidades no fígado e músculos. Um dos produtos da glicólise é o piruvato, que na presença de O2 segue a via de oxidação através do ciclo de Krebs, na mitocôndria, para a cadeia de transporte de elétrons e para a fosforilação oxidativa gerando ATP (Figura 1). Mas em condições anaeróbias, há uma interrupção da fosforilação oxidativa e consequentemente há um acúmulo de piruvato, que bloquearia a glicólise. Entretanto, ocorre a conversão para lactato que, por sua vez, se difunde para o meio extracelular, permitindo assim que na ausência de O2 ainda haja obtenção de energia pela glicólise. Além da glicólise, 30% da glicose é consumida pela via das Pentoses-Fosfato no fígado e adipócitos gerando CO2 e hidrogênio utilizados na fosforilação oxidativa. Se a quantidade de glicose aumenta muito, o excesso de glicose absorvido e não utilizado naquele determinado momento é armazenado sob a forma de glicogênio nos músculos e fígado (glicogênese). Todavia, como os estoques de glicogênio são limitados, o excesso de glicose é convertido no fígado e no tecido adiposo em gordura (lipogênese), sob a forma de triglicerídeos, e armazenado no tecido adiposo. Metabolismo dos Lipídios Os constituintes das gorduras são os triglicerídios, também chamados de triacilgliceróis, os fosfolipídios e o colesterol. Os lipídios contem ácidos graxos que, assim como a glicose, servem de fonte energética para diversos processos metabólicos. 19 Os ácidos graxos de cadeia curta (até 4 átomos de carbono – obtidos pela fermentação de carboidratos e proteínas da dieta, tais como leite, fibras) e de cadeia média (6 a 14 átomos de carbono – óleo de côco) são transferidos do intestino para a corrente sanguínea e oxidados pelo fígado. Já os ácidos graxos de cadeias longas de carbonos (ômega 3, ômega 6), são os constituintes dos triglicerídios. A absorção ocorre sob a forma de ácidos graxos e monoacilglicerol. As células absortivas do intestino, então, ressintetizam em seu citoplasma os triglicerídios, empacotando-os em partículas contendo muitas dessas moléculas, chamadas de quilomícrons (lipoproteínas - 90% de lipídios associados a apolipoproteínas). Os quilomícrons são então liberados para o meio extracelular e entram no sistema linfático e em seguida para a circulação sanguínea.O triglicerídio presente no sangue pode ser metabolizado por uma enzima associada ao endotélio vascular, chamada de lípase lipoproteica, em ácido graxo e glicerol. Estes se difundem pela membrana plasmática e, no meio intracelular, ou se combinam novamente em triglicerídio podendo, ser armazenado, ou ainda, a molécula de ácido graxo pode sofrer beta-oxidação e seguir para o ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa enquanto a molécula de glicerol pode receber um grupamento fosfato, formando o alfa-glicerofosfato e ser oxidado pela via glicolítica. Para ter-se uma ideia, uma molécula de ácido esteárico, um ácido graxo saturado com 18 carbonos, gera 146 moléculas de ATP. O armazenamento de lipídios é feito sob a forma de gotículas de triglicerídio no tecido adiposo, cuja principal função é a de reserva energética. Tanto a glicose, quanto as proteínas, via formação de acetil-CoA, podem dar origem a triglicerídios e estes também serem armazenados. Os quilomícrons que perdem apenas parte de seus triacilgliceróis formam os quilomícrons remanescentes. Estes dão origem a novas lipoproteínas, podendo ser elas: as de densidade muito baixa (VLDL - very low density lipoproteins); de densidade baixa (LDL – low density lipoproteins); e as de densidade alta (HDL – high density lipoproteins). Quanto mais lipídios ligados à proteína menor a densidade da lipoproteína, sendo assim, a HDL é a que mais possui relativamente mais proteínas ligadas a lipídios, porém é das mais volumosas. A LDL e a HDL apresentam maior dificuldade de dissociação dos triacilgliceróis, permanecendo por mais tempo na corrente sanguínea. A LDL é rica em colesterol, é capaz de transportar o colesterol do fígado a outros tecidos. O colesterol é necessário para o funcionamento normal da membrana plasmática de células de mamíferos, sendo sintetizado no retículo endoplasmático das células ou derivado da dieta, sendo que na segunda fonte é transportado pela via sanguínea pelas lipoproteínas de baixa densidade e é 20 incorporado pelas células através de endocitose mediada por receptores associados à clatrina na membrana plasmática, e então hidrolizados em lisossomas. Porém, em indivíduos não saudáveis o metabolismo do colesterol se torna deficitário e o LDL passa a uma concentração sanguínea anormal, e induzindo danos em algumas estruturas celulares (daí ser chamado de “colesterol ruim”). Com o aumento desta fração no sangue ocorre a formação de placas de ateromas devido a deposição destas moléculas na parede dos vasos podendo obstruí-los completamente ou parcialmente. A formação destas placas pode causar um infarto do miocárdio se a obstrução for em vasos do coração ou, um acidente vascular encefálico