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A Expansão do DP Silva Sánchez

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LISTA DE ABREVIATURAS 
ADPCP - Anuário de Derecho Penal y Ciências Penales 
AFD - Anuário de Filosofia del Derecho 
A PC 
- 
Archives de Politique Criminelle 
ARSP 
- 
Archiv für Rechts- und Sozialphilosophie 
DS - Déviance et Socictc 
GA - Goltdammer’s Archiv für Strafrecht 
JD - Jueecs para la Democracia 
JZ 
- 
Juristenzeitung 
Krim) 
- 
K rim i no 1 ogisc h es J o u r n a 1 
KritJ 
- 
Kritischejustiz 
KritV - 
Kritische Vierteljahrcsschrift für Gesetzgebung und Rech 
tswissenscha ft 
MLR - The Modern Law Review 
NJVV 
- 
N e u e J u ri s t i s c h e Wo c h e n s c h r i f t 
PJ 
- 
PoderJudicial (Revista) 
RAP - Revista de Adminislración Püblica 
RCSP 
- 
Revista Catalana de Seguretat Püblica 
RDM - Revista de Derccho Mercantil 
RI D PP - Rivista Italiana di Di ri t to e Procedura Penale 
RTF) PE - Rivista Trimestrale di Diritto Penale dell'Economia 
StV 
- 
Strafverteidiger 
ZRP 
- 
Zeitschrift für Rechtspolitik 
ZStW 
- 
Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft 
 
“Ali onde chovem leis penais continuadamente, onde 
por qualquer motivo surge entre o público um clamor geral 
de que as coisas se resolvam com novas leis penais ou 
agravando as existentes, ai não se vivem os melhores tempos 
para a liberdade - pois toda lei penal é uma sensível 
intromissão na liberdade, cujas consequências serão 
perceptíveis também para os que a exigiram da forma mais 
ruidosa -, ali se pode pensar na frase de Tácito: péssima 
respública, plurimae leges Provavelmente por considerações 
semelhantes às transcritas de Cari Ludwig von Bar, ainda 
que radicalizadas em razão do contexto atual, nunca se tinha 
ouvido falar tanto nos círculos intelectuais, como na última 
década, da necessidade de reconduzira intervenção punitiva 
do Estado na direção de um Direita Penal mínimo. Esta 
expressão, a força de sua repetição por amplos setores da 
doutrina - que não correspondem em absoluto à totalidade-’ 
-, começa a correr inclusive o risco de converter-se em um 
tópico desprovido de conteúdo concreto, de modo 
semelhante ao que aconteceu com a famosa - e deformada - 
frase de Radbruch relativa a substituição do Direito Penal 
por algo melhor que ele. Efetivamente, parece não importar 
muito a esse respeito que não se tenha muito claro onde se 
acham os limites do tal “Direito Penal mínimo”,’que, em 
suma, de acordo com algumas interpretações do mesmo, 
tampouco se acha conceitualmente muito distante das 
propostas formuladas por Beecaria há dois séculos/ entre 
outros. 
1. Von Bar, Geschichte des deutschen Strafrechts und der St ruf rechtst 
heorien. Berlim, 1882 (reimpr. Aaalen, 1992), p. .‘334. 
2. Cf. a postura crítica em relação ao minimalismo de Roxin, Política cri-
minaly dogmática jurídico-penal en la actualidad (trad. Goinez Rivero), La 
evolución de la política criminal, el derccho penal y cl proceso penal, 
Valencia, 2000, p. 57 e ss, 89 e ss, com referencias. 
3. Ferrajoli, El Derecho penal mínimo, Podery Control (1986), p. 35 e ss; 
também, Baratta, Prinzipien des minimalen Strafrechts. Eine Theorie der 
Menschenrechte als Schutzobjekte und Grenze des Strafrechts, en 
Kaiser/Kury/Albrechl (Hrsg.), Kriminologische Forschung in den 80er 
Jahren. Projektberichte aus der Bundesrepublik Deutschland, 2. Halbband, 
Freiburg, 1988, p. 513 e ss. 
4. No momento em que redigia a primeira edição desta obra se difundiu 
Certamente, em princípio, parece que a expressão “Direito 
Penal mínimo” engloba propostas diversas cujo denominador 
comum é uma vocação restritiva do Direito Penal, mas sem que 
exista uma coincidência total quanto ao alcance exato das 
mesmas.5 No caso de Baratta, o ponto de partida da orientação 
tninimizadora vem sendo a avaliação da radical injustiça e 
inutilidade da pena, cuja função seria a reprodução das relações 
de domínio preexistentes, recaindo fundamentalmente sobre as 
classes inferiores. A part ir daí, esse autor tem pretendido 
desenvolver uma teoria da “minimização” da intervenção 
tomando como referência os direitos humanos c, acredito, desde 
uma visão conflitiva de nosso modelo social.6 O conteúdo que 
Baratta atribui a sua proposta, todavia, não parece coincidir com 
a visão que tem do “Direito Penal mínimo ' o máximo difusor 
dessa expressão, Luigi Ferrajoli, que também o 
denominagarantista, cognitivo ou de estrita legalidade,7 em 
especial porque este último autor considera que se trata “de um 
modelo limítrofe, apenas tendencial e nunca perfeitamente 
satisfatório”.8 O termo “Direito Penal mínimo" o seu contraposto 
a notícia de que um grupo de colegas italianos, entre ele os professores 
Baratta, Ferrajoli e Moccia, assumiu o desafio de redigir o Código Penal 
cuja instauração propugnariam os defensores do Direito Penal mínimo. 
