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E ta p gu na obra contém matéria para alimentar a r fi xõ do primeiro semestre letivo, em disciplinas m "Intr dução ao Direito" ou "Instituições de Direito P rbl! Privado" ou "Instituições de Direito". -gundo minha experiência de professor, o tempo d um semestre letivo possibilita a discussão cuidadosa d 8 unidades didáticas. Com uma carga de 60 horas, será possível debater os 8 capítulos deste livro, reservar aulas para revisões e provas e promover um pequeno seminário sobre algum tema considerado digno de um aprofundamento especial, tenha sido, ou não, menciona- do neste livro. Suponho também que este texto possa ser indicado como leitura acessória, nas hipóteses em que outro livro seja adotado. O título escolhido indica o propósito desta pequena obrá. Ela reúne temas de iniciação, que eu pretendo que ajudem a gostar do Direito. 1'- Este livro busca atender a algumas linhas que fixei para o meu trabalho científico e pedagógico. Terei alcan- çado meus objetivos se este texto: a) ajudar os estudan- tes, nas primeiras trilhas do curso universitário; b) contribuir para pensar um Direito inspirado em valores humanistas, informado por um projeto de transforma- ção social; c) despertar para o desafio de refletir sobre o Direito dentro de uma ótica libertadora. Espero receber de estudantes, professores e demais leitores críticas e sugestões. Capítulo I,\ Por que uma iniciação para gostar do Direito? r O móvel da aprendizagem é a motivação. Ninguém aprende bem alguma coisa se não estiver motivado para aprender. Segundo os psicólogos, a motivação mais eficaz não é a motivação negativa - aprender por medo de ficar reprovado, aprender por medo de ser malsucedido etc. A motivação de maior eficiência é a motivação positi- va - aprender por gosto, aprender prazerosamente etc. Por esse motivo, uma cadeira introdutória ao estu-._ do do Direito deve ser. segundo penso, uma iniciação para gostar do Direito. É assim que vejo a "Introdução ao Direito", matéria que abre para os alunos as portas do Curso de Direito. Seu objetivo principal deve ser o de despertar nos principiantes o gosto e o entusiasmo pelo Direito. .; Nos cursos jurídicos, a "Introdução ao Direito", como disciplina do currículo, tem duas características fundamentais: - a) é introdutória, ou seja, é disciplina de iniciação aos estudos de Direito; b) tem finalidade exclusivamente didática. Todas as cadeiras de um curso têm função didática, isto é, todas as cadeiras estão endereçadas à formação dos alunos. Assim acontece, por exemplo, com as diver- sas matérias do currículo jurídico. João Baptista Herkenhojj Av. Antônio Gil Veloso, 2232 - ap. 1601 Edif. Murano - Praia da Costa Vila Velha, ES - CEP: 29.101-735. Fone: (27) 3389-5661 e-rnail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.joaobaptista.com 8 João Btipiista Herkenhcff Para gostar do Direito 9 Quando dizemos que a "Introdução ao Direito" tem papel exclusivamente didático, queremos significar algo mais. As outras cadeiras têm função didática, ao lado da função de ministrar os conhecimentos correspondentes a uma disciplina jurídica determinada, a uma disciplina jurídica autônoma. Assim acontece com o Direito Civil, ,/ o Direito Constitucional, o Direito.jf'revidenciário, o Direito Penal, o Direito Processual Penal etc. São disci- plinas jurídicas que têm autonomia científica. Já no caso da "Introdução ao Direito", a disciplina tem apenasfunção didática, ou seja, função formativa. A "Introdução ao Direito" não é uma disciplina jurídica, não balisa um setor da Ciência do Direito. Enfim, a "Introdução ao Direito" não tem' autonomia científica. Teria essa autonomia científica se fosse uma campo específico do saber jurídico. . A disciplina "Introdução ao Direito" tem dois obje- tivos gerais que me parecem básicos: Primeiro - ministrar noções, provenientes de diver- sos campos do conhecimento, para a compreensão do fenômeno jurídico; Segundo - fornecer instrumentos e informações para a apreensão dos conceitos fundamentais da Ciência do Direito. \ Penso que Antônio Luís Machado Neto foi bastante preciso quando se referiu aos temas fundamentais que devem ser tratados pela "Introdução ao Direito".' Enten- de o saudoso mestre que a disciplina cuidará: a) de meditar sobre o que seja o Direito; 1 A condensação a que nos propusemos, nesta obra, aconselhou que omitís- semos o registro das fontes bibliográficas, em notas de rodapé, ao citar autores e livros. Também em decorrência da pretendida condensação, não incluímos as referências bibliográficas, no final do volume. Na maioria dos casos, as informações sobre autores e livros referidos no texto podem ser encontradas na lista de "Leituras complementares indicadas''. que figura nas últimas páginas. b) de estabelecer os conceitos essenciais de que se vale o jurista. A meditação sobre o que seja o Direito envolve um conjunto de reflexões para definir o Direito, discutir suas diversas concepções, questionar sua natureza, sua origem, seu papel. Os conceitos essenciais de que se serve o jurista são aqueles conceitos básicos, comuns às diversas áreas do Direito. Esses conceitos não pertencem a nenhum ramo particular da árvore jurídica. São conceitos utilizados em todos os ramos do Direito, como um dado prévio, conforme observou o já citado mestre A. L. Machado Neto. Paulo Nader distingue conceitos gerais e conceitos específicos. Os conceitos gerais são aqueles que se referem ao conjunto da Ciência do Direito. São exemplos de conceitos gerais: fato jurídico, relação jurídica, Direito, lei, justiça, segurança jurídica. Os conceitos específicos são aqueles relacionados com ramos específicos do Direito. Podemos relacionar vários exemplos de conceitos específicos: crime doloso (Direito Penal ou Criminal), ato de comércio (Direito Comercial), aviso prévio (Direito do Trabalho), cidada- nia (Direito Constitucional), herança jacente (Direito Civil), auxílio-reclusão (Direito Previdenciário), fato ge- rador (Direito Tributário), licitação (Direito Administra- tivo), absolvição sumária (Direito Processual Penal), julgamento antecipado da lide (Direito Processual Ci- vil). Os conceitos gerais devem ser cuidados pela "Intro- dução ao Direito". Os conceitos específicos fogem do âmbito desta disciplina. Embora os conceitos específicos estejam metodolo- gicamente fora da seara da "Introdução ao Direito", ocorre um fato curioso. Aqueles que começam a estudar o Direito costumam ter uma grande curiosidade por 10 Para gostar do Direito 11João Bapiiem Herkenhoj] tudo aquilo que se refere ao assunto. Desvendar o vocabulário jurídico é um desafio que aguça o espírito dos estudantes. O professor de "Introdução" é freqüente- mente o destinatário das dúvidas. Nada impede, mas . tudo aconselha, segundo minha opinião, que as aulas de "Introdução" proporcionem oportunidade aos jovens de descobrir o significado dos termos jurídicos usuais, mesmo daqueles que não constituem conceitos gerais. São temas complementares, presentes com fre- qüência nos cursos de "Introdução ao Direito", os se- guintes: a) ,os da Teoria da Técnica Jurídica (fontes do Direito; hermenêutica jurídica, isto é, interpretação das leis; aplicação da lei no tempo e no espaço); b) os da Enciclopédia Jurídica ou seja, os temas destinados ao estudo da árvore do Direito e ao exame preliminar e panorâmico do conjunto do universo jurídico; c)DS da Filosofia do Direito ou, pelo menos, de uma Introdução à Filosofia do Direito; d) os da Sociologia do Direito e os da História do Direito. O conteúdo da disciplina "Introdução ao Direito" não é rigoroso. Isto é uma decorrência de seu caráter estritamente didático, do papel que a matéria desempe- nha no currículo. A escolha dos temas, a abrangência com que são tratados deriva da percepção de autores e professores. É tambémfator determinante, na organização dos programas, a presença autônoma de determinadas ca- deiras nos currículos. Se, por exemplo, disciplinas como Sociologia do Direito (ou Sociologia Jurídica) e História do Direito integram o curso, como é de todo convenien- te, deixa de haver razão para que a "Introdução ao Direito" preencha as lacunas que decorreriam da omis- são desses estudos. A diversidade no dimensionamento do conteúdo da disciplina não representa inconveniente para a apren- dizagem. Mais importante - como observa Benjamin de Oliveira Filho - é o espírito com que sejam versados os elementos integradores do curso. Os ~mas fundamentais da "Introdução ao Direito" estão na.grea da "Teoria Geral do Direito". A missão da "Teoria Geral do Direito" é estudar o fenômeno jurídico, "na simplicidade da sua evidência e da sua atualidade", como bem colocou Roberto Piragibe da Fonseca. A "TeoriaGeral do Direito" é, segundo pensoj uma- parte da Filosofia do Direito. Assim sendo, se restringi- mos a temática aos assuntos primordiais, a "Introdução ao Direito" será, na perspectiva em que nos colocamos, uma disciplina filosófica. Nas frases anteriores, utilizamos cláusulas condi- cionais nas afirmações feitas: "segundo penso", "na pers- pectiva em que nos colocamos". Isto porque, a pertença da Teoria Geral do Direito ao saber filosófico não é questão pacífica. Veremos isto melhor adiante. O alargamento do campo temático caracterizará a "Introdução ao Direito" como disciplina enciclopédica. Ocorrerá esse alargamento temático sempre que se trou- xer para o ensino da "Introdução ao Direito" temas filosóficos (Filosofia do Direito), sociológicos (Sociolo- gia do Direito), históricos (História do Direito) ou abran- gentes de variadas disciplinas do Direito (Enciclopédia Jurídica). Não vi sempre da mesma maneira os objetivos da "Introdução ao Direito". Foi o próprio exercício do