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ATUALIDADES

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ATUALIDADES
 
A ERA DA GLOBALIZAÇÃO
São muitos os que defendem, desde uma posição supostamente "científica", a inevitabilidade de uma inserção passiva das economias nacionais no chamado processo de globalização.
Dois pressupostos estão implícitos nesta formulação: 1) a globalização conduzirá à homogeneização das economias nacionais e à convergência para o modelo anglo-saxão de mercado; 2) esse processo ocorre de forma impessoal, acima da capacidade de reação das políticas decididas no âmbito dos Estados Nacionais.
Para não comprar material de "desmache" ideológico, seria conveniente relembrar que o processo de globalização, sobretudo em sua dimensão financeira - de longe a mais importante, foi o resultado das políticas que buscaram enfrentar a desarticulação do bem-sucedido do arranjo capitalista do pós-guerra.
As decisões políticas tomadas pelo governo americano, ante à decomposição do sistema de Bretton Woods, já no final dos anos 60, foram ampliando o espaço supranacional de circulação do capital monetário. A política americana de reafirmar a supremacia do dólar acabou estimulando a expansão dos mercados financeiros internacionais, primeiro por meio do crédito bancário - euromercados e "off-shores" - e mais recentemente por meio do crescimento da finança direta.
Paradoxalmente, as tentativas de assegurar a centralidade do dólar nas transações internacionais ensejaram o surgimento de um instável e problemático sistema plurimonetário com paridades cambiais flutuantes.
Essas grandes transformações nos mercados financeiros ocorridas nas últimas duas décadas estão submetendo, de fato, as políticas macroeconomicas nacionais à tirania de expectativas volúveis. Não foram poucos os ataques especulativos contra paridades cambiais, os episódios de deflação brusca de preços de ativos reais e financeiros, bem como as situações de periclitação dos sistemas bancários.
Até agora, essas situações foram contornadas pela ação de última instância de governos e bancos centrais da tríade (Estados Unidos, Alemanha e Japão). Apesar disso, não raro, até mesmo países sem tradição inflacionária foram submetidos a crises cambiais e financeiras, cuja saída exigiu sacrifícios em termos de bem-estar da população e renúncia de soberania na condução de suas políticas econômicas.
A inserção dos países nesse processo de globalização, longe de ter sido homogênea, foi, ao contrário, hierarquizada e assimétrica. Os Estados Unidos, usufruindo de seu poder militar e financeiro, pode se, dar ao luxo de impor a dominância de sua moeda, ao mesmo tempo em que mantém um déficit elevado e persistente em conta corrente e uma posição devedora externa.
Japão e Alemanha são superavitários e credores e, por isso, mais liberdade para praticar expansiosmo fiscal e juros baixos, sem atrair a desconfiança dos especuladores. Alguns tigres asiáticos, pelas mesmas razões, também dispõem de certa margem de manobra para promover políticas expansionistas.
O que é decisivo para a autonomia das políticas nacionais é a forma e o grau de dependência em relação aos mercados financeiros sujeitos à instabilidade das expectativas. Países com passado monetário turbulento precisam pagar elevados prêmios de risco para refinanciar seus déficits em conta corrente. Isso representa um sério constrangimento ao raio de manobra da política monetária, além de acuar a política fiscal pelo crescimento dos encargos financeiros nos orçamentos públicos.
Além disso, do ponto de vista comercial, a "inserção internacional" dos países corresponde a padrões muitos distintos. Enquanto uns são protagonistas ativos na expansão do comércio internacional, mantendo taxas de crescimento de suas exportações acima da média mundial, outros ajustam-se passivamente, perdendo participação nos mercados.
Essa é a lição que nos oferece a decantada globalização: os países que buscaram preservar um espaço para as suas políticas macroeconômicas são capazes de sustentar taxas reais de juros baixas, administrar taxas de câmbio estimulantes e promover o avanço industrial e tecnológico, garantindo, assim, o robustecimento de seus grupos nacionais privados.
A década de 80 assistiu, em velocidade eletrônica, transformações econômicas, ideológicas e estratégicas que redesenharam a distribuição internacional do trabalho e do poder, fizeram com que a humanidade sonhasse, por um momento, com o fim das guerras, das ideologias, dos estados nacionais e da própria história. Vistas desde os anos 90, entretanto, essas transformações e expectativas chocam-se com duas e paradoxais constatações discutidas neste artigo: primeiro, os grande vencedores políticos ideológicos da Guerra Fria foram principais derrotados na corrida econômica da globalização, ganha pelos países que desrespeitaram algumas recomendações centrais da ideologia econômica vitoriosa, o Japão em particular; segundo, as transformações econômicas iniciadas pelos países anglo-saxões acabaram produzindo conseqüências que hoje estão repondo o Estado nacional numa posição extremamente difícil e decisiva: responder aos problemas sociais e econômicos que vêm sendo gerados pela própria globalização.
 Novas Idéias ou velhas utopias?
O espaço aberto pela fragilização da utopia socialista, nos anos 80 deste final de século, foi rapidamente ocupado pelas duas outras matrizes ideológicas que ajudaram a verbalizar, organizar e legitimar os conflitos sociais e nacionais que, desde as revoluções políticas e econômicas do século XVIII e a Paz de Wesfália de 1648, marcaram a trilha do desenvolvimento capitalista. Apesar de seu conflito radical, coincidem ambas, neste momento, no questionamento à legitimidade dos Estados nacionais e à eficácia de suas políticas públicas frente às transformações econômicas e políticas vividas pelo mundo nos últimos 10 anos.
Assim, por um lado, o nacionalismo, extremamente belicoso mas defensivo, de base sobretudo étnica ou religiosa, tem sido a linguagem com que inúmeras minorias e regiões, em várias latitudes do mundo e sem maiores pretensões econômicas, vêm questionando "por dentro" a legitimidade política dos seus Estados. Sobretudo daqueles nascidos depois da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais (mais da metade dos cerca de 180 existentes hoje), por obra, no primeiro caso, da crença wilsoniana na autodeterminação nacional, e no segundo, dos processos de descolonização forçados pelos movimentos de libertação ou pela pressão externa norte-americana. Para não falar, é óbvio, daqueles que ainda nem lograram consolidar-se depois do estilhaçamento recente da União Soviética.
Mas, neste final de milênio, tem sido o cosmopolitismo liberal, na forma de um projeto político "benevolente" porém expansivo e de um ultraliberalismo econômico, que vem erodindo "por fora", e de maneira mais inapelável, as bases em que se sustentaram materialmente a legitimidade e a eficácia dos Estados nacionais. Nesse papel, o velho liberalismo ressurgiu no final dos anos 70, com a vitória das forças políticas conservadoras nos países anglo-saxões, como a linguagem que se impôs primeiro a todos os países capitalistas e, com o fim dos regimes socialistas, acabou se transformando num projeto "global" dos países industrializados do Ocidente para a reorganização da economia mundial. Reorganizacão política de um mundo liderado militar e ideologicamente por um só país, e de reorganização econômica de um capitalismo que alcançou em definitivo as dimensões de um mercado mundial.
Desilusões e Contraprovas
Desde 1992, entretanto, o compreensível otimismo liberal que sucedeu 1989 vem sendo abalado por acontecimentos econômicos, políticos, culturais e militares que parecem estar desmentindo as previsões mais otimistas a respeito de uma nova ordem mundial econômica e política. Da impotência da "comunidade internacional" frente às guerras regionais e ao desrespeito aos direitos humanos até a impotência da rodada Uruguai do Gatt; do desmantelamento do sistema monetárioeuropeu às crises ético-políticas vividas pelos partidos que comandaram a vitória conservadora dos anos 80; do incontrolável aumento do desemprego estrutural, que já alcança a cifra de 35 milhões de desocupados nos países desenvolvidos da OECD, ao fracasso da coordenação macroeconômica dos G3, G5 e G7; da rápida desilusão com relação à ,revolução capitalista no Leste Europeu às reações fascistas frente às imigrações provocadas pelas vitórias ocidentais contra o Iraque e contra o mundo socialista etc., acumulam-se fatos e cifras que apontam numa direção oposta à do fim da História, da universalização da cultura e dos direitos humanos, do fim das ideologias, do potencial de expansão ilimitada de uma economia desregulada e do desaparecimento dos Estados nacionais.
O processo de globalização passou a ser - nos últimos anos - unia expressão corrente na literatura e no noticiário cotidiano. Sua presença e sua influência são suficientemente marcantes para que não possam deixar de ser consideradas. No entanto, a identificação precisa do fenômeno é algo que continua a demandar esforço de conceituação. Como no exemplo das dificuldades relativas em identificar a floresta e cada uma das árvores que a compõem, são muitos os textos que tratam do tema, mas ainda poucos os que tentam caracterizar os elementos que constituem a globalização.
Essa caracterização pode ser feita sob diversas óticas, uma vez que o Processo de globalização, por sua própria natureza, afeta diversos aspectos das relações sociais.
Neste capítulo, o tema é abordado sob uma ótica estritamente econômica. Não existe aqui a pretensão de conceituar globalização, se é que isso é factível. O objetivo principal é mostrar que - mesmo de um ponto de vista econômico - o termo globalização compreende, de fato, uma variedade de fenômenos. Para alguns deles a vinculação é imediata, enquanto, para outros, é preciso especificar em um nível mais elaborado as relações de causalidade.