Isso resultava especialmente interessante, unia vez que essa linha de 
pensamento tem padecido até o momento de uma falta de concreção de 
suas propostas. Sem embargo, não parece que referida iniciativa teve 
seguimento. 
5. Cf. a descrição e crítica das diversas propostas em Marinucci/Dolcini. 
Diritto penale “minimo" c nuove forme di criminalità, R/DPP. 1999, p. 
802 c ss, 808 e ss. 
6. Cf. Baratta, Kriminologische Forschung, p. 518 c ss, integrando em tal 
teoria a privatização e a politizaçào dos conflitos, assim como a não 
utilização ilos conceitos de criminalidade e pena. Cf. ainda Baratta, 
Kriminologische Forschung, p. 534 e ss, p. 536 e ss. 
7. Como novamente ressalta Baratta. Ia politica criminalc e il Diritto pénale 
delia Costituzionc. Nuove riflessioni sul modello integrato delle seienze 
penali. em Canestrari (éd.), II Diritto penale alla svolta di Jine milênio, 
Torino, 1998, p. 24 e ss, 44-45 e nota 51. 
8. Ferrajoli. Derccho y rttzôn. Teoria dei garantismo penal (trad. Andrés 
Ibánez. Ruiz Miguel, Bayón Mohino, Terradillos Basoco y Cantarero 
Bandrés), Madrid. 1995, p. 93. 
(Direito Penal máximo'1) configuram-se em Ferrajoli por 
referência “ora aos maiores ou menores vínculos garantistas 
estruturalmente internos do sistema, ora à quantidade e 
qualidade das proibições e penas nele estabelecidas”.10 
Nos dois últimos anos, a defesa do “minimalismo” tem sido 
associada, sobretudo, às posturas defendidas por alguns dos mais 
significativos autores da denominada “Escola de Frankfurt” . 
Esses, voltando-se à defesa de um modelo ultraliberal do Direito 
Penal, vêm propondo sua restrição a uir “Direito Penal básico” 
que tenha por objeto as condutas atentatórias à vida, à saúde, à 
liberdade e à propriedade, com manutenção das máximas 
garantias na lei, na imputação de responsabilidade e no 
processo. Nessa ótica, caracterizam a evolução do Direito Penal 
oficial como uma “cruzada contra o mal”, desprovida de uma 
mínima fundamentação racional. 
9. Ferrajoli, Dercclwy razón, p. 105: “O modelo de direito penal máximo, isto 
é, incondicionado c ilimitado, c o que se caracteriza, alem dc sua 
excessiva severidade, pela incerteza e imprevisibilidade das decisões e das 
penas; c que, consequentemente, sc configura como um sistema dc poder 
não controlável racionalmente, por ausência de parâmetros certos e 
racionais de convalidação c de neutralização”. 
10. Ferrajoli, Dcrccho y razón, p. 104; mas, entre os dois extremos, "existem 
diversos sistemas intermediários, até o ponto de que mais adequada mente 
deverá falar-se, a propósito das instituições e ordenamentos concretos, de 
tendência ao direito penal mínimo ou de tendência ao direito penal 
máximo”. 
11. Cf. as mais relevantes manifestações dessa postura em Instituto de Ciências 
Critninalcs dc Frankfurt (ed.) (Área dc Dcrccho Penal de la Universidad 
Pompcu Fabra - ed. esp.), La insostcniblc situación dei dcrccho penal,Granada. 2000, uma obra que constitui a versão espa nhola da publicada 
na Alemanha em 1995; ainda, nos diversos tomos de Lüdcrsscn (Hrsg.), 
Aufgeklärte Kriminalpolitik oder Kampf gegen das Böse?. Bd. 1, 
Legitimationen, Baden-Baden, 1998; Bd. II Neue Fhänomcnc der Gewalt, 
Baden-Baden, 1998; III, Makrodelinqucnz, Baden-Baden, 1998; Bd. IV 
Legal Bewahrung und Ich-Struktur, Baden-Baden, 1998; Bd. V 
Lernprozesse im Vergleich der Kulturen, Baden-Baden 1998; ou, tambem, 
cm Institut für Kriminalwissenschaften und Rechtsphilosophie Frankfurt 
a. M. (Hrsg.), Irrwege der Strafgesetzgebung, Frankfurt a.M., 1999. 