se for em vasos do encéfalo. Logo, o menor risco de doenças vasculares correlaciona-se com o aumento da relação HDL/LDL. A prática regular de exercício é capaz de aumentar esta relação. O mesmo parece ocorrer com a ingestão diária de uma taça de vinho tinto, porém, o excesso de bebida alcoólica causa aumento na produção de triacilgliceróis no fígado, causando aumento do colesterol. Metabolismo das Proteínas As proteínas constituem ¾ dos sólidos corporais sob a forma de proteínas estruturais, enzimas, proteínas de contração muscular, proteínas transportadoras, etc. As proteínas são totalmente degradadas no trato gastrointestinal, e seus aminoácidos é que são passíveis de serem absorvidos. Há 20 diferentes aminoácidos (aa) que compõem as proteínas, sendo que 10 deles são essenciais, ou seja, precisam ser obtidos a partir da dieta e os outros 10 podem ser gerados endogenamente. A concentração plasmática de aa varia entre 35 e 65 mg/dL na média e sua entrada na célula se dá por meio de difusão facilitada ou transporte dependente de sódio. Os aa obtidos das proteínas dos alimentos são utilizados primeiramente para a síntese proteica nos ribossomas, onde as ligações peptídicas vão ligando os aa de acordo com a tradução do mRNA. Poder-se-ia pensar, portanto, que as proteínas constituem uma forma de estoque de aa. Entretanto, diferentemente do glicogênio e dos triglicerídios, que são somente macromoléculas com função de armazenamento energético, as proteínas tem funções muito variadas, e sua degradação, portanto, acarretaria comprometimento de inúmeras funções vitais para o organismo. Ainda assim, em casos de baixa ingestão de glicose, ou períodos de jejum, a degradação de proteínas sobrepuja a síntese (principalmente no músculo esquelético que é onde se encontra a maior quantidade de proteínas do organismo), e os aa assim liberados 21 podem ser convertidos em glicose pela gliconeogênese, assim como o glicerol dos triglicerídios. A Figura 1 ilustra de forma resumida os caminhos de metabolização seguidos pela glicose, aminoácidos e ácidos graxos. Figura 1. Via comum de metabolização de glicose, aminoácidos e ácidos graxos. (Curi, R.; Procopio, J., 2009). Balanço do Período Absortivo Uma importante conquista evolutiva dos mamíferos é a capacidade de estocar os nutrientes provenientes de uma refeição para posteriormente, na ausência de refeição, mobilizar esses estoques proporcionando substratos energéticos necessários para garantir a vida celular e do organismo. Assim, 75% da energia proveniente de uma refeição é armazenada sob a forma de triglicerídios no tecido adiposo, correspondendo a cerca de 10-30% do peso corpóreo, mas em obesos pode chegar a atingir 80%. Os triglicerídios geram 9,4 kcal/g e podem suprir o organismo por até 2 meses sem que haja ingestão alimentar. Os 25% restantes da energia obtida é armazenada sob a forma de proteínas cuja oxidação libera 4,3 kcal/g oxidada, mas trata-se de uma fonte de energia 22 deletéria, uma vez que, como discutimos acima, as proteínas exercem diversas funções no organismo sejam elas estruturais e de transporte entre outras. Menos de 1% da energia obtida com a ingestão alimentar é estocada sob a forma de glicogênio no fígado e no músculo. Como podemos notar, a maior parte do estoque energético é feito sob a forma de gordura. Esta estratégia do organismo é uma forma bastante eficiente de acumular energia sem ocupar muito volume, pois como a gordura não é solúvel em água ela ocupa um volume pequeno, quando comparado ao glicogênio que para ser armazenado deve estar solubilizado em água. Por exemplo, 131.600 Kcal de energia de gordura representam 14 kg, enquanto o mesmo armazenamento de energia na forma de glicogênio representaria 31,33 kg, assim, teríamos o dobro do nosso peso corporal. 2.2.2. Estado Pós-Absortivo Uma vez que todos os nutrientes de uma refeição foram digeridos, absorvidos e distribuídos (estoque ou consumo) para as várias células, a concentração de glicose extracelular começa a cair, pois o consumo celular é constante. Assim, a queda de glicose é um dos sinais de que o organismo passará para o estado pós-absortivo, que também pode ser chamado de estado de jejum. No estado de jejum o indivíduo depende de substratos endógenos para manter a concentração plasmática de glicose em uma faixa suficiente para garantir o aporte de substrato energético para todo o organismo, principalmente para os tecidos que dependem exclusivamente deste metabólito como, por exemplo, o sistema nervoso e o rim. Metabolismo dos Carboidratos O fígado é a primeira fonte de glicose durante o jejum. Através da glicogenólise, o glicogênio pode satisfazer as demandas energéticas do organismo por 4 a 5 horas. O fígado também pode produzir glicose a partir de aa ou de outros substratos (como o glicerol e o lactato)numa sequência de reações chamada de gliconeogênese. Os estoques de glicogênio muscular não podem ser convertidos à glicose livre uma vez que os músculos não