O texto está dividido em sete seções que contemplam, inicialmente, a controvérsia conceitual associada à compreensão do processo de globalização e alguns dos principais antecedentes e peculiaridades desse processo. Nas seções seguintes, o capítulo mostra Indicadores quantitativos que ilustram a existência do processo de globalização; discute as conseqüências para as novas formas de competição entre empresas e sistemas econômicos nacionais; mostram alguns paradoxos inerentes ao processo de globalização; e discute algumas implicações para as políticas nacionais de economias em desenvolvimento.
Controvérsia Conceitual
A primeira dificuldade em lidar com a idéia de globalização é a variedade de significados que têm sido atribuídos a um mesmo fenômeno. Essa variedade é explicável, em parte, porque este é um processo cujo impacto se faz sentir em diversas áreas.
De uma perspectiva estritamente financeira, a um maior grau de globalização correspondem, de forma simultânea: (a) um aumento do volume de recursos; (b) um aumento da velocidade de circulação dos recursos; (c) a interação dos efeitos de A e B sobre as diversas economias.
A análise das implicações dessa integração financeira em nível internacional é, contudo, controversa. Como lembram Devlin / Fírench Davis / Griffith-jones (1995), a apreciação desses movimentos permite uma interpretação positiva, se eles são movimento internacional de capitais pelas regulamentações nacionais. Entretanto, esses mesmos movimentos suscitam temores de que essa mobilidade crescente possa alimentar movimentos especulativos em grande escala, aumentando os riscos de diversos tipos para as diversas economias.
De uma perspectiva comercial, o processo de globalização se traduz em uma semelhança crescente das estruturas de demanda, e na crescente homogeniedade da estrutura de oferta nos diversos países. Isso possibilita a apropriação de ganhos de escala, a uniformização de técnicas produtivas e administrativas e a redução do ciclo do produto, ao mesmo tempo em que muda o eixo focal da competição - de concorrência em termos de produtos para competição em tecnologia de processos (Svetlicic,1993). Como conseqüência, a competitividade na fronteira tecnológica passa implicar custos cada vez mais elevados em termos tanto de pesquisa e desenvolvimento de produtos, quanto da necessidade de mecanismos de consulta freqüente aos clientes, para provisão de assistência técnica e adaptações da linha de produção. A competição passa a ocorrer em escala mundial, com as empresas freqüentemente reestruturando sua atividade em termos geográficos, e sendo beneficiadas tanto pelas vantagens comparativas de cada país como pelo próprio nível de competitividade de cada empresa (Nakano, 1994).
Do ponto de vista do setor produtivo, observa-se uma convergência das características do processo produtivo nas diversas economias (que se traduz na semelhança do tipo de técnicas produtivas, de estratégias administrativas, de métodos de organização do processo produtivo, etc.).
Entretanto, não existe consenso quanto aos efeitos da globalização sobre a estrutura produtiva. Ao mesmo tempo em que se argumenta que ela pode estimular a consolidação de oligopólios em nível mundial a evidência disponível questiona essa tendência à concentração por empresa.
Por exemplo, em OCDE (1992) e UNCTAD (1994), a globalização é definida a partir do processo produtividade. Uma fração crescente do valor produzido decorre de estruturas de oferta interligadas em nível mundial, envolvendo um uso crescente de acordos cooperativos entre empresas, como um instrumento para facilitar a entrada em mercados específicos, ampliar o acesso a tecnologias, e compartilhar riscos e custos financeiros. Em tal contexto, as empresas transnacionais - núcleos dessas estruturas de oferta - são aquelas com melhores condições para apropriar-se das vantagens dessas cadeias de valor adicionado.
Como corolário, o processo de globalização envolveria algum tipo de convergência, e no limite haveria a predominância de uma ou poucas empresas dominantes.
A evidência disponível, entretanto, apesar de confirmar a existência de uma crescente interação do processo produtivo de diversos países, põe em dúvida a existência de um processo paralelo de concentração de poder em algumas empresas individuais. Como argumenta The Economist (1993), tal convergência levaria a um número cada vez menor de empresas transnacionais; o que se observa, contudo, é que não apenas o número dessas empresas aumentou nos últimos vinte anos, como elas tendem a concentrar suas operações em termos regionais, sendo relativamente reduzidos os exemplos realmente universais.
De uma perspectiva institucional, a globalização leva a semelhanças crescentes em termos da configuração dos diversos sistemas nacionais, e a uma convergência dos requisitos de regulação em diversas áreas, levando a maior homogeniedade entre países. Ao mesmo tempo, contudo, reduz-se a probabilidade de sobrevivência de esquemas cooperativos entre países (ao menos da forma como se observou no passado), as modalidades de relação jurídica entre as empresas e os Estados nacionais tendem a ser cada vez mais uniformes, (Albavera,1994), e surge, no cenário internacional, um conjunto de atores como grande capacidade de influência, em comparação com o poder das nações (Morss,1991).
Por último, no que se refere à política econômica, a globalização implica perda de diversos atributos de soberania econômica e política por parte de um número crescente de países, aí incluídos tanto as economias em desenvolvimento, quanto os países membros da OCDE.
As magnitudes relativas envolvidas são de dimensões tais que, em diversos aspectos, os instrumentos convencionais de política econômica tornam-se inócuos. Haja vista, por exemplo, os efeitos do influxo de recursos externos sobre as políticas cambiais dos países da América Latina no período recente, Se os movimentos das paridades entre o dólar e outras moedas fortes.
Por outro lado, como conseqüênciamesmo da globalização, a agenda de políticas nacionais passa a ser sobre determinada por condicionantes externos. Assim, por exemplo, a política salarial tem menores graus de liberdade, porque os requisitos de competitividade externa requerem a preservação de um nível mínimo da relação câmbio/salários, a política fiscal é condicionada pela necessidade de manutenção de certos estímulos à produção de bens comercializáveis, o tamanho do déficit fiscal possível é limitado pelo nível das taxas de juros (uma vez que taxas acima de determinado patamar induzem movimentos desestabilizadores de arbitragem de capitais prazo), entre outros aspectos.
ORIGENS HISTÓRICAS
Antecedentes e Peculiaridades
Historicamente, o desenho das políticas econômica foi afetado de distintas maneiras, pela relação entre as economias nacionais e o resto do mundo. Num primeiro momento, a intensificação desse vinculo a partir das facilidades de transporte (sobretudo desde o século XVI) envolveu uma série de considerações relativas à ampliação do acesso à ampliação do acesso a insumos mais baratos, mercados ampliados, e contato com novas tecnologias, entre outros efeitos. É a chamada internacionalização das economias.
Um conjunto complementar de novos aspectos com os quais a política econômica nacional foi levada a aprender a conviver surgiu com os processos de integração regional, sobretudo da forma como os conhecemos a partir dos anos 60 deste século. Complementaridades na produção, redução dos graus de liberdade no desenho de políticas nacionais devido a compromissos comuns, entre outros elementos, passaram a constituir um novo desafio para aquelas economias que buscaram na integração um instrumento de reforço para sua competitividade internacional. São os desafios de regionalização.
Uma das peculiaridades que distinguem o processo de globalização de toda a experiência anterior é que, como conseqüência de sua forma e intensidade, seus efeitos são mais intensos e se superpõem aos anteriores, além de que - a diferença, por exemplo, da regionalização, em que aspectos políticos ou de outra índole podem levar ao fracasso de um processo - por sua própria natureza, sua tendência é de constante ampliação, afetando, embora de forma variada, a todos os países.
Esse é um processo relativamente recente. Seus antecedentes estão associados à redução do dinamismo da economia norte-americana desde o final dos anos 60, em paralelo ao dinamismo das exportações asiáticas, e à redução do ritmo de aumento da produtividade nas economias norte-americanas e européia (Oman, 1993.
Como é sabido, isso motivou a ascensão ao poder - tanto nos Estados Unidos como em diversos países da Europa de equipes econômicas comprometidas com a desregularização e redução do grau de intervencionismo nos mercados. As medidas de política adotadas por essas economias para fazer face aos problemas de inflação crescente com queda do ritmo de atividade - elevação das taxas de juros, desregulamentação dos mercados financeiros, de transportes e de comunicações - ocorreu em forma simultânea (e de fato estimulou) o avanço tecnológico em duas áreas-chave para a globalização: a de comunicações e da informação (processanmento de dados).
A percepção do fenômeno
A base de partida para a globalização tem sua origem nas condições favoráveis ao crescimento do comércio internacional que sucederam a Segunda Guerra Mundial. Pela primeira vez, surge a noção de uma economia mundial em sentido estrito, com a superação das barreiras entre as áreas sob influência econômica ti;, libra esterlina, do franco, etc. (Griffin/Khan,l992). Além disso, as diversas rodadas de negociações multilaterais no âmbito do GATT resultaram na remoção de barreiras tarifárias e outras, o que possibilitou um aumento sem precedentes do volume de comércio, em ritmo superior ao crescimento da produção: nas três décadas entre 1950 e 1980, a taxa média de crescimento anual do comércio mundial superou sistematicamente o ritmo de crescimento da produção por entre 2 e 3 pontos de percentagem, elevando o grau de abertura da maior parte das economias (UNCTAD, 1994).