ma- gistério. que foi clareando, no meu espírito, aqueles objetivos que vieram a.me parecer adequado perseguir na cadeira de "Introdução". Para a fixação desses objeti- vos contei com as próprias percepções e opiniões de meus alunos. As expectativas manifestadas por estes, no início dos cursos, muito contribuíram para a formulação dos objetivos. Afinal ninguém melhor do que o aluno pode dizer o que espera de uma cadeira introdutória. , I 12 João Baptista HerkenhoJj Para gostar do Direito 13 Estabeleci os objetivos a partir das demandas que os alu.nos. me colocaram como aquelas que deviam ser satisfeitas por um curso de "Introdução ao Direito". S~ponho,. p~es~nt~mente, que os objetivos da "In- troduçao ao. Direito sejam os seguintes: a) servir de ponte, junto com outras cadeiras entre o curso médio e o curso superior; r ; b) permitir que o estudante situe o Direito dentro do quadro universal do conhecimento' c) l~vara perceber a inter-relaçã~ entre o Direito e os demais conhecimentos, entre o Direito as Ciências Humanas, . d) estimular a reflexão sobre as relaçõ es entre os dIVer_sos fenômenos e realidades sociais, vale dizer, a relaçao entre o econômico, o político, o social, o jurídico' e) levar o iniciante a compreender o qu é o Direito; f) despertar o gosto pelo estudo do Dir ito mostrar sua importância e sua beleza; , g) ministrar a noção dos conceitos e ca tegorias fundamentais da Ciência do Direito; . h)yroporcionar ao estudante uma visão orgânica e srstcmãtíca do Direito' . i) cor:struir uma. 'base teórica para o estudo poste- nor I:'r?veitoso .das diversas disciplinas jurídicas; J) introduzir o estudante no conhecimento da termi- nologia jurídica: especialmente da terminologia básica; , .k) proporcionar a visão dos lineamentos gerais da técnica jurfd ica: . .1)dar uma visão, pelo menos geral, da evolução do Direito e d~s causas que determinam as mudanças; m) a~n~ perspectiva~ par~ ~ma visão multidiscipli- nar do Direito e para a identificação de seus diversos aspectos, enfoques e inter-relações; .. n) _incentivar a visão crítica do Direito e ajudar na formaçao de um espírito analítico que deveria nos acom- panhar sempre; 14 João Baptista Herkenhof! o) estimular a reflexão sobre 6 papel que o Direito desempenha ou pode desempenhar dentro da estrutura social; desencadear a discussão sobre a missão do juris- ta. Este último objetivo conduz a questionamentos da maior gravidade: Seria.c.jurista um simples servo da lei, um agente conservador? Teria o Direito um papel meramente ins- trumental, a serviço de uma estratégia de manutenção das estruturas sociais? Seria o Direito mera tecnologia de controle, organização e direção da vida social, como denunciou José Eduardo Faria? Ou será o Direito um poderoso instrumento' de transformação social, que pode ser colocado a serviço de opções políticas endereçadas à construção de um outro tipo de sociedade? Os objetivos retroindicados não são nada modestos. Pelo contrário, são extremamente ambiciosos. Será tal- vez impossível atingir plenamente esses objetivos através de um simples curso de "Introdução". Contudo, se hou- ver empenho de professor e alunos, as reflexões na cadeira de "Introdução" podem remeter a reflexões pos- teriores. Seria mesmo desejável que uma vez instalada uma saudável dúvida, na mente dos alunos, a curiosida- de em torno de todos esses temas viesse a ser desafio permanente, uma busca que não se esgota. A cadeira de "Introdução" tem, sobretudo, como dissemos, objetivos didáticos. É dirigida, primordial- mente, ao principiante dos estudos jurídicos. Tem a finalidade essencial de abrir para os estudantes as portas da Ciência do Direito. Mas a disciplina não termina aí seu papel. Um bom-curso d~ "Introdução" repercutirá permanen em ente no arcabouço mental do estudante e do futuro profissional. A base teórica, obtida através desses estudos, enri- quecerá a compreensão do fenômeno jurídico, em suas .diversas f~l . Para gostar do Direito 15 A visão orgânica, que a disciplina tem o deve~ de proporcionar, permitirá uma formação coerente e SIste- mática . ./0 espírito crítico, despertado pela disciplina, per- /passará o estudo de todas as áreas do Qir,:ito. , . ~ O próprio gosto ulterior pelas reflexoes teonc~s,.ou pelas pugnas práticas, err: qual9-uer campo do Direito, estará, em grande parte, ligado as marcas que um curso de "Introdução" tiver deixado no iniciante. A ambição globalizante da "Introdução ao ?~reit.?" é tão grande que, a meu ver, o int.eresse pela ma~er~a n~~ se restringe aos estudantes. Creio que para o JU~lsta Ja formado - seja o advogado militante, seja o magIst.ra~o em ação, seja o profissional de qualquer outra profissão jurídica - será útil voltar às repe.xões que ~limentaram.o primeiro encontro com o Direito. Recebi com alegna cartas de advogados e juízes testemunhando o gosto com que esses profissionais lera~ este r:osso ."para gostar do Direito". No mesmo se~tldo, OUVIdepo.lmen- tos pessoais. Em alguns casos, cunosament:, ~,paI com- prou o livro para o filho mas" antes qms dar ,~ma olhada" no texto. E nisto que deu uma olhada no texto, gostou e chegou à delicadeza de escrever para o autor. Cabe discutir se a "Introdução ao Direito" é uma disciplina científica. Para ingressar nessa discussão, é preciso faze~ u~a dist~~çãO prel~minar:. . " a) restnngImos a Introduçao ao Direito aos temas essenciais? b) ou: alargamos o campo temático e conferimos à disciplina um caráter enciclopédico? .' Se alargamos o campo ter;:'~tiço e. c:mfen:,n~s a disciplina um caráter enciclopédico (hipótese b), a "Introdução ao Direito" não será, de fo:n:a ..al~t.u~a, ciência. Alargado o campo temático, faltara a ~JscIplma unidade de objeto, ou seja, um campo autonomo e próprio de pesquisa. 16 João r!o/Jlis/n Herkenhof Se restringimos a "Introdução ao Direito" aos temas essenciais (hipótese "a"), a disciplina será de natureza filosófica.~Como disciplina filosófica, a "Introdução ao Direi- to" será ciência se ampliamos o conceito de "ciência" para incluir nele a Filosofia, como ciência geral. Entendendo que o conhecimento filosófico é distin- to do conhecimento científico, a "Introdução ao Direito", como Filosofia, não será Ciência. Partilho a opinião dos que distinguem o conheci- mento filosófico e o conhecimento científico. É da essên- cia do conhecimento científico a particularização, a especialização, a restrição do labor intelectual a um campo específico e preciso de estudo. O conhecimento filosófico caminha em sentido inverso. É da sua essência a busca do todo, o sentido de globalidade, a tentativa de compreender as estruturas gerais, o esforço de transpor o fenômeno e de descobrir as relações entre as realida- des parciais reveladas pela pesquisa científica. gent-t:o-destª--visão, a-Filosofia-não integra o.qu-ad-ro das ciências. Conseqüentemente, mesmo reduzindo a "Introdução ao Direito" aos temas essenciais, a disciplina será filosófica, não será científica. A "Introdução ao Direito" não se confunde nem com a Teoria Geral do Direito, nem com a Filosofia do. Direito. A essência da "Introdução ao Direito" apóia-se em temas da Teoria Geral do Direito: a meditação a respeito do que o Direito é; o estudo dos conceitos essenciais de que o jurista se utiliza. A Teoria da Técnica Jurídica, presente na maioria dos cursos dê "Introdução", é também tema da Teoria Geral do Direito. Entretanto, para atender sua finalidade didática, a "Introdução" deve transpor os temas da Teoria Geral do Direito. Deve abarcar a Enciclopédia Jurídica. Pode espraiar-se pela Filosofia do Direito, para além da Teoria Para gostar do Direito 17 Geral do Direito. Pode, eventualmente, incursionar pela Sociologia do Direito e pela História do Direito. Sem prejuízo da procedência de todas essas obser- vações, a distinção principal, a meu ver, não se situa na temática. A distinção principal está na orientação que deve ter um curso de "Introdução". Creio que um curso de "Introdução" deve ser aberto, sem travas metodológicas que restrinjam o exame de matérias. Deve ser endereça- do à aprendizagem servindo como ferramenta para o ingresso do espírito no mundo do Direito. Não são essas as características da Teoria Geral do Direito, uma vez que seus objetivos têm maior precisão. • A Introdução ao Direito tambémnão s€ confunde com a Filosofia do Direito. A Introdução ao Direito inclui, no seu âmbito, temas de Filosofia do Direito: a) os da Teoria Geral do Direito, como já foi explica- é possível como coroamento dos estudos jurídicos. A "Introdução" não pode buscar essa síntese superior. Diferentemente, seu propósito é alcançar uma síntese elementar do Direito. É ponto polêmico incluir, ou não, a Teoria Geral do Direito no âmbito da Filosofia do Direito. Luís Recaséns Siches, Miguel Reale e A. L. Machado Neto pensam que a Teoria Geral do Direito integra a Filosofia do Direito. Luis Recaséns Siches coloca que incumbe à Teoria Geral do Direito tratar do que está aquém do Direito. Miguel Reale percebe a Teoria Geral do Direito como a projeção imediata da Epistemologia Jurídica (uma parte da Filosofia do Direito) no plano empírico- positivo. Observa A. L. Machado Neto que a Teoria Geral do Direito trata de pressupostos da Ciência do Direito, não se confundindo com esta. O campo da Teoria Geral do Direito é mais genérico que o da Ciência do Direito. A Teoria Geral do Direito objetiva precisar conceitos ge- rais, sem os quais os juristas não podem lograr a realiza- ção do seu mister. Por ver na Teoria Geral do Direito uma teoria da ciência (epistemologia), A. L. Machado Neto situa a Teoria Geral do Direito no campo da Filosofia do Direito. Em posição oposta coloca-se Hans Kelsen. Para este, a Teoria Geral do Direito é a "Ciência do Direito". Também na