possuem a enzima glicose-6-fosfatase que desfosforila a glicose-6-fosfato gerando glicose. Assim, nas células musculares, o glicogênio gera 23 a glicose-6-fosfato que será utilizada localmente. A glicose-6-fosfato, por sua vez, pode gerar piruvato ou lactato, dependendo da disponibilidade de O2, estes por sua vez, são transportados para o fígado que os utiliza na via da gliconeogênese para produzir glicose. Todas as vias descritas acima são reguladas pela insulina, um hormônio que será discutido adiante, para que ocorram de forma adequada. Assim, no jejum, quando a insulina diminui ocorre diminuição drástica da captação de glicose pelos tecidos muscular e adiposo, e aumenta a atividade de vias que “geram” glicose, sustentando a concentração de glicose no sangue. Porém, se a falta de insulina for intensa, como no diabetes, os níveis de glicose atingem valores superiores à 180mg/dL, a glicose não é mais totalmente reabsorvida pelos túbulos renais provocando perda de glicose na urina (glicosúria) e diurese osmótica. Este quadro leva à poliúria (aumento do volume de água eliminado). A perda excessiva de água provoca desidratação e estimulação do centro de sede, com consequente aumento da ingestão de líquidos (polidipsia). Sendo estas algumas das características do diabetes. Metabolismo dos Lipídios No estado de jejum, o tecido adiposo hidrolisa seus estoques de triglicerídios em ácido graxo e glicerol. O glicerol, no fígado pode ser convertido em glicose. Os ácidos graxos, liberados no sangue, podem ser utilizados como fonte de energia por muitos tecidos. As longas cadeias de carbono dos ácidos graxos são quebradas em duas unidades de carbono através do processo de beta oxidação. Se existir excessiva oxidação de ácido graxo, o acetil-CoA acumulado é direcionado para a formação de corpos cetônicos que são transportados na circulação. Algumas células são capazes de captarem e converterem os corpos cetônicos em acetil-CoA. O acetil-CoA volta para o ciclo de Krebs. Durante um período de jejum prolongado, aumenta de forma considerável a quantidade de ácidos graxos disponíveis. Assim a quantidade de acetil-CoA formada ultrapassa a capacidade de oxidação da mesma pelo ciclo de Krebs, levando assim a um acúmulo desse metabólito. Como consequência deste acúmulo, haverá uma pequena geração de corpos cetônicos. É importante ressaltar que a insulina é grande inibidora desta via, e, portanto, a geração de corpos cetônicos é mínima enquanto houver concentrações basais de insulina, como no jejum. Entretanto, no diabetes, se a falta de insulina for grave, a geração de corpos cetônicos pode ser intensa. Além da glicose, os corpos cetônicos podem, em um mecanismo de ajuste que envolve alguns dias, ser utilizados pelo cérebro como fonte de energia. A capacidade 24 de oxidação de corpos cetônicos pelos neurônios é altamente desenvolvida no período neonatal, e vai desaparecendo durante o primeiro ano de vida, para, nos adultos, somente ser recuperada depois de alguns dias de deficiência de energia (tempo necessário para a expressão de enzimas importantes para a oxidação). Os corpos cetônicos, ácido acetoacético e beta-hidroxibutírico são ácidos fortes. Assim, uma produção excessiva de cetona, devido a déficit de insulina, leva a um estado de acidose metabólica, conhecido como cetoacidose. Pessoas em cetoacidose têm um odor de fruta em seu hálito devido à acetona (volátil) que é um produto de degradação espontânea dos corpos cetônicos. A cetoacidose diabética reduz o pH sanguíneo provocando graves alterações sistêmicas no organismo. Esta acidose pode culminar na depressão do sistema nervoso (coma diabético) e até mesmo na morte. Metabolismo das Proteínas A glicose ou o ATP podem ser produzidos a partir de aa oriundos principalmente das proteínas musculares. A utilização deste metabólito como fonte de energia só é possível após a sua desaminação. A desaminação dos aa promove a remoção dos grupos amino, que são convertidos em uréia no fígado e então excretados. Os aa desaminados, por sua vez, podem tornar-se intermediários do ciclo de Krebs gerando ATP, poupando glicose para ser usada pelo cérebro. Outros aminoácidos podem ser processados a piruvato, e no fígado se converterem a glicose pela gliconeogênese. Novamente, se houver a diminuição de insulina circulante no sangue, o metabolismo das proteínas também é afetado. Ocorre diminuição no transporte de aminoácidos e da síntese protéica, e aumento na proteólise, aumentando o pool de aa na circulação. Alguns aa circulantes podem ser convertidos pelo fígado em glicose, ajudando a elevar a glicemia. Com déficit de insulina, ocorre aumento excessivo da proteólise muscular, e mesmo que o indivíduo mantenha a ingestão alimentar, haverá perda de massa muscular, que junto com a degradação da gordura levará ao emagrecimento do indivíduo. Dessa forma, o diabetes por falta de insulina caracteriza-se por emagrecimento e polidipsia associada à poliúria. 