Pois bem, ante tais posturas doutrinárias, realmente não é 
nada difícil constatar a existência de uma tendência claramente 
dominante em todas as legislações no sentido da introdução de 
novos tipos penais, assim como um agravamento dos já 
existentes,12 que se pode encaixar no marco geral da restrição, ou 
a “reinterpretação” das garantias clássicas do Direito Penal 
substantivo e do Direito Processual Penal. Criação de novos 
“bens jurídico-penais”, ampliação dos espaços de riscos jurídico- 
-penalmente relevantes, flexibilização das regras de imputação e 
relativização dos princípios político-criminais de garantia não 
seriam mais do que aspectos dessa tendência geral, à qual cabe 
referir-se com o termo “expansão”.13 Tal “expansão” é, por certo, 
uma característica inegável do Código Penal espanhol de 1995, e 
a valoração positiva que importantes setores doutrinários têm 
realizado sobre o mesmo deixa patente como a tópica “fuga 
(seletiva) ao Direito Penal” não é apenas um problema de 
legisladores superficiais e frívolos, mas que começa a ter uma 
cobertura ideológica de que carecia até pouco tempo. Em todo o 
caso, o legislador dc 1995, de fato, não pôde subtrair-se nem 
sequer a um reconhecimento expresso - ainda que parcial - desse 
fenômeno, ao aludir na Exposição de Motivos do texto legal à 
existência de uma “antinomia entre o princípio de intervenção 
mínima e as crescentes necessidades de tutela em uma sociedade 
cada vez mais complexa”, antinomia que se resolveria no texto, 
segundo o próprio legislador, “dando prudente acolhida a novas 
formas de delinquência, mas eliminando, ao mesmo tempo, 
figuras delitivas que perderam sua razão de ser”. Em realidade, 
sem embargo, o evidente era a acolhida de “novas formas 
de delinquência” e a agravação geral das penas imponíveis 
a delitos já existentes (sobretudo, socioeconõmicos); em 
12. Poderia afirmar que esse é o leitmotiv do texto de Hettinger, Umwicklun-
gen im Stnifrcchl unci Strajvcrfahrcnsrechl dec Gegenwart. Versuch einer 
kritischen Bestandsaufnahme. Heidelberg, 1997, passim. 
1 3. Cf., por exemplo, Kindhäuser, Sicherheitsstraf recht. Gefahren des Stra- 
frechts in der Risikogesellschaft, Universitas 3/1992, p. 227: “El Derecho 
Penal se expande sin freno”; Seelmann, Risikostrafrecht, KritV 4/1992, p. 
452 e ss; Palazzo, La politico criminate nell'Italia repuhhlicana, cm 
Violante (ed.), Storia d'Italia, Annali 12, La Criminalitä, Torino, 1997, p. 
851 e ss, 898. E fundamental o estudo de Moccia, La perenne cmei- genza. 
Iendenze aulorilaric nel sistema penale. 1. ed., Napoli, 1995, 2. ed., Napoli, 
1997, contendo um profundo exame da situação italiana.. 
contrapartida, a transcendência da eliminação de certas figuras delitivas 
resulta praticamente insignificante. 
De efeito, o que resulta verdadeiramente significativo são os fenô-
menos que o legislador aponta como expressivos de um e outro aspecto: 
“Em primeiro lugar, merece ser destacada a introdução dos delitos contra a 
ordem socioeconômica ou a nova regulação dos delitos relativos à ordena-
ção do território e dos recursos naturais; em segundo, o desaparecimento 
das figuras complexas do roubo com violência e intimidação cias pessoas 
que,Nl 1 surgidas no marco da luta contra o ‘bandoleirismo’, devem desa-
parecer deixando passo a aplicação das regras gerais”. A vinculação do 
primeiro aspecto com as novas “necessidades” de tutela (penal?) de uma 
sociedade complexa resulta bastante clara, segundo o discurso doutrinário 
e ideológico que se está consagrando como dominante. Em contrapartida, 
não há como resistir á tentação de perguntar qual relação existe entre a 
reforma técnica dos delitos classicamente denominados complexos - des-
tinada a submetê-los às regras gerais do concurso de delitos-com o prin-
cípio de intervenção mínima (!). A primazia dos elementos de expansão se 
faz desse modo evidente. 
Não é infrequente que a expansão do Direito Penal se apresente como 
produto de uma espécie de perversidade do aparato estatal, que buscaria no 
permanente recurso à legislação penal uma (aparente) solução fácil aos 
problemas sociais, deslocando ao plano simbólico (isto é, ao da declaração 
de princípios, que tranquiliza a opinião pública) o que deveria resolver -se 
no nível da instrumentalidade (da proteção efetiva). Sem negar que a tal 
explicação possa atribuir-se alguma razão, creio que seria ingênuo situar as 
causas do fenômeno de modo exclusivo na superestrutura jurídico-política, 
na instância “estatal”.M Ao contrário, é minha opinião que em boa medida 
sn A expressão “roubo com violência e intimidação” não configura redun dância, 
uma vez que na terminologia do Código Penal espanhol - Lei Orgânica 
10/1995, de 23 de novembro - o termo “roubo” também é utilizado para 
definir o furto qualificado por escalada, rompimento de ob stáculo, uso de 
chave falsa e com violação de sistemas de alarme, que são modalidades do 
“robo con fucrza cn las cosas” - art. 238 -, recebendo a denominação de 
“hurto” somente a conduta que no Código Penal brasileiro corresponde ao 
“furto simples” 
14. Becketl, MtjJung crime pay. Law and order in coniemporary Anuviam 
nos encontramos aqui ante causas mais profundas, que fundam suas 
raízes no modelo social que vem se configurando no decorrer, pelo 
menos, das duas últimas décadas, na consequente mudança da 
expectativa que amplas camadas sociais têm em relação ao papel que cabe 
ao Direito Penal. 
Realçar esse último aspecto me parece essencial. Com efeito, dificil-
mente poderá interpretar a situação de modo correto e, em consequência, 
fixar as bases da melhor solução possível dos problemas que suscita, se se 
desconhece a existência no nosso âmbito cultural de uma verdadeira de-
manda social por mais proteção. A partir daí, questão distinta é que desde 
a sociedade se canalize tal pretensão em termos mais ou menos 
irracionais como demanda de punição. Neste ponto, provavelmente não 
seja demais aludir à possível responsabilidade que os formadores de 
opinião possam ter em tal canalização, dado o seu papel de mediadores. 