linha de uma Teoria Geral do Direito, de natureza científica, militante mente não-filosófica, colo- caram-se A. Merkel (na Alemanha), Filomusi Guelfi (na Itália), Edmond-Picard, Paul Roubier, [ean Dabin (na França). Ainda na França, Jean Louis Bergel distingue a Teoria Geral do Direito e a Filosofia do Direito como conhecimentos absolutamente independentes. Bergel pensa que a Teoria Geral do Direito parte da observação dos sistemas jurídicos, da pesquisa de seus do; b) outros temas de Filosofia do Direito, que trans- põem os da Teoria Geral do Direito. Temas de índole filosófica, que transpoem os da Teoria Geral do Direito, são aqueles relacionados com os fundamentos e valores gerais do Direito~ As disciplinas, entretanto, não se confundem, por duas razões: primeira razão - a "Introdução" abarca temas alheios à Filosofia do Direito, como já dissemos; segunda razão - os temas da Filosofia do Direito são tratados, na "Introdução", de maneira elementar, em atenção ao objetivo didático, de iniciação, que caracteri- za esta matéria. O ponto em comum entre as duas disciplinas é que tanto a Filosofia do Direito, quanto a Introdução ao Direito buscam uma síntese do Direito. . Entretanto, como observa A. Machado Paupério, a Filosofia do Direito busca uma síntese superior. Esta só 18 João Baptista Herkenhof] Para gostar do Direito 19 elementos permanentes, de sua articulação. De tudo isso procura extrair os conceitos, as técnicas, as principais construções intelectuais. Já a Filosofia do Direito tende a despir o Direito de sua aparelhagem técnica com o propósito de melhor compreender sua essência e descobrir sua significação melajurídica. Observa Bergel que tanto a Teoria Geral do Direito quanto a Filosofia do Direito tentam compreender o que é o Direito, a que se dirige, quàis são seus objetivos e fundamentosl A Teoria Geral do Direito faz ess~s inda- gações a partir do Direito com o objetivo de domma:- sua aplicação. Já a Filosofia do pireito faz a~ mes~as inda- gações a partir da Filosofia. E mais uma Filosofia sobre o Direito. Paulo Dourado de Gusmão vê a Teoria Geral do Direito como a síntese que coroa a Ciência do Direito. Alessandro Groppali também encontra uma dife- rença radical entre a Teoria Geral do Direito e a Filosofia do Direito. Não obstante, para Groppali a Teoria Geral do Direito é o traço de união entre as ciências jurídicas particulares e a Filosofia do Direito. . . . Daniel Coelho de Souza e Mana Helena DmIZ entendem que a Teoria Geral do Direi~o .ocupa ,::na posição fronteiriça entre a Fil.o~o.fia do I?lf~IAtO~ a Ciên- cia do Direito. Pela sua positividade, e Ciência. Pelos temas que considera e pela generalidade com que o faz, é Filosofia. Para Benjamin de Oliveira Filho, a Teoria Geral do Direito é uma Filosofia do Direito sem Filosofia. Isto porque buscaria a Teoria Gera~ do ?ireito .a :nesma generalidade e globalidade da Filosofia do Direito, po- rém a partir de dados empíricos. . Acompanho os autores que en~ende~ ser a· ~e~ria Geral do Direito uma parte da Filosofia do Direito. Apóio sobretudo as razões apresentadas por A. L. Ma- chado Neto para situar a Teoria Geral do Direito no âmbito da Filosofia do Direito. A "Introdução ao Direito" ou uma disciplina intro- dutória de objetivos parecidos sempre fez parte do currículo dos cursos de Direito. No Brasil, quando os Cursos Jurídicos foram funda-, dos (11 de agosto de 1827), a cadeira colocada no c~rículo, com função iniciatória, foi denominada "Di- reito Natural". O "Direito Natural" figurou nos currículos até 1891. Nesse ano, a Reforma-Benjamin Constant substituiu o "Direito Natural" por uma outra cadeira: "Filosofia e História do Direito". \ O "Direito Natural" foi retirado do currículo, em razão das idéias positivistas adotadas pela República. A disciplina "Filosofia e História do Direito" deve- ria ser estudada no 10 ano do curso. Em 1895, a cadeira "Filosofia e História do Direito" foi desdobrada:a Filosofia do Direito passou a ser estudada no 10 ano, enquanto a História do Direito foi retirada do currículo. A "Enciclopédia Jurídica" foi instituída em 1912, como cadeira introdutória (Reforma Rivadávia Correia). Foi suprimida em 1915 pela Reforma Maximiliano. A "Filosofia do Direito" continuou a integrar o currículo, ora no 50; ora no 10 ano. Em 1931 foi instituída a cadeira de "Introdução à Ciência do Direito". Veio com a organização da Univer- .sidade do Rio de Janeiro. A matéria devia ser estudada 11010 ano. O advento da disciplina "Introdução à Ciência do Direito" deslocou a "Filosofia do Direito" para o Curso de Doutorado. "Introdução ao Direito" é o nome que a antiga "Introdução à Ciência do Direito" passou a ter, a partir de 1972. Constitui disciplina do currículo mínimo do curso de graduação em Direito. ,. 20 João Baptista Herkenhojj Para gostar do Direito 21 A "Introdução ao Direito" abre o Curso Jurídico para os estudantes e desencadeia a reflexão teórica sobre os grandes temas do Direito. Mas se destina a jovens que apenas principiam seus estudos. A meu ver, a Filosofia do Direito deveria ser, no final do curso, o eixo catalisador, o fechamento de uma formação verdadeiramente "universitária". Universida- de, na sua etimologia, traz a idéia de "universalidade, totalidade". O saber universitário é o saber não compar- timentado, não fragmentado, mas íntegro, universal. A Filosofia do Direito, não apenas presente no currículo, mas estudada com interesse e paixão, pode contribuir para essa abertura universal do saber jurídi- co. De longa data, vínhamos defendendo, na cátedra, em artigos, nas edições anteriores deste livro, o restabe- lecimento da Filosofia do Direito no currículo, mais de 60 anos depois que foi dele retirado. No início de nossa pregação, o momento histórico era totalmente adverso a esse tipo de proposta. Não agrada às ditaduras qualquer espécie de questionarnen- to sobre a essência das coisas. Aos regimes totalitários melhor se adequa o "amém, amém", o simples estudo da Técnica Jurídica e das leis vigentes, sem qualquer pre- tensão crítica. Junto com a Filosofia do Direito parece-me bem próprio o estudo da Ética Jurídica, ou seja, a Ética aplicada às profissões de advogado, juiz, membro do Ministério Publico e outras que decorrem dos estudos de Direito. Capitulo 11 Definições e concepções do Direito. Disciplinas que estudam o fenômeno jurídico A palavra "direito" provém do baixo latim. Origina- se do adjetivo dírectus (qualidade do que está conforme à reta; o que não tem inclinação, desvio ou curvatura). O adjetivo dírectus é proveniente do particípio passado do verbo dírígere, equivalente a "guiar, conduzir, traçar, alinhar, endireitar, ordenar". O vocábulo "direito" surgiu aproximadamente no- Século IV. Os romanos usavam a palavra jus, para significar o que era lícito. Injuría designava o que era ilícito. . Desde sua formação até hoje, o vocábulo "direito" passou por diversos significados. Primeiro quis dizer "a ·qualidade do que está conforme à reta". Depois "aquilo que está conforme à lei". E daí, seguidamente, veio a significar "a própria lei"; "o conjunto das leis"; "a ciência que estuda as leis". Em diversas línguas ocidentais, o vocábulo "direi- .to" encontra similar: derecho (espanhol), droít (francês), dírítto (italiano), dreptu (romeno), recht (alemão), ret (dinamarquês) . Não é possível estabelecer uma única definição lógica de "direito". Isto porque a palavra "direito" é empregada em mais de um sentido. /' I Para gostar do Direito 2322 João Baptista Herkennof] Noprimeiro sentido que vamos examinar, direito é o conjunto de normas ou regras jurídicas. Esta acepção nos dá a idéia de "direito como norma" ou "direito em sentido objetivo". Direito, na acepção de lei ou norma, foi definido por Clóvis Bevilacqua como "regra social obrigatória". O direito, como norma, pode ser empregado para significar: - a norma jurídica reguladora da conduta social do homem, considerada genericamente (quando se diz, por exemplo, que "as regras de direito são obrigatórias"); - o conjunto de normas relacionadas a um ramo determinado do Direito (Direito Penal, Direito Ci- vil); - o sistema de normas jurídicas vigentes num deter- minado país (direito brasileiro, direito francês). O direito como norma é também chamado direito positivo. A designação "Direito Positivo" é usada princi- palmente para contrastar com a expressão "Direito Na- tural". Direito Positivo é "o Direito institucionalizado pelo Estado" (Paulo Nader); é "o sistema normativo-jurídico vigente em determinada época e lugar" (Luiz Fernando Coelho). O direito positivo é o direito escrito, elaborado pelo poder competente, ou a norma consuetudinária, não-es- crita, resultante dos usos e costumes de cada povo. Também o direito histórico, não mais vigente, é direito positivo. O direito histórico tem o caráter de. direito positivo porque, a seu tempo, foi vigente. Num segundo sentido, o direito é a autorização que um sujeito tem para exigir a prestação de um dever por parte de outro sujeito. Nesta acepção, o direito é entendido como faculda- de. O direito como faculdade é o direito subjetivo. André Franco Montoro definiu o direito subjetivo como o poder de uma pessoa individual ou coletiva, em relação a' determinado objeto. O direito como faculdade apresenta-se de duas formas diferentes: / - como "interesse", ou seja, quando é instituído em benefício do próprio titular (exemplo: o direito, que toda pessoa tem, ao sossego noturno); - como "função", isto é, quando sua instituição se faz em benefício de terceiros, não em benefício do titular (exemplo: o direito ao exercício livre do mandato parlamen- tar, instituído, não em favor do próprio parlamentar, mas em favor do povo, da democracia, da expressão das diversas correntes