25 2.3. Controle Homeostático do Metabolismo – Regulação hormonal O sistema endócrino tem uma responsabilidade primária na regulação do metabolismo energético. De acordo com as necessidades do organismo, diferentes hormônios são liberados e agem através de alterações na atividade enzimática das vias metabólicas, regulando o fluxo dos nutrientes. Uma característica significativa é a utilização de diferentes enzimas para catalisar reações diretas e inversas. Vários hormônios estão envolvidos na regulação do fluxo de nutrientes através das vias metabólicas, alterando as atividades enzimáticas. Agora veremos um pouco sobre quais os principais hormônios e como eles atuam para regular o fluxo de substratos de acordo com a demanda energética. Como já foi descrito, a glicose é o principal substrato energético para o organismo, especialmente para o SNC. Manter a glicemia dentro de uma faixa ideal (60-110 mg/dL) é a principal função do hormônio insulina, que é auxiliado por outros chamados contra-reguladores. Assim, no período absortivo, quando ocorre um aumento da glicemia, há em resposta um aumento na secreção de insulina, que ao induzir um aumento generalizado do consumo de glicose, promove uma redução da glicemia. Porém, quando há uma redução mais acentuada dos níveis glicêmicos, nos períodos de jejum, a insulinemia cai ao mínimo basal, e, ainda, há estímulo na secreção de glucagon e outros contra-reguladores da ação da insulina como o cortisol, o hormônio do crescimento (GH), e as catecolaminas, adrenalina e noradrenalina, cujas ações levam ao aumento da glicemia. 2.3.1. Hormônios Pancreáticos O pâncreas é uma glândula mista. A maior parte do tecido pancreático está envolvida com a produção e secreção de enzimas digestivas e bicarbonato. Apenas 2% da massa do órgão são grupamentos de células endócrinas, conhecidos como ilhotas de Langerhans, dispersas no tecido exócrino do pâncreas. Existem cerca de 1 milhão de ilhotas. As ilhotas contêm quatro tipos de células distintas, cada uma associada a um hormônio peptídico diferente. Três quartos da ilhota correspondem às células B (no passado chamadas de células beta) que produzem insulina e se localizam na porção central da ilhota, 20% correspondem às células A (no passado chamadas de células alfa), localizadas perifericamente e que secretam o glucagon. A insulina juntamente com o glucagon coordenam o fluxoe o destino metabólico da glicose endógena dos 26 ácidos graxos livres, dos aa e de outros substratos energéticos, e também coordenam a distribuição eficiente dos nutrientes provenientes das refeições, principalmente nos músculos, tecido adiposo e fígado. A insulina e o glucagon, na maioria dos processos, atuam de maneira antagônica para manter a concentração de glicose dentro da concentração ideal. Ambos estão presentes no sangue a maior parte do tempo, e é a proporção entre suas concentrações que determina qual via metabólica estará preferencialmente agindo. Nestas regulações, a ação da insulina é geralmente dominante sobre a do glucagon, uma vez que a concentração de glucagon na periferia, sobre tudo no músculo, é muito baixa, às vezes insuficiente para ações metabólicas efetivas. Deste modo, no estado alimentado, quando está ocorrendo absorção dos nutrientes, há um predomínio da insulina, de modo que a glicose é utilizada para a produção de energia através da sua oxidação e o excesso é armazenado como glicogênio no fígado; triglicerídio e ácidos graxos no tecido adiposo, sob a forma de gordura, e os aa seguem para a síntese de proteínas. Já no estado de jejum, em concentração mínima de insulina e com ajuda do glucagon que aumenta, tudo se inverte, contribuindo para impedir que ocorra uma redução excessiva da glicemia: há um estímulo para que o fígado libere glicose a partir do glicogênio armazenado e sintetize glicose a partir de outros substratos através da gliconeogênese, e há degradação de triglicerídio e ácidos graxos no tecido adiposo, e de proteínas no músculo provendo precursores gliconeogênicos para o fígado. Além disso, os ácidos graxos oriundos da lipólise podem ser fonte alternativa de energia. Em uma pessoa saudável, a glicose é mantida dentro da faixa de 60 a 99 mg/dL no plasma de um indivíduo em jejum. Podendo aumentar transitoriamente até cerca de 120 mg/dL após uma refeição. A glicemia pós-refeição estimula a liberação de insulina (até 75 µU/mL) e inibe a de glucagon (60 pg/mL), o que por sua vez promove a utilização (consumo ou estoque) de glicose. Durante o jejum noturno há redução na glicemia (até 60 mg/dL) e também na insulinemia (10 µU/mL) com aumento na concentração de glucagon (75 pg/mL), o que estimula as vias metabólicas que promovem produção endógena de glicose, e fortalecem a idéia de que a direção do metabolismo energético é determinada pela proporção insulina-glucagon. 