Como ainda convém questionar o fato de que as instituições do Estado 
não somente acolham tais demandas irracionais sem qualquer reflexão, 
em vez de introduzir elementos de racionalização nas mesmas, 15 como 
ainda as realimentam em termos populistas. 16 Tudo isso é certo, sem 
dúvida. Mas a existência de uma demanda social constitui um ponto de 
partida real, de modo que a proposta que acabe sendo acolhida no que se 
refere à configuração do Direito Penal não poderia desconsiderar a 
necessidade de dar a ela uma resposta também real. 
Em particular, e para evitar desde logo interpretações equivocadas, 
convém ressaltar, sobre esse aspecto, que a profundidade e a extensão das 
polities, New York/Oxford, 1997. p. 62 e ss, 108, se aproxima - em minha 
opinião - a essa interpretação, quando estabelece que o apoio popular às 
“cruzadas" governamentais contra o delito deve -se a nada mais do que a 
difusão da ideologia do governo por meio dos meios de comunicação. De 
não ser assim, a seu entender, as concepções que tomam como ponto de 
partida a existência de causas sociaisdo delito e propõem programas de 
reabilitação teriam o apoio total do público. 
15. Cf. Palicro. Consenso sociale c diritto penale. R/DPP. 1992. p. 849 c ss, 
868-869. 
16. Em realidade, se não houvesse uma demanda social pela pena. Mais ou 
menos condicionada pelos meios de comunicação, não se entenderiam 
realmente as propostas expansivas da legislação penal elaboradas por uns 
partidos políticos que governam - ou pretendem governar - com a única 
referência axiològica das pesquisas de opinião. 
bases sociais da atual tendência expansiva do Direito Penal não têm 
nada a ver com as que na década de 70-e posteriores-respaldavam o 
movimento, inicialmente norte-americano, de law and order.7 Por 
isso seria errôneo pretender analisar sob esse prisma a expansão do 
Direito Penal característica de nosso particular fin de siècle, cujas 
“causas” se pretende esboçar neste texto.1” Efetivamente, as propostas 
do movimento de lei e ordem se dirigiam basicamente a reclamar uma 
reação legal, judicial e policial mais contundente contra os 
fenômenos de delinquência de massas, da criminalidade das ruas 
(patrimonial c violenta).19 Assim as coisas, uns setores sociais - para 
simplificar, os acomodados -, apoiavam tais propostas; outros - os 
excluídos, mas também os intelectuais e os movimentos dos direitos 
humanos - se opunham a elas.*0 Nesse particular, o debate em torno 
do referido movimento constitui seguramente o último exemplo da 
concepção convencional do Direito Penal como instrumento de 
restrição de direitos individuais, particularmente sofrido pelas classes 
“emergentes", e a cuja intensificação estas, assim como os 
movimentos de direitos civis e políticos, se opõe frontalmente. É 
fundamental sublinhar que a representação social do Direito Penal 
que dimana da discussão sobre o movimento de lei e ordem não era 
em absoluto unívoca, senão, pelo contrário, basicamente dividida. 21 
17. Cf. a ampla exposição de Arzt, Der RuJ nach Recht mul Ordnung. Ursachen 
und Folgen der Kriminalitdtsfurcht in den USA und in Deutschland , 
Tübingen, 1976, o qual situa convencionalmente a origem do tema ein 
1963, e seu conteúdo na petição de uma intervenção policial mais 
contundente, assim como de um Direito Penal ( substantivo, processual e 
penitenciário) mais rigoroso (p. 1). 
18. Dessa maneira, a meu entender, com razão Von Hirsch, Law and Order: Die 
Politik der Ressentiments, cm Lüderssen (Hrsg.). Aufgeklärte 
Kriminalpolitik, Bd. V, p. 31 e ss. 
19. Arzt, Der Ruf, p. 5: segurança dos cidadãos em casa, no trabalho e nas ruas. 
O movimento de lei c ordem propugna, pois, um “punitivismo”. que não 
implica necessariamente expansão no sentido exposto, senão em concreto 
em uma maior intensidade da reação. 
20. Cf. Bcckctt, Making crime pay, p. 12, 28 c ss, 62 c ss, 80 c ss. Uns c outros 
discrepavam radicalmente quanto às causas dos delitos c, portanto, 
também quanto às possíveis formas de afrontá-los (mais controle, os 
conservadores; mais bem-estar, os progressistas). 
21. São muito significativos os dados que aporia Arzt, Der Ruf. p. 17. 
A representação social do Direito Penal que comporta a 
atual tendência expansiva mostra, pelo contrário, e como se 
verá, uma rara unanimidade. A divisão social característica 
dos debates clássicos sobre o Direito Penal foi substituída 
por um consenso geral, ou quase geral, sobre as “virtudes” 
do Direito Penal como instrumento de proteção dos 
cidadãos. Desde logo, nem as premissas ideológicas nem os 
requerimentos do movimento de “lei e ordem” 
desapareceram: ao contrário, se integraram (comodamente) 
nesse novo consenso social sobre o papel do Direito Penal.* 2 
As páginas que seguem se dedicam à formulação de algumas 
hipóteses sobre o porquê da cristalização desse consenso. 
sobre a representação radicalmente diversa de brancos e negros norte - -
americanos em relação à intervenção da polícia. 