de opinião). Num terceiro sentido, o Direito é a idéia ou o ideal de Justiça, ou o bem devido por justiça, ou a conformidade com as exigências de Justiça. A essa acepção refere-se Santo Tomás de Aquino quando diz que "o direito é o que é devido a outrem, segundo uma igualdade". Quem fixa essa idéia ou ideal de Justiça? Este é um ponto polêmico. Durante muito tempo a tese da existência de uma idéia ou ideal de Justiça, com força dé gerar direitos e obrigações na ordem jurídica positiva, foi sustentada exclusivamente pelos partidários do Direito Natural. C~ll!a-se [usnaturalismo a corrente de pensamen- to qve reúne todas as teorias, surgidas através do tempo, defensoras, sob diversos matizes, do Direito Natural. O ponto em comum das diversas correntes do [usnaturalismo é a afirmação de que, além do Direito Positivo, há uma outra ordem, superior àquela, que é a expressão do direito justo. A principal divergência na conceituação do Direito Natural encontra-se no problema da origem e funda- mentação desse Direito. '" 24 João Baptista Herkenhof[ Para gostar do Direito \ 25 Hermes Lima tentou definir o Direito Natural abrangendo as diversas orientações teóricas que dispu- tam a explicação desta matéria. Viu o Direito Natural como o conjunto de princípios que atribuídos a Deus, à razão, ou havidos como decorrentes da natureza das coisas, independem de convenção ou legislação. Este conjunto de princípios seriam determinantes, informati- vos ou condicionantes das leis positivas. A idéia de Direito Natural está morta, na atualida- mente ao positivismo. E a idéia de direito justo não voará em direção de nuvens metafísicas. O direito justo integra a dialética jurídica. Não se desliga das lutas sociais, no seu desenvolvimento histórico, entre espolia- dos e espoliadores, oprimidos e opressores. Roberto A. R. de Aguiar defende a busca do que ele chama de "direito comprometido". Esse "direito compro- metido" será fruto de um conflito entre o direitoposto (vigente e eficaz) e o direito em potencial, que emerge das lutas dos dominados, dos destinatários esmagados na ordem jurídica posta . Em nossa opinião, no mundo moderno, é viável e indispensável defender uma concepção ética do Direito. Será preciso compreender, de início, que vivemos um tempo de pluralismo cultural. Esse pluralismo cultural exige respeito recíproco entre as diversas culturas hu- manas. Pede a busca de diálogo e enriquecimento mútuo na troca de experiências e perspectivas. A concepção ética do Direito deve provir do próprio pluralismo, sem_ dogmatismo, antropologicamente. --- Assiste razão a Carl J. Friedrich, quando defende a necessidade de um padrão válido, fora e além do Direi- to, para proteger o Direito. A nosso ver, esse padrão é essencial, qualquer que seja a forma que assuma. Seja o direito supralegal, a que se refere Radbruch; seja a referência crítica para a legis- lação vigente, propugnada por Hermes Lima; seja a tentativa de humanização da Justiça, a que se refere Flóscolo da Nóbrega; sejam os Direitos Humanos procla- mados em foros internacionais, ou trazidos à prática efetiva, através de convenções e tribunais internacio- nais. /"Quando falamos em Direitos Humanos proclama- dos, como padrão ético para julgar a legitimidade do direito positivo, não nos referimos apenas à concepção ocidental de Direitos Humanos. Veremos que, por trás da aparência de divergências vocabulares, há muito em de? Carlos Henrique Porto Carreiro pensa que sim. Esse .autor acha que a ressurreição do Direito Natural só interessa àqueles que pretendem manter o homem sub- metido ao poder de grupos e classes que o exploram ideologicamente. Emsentido oposto, Artur Machado Paupério acha que o Direito Natural está vivo, pois que volta a polari- zar as inteligências, num movimento de autêntica flora- ção renascentista. Recaséns Siches põe um dilema. Ou aceitamos o Direito Natural como portador da idéia de Justiça, ou optamos pela ruína dos fundamentos do Direito, que se transforma em mero fenômeno de força. Paulo Nader entende que o jusfilósofo será partidá- rio do Direito Natural, ou defensor de um monismo jurídico que reduz o Direito à ordem jurídica positiva apenas. No fogo cruzado do debate, Roberto Lyra Filho propõe que se recuse a escolha entre a visão positivista e a visão jusnaturalista do Direito. Para ele, somente uma nova teoria realmente dialética do Direito evita a queda numa das pontas dessa antítese. Como em toda superação dialética, - explica Rober- to Lyra Filho, - importa conservar os aspectos válidos de ambas as posições e rejeitar os demais. Os aspectos positivos serão reenquadrados numa visão superior. Nessa linha, a positividade do Direito não conduz fatal- 26 João Baptistn Herkenhoff Para gostar do Direito 27 comum, no nível da identidade espiritual, entre a Decla- ração Universal dos Direitos Humanos, estabelecida pela ONU, e outras Declarações de Direitos Humanos, como a Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a Carta Universal dos Direitos dos Povos (Carta de Argel), a Carta Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo. A única coisa, a nosso ver, intolerável é que, em face do esmagamento do ser humano, pela força de sistemas legais opressivos, não possa o jurista dizer, como o profeta, ante o opressor: "mesmo com a lei e a força nas mãos, não te é lícito fazer isto." Num quarto sentido, o Direito é o setor do conheci- me?J;toque investiga o fenômeno jurídico. /> A palavra "direito" serve tanto para designar o / ramo do conhecimento (Ciência do Direito), quanto o / objeto desse ramo do conhecimento. O Direito como ramo do conhecimento ou ciência é o estudo metódico do fenômeno jurídico e a sistematização que decorre desse estudo. Num quinto e último sentido, o Direito é um fato social. O Direito, independente de ser um conjunto de significações normativas, é também um conjunto de fenômenos que se dão na vida social. Visto dessa forma, o Direito é objeto da Sociologia do Direito (ou Sociologia Jurídica). Kôhler adotou essa perspectiva quando con- ceituou o Direito como um fenômeno da cultura. Além desses cinco sentidos e seus desdobramentos, que acabamos de examinar e discutir, ainda podemos pesquisar outro tema: Qual é a origem do Direito? Seria uma idéia inata no ser humano? Seria um produto cultural, histórico? Ou seria expressão jurídica dos interesses da classe dominante? A perspectiva de ver o direito como idéia inata é a de considerar o -sentimento de Direito e de Justiça como parte integrante da natureza humana. Nessa visão, o Direito transcenderia a experiência. Típica dessa orientação teórica é a colocação de Giorgio DeI Vecchio. Para DeI Vecchio, o Direito expri- me sempre uma verdade não-física, porém metafísica. Tradt;-z uma verdade superior à realidade dos fenôme- nos. E um modelo ideal que tende a impor-se à realida- de. O Direito carrega um princípio de valoração. Outra perspectiva entende o Direito como noção histórica. Rudolf Von Ihering adota essa orientação. Na percepção de Ihering, os direitos transformam-se, à medida que se alteram os interesses da vida. Interesses e direitos são historicamente paralelos. No Brasil, Sílvio Romero e Tobias Barreto, dentre outros, aderiram à corrente histórica, na explicação do fenômeno jurídico. '> Sílvio Romero definiu o Direito como complexo de condições, criadas pelo espírito das várias épocas. O Direito serve para -limitar o conflito das liberdades e tornar possível a coexistência social. Tobias Barreto viu o Direito como sendo a discipli- na das. forças sociais, ou o princípio da seleção legal na luta pela existência. Os seguidores da corrente histórica tentaram bus- car um substrato histórico para o Direito. Deram muito realce ao estudo do fenômeno jurídico à luz da História. A terceira orientação, que estamos a examinar, vê o Direito como expressão histórica de uma classe economica- mente dominante. Nessa linha, o Direito deriva das rela- ções materiais de produção. As relações de produção precisam ser regulamentadas, à medida que surgem. Devem ser regulamentadas de acordo com o interesse da classe economicamente dominante."'" I ".2928 Para gostar do DireitoJoão Baptista Herkenhoff r' / Karl Marx disse que as relações jurídicas, bem como as formas de Estado, não podem ser explicadas por si mesmas. A chamada evolução geral do espírito humano também não deslinda a questão. As relações jurídicas têm suas raízes nas condições materiais da existênciaj- Krylenko e Strogovic, na doutrina estrangeira, C. H. Porto Carreiro, no Brasil, foram alguns dos escritores que adotaram a explicação marxista do fenômeno jurídico. Segundo N. V. Krylenko, o Direito é a expressão das relações sociais dos homens, que ocorrem sobre a base das relações de produção de uma determinada sociedade. Isto acontece tanto na forma escrita da lei vigente, quanto na forma não-escrita do direito consue- tudinário. O conteúdo do Direito é a disciplina das relações sociais, no interesse da classe dominante da sociedade. Em outras palavras: as relações sociais são tuteladas pela classe dominante, mediante força coerciti- va, com a mediação do direito. M. I. Strogovic vê o Direito como um conjunto de regras de conduta que exprimem a vontade da classe dominante. Essas regras são estabelecidas ou sanciona- das pelo Estadol A execução e a observância do Direito são asseguradas pela força coativa do Estado. O objetivo do Direito é tutelar, consolidar e desenvolver as relações e o ordenamento sociais, de maneira favorável e vantajo- sa para a classe dominante. C. H. Porto Carreiro diz que o Direito fixa, acima de tudo, as relações econômicas que predominam em dada sociedade, em certo momento histórico. ODireito tem uma natureza histórica e um caráter de