A partir do final da década de 50, a maior parte das moedas européias tornou-se plenamente conversível, o que levou à internacionalização dos mercados financeiros, um processo que se intensificou na década de 70. Os empréstimos bancários, que representavam menos de 1% da produção em 1991, superando o valor do comércio mundial e- talvez mais importantes - passando a corresponder a um terço a mais que o valor total dos investimentos em capital fixo: a massa de recursos financeiros em disponibilidade passou a superar a capacidade de demanda por parte do setor produtivo real.
A globalização financeira transcende, contudo, a expansão do setor bancário, e está intimamente associada à desregulamentação dos mercados financeiros. Alguns indicadores são suficientemente ilustrativos da intensidade do processo.
Em 1950, os bancos e as seguradoras detinham três quartas partes dos ativos financeiros nos EUA. Em 1993, essa participação havia caído para pouco mais de 40%, enquanto a participação dos fundos de pensão, fundos mútuos e outros agentes não-bancários subiu de aproximadamente 10% para mais de 50% no mesmo período (Zini, 1995). Outra conseqüência da desregulamentação foi o aumento dos recursos em circulação em terceiros mercados (sobretudo paraísos fiscais), o que elevou a disponibilidade financeira em áreas fora do controle das autoridades monetárias e fiscais (Oman, 1993), fonte importante de financiamento para as fusões de empresas, tão freqüentes na década de 80. Estima-se que hoje o mercado de derivativos gire perto de US$ 15 trilhões ao ano. A isso devem ser agregados os grandes investidores institucionais (fundos de pensão e fundos mútuos) norte-americanos, com o disponibilidade de recursos hoje estimada em cerca de US$ 8 trilhões, as seguradoras e fundos de pensão europeus, com ao menos outros US$ 6 trilhões, e outros componentes, como o mercado de câmbio, que movimenta aproximadamente US$ 1 trilhão por dia.
É importante ressaltar que esse processo não ocorre como contraparte de uma retração dos investimentos. De fato, estima-se (UNCTAD, 1994; Agosin/Tussie, 1993) que a relação entre o estoque de investimento direto externo e a produção mundial teria dobrado, passando de 4,4% em 1960, para 8,5%, trinta anos depois: o investimento externo tornou-se mais dinâmico que a formação de capital nacional (como urna série de implicações paralelas, a serem discutidas mais adiante), ao mesmo tempo em que a movimentação financeira internacional passou a superar em grande escala os sistemas financeiros nacionais. 
Essas são, talvez, as características mais conhecidas do processo de globalização. Mas existem outros aspectos tão relevantes quanto esses que devem ser levados em consideração.
Um deles é o movimento de arbitragem entre moedas. O tipo de investidor mais importante nesses mercados atualmente (sobretudo fundos mútuos e fundos de hedging) é essencialmente diferente dos bancos e agências de desenvolvimento multilaterais, que proviam a maior parte dos recursos até recentemente. Esses investidores institucionais exigem liquidez do que nunca antes, podendo haver movimentação de bilhões de dólares em questão de segundos.
Os paradoxos da globalização
A percepção de que um maior grau de exposição aos mercados internacionais e a maior fluidez de recursos reduz os graus de liberdade dos governos locais não é nova. Já há décadas que autores como Servan-Schreiber (1967) e Poulantzas (1974) manifestavam sua preocupação com essa menor liberdade dos governos nacionais, em função das características do capital estrangeiro e da subordinação das prioridades nacionais aos interesses multinacionais.
Com a maior intensidade dessa exposição - inerente às facilidades de comunicação, à maior disponibilidade de recursos financeiros, sua velocidade e sua capacidade de crescimento, à rapidez de transmissão dos choques,às novas formas em que se dá a vinculação de produtores e consumidores com o mercado, e outras características descritas anteriormente - chega-se a um conjunto de paradoxos, inerentes ao processo mesmo de globalização.
O primeiro desses paradoxos está associado à crescente importância que tem sido dada às políticas nacionais requeridas para adaptar os sistemas produtivos a um grau maior de interdependência com outras economias. É consensual o diagnóstico de que a competitividade no mercado internacional requer estímulos localizados e ambiente favorável aos níveis macro e mesoecônomico, entendidos como tal estabilidade de preços, preços relativos alinhados, disponibilidade de instituições eficientes para canalizar poupança para a área produtiva, para gerar e difundir tecnologia, etc. Entretanto, a operacionalidade dessas políticas é dificultada pelo fato de que as próprias pressões externas tornam menos trivial a identificação dos objetivos puramente nacionais Além disso, a expansão da burocracia estatal tem, freqüentemente, esbarrado no enfraquecimento do seu poder, explicável, em parte, por essa própria dificuldade em justificar a existência de diversas atividades públicas na ausência de um projeto nacional.
Um segundo paradoxo tem a ver com a simultaneidade do processo de globalização e a crescente regionalização. Como lembram Oman (1793) e UN (1992), a globalização é um movimento de deslocamento através das fronteiras de agentes econômicos. Trata-se, essencialmente, de um processo centrífugo, associado ao movimento de fatores de produção e de empresas. O regionalismo, ao contrário, está relacionado com a preservação e estímulo a valores locais. A globalização tem seu impulso primário no movimento de variáveis microeconômicas, e a partir das estratégias das empresas, enquanto a regionalização é largamente determinada por decisões políticas. As facilidades em transportes e comunicações levam a uma homogeneização dos mercados, enquanto a preservação dos valores regionais induz à fragmentação desses mercados.
Essa aparente discrepância entre a globalização e a tendência regionalista pode, no entanto, convergir para um ponto comum (Griffin/Khan,1992). A valorização dos aspectos regionais induz a um tamanho menor do Estado, porque requer liberdade, no sentido da autodeterminação. A liberalização requerida pelas transações globais, e a criação de um mercado integrado global, por sua vez, tornam possível a pequenos Estados explorar economias de escala na produção, de forma compatível com as iniciativas definidas no âmbito local.
Um corolário desses dois movimentos simultâneos e aparentemente incompatíveis é reduzir algumas vantagens relativas das economias com mercado interno grande: os acordos comerciais entre Estados permitem superar as limitações impostas pelas dimensões reduzidas dos mercados nacionais. Um segundo corolário é que a opção por unidades administrativas menores homologa, de fato, uma tendência universal: dado o crescimento demográfico, em países com grandes dimensões torna-se crescentemente difícil a administração de forma centralizada.
O terceiro paradoxo implícito no processo de globalização tem a ver com o processo negociador das condições em que terão lugar as transações econômicas. De um lado, as negociações continuam a ter lugar formalmente entre os Estados-nação, através de fóruns estabelecidos. Ao mesmo tempo, contudo, observa-se um aumento gradual e expressivo da importância relativa das empresas transnacionais como novos agentes determinantes do cenário internacional, sem que de parte desse conjunto de agentes seja possível identificar um interlocutor autorizado (Morss, 1991I).
Outro paradoxo decorre de a globalização ter sido acompanhada da emergência gradual de um mercado de trabalho internacional, a ponto de a regulamentação da mão-de-obra qualificada migrante ter se tornado um tema importante nas agendas negociadoras internacionais. Ao mesmo tempo, contudo, dado que a mobilidade de mão-de-obra ainda é, em geral, bastante inferior à de outros fatores, a globalização aumentou as opções disponíveis para as empresas transnacionais lidarem com uma força de trabalho dispersa (UNCTAD, 1994). A diversificação de linhas de produção e a subcontratação tornaram-se mais fáceis de ser adotadas, graças à dispersão das estruturas negociadoras trabalhistas.
A globalização induz à ênfase em educação e treinamento para evitar perda de recursos através da migração de capital humano, assim como a manutenção - via repressão salarial ou outras formas - de custos reduzidos, como forma de manter a competitividade no mercado internacional. As economias nacionais são crescentemente substituíveis, do ponto de vista locacional: as decisões de investir passam a ser tomadas não a partir das dotações de fatores, mas a partir das vantagens construídas. A infra-estrutura em transportes e comunicações assume uma importância sem precedentes, tanto por sua contribuição à qualificação dos trabalhadores (facilita o acesso a informações), quanto porque é condição básica para o tipo de processo produtivo interligado.
A globalização homogeniza padrões de demanda (através das facilidades de comunicação, uniformização de preferências, etc.), ao mesmo tempo em que leva à fragmentação produtiva e à diferenciação dos produtos. Além disso, a globalização estimula, simultaneamente, a competição entre empresas e a formação de alianças empresariais, permitindo o rompimento de oligopólios estabelecidos (Oman, 1994). Um paradoxo adicional associado à globalização e, portanto, à individualização da produção como contraparte da universalização do consumo.
As Novas Formas de Competição
A noção convencional de política econômica está associada ao conceito de Estado-nação. Boa parte das decisões que afetam objetivos, como o crescimento econômico, o perfil distributivo da renda e outros, são consideradas tradicionalmente como resultantes da interação entre as políticas dos Estados e a ação dos agentes econômicos no espaço nacional.
De acordo com essa lógica, a relação econômica entre unidades nacionais ocorre através dos mercados onde são transacionados seus produtos e eventualmente os fatores de produção.
Num sistema globalizado - a diferença dessa concepção convencional - a relação entre unidades nacionais passa a não ser mais limitada às transações nos mercados de bens e fatores. O processo produtivo adquire uma racionalidade distinta, na medida em que diversas unidades nacionais passam a ser componentes da mesma estrutura integrada de geração de valor, ao mesmo tempo em que aumenta a fluidez de transmissão de normas, valores e rotinas operativas, condição necessária para a crescente homogenização produtiva.