22. O consenso surge porque, por diversas razões, o movimento “conser vador” 
de lei e ordem converge com propostas ou interesses próxi mos, 
procedentes dos setores sociais anteriormente céticos ou diretamente 
contrários a intervenção do Direito Penal. 
SOBRE ALGUMAS CAUSAS 
DA EXPANSÃO DO DlREITO PENAL 
SUMÁRIO: 1. Os “novosinteresses” - 1.2 O efetivo aparecimento de novos 
riscos- 1.3 A institucionalização da insegurança - 1.4 A sensação social de 
insegurança - 1.5 A configuração de uma sociedade de “sujeitos passivos” - 1.6 
A identificação da maioria com a vitima do delito - 1.7 O descrédito de outras 
instâncias de proteção -1.8 Os gestores “atípicos” da moral 
(atypischeXíoraluntcnicImier) 
- 1.9 A atitude da esquerda política: a política criminal social - -democrata na 
Europa-1.10 Um fator colateral: o “gcrencialismo”. 
1. J OS “NOVOS INTERESSES” 
O Direito Penal é um instrumento qualificado de proteção de 
bens jurídicos especialmente importantes. Fixado este ponto, parece 
obrigatório levar em conta a possibilidade de que sua expansão 
obedeça, ao menos em parte, já à aparição de novos bens jurídicos -
de novos interesses ou de novas valorações de interesses preexis -
tentes-, já ao aumento de valor experimentado por alguns dos que 
existiam anteriormente, que poderia legitimar sua proteção por meio 
do Direito Penal. As causas da provável existência de novos bens 
jurídico-penais são, seguramente, distintas. Por um lado, cabe 
considerar a conformação ou generalização de novas realidades que 
antes não existiam - ou não com a mesma incidência -, e em cujo 
contexto há de viver o indivíduo, que se vê influenciado por uma 
alteração daquelas; assim, a mero título de exemplo, as instituições 
econômicas de crédito ou de inversão. Por outro lado, deve aludir-se 
à deterioração de realidades tradicionalmente abundantes que em 
nossos dias começam a manifestar-se como “bens escassos”, aos quais 
se atribui agora um valor que anteriormente não lhes correspondia, 
ao menos de modo expresso; por exemplo, o meio ambiente. Em 
terceiro lugar, há que contemplar o incremento essencial de valor 
que experimentam, como consequência da evolução social e cultural, 
certas realidades que sempre estiveram aí, sem que se reparasse nas 
mesmas; por exemplo, o patrimônio histórico-artístico. Entre outros 
fatores. 
A doutrina já se ocupou detalhadamente desses fenômenos-bens 
coletivos,1 interesses difusos - que realçam a crescente depen- dência do 
ser humano de realidades externas ao mesmo, como é o caso da normal 
atividade de determinados terceiros. O que não significa, em absoluto, 
que se possa afirmar, de momento, a existência de um consenso total 
sobre quais devem ser protegidos penalmente e em que medida. De 
qualquer modo, seria ocioso dedicar aqui mais espaço a essa discussão. 
O que interessa ressaltar neste momento é tão somente que existe, 
seguramente, um espaço de “expansão razoável" do Direito Penal, ainda 
que, com a mesma convicção próxima da certeza, se deva afirmar que 
também se dão importantes manifestações da “expansão desarrazoada". 
A título puramente orientativo: a entrada maciça de capitais 
procedentes de atividades delitivas (singularmente, do narcotráfico) em 
um determinado setor da economia provoca uma profunda 
desestabilização desse setor, com importantes repercussões lesivas. É, 
pois, provavelmente razoável que os responsáveis por uma injeção 
maciça de dinheiro negro em um determinado setor da economia sejam 
sancionados penalmente pela comissão de um delito contra a ordem 
econômica. Mas, vejamos, isso não faz, por si só, razoável a sanção 
penal de qualquer conduta de utilização de pequenas (ou médias) 
quantidades de dinheiro negro na aquisição de bens ou retribuição de 
serviços. A tipificação do delito de lavagem de dinheiro é, enfim, uma 
1. Cf. Alexy, Derechos individualesy bienes colectivos, cm sua obra LI 
conceptoy la validez dcl dcrecho (trad. J. M. Sena), Barcelona, 1994, p. 
179 e ss, 186-187: “Um bem é um bem coletivo de uma classe de indi -
víduos quando conccitualmente, fáctica ou juridicamente, é impossível 
dividi-lo em partes e outorgá-las aos indivíduos. Quando esse é o caso. o 
bem tem um caráter não distributivo. Os bens coletivos são bens não 
distributivos”. 
manifestação de expansão razoável do Direito Penal (em seu 
núcleo, de alcance muito limitado) e de expansão irrazoável do 
mesmo (no resto das condutas, em relação às quais não se possa 
afirmar em absoluto que, de modo específico, lesionem a ordem 
econômica de modo penalmente relevante). 