classe. Exprime o interesse da classe dominante, cristalizado na lei. Por esta razão, o Direito pressupõe o Estado, que é o orga- nismo capaz de impor o cumprimento da vontade de classe. Parece-me que a escola histórica deu certa luz ao problema, quando percebeu o caráter mutável do Direi- f to. Porém não desvendou a raiz da questão, o que só o Marxismo fez, quando identificou o móvel da criação e da evolução históricas do Direito. _ A visão de Direito como idéia inata é, a nosso ver, equivocada, quando pretende dar ao Direito um sentido estáticocanterior e superior à História e aos conflitos de classe. Entretanto, parece-me haver um substrato de verdade no pensamento que inspirou essa corrente. Sem prejuízo de considerar as transformações e vicissitudes do tempo histórico, sem prejuízo de constatar que deter- minadas relações de produção plasmam a maioria dos institutos jurídicos (sobretudo aqueles que modelam o núcleo central dos sistemas legislativos), parece que alguns princípios de Direito integram o mais profundo da condição humana. A observação comparada da cultu- ra jurídica de povos distantes no tempo e no espaço parece conduzir a uma tal conclusão. Acreditamos que a mais correta perspectiva é a que procura explicar o Direito como expressão histórica da disse economicamente dominante. As transformações históricas que fizeram ruir o bloco socialista não alte- ram, em nada, essa concepção. O mundo está hoje sob o ~império de uma única nação, que tenta impor o figurino neoliberal a todos os povos. Mas seria ilusório imaginar que esse domínio militar e econômico tenha a força de esmagar a Utopia que alimenta a alma humana. Vejamos, finalmente, as diversas disciplinas que estudam o Direito. O fenômeno jurídico pode ser estudado por mais de um ângulo. Daniel Coelho de Souza exemplifica muito bem. Da mesma forma que o homem, indivisível, pode se~examinado quanto a sua anatomia, morfologia, fisio- logia, psicologia etc., também o conhecimento jurídico resolve-se em vários saberes especializados. Ou seja, o fenômeno jurídico pode ser analisado por diversos ân- gulos, correspondentes a disciplinas específicas. 30 31João Baptista Herkenhojj Para gostar do Direito j r As principais disciplinas que estudam o fenômeno jurídico são a Dogmática Jurídica, a Filosofia do Direito, a Sociologia do Direito, a História do Direito, a Antropo- logia do Direito e o Direito Comparado. Também deve ser mencionada a Teoria Geral do Direito quando não se considera essa disciplina como parte da Filosofia do Direito, posição, entretanto, que não é a nossa, conforme expusemos no início deste livro. A Dogmática Jurídica estuda o Direito como um conjunto sistemático de normas de conduta que guar- -dam uma lógica interna. A Filosofia do Direito procura captar a realidade jurídica por meio de sua relação com as causas primeiras e os princípios fundamentais. Debruça-se sobre o estudo da natureza do Direito e de sua significação essencial. A Sociologia do Direito (ou Sociologia Jurídica) vê o fenômeno jurídico como fato social. A circunstância de ser o fenômeno jurídico um fato social é que justifica a própria existência da Sociologia do Direito. Encarando o Direito como fato social, a Sociologia do Direito concentra seu interesse naquilo que o Direito é, não naquilo que, hipoteticamente, devia ser. Nessa perspectiva, o Direito é visto como causa e conseqüência de outros fatos sociais. . A Sociologia do Direito procura captar a realidade jurídica e projetá-Ia em relação a causas e princípios verificáveis. A História do Direito procura inserir o fenômeno jurídico no seu contexto de espaço e tempoq Pesq~i~a e analisa os institutos jurídicos deipassado, ou nos limites de uma ordem jurídica nacional, ou num conjunto de sistemas jurídicos semelhantes, ou mesmo numa visão universal. A História do Direito, dentro de uma perspectiva moderna, não se limita à mera descrição dos fatos, numa 32 João Bapiisia l-!erkenhoff/ croruca do passado. Deve explicar os acontecimentos, interpretá-Ios e relacioná-los de forma causal. A Antropologia do Direito (ou Etnologia [urídica, ou Antropologia Jurídico-Cultural) estuda o Direito como uma dimensão da vida humana. Em face de seu propósi- to de desvendar o homem, na sua vida material e espiritual, interessa-se o antropólogo por essa faceta presente nas mais diversas culturas - o homem jurídico. Há estudos de Antropologia do Direito que versam quer sobre o homem das sociedades primitivas, quer sobre o homem das sociedades modernas. O Direito Comparado estuda as-i±1.stitB.içôese siste- mas jurídicos positivos, pertencentes a épocas e países distintos. Fixa as diferenças e semelhanças para, desse estudo, tirar conclusões sobre a evolução dos sistemas e instituições, como observou Rubem Rodrigues No- gueira. É também propósito do Direito Comparado buscar critérios para o aperfeiçoamento das instituições jurídi- cas e para a uniformização legislativa, quando cabível e conveniente ..' O Direito Comparado deve ultrapassar o mero estudo comparativo das legislações. Cabe-lhe mergulhar nos fatos culturais, políticos e econômicos para bem interpretar divergências e convergências, influências e empréstimos, investigando também as possibilidades de transposição de institutos jurídicos, tendo em vista o progresso do Direito. É extremamente importante o conhecimento das diversas disciplinas que estudam o fenômeno jurídico. A , incursão do espírito nos diversos saberes jurídicos alar- ga a compreensão do Direito. Alguns juristas entendem que cada departamento científico estuda o fenômeno jurídico dentro da respecti- va metodologia, mas não deve haver comunicação entre as respectivas visões. Essa postura reivindica para a Dogmática Jurídica a condição de ser a "Ciência" do Para gostar do Direito 33 Direito. A reflexão dos outros saberes jurídicos sobre o Direito não seria científica ou, pelo menos, o tratamento múltiplo do fato jurídico seria estranho à tarefa do jurista. Discordamos dessa posição. Não nos pa~ece que? Direito, realidade complexa, possa ser enten~ldo e,aph- cado corretamente, se adotada uma concepçao umvoca do fenômeno jurídico. Cremos que no estudo, na pesquisa. e ~a. prática diuturna do Direito, cada um dos saberes [urídicos tem sua contribuição a dar. Isto se queremos apreender. c~m sabedoria a realidade e se tencionamos fazer do Direito um instrumento de Justiça e progresso social. 34 João Baptista Herkel1hoff•• Capitulo 111 o Direi to é ciência? A aceita ão do Direito como conhecimento científi- co divide os doutrinadores. E matéria extremamente - -- controvertida, como veremos neste capítulo. O tema gerou acirradas disputas no passado. Ainda hoje está longe de ser pacífico, embora a maioria dos autores modernos incline-se pela admissão da cientifici- dade do Direito. As razões da controvérsia são de forma e de fundo, como teremos oportunidade de observar adiante. A reflexão sobre a cientificidade do Direito não é uma questão soment~todoló ica. Atinge também, na essência, o entendimento do que seja o Direito e do que seja a substância do trabalho dos operadores do conheci- mento jurídico. O debate deste tema ajuda a aclarar a compreensão do que é o próprio fenômeno jurídico. Em outras pala- vras: este debate tem um fruto reflexo; joga luz sobre o fenômeno jurídico, contribui para identificá-lo e com- preendê-lo. Este fruto reflexo torna ainda mais relevante o estudo deste assunto pelos iniciantes dos estudos do Direito. Aurélio Wander Bastos afirma que a questão da cientificidade do Direito é o problema centraldosestu- dos jurídicoa.Conseqüenternente, segundo esse autor, é também a questão central do ensino, da pesquisa, da aplicação e da interpretação jurídica. Para gostar do Direito35 Dentre algumas vozes que se levantaram contra a cientificidade do Direito podem ser arroladas as de Julius Hermann von Kirchmann, Max Salomon, Félix Dahn, André Wilhelm Lundstedt, Paul Roubier, Theo- dor Jaehner, Paul Korschaker, Max Rumpf, Franz W. Jerusalem, Theodor Viehweg, Ottmar Ballweg, Charn- berlain, Nussbaum (fora do Brasil); Pedro Lessa, Quei- rós Lima, Paulino Jacques (no Brasil). Os autores que se filiam ao Positivismo, em geral, subscrevem a opinião dessa escola. Negam a cientifici- dade do Direito. Não examinaremos a opinião de todos os autores acima citados. O estudo de alguns pensamentos será bastante para compreender as razões que militam contra a cientificidade do conhecimento jurídico. Kirchmann afirmou que o Direito, tendo por objeto o contingente, é também contingente. Esse jurista alemão pretendeu retratar a instabilida- de do Direito através de uma frase fulminante: três palavras retificadoras do legislador tornam inútil toda uma biblioteca jurídica. A instabilidade do Direito representava, para Kirchmann, a mais flagrante impossibilidade de sua aceitação como ciência. Fenômeno histórico, mutável, o Direito não admite generalização. E a formulação de generalizações é im- prescindível ao saber científico. Kirchmann observou também que o jurista sempre se mostrava incapaz de apreender a realidade jurídica. Quando se habilitava para conceituar essa realidade, a mesma já estava desfigurada pelas modificações históri- cas. Kirchmann via o Direito como incapaz de acompa- nhar o progresso. Apontava um atraso considerável do saber jurídico, em comparação ao desenvolvimento das' demais ciências. 36 João Baptista Herkenhof! Kirchmann expôs sua doutrina num pequeno livro que ~ t~rnou célebre: Da falta de valor científico da Ciência do Direito, Esse livro foi publicado em 1848, quando seu autor tinha 46 anos. A instabilidade da norma jurídica é também a razão adotada por Max Salomon para negar a cientificidade do Direito: Esse a,:to~ v.