Por outro lado, vista da perspectiva da empresa, a condição de globalização implica a maximização de benefícios a partir da busca da melhor localização de suas atividades em nível mundial, associada à padronização dos produtos e ao desenvolvimento de vantagens comparativas. As estratégias globais levam à procura da redução de custos, à especialização das linhas de produção, estabilidade e controle de qualidade crescente na oferta, o que leva à crescente eficiência e maior grau de competitividade (Albavera, 1994).
Além disso, os vínculos entre empresas em economias distintas têm aumentado em ritmo acelerado, e os tipos de formas de associação entre empresas são cada vez mais variados, desde participações acionárias tradicionais a associações (joint ventures), exploração de franquias, e acordos de subcontratação, entre outros. A razão econômica para isso é apresentada a seguir.
Uma das peculiaridades da economia global é o aumento de importância dos fluxos de investimento direto externo. A contraparte desse fenômeno - decorrente da própria magnitude desses novos agentes - é que boa parte das ações e decisões vinculadas aos processos de produção e distribuição tem lugar cada vez mais no interior das empresas globais, e depende menos dos vínculos locaisentre empresas nacionais.
RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
BLOCOS REGIONAIS E A EXPERIÊNCIA DO MERCOSUL
BLOCOS ECONÔMICOS
Com o final da Guerra Fria que separava o mundo em dois grandes blocos, comunista e capitalista, desencadeiam-se transformações políticas e econômicas no cenário internacional de maneira a acomodar as novas relações entre países. Agora, menos fundamentados na identidade de sistemas políticos, reestruturam-se e constroem-se novos vínculos cada vez mais apoiados em bases comerciais.
A desintegração do bloco socialista produziu ainda conseqüências importantes no meio capitalista, de certa forma comparáveis a efeitos colaterais. Ao mesmo tempo em que o socialismo deixava de ser a força de coesão de um dos blocos do sistema bipolar, acarretando o seu enfraquecimento e posterior dissolução, o outro perdia o sentido de continuar existindo dentro da mesma configuração anterior. Portanto, resolvidas, ao menos em tese, as questões externas, a preocupação que ganha prioridade no seio do capitalismo aponta para questões internas que ameaçam não apenas a manutenção do conjunto, mas também a condição hegemônica que os EUA mantiveram até aquele momento em que o mundo dividia-se em dois pólos.
Enquanto diminui a importância dos confrontos militares e ideológicos, cresce a força do mercado no equilíbrio internacional e as disputas migram para um novo sítio, onde comércio e economia são parâmetros cada vez mais importantes. Ao mesmo tempo, o discurso do capitalismo atualiza-se e passa a promover a liberação multilateral dos mercados como base para um novo ordenamento internacional, menos sujeito a movimentos políticos que possam criar restrições à circulação do capital e, conseqüentemente, à reprodução das suas formas de dominação. Ganha importância o chamado processo de globalização do mercado.
Essas transformações, que promovem a condição comercial e colocam em segundo plano, ao menos aparentemente, a capacidade militar, possibilitam a emergência de novas potências no novo cenário de mercado globalizado. Surgem o Japão e a Alemanha unificada, que por sua vez catalisam em torno de si a tendência, nem tão recente, de formação de blocos de nações com identidade de interesses políticos e econômicos.
Os EUA passam, assim, a dividir a condição de potência econômica no âmbito mundial com outros dois grupos: a Comunidade Econômica Européia, que tem a Alemanha como seu mais forte integrante, e o bloco asiático, construído em torno do Japão e dos chamados tigres asiáticos.
Essa dinâmica dos centros de poder, antes de ser traduzida como um novo ordenamento mundial, deve ser compreendida através dos aspectos de ordem política e econômica, próprios de cada país e região, que se inter-relacionam com o sistema de dominação pelo capital e dividem o mundo em nações centrais e periféricas.
Outrossim, antes de afirmar que existe um processo de regionalização contrapondo-se à globalização dos mercados, cumpre analisar os interesses e condições que podem estar orientando nações e respectivos governos num ou noutro sentido, além de questionar se a formação de blocos regionais está limitada àqueles já conhecidos ou se esta não é uma situação intermediária que, no futuro, conduzirá a um mundo inteiramente globalizado.
Observa-se, ainda, que o assunto possibilita duas linhas de abordagem: uma que enfatiza os movimentos de ajuste na produção e nas trocas de bens e serviços, caminho da globalização produtiva e que orienta o desenvolvimento deste trabalho, e outra que privilegia as transformações decorrentes da circulação de ativos financeiros, caminho da globalização financeira. Em vez de excluírem-se, as duas abordagens complementam-se, sendo esta última tradicionalmente mais adotada por economistas e tão relevante quanto a primeira na investigação dos fenômenos que se relacionam com a administração pública.
Aspectos relevantes
Alguns aspectos relacionados com o reordenamento internacional que está se processando merecem ser observados com maior detalhe, de forma a permitir a identificação de relações que, à primeira vista, poderiam passar despercebidas. Desta maneira além da utilização de conceitos claros, os parâmetros considerados na investigação são fundamentais para o aprofundamento da capacidade analítica.
No que se refere às relações internacionais, dois parâmetros básicos são responsáveis por suas orientações: os interesses Nacionais, materializados pelos Estados-nações que têm por atributos a defesa da soberania e a realização de seus interesses no espaço internacional, e o poder, representado pela capacidade de impor ou viabilizar uma vontade política (Martins, 1994:116).
Portanto, entender os fenômenos que ocupam o ambiente internacional implica analisar os diversos interesses Nacionais que permeiam as relações entre países, principalmente as relações de poder, tanto coercitivo - imposto através dos aparatos militares - quanto hegemônico - aceito pela adoção de modelos políticos e ideológicos disseminados pelas nações mais poderosas.
Daí que a queda do comunismo, além de encerrar um cicio de poder bipolarizado, ao invés de conduzir os EUA à condição de única potência econômica mundial, abre espaço para a formação de um sistema multipolarizado - decorrente de uma alocação de recursos desequilibrada, em favor do aumento do poderio bélico e em detrimento dos investimentos em produção de riquezas que os EUA realizaram durante o período da Guerra Fria - e o crescimento de outras nações que se mantiveram à margem desse conflito.
Assim, com a vitória do capitalismo, surgem outras nações poderosas que têm seus próprios interesses. Ao mesmo tempo, transformam-se as relações de dominação entre nações, que passam a se exercer mais pela hegemonia do mercado, meio que permite a circulação do capital, do que via coerção, diminuindo aparentemente a importância do poderio militar. O equilíbrio de forças no cenário internacional, por vem atribuído de forma simplista ao poder comercial das nações, passa a ser determinado pela capacidade dos que se encontram no mercado de viabilizarem seus próprios interesses Nacionais - econômicos, políticos e sociais.
Esse aumento de complexidade do papel do comércio no equilíbrio mundial de forças vai determinar a necessidade de um processo que discipline o mercado em favor da continuidade do exercício da denominação do capital, apoiada na divisão internacional do Trabalho, e que vença as resistências a essa dominação. Esse processo disciplinar se estabelece através de uma microfísica da economia, promovendo as ações de agentes individuais - empresas, bancos, pessoas -, estimulando as ações de governo no sentido da desregulamentação financeira, da redução das barreiras comerciais e de novos desenvolvimentos tecnológicos, buscando reduzir a distância econômica entre países, regiões e agentes econômicos, e tendendo a reduzir a soberania econômica dos governos (Oman, 1992:162).
Porém, mesmo rompida a estrutura de poder bipolarizado do período da Guerra Fria, ainda é necessária a "organização de uma contra-hegemonia, ou seja, de projetos coletivos para um futuro alternativo" (Przeworski, 1994:82). A possibilidade de transformação não ocorre apenas a partir do rompimento do ordenamento anterior, mas também devido à existência de alternativas que, por sua vez, irão propiciar aos agentes envolvidos uma escolha política. Tomando emprestada a análise que o sociólogo polonês Przeworski faz do processo de liberalização em governos autoritários, em que a abertura política acaba criando graus de liberdade para a formação de organizações independentes que irão produzir alternativas à reformulação do sistema político, pode-se desenvolver um modelo semelhante que explique o processo de regionalização. Nesse caso, é no grau de liberdade que surge a partir da progressiva liberação dos mercados que as nações tem a possibilidade de se organizar como grupo em torno de seus interesses comuns, o que, conseqüentemente, vaipermitir a concepção de alternativas políticas que possam modificar a composição do quadro de forças e determinar um reordenamento internacional.
Portanto, um sistema de mercado globalizado, que preconiza a inexistência de restrições comerciais, mesmo entre economias e sociedades desiguais, é apenas uma das possibilidades para um novo ordenamento e, talvez, pouco provável numa situação em que várias nações dividem os centros de poder. Outra possibilidade é a regionalização, que se apresenta de forma mais ou menos explícita, dependendo das características das nações que se associam e, principalmente, daquelas que centralizam e comandam o processo. Assim, a regionalização tem-se apresentado como uma forma de integração política e econômica que, além de permitir, de maneira privilegiada, o mútuo acesso dos países aos seus mercados, visa à concretização de interesses comuns.