1.2 O EFETIVO APARECIMENTO DE NOVOS RlSCOS 
Desde a enorme difusão da obra de Ulrich Beck, é lugar comum 
caracterizar o modo social pós-industrial em que vivemos como 
“sociedade do risco" ou “sociedade de riscos” (Risihogescllsclwfl).3 
Com efeito, a sociedade atual aparece caracterizada, basicamente, 
por um âmbito econômico rapidamente variante e pelo apareci-
mento dc avanços tecnológicos sem paralelo em toda a história da 
humanidade. O extraordinário desenvolvimento da técnica teve, e 
continua tendo, obviamente, repercussões diretas em um incremen-
to do bem-estar individual.H Como também as têm a dinâmica dos 
fenômenos econômicos. Sem embargo, convém não ignorar suas 
consequências negativas. Entre elas, a que interessa aqui ressaltar é 
a configuração do risco de procedência humana como fenômeno 
2. Cujos livros emblemáticos são textos dc cabeceira da moderna teoria 
social: Risihogescllschaft. Auf dem Weg in eine andcic Moderne, Fränkin 
rt, 1.986; Gegengifte. Die organisierte Unvcrantwortlichkeit, Frankfurt, 
1988; Politik in der Risikogescllschaft, Frankfurt, 1991; Die Erfindung 
des Politischen. Zu einer Theorie reflexiver Modernisierung. Frankfurt. 
1993. 3. Isto c. uma sociedade na qual os riscos sc referem a danos não delimi-
táveis, globais c, com frequência, irreparáveis; que afetam a todos os 
cidadãos; e que surgem de decisões humanas. Uma descrição resumida 
em Beck, De la socicdad industrial a la sociedad dei riesgo (trad. Del Rio 
1 lerrmann). Revista de Occidente 150. novembro dc 1993. p. 19 e ss. 
4. Desde logo, como se reconhece de modo praticamente unânime, dito 
progresso aumentou de modo relevante a segurança dos homens perante 
os riscos de origem natural: cf. Kuhlen. Zum Strafrecht der 
Risikogesclls- chaft, GA, 1994, p. 347 c ss, 360; Schtincmann, Kritische 
Anmerkungen zur geistigen Situation der deutschen 
Strafrechtswissenschaft, GA, 1995, p. 201 e ss, 211. 
social estrutural. Isso pelo lado de que boa parte das ameaças a que 
os cidadãos estão expostos provêm precisamente de decisões que 
outros concidadãos adotam no manejo dos avanços técnicos: riscos 
mais ou menos diretos para os cidadãos (como consumidores, 
usuários, beneficiários de serviços públicos etc.) que derivam das 
aplicações técnicas dos avanços na indústria, na biologia, na 
genética, na energia nuclear, na informática, nas comunicações etc. 
Mas, também, porque a sociedade tecnológica, crescentemente 
competitiva, desloca para a marginalidade não poucos indivíduos, 
que imediatamente são percebidos pelos demais como fonte de riscos 
pessoais e patrimoniais. 
O progresso técnico da lugar, tio âmbito da delinquência dolosa 
tradicional (a cometida com dolo direto ou de primeiro grau), a 
adoção de novas técnicas como instrumento que lhe permite 
produzir resultados especialmente lesivos; assim mesmo, surgem 
modalidades delitivas dolosas de novo cunho que se projetam sobre 
os espaços abertos pela tecnologia. A criminalidade, associada aos 
meios informáticos e á internet (a chamada ciberclelinquéncia), é, 
seguramente, o maior exemplo de tal evolução. Nessa medida, 
acresce-se inegavelmente a vinculação do progresso técnico e o 
desenvolvimento das formas de criminalidade organizada, que 
operam internacionalmente e constituem claramente um dos novos 
riscos para os indivíduos (e os Estados). Mas é, ainda assim, 
fundamental - e, dependendo do ponto de vista, mais ainda que no 
âmbito das formas intencionais de delinquência - a incidência dessas 
novas técnicas na configuração do âmbito da delinquência não 
intencional (no que, desde logo, é secundária sua qualificação 
como dolosa eventual ou culposa). Isto é, as consequências lesivas 
5. Cf. a esse respeito às considerações gerais de López Cerezo/Luján I .opez, 
Ciência v política dei riesgo, Madrid, 2000, passim, p. 24-25. Em relação 
ao Direito Penal em particular, Pérez del Valle, Sociedad de riesgos y 
derecho penal, PJ 1996, n. 43-44, p. 61 e ss; López Barja de Quiroga. El 
moderno derecho penal para una sociedade de riesgos. PJ, 1997, n. 48, p. 
289 e ss. 
da “falha técnica”, que aparecem como um problema central nesse 
modelo, no qual se parte de que certo porcentual de acidentes graves 
resulta inevitável à vista da complexidade dos desenhos técnicos. 
Assim, se trata de decidir, entre outras coisas, a questão crucial dos 
critérios de localização das “falhas técnicas”, ou no âmbito do risco 
penalmente relevante, ou no âmbito próprio do risco permitido. 
1.3 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA INSEGURANÇA 
A sociedade pós-industrial é, além da “sociedade dc risco” 
tecnológico, uma sociedade com outras características individu- 
alizadoras que contribuem à sua caracterização como uma sociedade 
de “objetiva” insegurança. Desde logo, deve ficar claro que o emprego 
de meios técnicos, a comercialização de produtos ou a utilização de 
substâncias cujos possíveis efeitos nocivos são ainda desconhecidos e, 
em última análise, manifestar-se-ão anos depois da realização da 
conduta, introduzem um importante fator de incerteza na vida 
social.7 O cidadão anônimo diz: “Estão nos matando’, mas não 
conseguimos ainda saber com certeza nem quem, nem como, nem a 
que ritmo”. Em realidade, faz tempo que os especialistas descartaram 
a excessivamente remota possibilidade de neutralizar os novos riscos, 
significando que é preferível aprofundar-se nos critérios de 
distribuição eficiente e justa dos mesmos-existentes e em princípio 
não neutralizáveis.8 O problema, portanto, não radica mais nas 
decisões humanas que geram os riscos, senão também nas decisões 
humanas que os distribuem. E se é certo que são muitos os que 
propugnam a máxima participação pública nas correspondentes 
6. Cf. a referência de López Cerezo/Luján Lópcz, Cicnciay política, p. 28 e 
ss, a lese das “catástrofes normais” (de Charles Perrow, Normal accidents: 
living w ith high-risk technologies, New York, 1984). 