ê a norma jurídica como o objeto do conhecimento jurídico. Seu pensamento foi defendido num livro publicado em 1925. André Wilhelm Lundstedt afirmou que o Direito não é ciência, em face da relatividade de suas leis e da singularidade de-seus princípios gerais. A obra, na qual Lundstedt negou o caráter científico do Direito, foi publicada na década de 1930. Segundo Paul Koschaker, o Direito não é ciência porque não se propõe a descobrir verdades. , .Nussbaum entendi~ que o Direito seria apenas uma tecmc~ porque estudana normas sob o ponto de vista exclusivamente formal. O Direito não estudaria normas como fatos determinados pela vida espiritual da socie- dade. _~ Tar:nbém .se nega cientificidade ao Direito porque ~ao tena vahdade universal. E um dos argumentos Invocados, dentre outros, por Paulino Jacques, para negar caráter científico ao conhecimento jurfdico.e- Três seriam os requisitos fundamentais do saber científico: a) conhecimentos adquiridos metodicamente; b) conhecimentos que tenham sido objeto de obser- vação sistemática; . c) conhecimentos que contenham validez universal, pela certeza de seus dados e resultados. O Direito jnão atenderia ao zerceiro requisito. O Direito, ~omo disse Atistóteles, não é como o fogo~ que arde do mesmo modo na Pérsià e ria Grécia. Os princípios do Direito variam -de país para país, de sist~m~ jurídico para sistema jurídico. Nem mesmo Para gostar do Direito 37 os chamados princípios gerais do Direito teriam validade universal. / O Positivismo encarou a Ciência do Direito como um aspecto da Física Social. Aquilo quer no Direito, não pudesse ser reduzido à ciência natural seria me,ra "arte, simples aplicação dos princípios óentíficos,l Nessa linha do Positivismo colocou-se Pedro Lessa. Para este, as regras do Direito são preceitos artísticos, normas para fins práticos. São determinações que se impõem à vontade. As regras do Direito não se confun- dem com as afirmações científicas. Estas são dirigidas à inteligência. Franz W. Jerusalem nega a cientificidade do Direito porque carece da liberdade de pensamento inerente a toda ciência autêntica. O trabalho do jurista não é livre, segundo Jerusalem, porque está subordinado à autori- dade da teoria predominante. Theodor Viehweg diz que a cientificidade deve fundar-se na possibilidade de objetivação e deve pressu- por uma referência à atividade intencional da subjetivi- dade. A cientificidade do Direito exigiria uma neutralidade quanto aos valores (neutralidade axiológi- ca). O método axiológico requer uma relação dialógica referida a um sujeito. A cientificidade exigiria a elimina- ção dessa situação dialógica inerente ao Direito. A cien- tificidade do Direito pressuporia que fosse expurgado de toda ideologia. . Em conseqüência dessas limitações, Viehweg nega o caráter científico do Direito. Paulinº--J..acq.UJ pensa q.w o Dir~ito_ é mais que Ciência. Estaria mesmo acima da Arte, da Filosofia e da Religião. Istoporqiie o Direito é Política. a mais alta e complexa forma do conhecimento. A política mobiliza todas as outras formas de conhecimento, para servir o convívio humano. Alguns dos defensores do Direito como ciência, dentre muitos outros, foram: Capograssi, Jacques Novi- 38 João Baptista Herkenhojj c?w, ~ans Kelsen, Carlos Cossio, Angel Latorre, Hein- nch Rickert, Recaséns Siches, Karl Larenz, Abelardo Torré (autores estrangeiros); A. L. Machado Neto, Paulo Dour~do de. Gusmão, Naylor Salles Gontijo, C. H. Porto Carreiro, Miguel Reale, Daniel Coelho de Souza, Wilson de Souza Campos Batalha, Luiz Fernando Coelho An- d.ré Franco ~o~toro, Tércio Sampaio Ferraz Júnior: Ma- na Helena Diniz (autores brasileiros). Da mesma maneira como fizemos com relação aos autores da opinião adversa, não examinaremos aqui o pensamento .d: todos estes autores. Veremos apenas al~uma~ posiçoes que resumem o conjunto das visões afirmativas da cientificidade do Direito. A E~cola dos Pandectistas foi uma escola jurídica que surgru n~ Alemanha 'durante o século XIX. Repelia _qualquer noçao absoluta ou abstrata da idéia de Direito. Considerava o Direito como um corpo de normas posíti- vaso Esse corpo de normas deveria ser estabelecido com base no sistema do Direito Romano. A escola deve sua denominação ao fato de que seu fundamento eram as ~a~dectas, uma compilação das decisões de antigos Junsc?nsultos. Tais decisões, agrupadas nas Pandectas, ou Digesto, foram convertidas em lei pelo Imperador Justiniano. . ~. ~scola dos Pandectistas pretendeu afirmar a cientificidade do Direito através do esforço de dar valor .ge~al a certos concei~os, independente da consagração ~eles em qualquer SIstema jurídico. Tais conceitos se- nam, dentre outros. o de herança, propriedade, contrato. <?s pandectistas procuraram investigar e descobrir um ~Istema de conceitos jurídicos gerais, que seriam geraIs não obstante derivados do direito positivo. Capograssi defendeu a cientificidade do Direito afirmando que 'o objeto da Ciência do Direito não é a norma jurídica, mas a experiência jurídica. A n?r,ma)urídica é mutável. A experiência jurídica, ao contra no, e portadora de certa estabilidade. Para gostar do Direito 39 -:v A expenencia jurídica tem a mesma estabilidade dos demais fatos históricos. A experiência jurídica conserva, como tradição, a experiência passada. Essa experiência jurídica mantém- se viva, não obstante a mutabilidade das normas. Angel Latorre refutou o argumento de Kirchmann quanto à instabilidade das normas jurídicas. Notou que as normas concretas e as leis particulares mudam, sem dúvida, com freqüência. Um sistema jurídico, no seu . conjunto, entretanto, não costuma transformar-se de maneira brusca. . ) IHans Kelsen viu o Direito como uma ciência norma- tiva. Segundo seu pensamento, o objeto da Ciência do Direito é o ordenamento jurídico. Esseordenamento está escalonado sob a forma de pirâmide, em cujo topo se encontra a norma fundamental hipotética/ Carlos Cossio também vê o Direito como ciência normativa. Contudo, seu ângulo de percepção opõe-se ao de Kelsen. Para Carlos Cossio a Ciência do Direito é ciência normativa porque conhece seu objeto mediante normas. O Direito não é ciência normativa porque minis- tre normas ou conheça normas. Cossio explicou, nos seus livros, a teoria que desen- volveu - a Teoria Egológica do Direito. A Teoria Egológi- ca do Direito contrapõe-se ao racionalismo jurídico. Essa Teoria afirma que o objeto a ser conhecido pelo jurista é a conduta humana considerada sob certo ângulo parti- cular. O objeto a ser conhecido pelo jurista não são as normas. Cossio deu um exemplo esclarecedor de seu lumi- noso pensamento. Disse ele que acontece com o jurista o mesmo que acontece com o astrônomo. O objeto do conhecimento do astrônomo são os astros, não são as leis de Kepler e de Newton. Estas leis (diga-se, entre parên- teses, hoje ultrapassadas) são apenas conceitos com os quais os astros seriam conhecidos. Assim também, na Ciência do Direito o objeto do conhecimento do jurista r;ão são as normas. O objeto do conhecimento do jurista e a cor:du,ta. em sua interferência intersubjetiva. As normas jurídicas são apenas conceitos através dos quais a conduta é conhecida como conduta. Foi esta visão da Ciência do Direito que fundamen- tou uma sentença que lavramos como juiz, absolvendo uma estudante universitária. Ela chamou de "guardi- nha" um. g:-l~rda d~ trânsito famoso em Vitória por sua extraor~mana delicadeza. Esse exemplar funcionário e.ra apelidado de Guar?a-Sorriso. A moça não conseguia hr~r seu carro do meio de uma via pública porque o v:lcu.lo afog~ra. Em face disso, seu carro engarrafava o trânsito. Entao o guarda lhe impôs sucessivas multa . Por causa da situação embaraçosa e em razão das mui- tas, a moça ficou nervosa e ofendeu o Guarda-Sorri o chamando-o, pejorativamente, de "guardinha''. Adotamos nessa sentença a tese de CarlosCo j . Afirmamos que o Direito é conduta, e não norma. ':;111 conseqüência, não se pode conceber uma hermenêuti II jurídica (ou seja, uma teoria da interpretação das leis), senão do objeto jurídico - a conduta. Dentro d , post~ra, o indiví~u~ julgado é substituído por sur fatalidade ou contingênoia.? O Direito também se enquadra como Ciência à I li'; d~s re~uisitos do saber científico propostos por Carl J. Fnednch. O Direito seria ciência porque: a) está relacionado a um corpo determinad I. conhecimentos, tem um objeto preciso de estudo; b) seu propósito de investigação fixa-se num 1'10 corpo de experiências; c) possui métodos específicos. Naylor Salles Gontijo defende o caráter cientffi O do Direito. Segundo esse autor, quatro pontos identifi- cam a essência científica do Direito: 2 A íntegra desta sentença ~.od~ ser lida no nosso livro "Uma Porta paro O homem no Direito Criminal . RlO de Janeiro, Editora Forense, 1999, 3" • 1., pp. 9 e segs. João Bnptistn Herkenhof] Para gostar do Direito 41 a) o Direito está sujeito à observação e descrição dentro dos diferentes grupos sociais, mesmo que não assuma a forma de "direito escrito"; b) o Direito oferece campo para a investigação das experiências jurídicas, resultantes dos diferentes siste- mas jurídicos (o que se faz através do Direito Comparado); c) o Direito é um corpo de conhecimentos suscetí- veis de estar contido dentro de um determinismo; esse determinismo sempre dirige o Direito a um ideal de . Justiça; essa direção é ,assegurada pelo caráter norrnati- vo do Direito; d) o Direito não se preocupa exclusivamente com o conceito de objetividade; nisto pode fazer-se substituir pela Técnica Jurídica. A negação da cientificidade do Direito, a partir da consideração de ser o objeto desse conhecimento impró- prio para observação e experimentação, advém da es- treiteza de reduzir todo o conhecimento ao ponto de vista das ciências naturais e físicas. O argumento que se contrapõe a esse posiciona- mento é o de que outros métodos e outros critérios, não menos 'valiosos que a observação e a experiência, tam- bém permitem conhecer a realidade. O equívoco do Positivismo caminha na linha aqui refutada. O Positivismo ignora que o conhecimento típico das ciências da natureza não é a única fqgna pqssível-do_conhecimentocien tífico." ...._ ..