27 Insulina A insulina é um hormônio peptídico constituído por duas cadeias, A e B, unidas por pontes dissulfeto, e provenientes de uma única mólecula chamada pró- insulina, codificada por um gene específico. O principal estímulo para a secreção de insulina é um aumento na glicemia acima de valores de 100mg/dL. A glicose chega à célula B, e é transportada para dentro da célula através do transportador de glicose GLUT2. Sua entrada desencadeia uma série de eventos que culminam com a entrada de cálcio na célula e a exocitose dos grânulos contendo insulina. Além da glicose, que é o principal estimulador da secreção de insulina, os aa (principalmente a lisina, arginina, alanina e leucina), os ácidos graxos livres e cetoácidos também estimulam a secreção de insulina, mas em menor escala. Os neurônios parassimpáticos estimulam a secreção de insulina assim como outros hormônios, como o glucagon, peptídio semelhante ao glucagon, o polipeptídio inibidor gástrico, a secretina e a colecistocinina que estão aumentados no período de absorção dos alimentos. A redução da glicemia observada no jejum e nos exercícios promove uma redução na secreção de insulina, assim como a atividade simpática e outros reguladores, como a somatostatina, a leptina, a interleucina-1 e a prostaglandina E2. De modo que nessas situações onde há pouca glicose disponível, há uma inibição na secreção de insulina reduzindo seu efeito de estocar substratos no músculo e no tecido adiposo, e favorecer a distribuição de glicose para os tecidos que consome exclusivamente este substrato energético como o SNC. Os alvos primários da insulina no metabolismo intermediário (período entre a aquisição e o gasto de energia, ou seja, período em que os metabolitos são estocados ou não) são o fígado, o tecido adiposo e os músculos esqueléticos. No geral a insulina provoca um aumento no metabolismo da glicose, mas alguns tecidos como cérebro e epitélios renal e intestinal não exigem insulina para utilizar a glicose em seu metabolismo. Como a insulina diminui a concentração de glicose no plasma? 1) Aumentando a captação e o estoque de glicose: A insulina aumenta a captação de glicose no tecido adiposo e nos músculos esqueléticos por promover uma translocação do transportador de glicose sensível à insulina, o GLUT4, para a membrana plasmática. No estado basal, parte do GLUT4 28 está localizada em vesículas no citoplasma, e com a estimulação da insulina, uma série de eventos culmina com a translocação dessas vesículas e inserção das proteínas na membrana plasmática aumentando a difusão facilitada da glicose. Nos hepatócitos, o aumento do transporte de glicose é realizado indiretamente por ação da insulina. A insulina ativa a enzima glicocinase que fosforila a glicose em glicose-6-fosfato e com isso mantêm a concentração de glicose intracelular baixa, mantendo um alto gradiente (diferença) de concentração, e assim permitindo que a glicose continue a se difundir para o hepatócito pelo GLUT2. Observação: Os GLUTs são capazes de realizar fluxo bi-direcional de glicose, de acordo com o gradiente de concentração. Assim, no jejum, com uma baixa ação da insulina, a concentração extra-celular de glicose é baixa, enquanto a intracelular é muito maior, em consequência da formação de glicose a partir da gliconeogênese e da glicogenólise, e então ocorre efluxo (saída) de glicose do hepatócito para o sangue. 2) Acentuando a captação e a utilização de glicose: Na maioria dos tecidos, incluindo os já citados territórios de estoque, a insulina estimula a via glicolítica pela enzima glicocinase, reduzindo a concentração de glicose livre, e assim aumento o gradiente para influxo da glicose para ser estocada. Por exemplo, nos músculos, cerca de 20-50% da glicose captada sofre oxidação, o restante é armazenado como glicogênio (varia de acordo com o tipo de fibra muscular). A insulina também estimula a captação de aa e síntese protéica – anabolismo – e inibe a proteólise, diminuindo a saída de aa e, por conseguinte, reduzindo ainda esse produto necessário para a gliconeogênese. Deficiência de insulina A deficiência de insulina leva a um quadro muito bem conhecido pela sociedade, o diabetes mellitus ou apenas diabetes. O diabetes é uma doença epidêmica na atualidade que acomete cerca de 200 milhões de pessoas no mundo. Isto porque esta disfunção está associada a fatores ambientais tais como hábitos alimentares e padrão de atividade física. A incidência do diabetes está associada diretamente à obesidade, que vem crescendo assustadoramente. Esta doença pode ser classificada em dois tipos: diabetes tipo 1 (a causa primária é deficiência na produção de insulina) e diabetes tipo 2 (a causa primária é deficiência na ação biológica da insulina). No primeiro caso há uma destruição, em geral auto-imune das 29 células B pancreáticas, assim não há produção de insulina, e o paciente torna- se dependente de insulina exógena. Já no segundo caso, ocorre uma deficiência na capacidade dos tecidos responderem a insulina, e com isto captarem glicose, o que leva a um acúmulodo substrato na circulação. Haverá então, inicialmente, uma hipersecreção de insulina (compensatória), que segue-se de falência progressiva das células B, comprometendo ao longo do tempo a secreção de insulina. Neste tipo de diabetes (tipo 2), o uso de medicamentos que aumentem a eficiência de ação do hormônio ou estimulem sua secreção (deve-se tomar cuidado com o estímulo da secreção pois pode acelerar a falência das células B) é indicado para o controle da doença. É muito importante destacar que é o diabetes tipo 2 que se relaciona com obesidade, e que tem sua incidência crescente, determinando prevalências epidêmicas no mundo atual. O diabetes causa importantes alterações metabólicas na maioria das células, o que ao longo prazo leva a alterações morfo-estruturais em vários tecidos como vasos sanguíneos (macroangiopatia que leva ao infarto do miocárdio e ao acidente vascular cerebral), rim (nefropatia, que leva à insuficiência renal), neurônios (neuropatia, que leva à perda de sensibilidade, ou defeitos motores), retina (retinopatia que leva à cegueira). Hiperinsulinemia O excesso de insulina no sangue promove aumento do transporte/utilização de glicose pelos tecidos, levando a um quadro de hipoglicemia (diminuição de glicose circulante no sangue), causando alterações neurológicas que podem ser graves, incluindo o coma insulínico. Hiperinsulinemia endógena é rara, e pode ocorrer em pacientes portadores de insulinoma (tumor das células B secretor de insulina), ou, que tenham defeitos genéticos que induzem hipersecreção de insulina. Porém, pode ocorrer com mais frequência em pacientes tratados com insulina exógena, cuja busca de glicemias baixas induz a hiperinsulinemia. Este quadro pode ocorrer no início da diabetes do tipo 2, pois o organismo hipersecreta insulina para tentar controlar os níveis de glicemia, porém, com o tempo as células entram em exaustão e falência, assim este paciente também passa a depender de insulina exógena, porém, em doses menores do que o paciente com diabetes do tipo 1. 30 Glucagon O glucagon é um peptídeo de cadeia única, com 29 aa, secretado pelas células A pancreáticas, e suas ações sobre o metabolismo energético são antagônicas às ações da insulina. O principal estímulo para a secreção de glucagon é a redução da glicemia para valores inferiores a 70 mg/dL, e decorre principalmente da queda da insulina, que tem efeito parácrino inibidor da secreção de glucagon. Outros fatores estimulam a secreção de glucagon em menor escala, os aa alanina, serina, glicina, cisteína, e treonina, a atividade simpática, alguns hormônios gastrointestinais, tais como gastrina e colecistocinina, e situações como jejum (onde há redução da glicemia), exercício físico e estresse (situações que necessitam de um aporte energético para os músculos envolvidos com o exercício ou com a possível reação de fuga). Os aa estimulam tanto a secreção de insulina quanto a de glucagon, a secreção deste último previne uma hipoglicemia decorrente de uma refeição contendo apenas proteína e não carboidratos. Em praticamente todos os aspectos, as ações do glucagon são exatamente opostas àquelas da insulina, promovendo a mobilização de combustíveis em especial a glicose. O principal alvo é o fígado, onde estimula a produção de glicose, por estimular as enzimas que fazem parte das vias da glicogenólise (glicogênio fosforilase) e da gliconeogênese (PEPCK e G6-Pase) e inibe as enzimas da glicólise (glicocinase) e da síntese de glicogênio (glicogênio sintase).. Assim o glucagon contribui, junto à redução da insulina, para aumentar a concentração plasmática de glicose. A insulina e o glucagon são responsáveis pelo controle minuto-a-minuto da glicemia. No caso do jejum se prolongar por mais de alguns dias, ocorrem outras alterações além da queda da relação insulina-glucagon. O organismo pode sobreviver por 2 a 3 meses sem alimentação graças a regulação precisa e coordenada do metabolismo energético por parte dos hormônios, metabólitos e sistema nervoso. 2.3.2. Hormônios contra-reguladores da insulina Outros hormônios atuam no período de jejum para manutenção da glicemia, regulando o fluxo dos diferentes substratos energético. Como estes atuam no sentido de aumentar a glicemia, eles são chamados, juntamente com o glucagon, de hormônios contra-reguladores da ação da insulina. 