7. O problema das denominadas “vacas loucas”, que se acha em pleno 
apogeu quando escrevo estas linhas, e mais um exemplo dessa situação. N 
1: Outros problemas semelhantes, surgidos nos anos subsequentes a 
inserção desta nota (as chamadas "gripe aviária” e "gripe suma”), 
ilustram e confirmam esta observação. 
8. Cf. l opcz Cerezo/Luján López, Ciência y política, p. 173 e ss. 
tomadas de decisão, não é menos certo que, de momento, as 
mesmas têm lugar em um contexto de quase total obscuridade. 
Tudo isso evidencia que, inegavelmente, estamos destinados 
a viver em uma sociedade de enorme complexidade ,9 na qual a 
interação individual - pelas necessidades de cooperação e de 
divisão funcional-alcançou níveis até agora desconhecidos. Sem 
embargo, a profunda correlação das esferas de organização 
individual incrementa a possibilidade de que alguns desses 
contatos sociais redundem na produção de consequências 
lesivas.10 Dado que, no mais, tais resultados se produzem em 
muitos casos a longo prazo e, de todo modo, em um contexto 
geral de incerteza sobre a relação causa-efeito, os delitosde 
resultado/lesão se mostram crescentemente insatisfatórios como 
técnica de abordagem do problema. Daí o recurso cada vez mais 
frequente aos tipos de perigo, assim como a sua configuração 
cada vez mais abstrata ou formalista (em termos de perigo 
presumido).12 
A crescente interdependência dos indivíduos na vida social 
dá lugar, por outro lado, a que, cada vez em maior medida, a 
indenidade dos bens jurídicos de um sujeito dependa da reali -
zação de condutas positivas (de controle de riscos) por parte 
9. A relação entre a crescente complexidade social e o incremento de dis -
posições penais que, a seu juízo, prosseguirá no futuro, c estabelecida por 
Roxin, El desarrollo dei derecho penal e el siguiente siglo, Dogmática 
penal y política criminal (trad. Abanto Vasquez). Lima, 1998. p. 435 e ss, 
448-449. 
10. Cf., por exemplo. K. Günther. Kampf gegen das Bõse? Zehn Thcscn wider 
die cthische Aufrüstung der Kriminalpolitik, KritJ, 1994-2. p. 135 e ss. 
151: “O modelo liberal de uma soc iedade de indivíduos linha que 
aparecer, desde a perspectiva de uma sociedade que se integrava no 
essencial sobre diferenças de status e obrigações de reciprocidade, como 
uma ‘sociedade do risco"’. 
11. Cf. López Cerczo/Luján López, Ciência y política, p. 138, 170 etc. 
1 2. Nisso constituindo a tradução jurídico-penal do denominado “princípio 
de precaução ’, seguido na gestão política de riscos: cf. López Cerezo/ 
Luján López, Cicnciay política, p. 139 e ss. Sobre outras razões do recurso 
aos tipos de perigo, cf. infra. 
de terceiros.11 Expressado de outro modo, as esferas individuais 
de organização já não são autônomas; procluzem-se, de modo 
continuado, fenômenos - recíprocos - de transferência e 
assunção de funções de proteção de esferas alheias. Em Direito 
Penal, isso implica a tendência de exasperação dos delitos de 
comissão por omissão que incide diretamente em sua 
reconstrução técnico-jurídica.11 
Ademais, a sociedade pós-industrial europeia é uma 
sociedade que expressa a crise do modelo do Estado do bem-
estar, uma sociedade competitiva com bolsões de desemprego ou 
marginalidade - especialmente juvenil - irredutíveis, de 
migrações voluntárias ou forçadas, de choque de culturas. Uma 
sociedade, em suma, com importantes problemas de vertebração 
interna.15 Entre outros efeitos, que não precisamos analisar 
neste momento, o certo é que todos esses elementos geram 
episódios frequentes de violência (em sua acepção mais 
ordinária de “criminalidade de rua" individual e em outras 
manifestações10) mais ou menos explícita. Nesse modelo, 
13. Aponta-o claramente Schlüchter, Grenzcn strajbarer Fahrldssigheit, 
Thüngersheim/Nürnberg. 1996, p. 3. quando destaca a diferença entre os 
riscos vinculados à imprudência de um cocheiro do século XIX c a de um 
piloto de avião na atualidade. 
14. Até o pontoem que algum autor manifesta que a comissão imprudente é o 
novo paradigma do conceito de delito: cf. K. Günther, De la vulncración 
de un derecho a la infracción de un deber £Ün “cambio de paradigma cn 
el dcrccho penal?" (trad. Silva), Lm situação insosietiiblc, Instituto de 
Ciências Criminales de Frankfurt, p. 489 c ss. em especial 502 e ss. 