- ---- . .:' O Direito é pacificamente ciência, quando-se concei- tua cornociência qualquer tipo de conhecimento racional e 'sistemático da realidade natural, social ou cultural. O Direito é conhecimento racional e sistemático de uma parcelÇlda realidade cultural. ../ /~demos- o caráter científico do conhecimento , jfuídico. O argumento que pretende negar a cientificidade do Direito em virtude de uma pretensa instabilidade parece-nos equivocado. No Direito, há' sempre uma tradição doutrinal que engloba métodos, sistemas e conceitos. Além disso, a tradição jurídica não tem caráter exclusivamente nacional. Observamos também que, mesmo nos países onde houve, no curso da História, grandes transformações políticas e sociais, nem todos os institutos jurídicos da velha ordem desapareceram. Só foram desprezados pela nova ordem aqueles institutos jurídicos de todo incom- patíveis com a ordem que se instaurava. O fato que estamos assinalando ocorreu em países nos quais aconteceram revoluções socialistas, revoluções republicanas e outras transformações profundas. Supomos também enganosa a afirmação de que o Direito é um conhecimento que não progride. Creio que o Direito só é um conhecimento que não progride se considerado dentro de uma específica visão teórica e de um específico tratamento do fenômeno jurídico. Dentro do raciocínio que estamos aqui desenvol- vendo, o Direito só será estático: a) quando consideramos como objeto do conheci- mento jurídico apenas o direito vigente numa época; b) e, além disso, quando esse conhecimento é limi- tado por uma percepção acrítica da realidade jurídica. Se entretanto alargamos a vista, é possível compro- var o progresso do Direito, quer sob o aspecto formal, quer sob o aspecto substancial. Sob o aspecto formal, constata-se o progresso do Direito: - na crescente precisão de conceitos antigos; - na elaboração de conceitos novos; - no apefeiçoamento do instrumental formal de que se vale o jurista; . - no maior rigor técnico da linguagem do Direito. Sob o aspecto substancial parece-me ainda mais importante o progresso que o Direito pode fazer. Sem 42 João Baptísta Herkenhojj Para gostar do Direito 43 dúvida, a possibilidade desse progresso não é reconheci- da por todas as correntes de pensamento. Muitos juristas não aceitarão que o Direito progrida da forma que vamos assinalar a seguir. A alguns parecerá afoito que o Direito progrida, rompendo balisas que tradicionalmen- te limitam o campo de ação do jurista. Entretanto, a nosso ver, o Direito efetivamente progride: a) quando o jurista, sob a inspiração de um espírito crítico e construtivo, abandona a postura de servo do direito vigente; b) quando o jurista recusa ao Direito o papel de força conservadora e aceita o desafio de ajudar a colocá- 10 a serviço das forças progressistas; c) quando o jurista abandona a cômoda posição de encastelar-se nos gabinetes para descer ao povo. Quan- do o jurista se integra ao povo, e participa da prática do povo, e repensa o Direito com o povo, e recria o Direito com o povo, a partir das experiências do povo. Embora tenhamos nossa opinião nesta matéria, como acabamos de expressar, reconhecemos que o tema continua polêmico. Se fizermos uma leitura refletida e crítica do que foi dito antes, podemos identificar as razões profundas da polêmica. A questão é polêmica em razão: a) do que se entenda como sendo o domínio da ciência; b) do que se entendacomo sendo o limite do Direito. Uma visão restrita do que seja o domínio científico expulsará o Direito para fora dos muros da ciência. Da mesma forma, uma visão estreita do que seja o labor do jurista esvaziará o conteúdo da pesquisa e das buscas que o jurista faz ou pode fazer. Em decorrência desse' esvaziamento, o conhecimento jurídico não aten- derá os requisitos do saber científico. Nã~ o?stante a relevância da discussão, a dignida- de do Direito e sua importância indep;>endemde ser esse conhecimento considerado, ou não, científico. Não é o -eéH'~ - 'científico" aposto ao saber jurídico que vai definir o papel do Direito na sociedade. O Direito tem uma função capital, na vida de um povo, como decorrência do peso de sua influência den- tro da organização social. E mesmo no plano internacio- nal cresce continuamente o poder do Direito, como conseqüência da necessidade do estabelecimento de re- . laç~es .civiliza~as. em nível mundial. Certamente, a pre- valência do Direito sobre a força ainda é apenas um ideal, quase um simples sonho, no campo das relações entre os povos. Mas o futuro parece caminhar na direção de uma vida internacional sob a égide do Direito. . .Nesse quadro em que se desenha a magnitude do Direito, avulta o papel do jurista, cientista e artista, servidor e arquiteto desse saber. 44 João Baptisia Herkenhojj Para gostar do Direito l 45 Para gostar do Direito 47 Capitulo IV Os fatores do Direito '- I / ! Os fatores que influem no Direito são de duas ordens: a) fatores naturais; b) fatores sociais, culturais ou históricos. Fatores naturais são os decorrentes do reino da natureza, os quais exercem um amplo condicionamento sobre a vida humana. . -- Fatores sociais, culturais ou históricos \são aqueles produzidos pelo ser humano, inclusive pela ação de homens e mulheres sobre a natureza. \ Os principais fatores sociais que influem no Direito são: o fator econômico, o político e o religioso. Karl Marx explicou num breve e conciso texto a relação entre a estrutura econômica e a superestrutura jurídica. Essa relação "estrutura econômica - superestru- tura jurídica" localiza-se dentro de um quadro maior do pensamento marxista, ou seja, dentro da interpretação materialista da História. Marx começa por dizer que, na produção social de sua existência, os homens contraem entre si relações determinadas, necessárias, independentes de sua vonta- de. Essas relações de produção correspondem a certo grau de desenvolvimento das forças produtivas mate- riais. O conjunto das relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade. Essa estrutura econô- 1 I I \ mica é a base real sobre a qual se eleva uma superestru- tura jurídica e política. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual. A estrutu- ra econômica" correspondem determinadas formas de consciência social. Não é a consciência dos homens que lhes determina o ser. Inversamente, o ser social é que lhes determina a consciência. A ideologia e a organização social formam a .su:pe- restrutura social. A técnica de produção constItUl a infra-estrutura econômica. Bireite in4egfa-a-sttper' ura SOCla, em pri- .,meÍX-G-1.ug.ar.,-eemo ide&lDgi-a. e t ei e .essão ideológica de um momento so ~~l're&FH~H't~OS interesses da classe dominante. Em segundo lugar, o Direito integra a superestrutu- ra, como elemento integrante da organização social. ~Marx e Engels entendem que o Direito não 'p0~e preceder a ordem econômica e a civilização. O DlJ~elt? não pode nunca ser mais elevado que a ordem economl~ ca e o grau de civilização que lhe correspondem. ti... _ , Ligar o Direito, na sua formação e evoluçao, .a Economia não implica negar ao sistema jurídico capaCl- dade própria de desenvolvimento, uma vez constituíd_o. .Hermes Lima salienta com_pr,eGisão que a relação .entre.-E~on~€':'.Di];,Eiit.Q ~ãJ .e n~€l1;lz; B: causa!i€l.-ade simples, mecânica. Manifesta-se de m.an~i::a àia.lé:rca: O Direito não é apeflas refle~9 da cORs.tltuLçao@GG-n0ml~a. Entretanto, as JQ!ç<i§ _econômicas influem. de maneira decisiva, na modelação do núcleo mais importante ~e qualquer sistema de direito positivo. As relações ~cono- mico-sociais estão, a cada passo, criando o seu direito. Se excluímos do estudo dos sistemas jurídicos os fatos econômicos - arremata Hermes Lima, - não chegamos a resultado satisfatório algum. Diversa é a posição de Seligman, que vê uma . relação de causalidade absoluta entre Economia e Direi- to. Para Edwin R. A. Seligman, a história do Direito é uma serva da história econômica. O fato econômico é a causa; a situação legal é o resultado. /' Segundo Achille Loria, as mais diversas raças e nações têm de sujeitar-se ao mesmo direito, quando as relações econômicas nelas imperantes são iguais. Entre- tanto, as nações sofrem mudança radical no seu direito quando essas relações econômicas se transforma <, E..ara.--P-r-i-t.z-lJe-F01.zhe-i.mer,a Economia-.e o. Direi to ~entre .si-como-conteúdo e forma; grão e casca. O Direito sem a Economia é vazio. A Economia sem o Direito é sem forma . Harold J. Laski vê a ordem legal subordinada aos interesses econômicos. A ordem legal é a máscara por trás da qual um interesse econômico dominante garante os benefícios da autoridade política. O Estado, da forma como funciona, não procura deliberadamente justiça ou utilidade geral. O Estado apenas assegura o interesse, no sentido amplo, da classe dominante da sociedade. Para Rudolf Stammler, as relações entre o econômi- co e o jurídico não podem ser concebidas à maneira de influência causal. Para que se pudesse descobrir uma relação de causa e efeito, entre o econômico e o jurídico, seria necessário que ambos os fatores desfrutassem de existência independente, como dois objetos distintos . Isto não ocorre. Pelo contrário, o que o investigador social observa são dois elementos, necessariamente vin- culados, de um mesmo e só objeto. C. H. Porto Carreiro vê a ordem jurídica integrando a organização social. A organização social regulamenta a sociedade, no sentido de garantir as relações de produ- ção existentes em dado momento histórico. Pontes de Miranda coloca que o fato econômico não é o único fato social. Se o Direito é forma, não é forma apenas do fato econômico. Primeiramente, há uma certa Para gostar do Direito 49 48 João Baptista Herkenhoff reciprocidade entre os fatos religioso, moral, econô~ico, olítico etc. Depois, há a possibilidade de prepon erar ~m em vez dos outros, e, não raro, em vez .do, f.ato eco~ômico. Outros conteúdos pod~ te! a .forma Jund~a, e,forma de condições da existência- E nem to asporque ~ . _ ~. as condições de existência sao economlcas. T' Luiz ernan.clo~~lbu,_ defe a d~uma / e.oHa--' Crftlca D·reito,'y-ê._o..jUiI~@t!:.