Retomando o exame do jogo de poder que agora se desenvolve, observa-se que, entre as suas regras e objetivos, destacam-se a liberação das restrições comerciais e, própria a qualquer situação de livre competição, a redução do número de concorrentes, quer pela aquisição comercial, quer pelo dumping, quer ainda pela introdução de novas tecnologias, sendo os dois primeiros proibidos por regras adicionais desse mesmo jogo - leis antitruste e antidumping - e o terceiro estimulado pelas legislações de proteção à propriedade intelectual (Guimarães, 1993: 44).
A microfísica da economia, que como se viu atua no sentido de estabelecer regras para eliminar barreiras comerciais e implantar um equilíbrio de mercado via livre concorrência, em um movimento contrário legitima um processo de desequilíbrio ou de criação de vantagens comparativas, em favor dos produtores e detentores de novas tecnologias. Por outro lado, como a capacidade dos agentes individuais de gerar novas tecnoIogias depende da estrutura econômica da sociedade e de sua capacidade de articular a produção de conhecimentos científicos e o parque industrial, a redução da soberania econômica dos governos, decorrente do processo de liberação do comércio internacional, acentua mais ainda esse desequilíbrio de mercado (Guimarães 1993:44,49).
Neste contexto, as potências comerciais que emergiram ao final do conflito americano-soviético, e Japão juntamente com os EUA, o vencedor da disputa, estabelecem um novo arranjo de forças, no qual o poder está apoiado em três pólos e os discursos coincidem com os princípios liberais de multilateralismo, não-intervencionismo e eliminação das barreiras comerciais entre países, porém as ações caminham no sentido de criação de regiões de comércio privilegiado, manutenção de protecionismos (principalmente no que concerne à propriedade intelectual e à difusão de novas tecnologias) e integração, em maior ou menor grau, de sistemas políticos e econômicos regionais. Na retórica, globalismo e regionalismo são fenômenos que seguem uma mesma tendência para o ordenamento internacional; na prática apresentam-se como categorias irreconciliáveis.
Características principais de algumas regiões
Apesar de significativas diferenças com relação aos diferentes níveis de integração, tanto econômica como política, três blocos regionais destacam-se no cenário internacional: Comunidade Econômica Européia, bloco asiático e Nafta. Além destes, desenvolvem-se pelo mundo negociações em torno da criação de outros, regionais ou sub-regionais, destacando-se entre eles o Mercosul.
Cabe também ressaltar que, de acordo com a tendência de formação de blocos regionais a partir de interesses comuns - solução de problemas sociais e ambientais, identidades políticas, situação geopolítica, posição no cenário internacional -, existe grande possibilidade de que "mais cedo ou mais tarde um quarto bloco gravitará em torno desse país imenso e rico, (...) a Rússia" (Neves, 1994:421). Em outras palavras, existe uma grande possibilidade de que o "Segundo Mundo", como se chamava o grupo das nações comunistas, realize sua reinserção no cenário internacional - que ora se relaciona segundo um novo ordenamento - pelo menos em parte como um outro bloco regional, mas isso é apenas uma hipótese que não será aqui explorada.
Comunidade Econômica Européia (CEE)
Formada a partir da assinatura do Tratado de Roma, em 1957, visando criar uma associação entre nações através da integração do comércio e da agricultura, a CEE previa a livre movimentação de bens, serviços, capital e pessoas.
Em 1986, devido à preocupação com a competitividade nipônica e americana, realiza-se uma emenda importante ao Tratado de Roma, o Tratado de Unificação da Europa, que lança a "Europa 1992" e trata da eliminação de todas as barreiras à mobilidade no continente. Mais tarde, em 1991, na reunião de Maastricht, e de acordo com o objetivo de formação de uma economia social de mercado, são definidos os elementos da Europa social e implementos os seguintes pontos: formação da Comunidade Ambiental Européia, consolidação de um roteiro e agenda para a União Monetária Européia, e fortalecimento do papel da Comissão da CEE para estabelecer, via votação majoritária, as diretrizes e os regulamentos necessários à remoção de barreiras, bem como os meios para harmonizar os regulamentos internos, dos países-membros (Ostry, 1994:365-6).
Entre os principais grupos regionais, a CEE ocupa posição de destaque, sendo responsável por quase 40% do total das exportações mundiais, além de apresentar o maior volume interno de comércio - cerca de 60% do total exportado são comércios, entre os próprios países-membros - e a mais equilibrada relação entre exportação e importação, representada por um déficit comercial relativamente baixo, equivalente a menos de S% do total exportado (United Nations, 1994).
Mesmo assim, o seu nível de desemprego é bastante elevado, em torno de 9,3% da população economicamente ativa, o que indica a probabilidade de um aprofundamento ainda maior da política regionalista, de maneira a privilegiar a produção interna em detrimento das importações, objetivando ampliar a oferta de empregos. Outro aspecto que aponta para a mesma direção é a tendência de aumento do número de integrantes do bloco, que, a partir de 1995. passará de 12 para 15, em virtude das adesões da Áustria, da Finlândia e da Suécia (United Nations, 1994).
Características da CEE
- Tipo de integração: profunda, político-econômico-social.
- Integrantes: 12 países (Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Portugal, Reino Unido).
- Futuras adesões: Áustria, Finlândia, Suécia.
- PIB: US$ 6,673 trilhões.
- População: 347,1 milhões.
- População economicamente ativa: 155,O milhões.
- Percentual desempregado: 9,3.
- População desempregada: 14,4 milhões.
América do Norte - Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA)
O Nafta teve as suas bases estabelecidas em 1985, a partir do Acordo de Livre Comércio Canadá/EUA (FTA), um acordo bilateral de comércio envolvendo dois países que, historicamente e devido a condições geopolíticas favoráveis, apresentam-se como parceiros Comerciais naturais, apesar da grande diferença entre o tamanho das economias de cada país e a importância nas respectivas balanças comerciais. Para o Canadá, essa relação representa cerca de 70% do seu volume de exportações e importações, além de serem oriundos dos EUA aproximadamente 80% dos investimentos estrangeiros, ao passo que, no outro sentido, o mercado canadense responde por cerca de 20% das exportações e importações americanas.
Numa fase seguinte, a partir de 1991. iniciaram-se as negociações para o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), desta vez um acordo trilateral, incluindo o México no grupo que anteriormente firmara o FTA. Tal como o Canadá, o México mantém com os EUA uma relação comercial que representa cerca de 70% das suas exportações e importações e de 64% dos investimentos estrangeiros. No entanto, as relações de comércio e investimentosentre Canadá e México são tênues, estando abaixo de 1,5% do total comercializado por cada país (United Nations, 1994), situação que reflete a dificuldade, no nível microeconômico, de se desenvolver uma estratégia norte-americana, bem como a manutenção de uma política de investimentos bilaterais na região, sendo estes efetuados por empresas americanas e negociados independentemente com cada um dos outros dois países, conforme o caso. No que se refere à regionalização, o ponto fundamental para o futuro do Nafta é a política de investimentos entre os seus integrantes, mais importante, aliás, do que suas relações comerciais (Ostry, 1994:369-71).
Com um nível de desemprego próximo daquele da CEE, o Nafta, por outro lado, enfrenta um significativo desequilíbrio em sua balança comercial, ou seja, um déficit em torno de 24% das suas exportações, condições suficientes para recomendar medidas de restrição às importações e que privilegiem a produção interna, típicas dos acordos regionais. Apesar disso, verifica-se que a falta de uma política de investimentos consistente, como a que é adotada no bloco asiático, além de dificultar a reversão desse quadro, toma o Nafta um acordo tão frágil quanto a estabilidade econômica dos seus membros menos desenvolvidos, mais especificamente o México (United Nations, 1994).
Na recente crise mexicana foi possível observar como o investimento externo fugiu do país ao menor sinal de instabilidade, agravando uma situação em que o governo, tendo reduzido suas possibilidades de intervenção devido à adoção de um modelo político liberal de economia desestatizada, obteve em troca de sua autonomia uma estabilidade econômica e um fluxo positivo de capital que, na realidade, não são tão estáveis nem tão positivos.
Características do Nafta
- Tipo de integração: apenas uma área de comércio privilegiado.
- Integrantes: três países (Canadá, EUA, México).
- PIB: US$ 6,743 trilhões.
- População: 367,8 milhões.
- População economicamente ativa: 170 mima.
- Percentual desempregado: 7,2.
- População desempregada.- 12,2 milhões.
Bloco asiático - ASEAN
Estruturadas em torno do Japão, as relações de comércio e investimentos na Ásia oriental praticamente dobraram na segunda metade da década de 80, igualando-se ao volume de comércio com a América do Norte, marca que foi ultrapassada já no início dos anos 90. A valorização da moeda japonesa a partir de 1985 acarretou a elevação do custo de exportação no Japão e desencadeou uma reorientação dos investimentos japoneses em direção aos países da Ásia oriental, que cresceram cerca de seis vezes durante a segunda metade da década de 80. Tal crescimento, embora um pouco menos acelerado, se mantém no decorrer dos anos 90.