31 Entre eles estão as catecolaminas, adrenalina e noradrenalina (ADR e NOR) produzidas na medula da glândula adrenal ou liberadas de terminações simpáticas, o cortisol, um glicocorticoide produzido na zona fasciculada do córtex adrenal, e o hormônio do crescimento (GH), produzido na hipófise anterior. As catecolaminas, principalmente a ADR que é produzida em maior quantidade pela medula adrenal, atuam no fígado estimulando a gliconeogênese e a glicogenólise, aumentando a saída de glicose para o sangue. Também promove a ativação da enzima lipase hormônio sensível, promovendo a lipólise dos triglicerídios do tecido adiposo e aumentando a concentração de ácidos graxos livres e glicerol plasmáticos. Nos músculos, as catecolaminas reduzem a proteólise, auxiliando na manutenção da massa muscular, um efeito muito importante para balancear os efeitos do cortisol sobre a massa protéica. Com relação ao cortisol, suas ações sobre o metabolismo dos carboidratos incluem o estímulo da gliconeogênese e a redução na utilização de glicose. Sobre o metabolismo de proteínas, o cortisol reduz a síntese e aumenta o catabolismo, reduz a captação de aa por tecidos extra-hepáticos e aumenta a captação hepática para fornecer substratos a gliconeogênese. Sobre os lipídios, o cortisol possui efeito dual, podendo ser lipolítico ou lipogênico, de acordo com o território adiposo. Enquanto reduz massa adiposa periférica, ele estimula o acúmulo de gordura centrípeta. O GH possui uma ação anabólica sobre a síntese protéica, seja no fígado como nos músculos, aumentando a captação de aa, inibindo uma proteólise acentuada causada pelo aumento do cortisol. O GH também aumenta a gliconeogênese, a síntese de proteínas envolvidas neste processo e a lipólise, esta última através da ativação da lípase hormônio sensível. Além disso, o GH diminui a captação de glicose, favorecendo a utilização de ácidos graxos livres como fonte energética. As ações desses hormônios contra-reguladores são muito parecidas e juntas garantem que haja um direcionamento do consumo de glicose preferencialmente para o cérebro e hemácias e um consumo de ácidos graxos livres pelos demais tecidos para poupar a glicose. Estas ações também ocorrem no exercício físico. Diferentemente do jejum, que é caracterizado por um período sem ingestão alimentar, no exercício físico a demanda por energia aumenta, necessitando da ação destes contra-reguladores para que haja alterações nos fluxos metabólicos e consequentemente manutenção da glicemia dentro de níveis aceitáveis. 32 Estes hormônios, por serem contra-reguladores da insulina, são considerados diabetogênicos, e quando em excesso (como em algumas doenças) podem induzir o que se chama de diabetes secundário. 2.4. Jejum prolongado Caso o jejum se prolongue, ocorrem adaptações no SNC (expressão de enzimas oxidativas), o que permite usar os corpos cetônicos como fonte de energia. Nestas situações, a gliconeogênese renal é intensa, e contribui com a hepática. Há uma redução da atividade tireoidiana, reduzindo assim a taxa metabólica basal, o que permite maior poupança das reservas energéticas. O tempo de sobrevivência sem ingestão alimentarse dependesse das reservas energéticas do tecido adiposo seria muito longo. Entretanto ocorre importante desequilíbrio hidroeletrolítico, junto a intensa proteólise, o que leva à morte do indivíduo. Não fosse por isto, poderíamos manter um indivíduo sedado, até extinguir seus excessos de massa adiposa, como forma de emagrecimento. 3. Referências Bibliográficas GANONG WF. Fisiologia Médica. 22ª edição. Porto Alegre: AMGH, 2010. CURI R; PROCOPIO, J. Fisiologia Basica. 1ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. AIRES, M.M. Fisiologia. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. BERNE R.M.; LEVY M.N.; KOEPPEN BM; STANTON BA. Fisiologia. 5a edição. Elsiever, 2004. SILVERTHORN, D.U. Fisiologia Humana: Uma abordagem integrada. 2ª edição. Manole, 2003. VIII Curso de Inverno ICB-USP 33 Capítulo 2 - Controle Alimentar Autoras: Lais Cardinali, Vanessa Sayuri Nagaishi Revisão: Prof. Dr. José Donato Júnior Pela manhã, após um longo período de sono, Fisiolino e Extremoso estão “morrendo” de fome: o estômago começa a roncar, e só de pensar no café da manhã já começam a salivar. Cada um dos irmãos toma café da manhã à sua maneira: Fisiolino com uma dieta mais equilibrada e Extremoso, não muito preocupado com isso, é adepto de refeições rápidas e não muito elaboradas. Todos conhecemos a sensação de fome, mas o que será que acontece em nosso corpo que induz essa sensação e nos impele a buscar alimento? Será que a composição nutricional da refeição influi no controle alimentar? E quando começamos a comer uma refeição, o que nos faz parar? Neste capítulo, abordaremos como a fisiologia se encarrega de regular a ingestão de alimentos, bem como o que “falha” nesses mecanismos que acaba por levar à obesidade. 1. Fome X Apetite X Saciedade Comemos quando estamos com fome e paramos de comer porque estamos saciados. Isso parece óbvio. Mas o que será que ocorre em nosso corpo que resulta na sensação de fome e saciedade? O sistema digestório não é capaz de regular por si só a ingestão de energia. Uma vez que engolimos um alimento, este será digerido e seus nutrientes serão absorvidos. Dessa forma, o ato de comer é o meio pelo qual o corpo exerce controle da entrada de energia e dependemos de mecanismos comportamentais, como a fome e a saciedade, para nos dizer quando e quanto comer. Fome, apetite, saciedade. Cada uma dessas sensações sofre controle fisiológico, bem como influência de fatores ambientais e culturais. A fome pode ser caracterizada como uma grande vontade de comer. Uma característica peculiar