~sfor!!!..a!.1:d.o~_DI~eltO-e-- ransform-;;do a ~ociedade, por meio do DIrelto. Nessa -'- perspecfiva, o Direito deixa de ser o lugar da manute~- ção dôs privilégios de uma classe ou. estamento, ou e outros grupos microssociais. Tran.sf~rma-se e~ e~paço de luta, o lugar da conquista dos direitos e da dIgmdade hum~~a~os debruçarmos diante da realidade atual do Brasil, veremos certamente o Direito transformando ~ realidade. inclusive econômica, e sendo transformado pela realidade. . ~ A luta jurídica travada pelos movímentoe SOClalS mostra que o Direito, pelo devotam~nto de seus opera- dores, pode influir no avanço da socIeda~e ..t.. ., d Inúmeras organizações populares tem uhliz~ ~ as trincheiras do combate jurídico para ala:~ar. oSddl~~ltO.S dos empobrecidos e fazer crescer a oonsciencta e Igm- dade das classes oprimidas. . a Advogados têm sido assassinados. ou de algum forma perseguidos, por todo este Brasdll,como cOtS;~ üência da decisão de terem coloca o se~ a~e ~acharel a serviço das grandes maiorias margmalizadas.[uízes são, às vezes, marginalizados, ~u mesmo censurados, mas ainda assim insistem em OUVlfo clamor de Justiça dos que sofrem.. . o Num livro escrito pnncI]3almente para joven~,. testemunho é obrigatório. A omissã?, ne~ta. matena, constituiria uma modéstia ou pudor Impropno. Como . .' m re rocuramos servir aos valores em que J:C~~d~t~vfmos~mesmo sabedores de que estávamos na João Baptista Herkenhoff50 contramão e que a conduta assumida nos obrigaria a . terminar a carreira da magistratura como soldado raso, ou seja, como Juiz de Direito. Advertências recebidas (escritas ou verbais) e processos disciplinares instaura- dos, em decorrência de posições ideológicas e de cons- ciência que assumimos, nunca nos fizeram recuar. Na nota de roda pé, citamos alguns exemplos de atitudes assumidas.ê 3 A) Já no início da carreira de juiz, rebelamo-nos contra determinação legal que estabelecia fossem os presos mandados para o Instituto de Readaptação Social em Vitória. Sempre nos pareceu que este procedimento constituía uma violência porque estabelecia o rompimento dos laços familiares do preso. Na Comarca do interior, o preso podia ter contacto com sua família. Na mesma linha, concedemos direito de trabalho externo ao preso. A experiência de maior eficácia ocorreu em São José do Calçado, no sul do Espírito Santo, onde a orientação preconizada obteve amplo apoio da comunidade. Em quatro anos e meio de judicatura na comarca, a reincidência criminal foi de zero por cento. Estribamos nossa conduta na Declaração Universal dos Direitos Humanos que manda preservar, como bem jurídico primário, a dignidade da pessoa humana. A reverência à dignidade da pessoa humana impedia tratar o preso como se fosse fera. B) Integramos a Comissão de Justiça e Paz, da Arquidiocese de Vitória, durante o período da ditadura militar, e exercemos sua presidência, contra determinação legal expressa. A lei, em que pretendiam nos enquadrar, nos pareceu inconstitucional e con- trária à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Eu integrava essa Comissão, po.[ um imperativo de consciência ética, e aleguei perante o Tribunal que a consciência é inviolável. Acima de ser um juiz, eu era um cidadão e uma pessoa humana. Minha defesa foi acolhida e fiquei livre de punição graças à posição assumida pelo Desembargador Homero Mafra, hoje falecido, mas nunca esquecido. C) Lutei, irmanado a inúmeros concida- dãos, pela "anistia ampla, geral e irrestrita" em favor dos brasileiros que foram proscritos pelo golpe de 1°de abril de 1964. Integramos oficialmente o Comitê Brasileiro pela Anistia e discursamos em praça pública e em recintos fechados, em favor da anistia. Entenderam os superiores hierárquicos que esse posicionamento era "político", defesa ao magistrado. Respondi que a "anistia" não era um tema político-partidário. Se assim fosse, estaria proibi- do ao juiz imiscuir-se nesse assunto. A,"anistia" era uma questão de justiça, era a ponte de reencontro dos brasileiros, era o caminho para a redemocrati- zação do Brasil. Do magistrado não se cassara a cidadania e, em nome da cidadania, eu invocava o direito de lutar pela anistia. D) Através de um despacho, suspendi a execução de todos os mandados possessórios que implicassem o despejo coletivo de famílias, em Vila Velha, onde judiquei na Vara Cível. Fundamentei o provimento judicial no argumento de que o "direito de morar", previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, precedia outros eventuais direitos abrigados pelo sistexra legal. A repetida invocação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. num momento Para gostar do Direito 51 Pensadores do Direito têm procurado int.erpretar a dramaticidade da miséria do povo, em cotejo com as categorias científicas do saber jurídico. . " O "Movimento do Direito Alternahvo , por exern- pl~ aglutina um conjunto de fo~ça~~ pensamentos que lutam por uma nova visão do Jun~lco: P?r. uma nova prática do Direito, por um n~v? e:,sIno Jundl.co~. ._ O que se batizou como DueIto. Alternativo constí tui uma soma e uma síntese de dIv~rs~s ~ertentes de pensamento, diversas práticas de resIstenc~a n~ campo do Direito, diversas tentativas de orgamzaçao e de militância. Militam nesta seara de empenho transformador .e de utopia construtora, não apenas ~queles que se consi- deram" alternativistas", como muitos outros que, sem adotar essa adjetivação, buscarr: edi~icar um pensamen- to e uma prática jurídica que sejam Instrumentos de u~ "mundo novo", aquele mundo sonhado pelo poeta Ceir Campos: "Morder o fruto amargo e não cuspir mas avisar aos outros quanto é amargo, cumprir o trato injusto e não f~l~~r mas avisar aos outros quanto e Injusto, sofrer o esquema falso e não ceder .' ato dem ue o aís estava sob a égide do AI-S, era por SI so um . _ ~nsu~missã!ao arbítrio reinante, insubmissãofque ma~)fe~t~:~sia::s~~s~~~l;~a ção e em muitas outras, sem alarde mas com irmeza. d d I va o Brasil Gigante, sem problemas, pus o e o na em que se ~~~~:d:anuma ortaria a dramaticidade de milhan;s de crianças ~~:~dad::::~la. (São José d! Calçado, 1969). Det~rminel a matncula compul- sória das crianças. Pretendi exercer pressão nao tanto sobre os paIs, ncas sobre o Poder Público que deveria provIdenCIar as vagas para as cnan~a que estavam sendo matriculadas por ordem do juiz. A pO,rtana aumen ou em 3S% a matrícula escolar, na comarca, segundo dados da ep~ca. , Não uardo ual uer mágoa desses episódios. Foram frutos e uma epoca, feliz~ente ul~rap;ssada. O que pretendo dizer aos Jovens é ~ue ~mpre v~~~ se uir a ró ria consciência, ser fiel aos nossos cre os. rros po a pena .g P P diz a sabedoria popular errar é humano. Mas se mos praticar porque, como 'f dridão de propósito o erro será apenas ruto e nossaerramos, com re I ' . falibilidade e das contingências que marcam nosso destmo. 52 João Baptista Herkenhojj mas avisar aos outros quanto é falso; dizer também que são coisas mutáveis .., E quando em muitos a noção pulsar - do amargo e injusto e falso por mudar - então confiar à gente exausta o plano de um mundo novo e muito mais humano."! Parece-me que três traços unem todas essas corren- tes e todos esses pensamentos: Primeiro - a inconformidade com o atual estado do ensino jurídico, predominantemente reprodutor de mo- delos metodológicos e de matrizes filosóficas de extra- ção positivista; Segundo - a resistência à impermeabilidade de uma certa Ciência do Direito às demandas sociais e à imersão da reflexão jurídica na realidade concreta de uma socie- dade dividida, com claros antagonismos de interesses; Terceiro - a tentativa de transformar a prática jurídi- ca e judiciária conservadora, que se exercita entre nós. Essa prática pretende ser politicamente neutra mas, na verdade, está a reboque de forças sociais e econômicas insensíveis ao apelo de transformação profunda exigida pela injusta estrutura social brasileira. Uma reavaliação crítica na Ciência do Direito não se restringe, contemporaneamente, ao Brasil. Mas o que acontece no Terceiro Mundo (ou mundo dos pobres) e, com muita expressividade, no Brasil de hoje, supera tudo que se possa imaginar no Primeiro Mundo. É dentro de nossa realidade concreta de país de Terceiro Mundo que se coloca a proposta do Movimento do Direito Alternativo. Não podemos ter, no Terceiro Mundo (ou mundo dos países do Hemisfério Sul), uma concepção de Direi- to caudatária de concepções dogmáticas ultrapassadas. Não se pode admitir um Direito legitimador de exclusões, 4 CAMPOS, Geir. Tarefa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981, p. 10. I J Para gostar do Direito 53 quando a realidade reclama uma nova visão do jurídico, uma nova visão de jurista. A Ciência do Direito coloca-se dentro de um impe- rativo ético. Não pode ser uma Ciência do formal, subordinada ao tecnicismo. A técnica é meio para atingir um fim, é altamente apreciável como salvaguarda
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