Analisando as transformações que estão ocorrendo no bloco asiático, observa-se que sua integração está mais calcada em uma política de investimentos do que no estabelecimento de uma zona de livre comércio, como no caso do Nafta. Mais importante que a redução dos custos de produção, o desenvolvimento de um sistema de produção integrado e flexível, voltado para os diferentes mercados que se apresentam, tem sido o principal fator responsável pelo crescimento comercial da região e pela coesão de um bloco tão pouco institucionalizado (Ostry, 1994:373). Com relação à formalização de um acordo regional, a exemplo de outros grupos regionais, existem dois aspectos que, se não dificultam, ao menos não contribuem para tal formalização.
Primeiramente, a grande diversidade de culturas, idiomas, religiões e formas de governo não é tão grande se comparada com a de países de outros continentes, prevalecendo fatores geopolíticos que permitiram que a grande convergência de interesses, desenvolvida a partir da estratégia de investimentos do Japão, tomasse desnecessário um acordo para garantir o que o fluxo de investimentos intra-regional já tinha consolidado, ou seja, a política de investimentos e comércio surgiu antes dos acordos.
Em segundo lugar, a importância dos EUA como mercado importador desaconselha um posicionamento formal de bloco regional, como no caso europeu. Afinal, a situação de balança comercial favorável aos asiáticos nos últimos anos deve-se também à política globalizante e de livre comércio difundida pelos próprios EUA (Fishlow, 1994:396) e que, no entanto, está sendo mais bem utilizada pelos países da Ásia oriental, os quais se mostram globalizantes no discurso e regionalistas na ação.
Com relação ao seu desempenho comercial, o bloco asiático, ao contrário da CEE e do Nafta, apresenta um impressionante superávit comercial de mais de 10% das suas exportações, situação que tende a manter-se devido à importância que o desenvolvimento tecnológico tem na política de investimentos da região.
Esse bloco tem também apresentado um ótimo desempenho e, apesar de concentrar uma população bastante superior à da CEE e do Nafta juntos e de possuir um parque industrial bastante automatizado, seu nível de desemprego está em torno de 3,2% da população economicamente ativa.
Características do bloco asiático
- Tipo de integrarão: processo que vai além de um acordo comercial, porém sem o grau de institucionalização da CEE.
- Integrantes: 10 países (Japão, Coréia, Formosa, Hong Kong, Cingapura, Malaísia, Tailândia, Indonésia, Filipinas e China).
- PIB: US$ 5,103 trilhões.
- População: 1.684,1 milhões.
- População economicamente ativa: 929 milhões.
- Percentual desempregado: 3,2 (excluindo China).
- População desempregada: 7,4 milhões (excluindo China).
MERCOSUL
Concebido como parte do processo de integração do Cone Sul, suas bases foram lançadas com a Declaração de Iguaçu, em 1985, a partir das iniciativas de Brasil e Argentina para criar um sistema de cooperação entre os dois países. No ano seguinte, buscando corrigir desequilíbrios de balança comercial e tomar o acordo vantajoso para ambas as partes, foram assinados diversos protocolos entre os dois países.
Em 1991, através do Tratado de Assunção, é então criado o Mercosul, que incorpora ao grupo outros dois países, Uruguai e Paraguai, passando, no início de 1995, estes quatro países a constituir um mercado comum (Campos, 1994:198).
Comparado aos outros três grupos apresentados, o Mercosul é uma iniciativa bastante modesta e não possui uma nação hegemônica consolidando as ligações entre seus membros, porém, representa um posicionamento estratégico importante, na medida em que, ao regular as relações entre seus integrantes, minimiza a possibilidade de desgastes entre países periféricos que, deixando de ser concorrentes, tomam-se parceiros na disputa de um melhor posicionamento num sistema de mercado que favorece aos mais desenvolvidos.
Além da questão da parceria que permite ganhos de escala de forma a baratear a produção e o desenvolvimento tecnológico, essa condição de menor destaque e maior independência do Mercosul em relação aos outros grupos regionais, liderados por potências econômicas rivais nesse novo ordenamento que ainda está em formação, permite ao grupo do Cone Sul um relacionamento externo mais equilibrado, no qual a aproximação de uma ou de outra região se dá conforme as vantagens que se apresentam.
Insistindo na tese de que a identidade de interesses Nacionais é que solidifica um acordo regional e que esses mesmos interesses dependem de uma política de investimentos que os viabilize, pode-se identificar um dos grandes desafios para o Mercosul: o nível de desenvolvimento das economias envolvidas demanda investimentos em infra-estrutura, tecnologia e equilíbrio social que os agentes privados talvez não queiram ou não possam efetuar, exigindo-se então a participação dos governos.
Assim, comparando-se o Mercosul - um acordo entre nações periféricas e sem a presença de uma potência hegemônica - com o Nafta - uma associação entre desiguais e sem uma política de investimentos consolidada -, o que numa primeira análise sugere uma tendência de atraso tecnológico, desestimuloao capital estrangeiro e menos competição e modernização, em um segundo momento indica que, numa situação de acirramento da concorrência mundial, as vantagens de um acordo entre iguais parecem superar as desvantagens de restringir os fluxos entre desiguais (Castañeda, 1994 262).
No que se refere à balança comercial, a região tem mantido, unicamente devido ao Brasil, uma condição de superávit confortável de quase 20% do total exportado, além de dispor de um mercado diversificado para a colocação de seus produtos no qual o principal comprador, a CEE, é responsável por aproximadamente 30% das suas exportações (United Nations, 1994).
Com relação ao desemprego, apesar do percentual relativamente baixo em relação a outros grupos regionais - 5,7% da população economicamente ativa (United Nations, 1994) -, o nível de miséria e subemprego é bem elevado, configurando uma situação de desequilíbrio social típica não só do Mercosul mas de toda a América Latina.
Características do Mercosul
- Tipo de integração: inicialmente comercial, mas com perspectivas de compromissos mais profundos.
- Integrantes: quatro países (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai).
- Futuras adesões: Bolívia, Chile.
- PIB: US$ 607,1 bilhões.
- População: 194,6 milhões.
- População economicamente ativa: 72 milhões.
- Percentual desempregado: 5,7.
- População desempregada: 4 milhões.
Fluxos comerciais
Desde a década de 80 tem-se observado uma grande intensificação do comércio regional, no qual os privilégios e as facilidades criadas para os integrantes de cada grupo geralmente contrastam com as limitações e as dificuldades impostas aos não-associados, determinando assim uma forma de relacionamento comercial excludente.
Outra forma de se considerar os fluxos de comércio leva à constatação de sua influência no nível de empregos e na estabilidade política dos governos, porquanto um maior fluxo de importação acarreta uma retração do mercado de trabalho, a qual por sua vez onera os programas sociais do Estado e, principalmente nas economias subdesenvolvidas em que a política tributária está atrelada ao salário e ao número de empregados, afeta a arrecadação do governo, criando situações de déficit fiscal e orçamentário. Portanto, um crescimento do déficit comercial pode significar, além da redução da autonomia do governo em decorrência da adoção de políticas de comércio liberais, uma redução do nível de empregos, associada a uma sobrecarga nos programas sociais; isso tende a comprometer os orçamentos estabelecidos a priori, favorecendo assim o surgimento de uma crise difícil de ser contornada e que atinge o Estado nos níveis da infra-estrutura e da superestrutura ocasionando inclusive rupturas e mudanças no quadro político.
Dessa maneira, compreende-se o desenvolvimento significativo dos fluxos de comércio intra-regionais e inter-regionais, que são de cerca de 40 e 20%, respectivamente, de todo o comércio mundial. Isso significa que 60% do comércio mundial envolvem apenas 25 países (CEE, Nafta e bloco asiático) e obedecem a algum tipo de acordo, distorção que deve acentuar-se com as novas adesões à CEE e a tendência de crescimento apresentada nos últimos anos pelo comércio intra-regional europeu e asiático (United Nations, 1994), indicando, entre outras coisas, uma política de Fortalecimento de um tipo de Estado-nação constituído pela associação de Estados Nacionais cujos interesses comuns são protegidos e orientam a estratégia regional de investimentos.
Conclusões
Os dados apresentados confirmam o contraste entre as teorias que indicam a existência de um processo globalizante inexorável envolvendo os mercados e uma tendência de crescimento do comércio interno aos blocos regionais, graças a políticas de investimentos e desenvolvimento regionais e de concessão de privilégios visando atender aos interesses de seus membros, em detrimento do chamado livre mercado. Por esse prisma, a regionalização contrapõe-se à globalização, buscando resgatar o conceito de Estado-nação e o poder dos governos para intervir nas relações de mercado e compensar as desigualdades, principalmente no campo tecnológico. Porém, com relação aos países não-participantes, os efeitos excludentes são os mesmos da globalização ou até mais graves, na medida em que pode haver a associação de economias hegemônicas.
Visto que as diferenças e particularidades de cada sociedade demandam políticas específicas, a definição dos interesses Nacionais exige um grau de soberania do governo que pode chocar-se com os princípios liberais da globalização. Porém, a interseção ou os pontos em comum dos interesses de um grupo de nações podem materializar uma estrutura em que algumas sociedades se associam visando, além de proteger-se, viabilizar seus interesses num ambiente de parceria. Um exemplo disso é a política agrícola adotada pela França, que permitiu fixar mais de 20% da sua população no campo e favoreceu acordos regionais entre países com similaridades, ao mesmo tempo em que dificulta a conclusão da Rodada Uruguai do Gatt, que adota como parâmetro a política dos EUA, onde apenas 2% da população residem em áreas rurais (Neves, 1993:21).