da fome é a sensação de aperto no estômago, acompanhada de contrações involuntárias rítmicas e inquietude, que fazem com que o indivíduo 34 procure por adequado suprimento alimentar. Estudos recentes mostraram que a fome, além da supressão da intensidade dos sinais de saciedade, os quais serão apresentados posteriormente, é resultado da liberação de um hormônio, a grelina. Esse hormônio, produzido principalmente pelo estômago, é liberado para a corrente sanguínea quando o estômago está vazio e em estados de hipoglicemia (condição em que os níveis de glicose no sangue estão abaixo do normal). A grelina age nos mesmos neurônios que a leptina, hormônio que será abordado posteriormente, mas realizando ações contrárias, ou seja, induzindo sensação de fome. Sua concentração aumenta no jejum, tem um pico antes das refeições e reduz logo após a ingestão de alimentos (Figura 1). Figura 1 - Distribuição de concentrações plasmáticas de grelina durante 24h e associação com consumo de café-da-manhã (C), almoço (A) e jantar (J). Fonte: Adaptado de Cummings et al, 2001. A queda da concentração de glicose no sangue é, portanto, um fator que estimula a ingestão alimentar. Esse controle alimentar baseado nos níveis de glicemia ficou conhecido como teoria glicostática. A vontade que sentimos de comer chocolate, não é fome, é apetite. O apetite é um refinamento do processo de fome, sendo o desejo por um alimento de tipo particular e, por tanto, útil em ajudar a escolher a qualidade/composição do alimento a ser ingerido. O termo saciedade é usado para descrever a sensação que é oposta à fome. Significa uma sensação de plenitude em relação à necessidade de alimentos. Em geral, a saciedade surge após uma refeição completa, onde diferentes sinais advindos de diversas áreas do organismo são processados no sistema nervoso central, sinalizando a inibição da fome. 35 2. Regulação central da ingestão alimentar A regulação dos comportamentos motivados, como a fome, sede e comportamentos sexuais, é realizada na porção do cérebro denominada hipotálamo (Figura 2a). Figura 2 – Regulação central do controle do comportamento alimentar. (a) Visão sagital do encéfalo humano, mostrando a localização do hipotálamo. (b) Secção coronal no plano indicado na parte a, mostrando a localização de três importantes núcleos para o controle do comportamento alimentar: o n. arqueado, o n. paraventricular e a área hipotalâmica lateral. Fonte: adaptado de Bear, 2008. Estudos em ratos mostraram que uma lesão bilateral (destruição de neurônios) de uma porção do hipotálamo, denominado hipotálamo ventromedial, faz com que o animal aumente a ingestão de alimentos, tornando-se obeso; e quando a lesão acomete o hipotálamo lateral, o animal não come e acaba por desenvolver anorexia. Esses achados difundiram a ideia de que o hipotálamo ventromedial seria o “centro da saciedade”, enquanto o hipotálamo lateral seria o “centro da fome”. Hoje é conhecido que o controle alimentar não se resume a esse “centro dual”, havendo outros importantes centros hipotalâmicos envolvidos, como os núcleos arqueado e paraventricular (Figura 2b), bem como mecanismos periféricos (fora do sistema nervoso central). O núcleo arqueado compreende dois grupos de neurônios importantes para o controle alimentar, os neurônios anorexígenos, os quais liberam neurotransmissores (α-MSH e CART) que inibem a ingestão alimentar, e os neurônios orexígenos (liberam NPY e AgRP), que estimulam essa ingestão. Esses centros hipotalâmicos são influenciados por diversos sinais, incluindo alguns hormônios (grelina, leptina, colecistoquinina e insulina) e sinais neurais provenientes do trato gastrointestinal, que abordaremos posteriormente. 36 3. Mecanismos de regulação da ingestão alimentar A natureza nos dotou de mecanismos sofisticados de controle alimentar, alguns atuando durante um longo período, determinando a manutenção das reservas de gordura corporal, e outros durante um curto período, regulando o tamanho e a frequência de cada refeição. 3.1. Leptina: regulação a longo prazo A energia é essencial para o funcionamento do corpo. Dessa forma, nosso organismo é dotado de complexos mecanismos que regulam a ingestão alimentar conforme a necessidade, impelindo o indivíduo a buscar alimento ou suprimindo sua fome; e o excesso de energia ingerido é armazenado, em sua maior parte, como gordura, podendo ser acionado quando necessário. Os mecanismos de longo prazo do controle alimentar são os responsáveis pela manutenção da estabilidade relativa dessas reservas energéticas (gordura) ao longo do tempo. O organismo tende a manter as reservas energéticas corporais relativamente constantes. Se você já tentou emagrecer, sabe como o corpo se empenha em frustrar essa tentativa. Isso também pode ser observado em modelos animais. Ratos induzidos a perder peso por redução da ingestão calórica, quando têm acesso livre ao alimento passam a comer uma quantidade
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