Cabe considerar que esse tipo de situação, subjacente às relações dos blocos europeu e asiático, sistemas nos quais existe uma política de investimentos mais consolidada e maior gama de interesses comuns, não reflete muito bem a realidade do Nafta, que, por coincidência ou não, com a crise do México mostra-se uma associação bastante frágil, sem pontos comuns bem definidos e sem uma política de investimentos consistente que permita solucionar a crise mexicana. Pelo contrário, o que se viu até o momento foi a adoção de um conjunto de políticas liberais pelo país mais pobre do grupo e. portanto, mais vulnerável às armadilhas da "livre concorrências, em troca do ingresso em um mercado ampliado e de fluxos de investimento externo que se volatizaram aos primeiros sinais da crise.
Mesmo com relação à ajuda financeira que o governo Clinton tenta mobilizar, permanecem as dúvidas se esta destina-se propriamente ao México ou ao socorro dos investidores americanos que em algum momento acreditaram no "milagre mexicano" ou aceitaram correr um risco que, no fim das contas, não em tão grande quanto parecia, pois eles contavam com a proteção de seu próprio governo, apenas teoricamente não-protecionista.
Analisando as tendências do atual sistema de mercado polarizado, dividido em regiões, o qual reflete disputas de poder e uma relação de dominação entre nações ou mesmo grupos de nações, através da coerção resultante da propriedade intelectual (novas tecnologias) e da hegemonia desenvolvida a partir do ideário "mercado livre", verifica-se que são limitadas as possibilidades de um sistema globalizado de cooperação mútua.
A Concorrência desequilibrada, por favorecer a atualização, em condições cada vez mais desiguais, da divisão internacional do trabalho e da relação de dominação entre nações centrais e periféricas, leva à ampliação do hiato entre essas nações até a total desintegração nacional, "aspecto de inviabilização global das industrializações retardatárias" (Schwarz, 1994:9)
Entretanto, o caráter evolutivo das relações internas e externas dos países, além de possibilitar o surgimento de novos grupos regionais, de novas coalizões entre países ou mesmo a alteração e o aprofundamento das bases até então consideradas nos acordos, se não permite afirmar que o novo ordenamento internacional caminha para a globalização, também não garante que a regionalização seja um processo inexorável. Diante da rapidez com que surgem instabilidades no cenário político e econômico mundial, conclui-se que estas são apenas duas possibilidades para uma nova ordem mundial que ainda está em estruturação.
ALCA 2005, INTEGRAÇÃO OU ENTREGAÇÃO?
Ao apagar das luzes de 1994 , sob os auspícios do presidente Clinton, reuniram-se em Miami 34 chefes de Estado dos países do nosso hemisfério (a exceçãofoi Cuba não convidada) para discutir as bases de uni acordo de livre comércio que teria conto data de referência o mio de 2005. Fomos representados nesse encontro por dois presidentes: o que se despenha, ltamar Franco, e seu sucessor já eleito, Fernando Henrique Cardoso.
A Alca (que passou assim a ser chamada pelos países do hemisfério: Área de Livre Comércio das Américas) tinha um objetivo nobre e grandioso: eliminar as barreiras existentes entre os países da região, criando assim uni mercado, comum, inicialmente de bens que seriam comercializados sem a cobrança de tarifas aduaneiras.
O "FTAA" firmado em Miami, apesar de nossa dupla representação, foi sancionado sem que a sociedade brasileira, por intermédio da classe política empresarial ou sindical, tivesse tido qualquer participação na decisão de subscrever aquele acordo.
Na ocasião, parecia algo muito distante, remoto mesmo, e até, por que não dizer, pouco provável. Afinal de contas, a aprovação do Nafta tinha sido extremamente difícil; os resultados até então obtidos eram questionados e o Mercosul se viabilizava, mas ainda tinha um longo percurso pela frente para se consolidar. Inclusive, alguns analistas enxergavam a reunião de Miami mais como um ato político do presidente Clinton do que propriamente algo que dever-se-ia considerar seriamente. Teria sido um gesto de uni presidente democrata, mostrando que a eles, e não só aos republicanos o tema integração importava (vale lembrar que a Iniciativa das Américas foi projeto de George Bush).
Logo em seguida, deliberou-se que os ministros de Comércio Exterior dos 34 subscritores da Alca deveriam se reunir anualmente para definir um cronograma de trabalho que viabilizasse uma agenda de trabalho fictível para 2005. Diante da dimensão do projeto, entendia-se que não havia o que esperar.
Para a primeira reunião, marcada para houver em 95, decidiu-se que haveria uma reunião paralela de empresários da região para que os mesmos tivessem, desde o início do processo, uma atitude pró-ativa a favor da Alca. Lançou-se assim idéia do Fórum de Empresários, que se materializou como maior clareza ria reunião seguinte, em Cartagena, e que passaria a anteceder a reunião anual dos Ministros.
A posição do governo brasileiro, refletindo talvez a própria apatia dos nossos empresários em torno do assunto, foi de um certo distanciamento. Não houve interesse inclusive em liderar nenhum dos grupos de trabalho que se formaram e passamos a questionar a interpretação do que 2005 realmente implicava: a início da desoneração tarifária ou a Alca já em pleno funcionamento, como entendiam os Estados Unidos.
Vale lembrar que estávamos saindo de um processo de abertura da economia, e o nosso governo. era criticado por muitos que argumentavam contra a velocidade com' que essa abertura ocorreu e de muito pouco termos pedido em troca, optou por uma postura cautelosa. As empresas brasileiras passavam, ainda pelo traumático momento de ajustes (abertura e queda da inflação) e para se tornar competitivas tinham que buscar grandes ganhos de eficácia e a produtividade 'numa circunstância em que o real havia se valorizado acima de qualquer expectativa.
Além do mais, apesar dos avanços do Mercosul, superando expectativas otimistas, o que tínhamos pela frente, principalmente na relação bilateral com a Argentina, não nos dava margem a hesitações! Tinhamos que consolidar o que já havíamos conseguido e também atrair novos parceiros, Chile e Bolívia, que, geográfica e economicamente, mantém relação de grande importância com países do Mercosul.
Portanto, não havia pressa, pois gostaríamos primeiro de ver o Mercosul consolidado e fortalecido, para então sentarmos à mesa de negociações com uma posição melhor para conversar com o Nafta. Havia também a preocupação, que temas de longa data, difundidos por segmentos do establishment norte-americano, pudessem ser prematuramente colocados na mesa de negociação, tais como legislação social e ambiental, entre outras, e que poderiam afetar as vantagens comparativas do Brasil.
Assim, não é de estranhar que a representação qualitativa e quantitativa de empresários brasileiros, tanto na reunião de Denver quanto na de Cartagena, já em 96, tivesse sido muito modesta em contraste, por exemplo, com a numerosa delegação norte-americana.
Coincidência ou não, em meados de 96 começaram a aparecer as primeiras críticas norte-americanas ao Mercosul e, apesar dos desmentidos, a origem parecia evidente: nossos parceiros do norte se mostravam insatisfeitos com o desenrolar do processo. Tinham pressa. Queriam avançar e sentiam que estávamos ganhando tempo!
Não lhes agradava a idéia de negociação Nafta x Mercosul, e sim adesões individuais ao Nafta. Vale lembrar as diferenças: o Nafta é uma zona de livre comércio; o Mercosul é uma união aduaneira, porém não inclui serviços, propriedade intelectual e investimentos.
Para complicar ainda mais as cois as, os Estados Unidos, por intermédio da USTR, considerou solicitar à OMC (Organização Mundial do Comércio) um painel para se pronunciar sobre a legalidade do regime automotivo brasileiro.
Também na primeira reunião da OMC, realizada em dezembro em Cingapura, o Brasil optou, apesar das pressões norte-americanas, por não se filiar ao ITA (Information Technological Agreement), que traria a zero as tarifas pata produtos nas áreas de comunicação e informática no ano 2000. A posição brasileira foi se prender aos acordos do Mercosul, que tem desoneração gradual a partir de 2005.
Parece haver, mais recentemente, também algumas discordâncias sobre o grau de abertura que o governo brasileiro estaria disposto a proporcionar aos investidores estrangeiros na área de telecomunicações.
Curiosamente, nos Estados Unidos, após a bem-sucedida intervenção do presidente Clinton, que evitou uma crise no México que teria tomado dimensões imprevisíveis as dúvidas sobre o Nafta aumentaram, e o Poder Executivo norte-americano não conseguiu do Legislativo a autorização do "fast track" para negociar a entrada do Chile no Nafta (o que certamente deve ter facilitado a associação, mesmo que parcial, do Chile ao Mercosul).
Assim sendo, a posição norte-americana apontava um paradoxo: um lado querendo acelerar o processo da Alca, mas internamente com dificuldades de vender a imagem de integração hemisférica a um Congresso apático, num ano eleitoral.
No entanto, é possível imaginar que as visitas programadas dos presidentes Eduardo Frei aos Estados Unidos e Clinton à América Latina possam reverter esse quadro a curto prazo. Do nosso lado, as coisas também não aconteciam da forma programada. A idéia de rapidamente incorporar a Venezuela ao Mercosul, que seria bastante importante do ponto de vista estratégico, principalmente para o Brasil, esbarrou nas dificuldades do Pacto Andino. A Colômbia não liberou a Venezuela para uma discussão bilateral, exigindo a negociação como bloco, o que evidentemente dificultou essa negociação em termos ainda não claramente visualizados.
Mais recentemente, outro percalço no Mercosul com a Argentina, e novamente por causa do regime automotivo: a concessão de incentivos e subsídios para a instalação de indústrias no Nordeste provocou a ira dos nossos vizinhos e protestos da OMC.
Do lado empresarial, finalmente pequenos porém importantes avanços! O fato de a terceira reunião preparatória de ministros ter sido marcada para Belo Horizonte houve, em determinados momentos, a intenção de levá-la para a Costa Rica, mas o Itamaraty lutou para realizá-la no Brasil) trouxe o assunto para dentro de nossas fronteiras e começamos a enxergar que 2005 não é amanhã, irias também não é o dia de são Nunca!
Graças principalmente ao trabalho da CNI, a quem ficou delegada a responsabilidade de organizar a agenda da reunião de maio, observa-se agora uma movimentação das classes empresariais até então ausentes. São artigos em jornais, entrevistas, matérias publicadas pelos principais jornais e revistas e que,apropriadamente, colocam o assunto em discussão.
O fato de os Estados Unidos, por intermédio de representantes categorizado terem aumentado suas críticas à posição do Brasil e, pressionado para acelerar a agenda, tornou, o assunto mais presente na mídia nacional e internacional nas últimas semanas.
Acresente-se que finalmente o presidente Clinton resolveu nos visitar em maio e, por coincidência, a data da visita foi marcada para alguns dias antes da reunião de Belo Horizonte, onde desde já se sabe que a delegação americana terá grande peso! Em recente pronunciamento na Universidade do Texas a secretária de Estado, Madeleine Albright, não poderia Ter sido mais clara e enfática: "Política externa significa empregos".
Creio que antes de concluir deveria também registrar que a posição brasileira de ganhar tempo ou respeitar a agenda (se assim preferirmos) não parece ter grande solidariedade hemisférica.
A Alca, para a maioria dos países a América Latina, é atraente: os demais países têm mais a ganhar do que a perder. Como não são países de forte base industrial, ganhariam mais do que sairiam podendo com uma desoneração tarifária. Mesmo a Argentina de vez em quando, tentada com canto da sereia: integrar-se ao Nafta, independentemente do Mercosul.
A dúvida que assalta a muitos é se a política que o ltamaraty vem adotando (que evidentemente não é sua, e sim do governo brasileiro) é a que melhor atende aos nossos interesses. É evidente que â proposta da Alca é tentadora, mas como alguém ponderou, quando lhe oferecem o paraíso você fica em dúvida e prefere ficar alguns dias mais aqui na Terra!
Na realidade, não creio que tenhamos feito simulações claras do que aconteceria quando , a Alca passasse a funcionar. Há claras e evidentes vantagens, que vão de produtos de melhor qualidade a preços mais baixos e a acessarmos diretamente o maior mercado do inundo. No entanto, a dúvida é se estai-nos posicionados com um "product mix" que tenha mercado nos Estados Unidos na mesma medida que somos compradores de produtos e serviços deles. Aparentemente, nosso déficit comercial com eles tenderia a se agravar, a menos que conseguíssemos êxito na desoneração atualmente existente para produtos brasileiros que têm mercado lá..
Reconhecidamente, o problema brasileiro hoje é não ter aumentado a sua pauta de produtos exportáveis para contrabalançar o aumento nas importações. mais, ouvimos que hoje não é mais exclusivamente na taxa de câmbio ou no "custo Brasil" que o problema das exportações. É no conteúdo do que temos para exportar e o que o mundo está querendo comprar!
Portanto, com a Alca, a menos que tenhamos feito mudanças estruturais, correríamos o risco de imediatamente aumentarmos nosso déficit comercial, o que evidenciaria cada vez mais nossa maior de pendência de capitais externos para fechamento de nossas contas externas. Isso, sem falar ria falta de um inventário de que setores ou indústrias sairiam prejudicados e que prazo precisariam para se ajustar competitivamente. Às repercussões sociais são inevitáveis, pois o problema do e virá à tona.
Se de um lado são argumentos sensíveis, do outro não podemos cruzar os braços e continuar tentando ganhar tempo! "Quem não faz poeira, come poeira", diz um ditado popular.
A um observador que não está na linha de frente, como eu, parece que a situação está se complicando e precisamos estar melhor equipados nesse complexo jogo. O que está em pauta não é exclusivamente mais um acordo comercial, e nossa sociedade precisa estar mobilizada. Sei que não é fácil, mas! a participação política é fundamental. Os empresários também precisam estar melhor articulados e posicionar-se junto ao governo num diálogo de parte a parte muito mais aberto. Os sindicatos, idem. Acima de interesses corporativos ou regionalistas. Chamou-nos a atenção como os empresários norte-americanos, canadenses e mexicanos atuaram coordenadamente com representantes de seu governo nas negociações do Nafta. São painéis permanentes!
A ofensiva tem sido norte-americana. Precisamos colocar, com veemência e repetidamente quais os nossos interesses. O que queremos preservar? O que estamos a ceder? Como parceiro, mais forte e poder hegemônico, o que os Estados Unidos estão dispostos a conceder?
O mercado caminha para que três blocos temiam a predominância mundial. Um liderado pelos Estados Unidos, outro pela Alemanha e o asiático pela China. Não creio que tenhamos muita escolha.
Entramos nessa parada e agora não há espaço para recuos. Vamos discutir uma integração efetiva, e não uma entregação!
Neste momento, a Alca parece um projeto irreversível e não podemos deixar de assumir unia posição clara e transparente dos interesses que a sociedade brasileira quer preservar.
SOCIE​DADE
E ECONOMIA
TRANSFORMAÇÕES DO ESPAÇO PRODUTIVO E SEU IM​PACTO NA POPULAÇÃO; ALTE​RAÇÕES NA POPULAÇÃO ECO​NOMICAMENTE ATIVA; OS ANTI​GOS E NOVOS ESPAÇOS DE PRODUÇÃO E DE NEGÓCIOS
O ESPAÇO INDUSTRIAL: CONCEN​TRAÇÃO E DISPERSÃO ESPACIAL DA INDUSTRIA
Até por volta da. primeira metade do século XIX, as poucas e pequenas indústrias de bens de consumo exis​tentes no Brasil encontravam‑se relativamente dispersas pelo território. A maior parte se localizava junto as principais cidades da época: Recife, Salvador, Porto Alegre e, sobretudo, na cidade do Rio de Janeiro, capital do país e principal centro portuário e cafeeiro.
Em 1907, o Estado do Rio de Janeiro respondia por 37,8% da produção industrial do país, mais que o dobro da produção do Estado de São Paulo (15,9%). As regiões Sul e Nordeste participavam, respectivamente, com 19,9% e 10,8% do total nacional.
A expansão cafeeira e o rápido desenvolvimento in​dustrial ao Estado de São Paulo transformaram esse es​tado, desde 1920, no principal centro industrial do país.
A partir da década de 30, e sob a liderança do Estado de São Paulo, a Região Sudeste aprofundou e diversificou * processo de industrialização, ampliando cada vez mais * distancia em relação às demais regiões. Em 1970, a Região Sudeste alcançava o mais elevado percentual de concentra ao industrial de todos os tempos: 80,7% da produção industrial do país. Os 20% restantes estavam assim distribuídos pelas demais regiões: Sul, 12%; Nor​deste, 5,7%., Norte, 1,0%, e Centro‑Oeste, 0,6%.
Foi somente a partir da década de 70, quando a con​centração industrial e o desequilíbrio regional já eram ex​cessivamente elevados, que o governo federal decidiu implantar uma série de medidas voltadas para a descon​centração industrial. Por exemplo, o mecanismo dos in​centivos fiscais (isenção de impostos, etc.) e os progra​mas de industrialização das áreas periféricas (Norte, Nor​deste, Sul e Centro‑Oeste).
São produtos da política de desconcentração industri​ai: os polos petroquímicos da Bahia (Camaçari) e do Rio Grande do Sul (Canoas), os complexos portuá​rio‑industriais de Suape (PE) e Itaqui (MA), e o Programa Grande Carajás (PA) entre outros.
No censo industrial de 1985, embora a indústria conti​nuasse altamente concentrada no Sudeste, a participação dessa região no valor da transformação industrial do pais era 10,2% menor que em 1970.
O aumento percentual das regiões Sul (4,5%) e Nordeste (3,3%) no período 1970‑1985 foi conseqüência, sobretudo, do aumento nas categorias bens intermediários(química, etc.) e bens duráveis (automobilística, eletrodomésticos) e de capital (mecânico, etc.). A Região Norte, por sua vez, apresentou grande crescimento nos ramos eletroeletrônico (Zona Franca de Manaus) e de minera​ção. 
Distribuição regional da atividade industrial Região Sudeste
Pólo industrial do Brasil, a Região Sudeste respondia, em 1985, por 49,8% dos estabelecimentos industriais, 64% do pessoal ocupado e 70,5% do valor da transforma​ção industrial do pais. Pela ordem de importância, des​tacam‑se, em valor de produção, os seguintes ramos in​dustriais: químico (13,7%), metalúrgico (13,3%) e mecâni​co(11,4%).
Quanto à participação

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