15. A uma “pluralistischc Risikogesellsehafr (sociedade de riscos pluralista) 
alude Arth. Kaufmann, Grundpmbleme der Rcchtsphilosophic. Eine 
Einführung in das reclitsphilosophischc Denken, Múnchen, 1994. p. 232- 
233. Uma das características desse modelo social seria que o homem deve 
comportar-se arriscadamente (“er muls sich rishant verhalten”) lambem 
em um sentido moral, isto é, sem poder certificar -se a partir de normas 
bem assentadas sobre se sua conduta c correta ou não. 
16. Muito significativamente deve aludir-se nesse âmbito a “outra" crimina-
lidade organizada que surge com força nas grandes cidades. Concreta - 
mente, a que se manifesta na existência de quadrilhas -basicamente, de 
indivíduos marginalizados, inclusive menores—dedicadas a delinquência 
de apossamento (furtos c roubos), cm veículos, residências e indústrias. 
de efeito, a própria convivência aparece como uma fonte de conflitos 
interindividuais. O fenômeno da “criminalidade de massas” determina que o 
“outro” se mostre muitas vezes, precisamente e, sobretudo, como um risco,17 o 
que constitui a outra dimensão (não tecnológica) de nossa “sociedade do risco”. 
Esse último aspecto - o da criminalidade de rua ou de massas (segurança dos 
cidadãos em sentido estrito) - converge com as preocupações clássicas de 
movimentos como o de “lei e ordem”. Nesse sentido, o fenômeno não é novo. O 
novo é que as sociedades pós-industriais europeias experimentem problemas de 
vertebração até há pouco por elas desconhecidos (pela imigração, a 
multiculturalidade e os novos bolsões de marginalidade). E o novo é também 
que, a raiz ele tudo isso, a ideologia de lei e ordem haja ancorado em setores 
sociais muito mais amplos do que aqueles que a respaldavam nos anos 60 e 
posteriores. 
 
 A SENSAÇÃO SOCIAL DE INSEGURANÇA 
De qualquer maneira, mais importante que tais aspectos objetivos é 
seguramente a dimensão subjetiva de tal modelo de configuração social. Desde 
essa ultima perspectiva, nossa sociedade pode ser melhor definida como a 
sociedade da “insegurança sentida" (ou como a soc iedade do medo). Com efeito, 
um dos traços mais significativos das sociedades da era pós-industrial é a 
sensação geral de insegurança,18 isto é, o aparecimento de uma forma 
especialmente aguda de viver os riscos. É certo, desde logo, que os “novos riscos” 
17. Kindhauscr, Universitas 3/1992. p. 229: “Primärer Risikofaktor isi der 
Mensch selbst'. Cf. também Mitzler/Gõschl, Reflexive Reaktionen. Zur 
Bewältigung allgemeiner Verunsicherung, ein Erehsee/Löschpcr/ Smaus 
(Hrsg.), Konstruktion der Wirklichkeit durch Kriminalität und Strafe, 
Baden-Baden, 1997. p. 134 e ss, 139: “(...) cada vez mais pessoas partem de 
que podem confiar cada vez em menos gente e em circunstâncias cada vez 
mais excepcionais e de que fazem bem em desconfiar profilaticamenlc 
cada vez em mais ocasiões e de mais gente". 
1.8. Ainda que o fenômeno psicológico social da sensação de insegurança 
lenha precedentes: sobre o tema Arzt, Der Ruf, p. 1 3 ess, 3 3. 
dcscrevendo- -Ihe como “multiplicação emocional do risco existente". 
- tecnológicos e não tecnológicos - existem. Tanto é assim que a 
própria diversidade e complexidade social, com sua enorme plura-
lidade de opções, com a existência de uma abundância informativa a 
que se soma a falta de critérios para a decisão sobre o que é bom e o 
que é mau, sobre em que se pode e em que não se pode confiar, 
constitui uma fonte de dúvidas, incertezas, ansiedade e insegurança. 
Três aspectos concretos, a título puramente exemplificativo, 
podem ilustrar essa ideia. Por um lado, é inegável que a população 
experimenta uma crescente dificuldade de adaptação a sociedades em 
contínua aceleração.20 Desse modo, depois da revolução dos transpor-
tes, a atual revolução das comunicações dá lugar a uma perplexidade 
derivada da falta - sentida e possivelmente real - de domínio do curso 
dos acontecimentos, que não pode traduzir-se senão em termos de 
insegurança. Por outro lado, as pessoas se acham ante a dificuldade 
19. E, portanto, como se indicava mais acima, o medo pode ter uma base, em 
princípio, real. Nesse sentido indicou João Paulo II. em sua encíclica Lides 
et Ratio, 1998, Capitulo IV, n. tnarg. 47: "0 homem, portanto, vive cada 
vez com mais medo. Teme que seus produtos, naturalmente não todos e 
tampouco a maior parte, senão alguns e precisamente os que contêm uma 
parte especial de sua genialidade e de sua iniciativa, possam ser dirigidos 
de maneira radical contra ele mesmo". 
20. Olema da aceleração do ritmo de vida pela revolução das comunicações 
esta se convertendo em um importante objeto de estudo das ciências so-
ciais. São muito significativos, a esse respeito, os trabalhos do pensador 
Irancês Paul Virilio. UArt du nioteiir, Paris, 1993; La Vitcssede Liberation, 
Paris, 1995; Cybennonde, la polHií/ue du pire. Paris, 1996. Na literatura 
juridico-penal merece ser consultado Schultz. De la aceleración de las 
condiciones de la vida. Reflexiones sobre la reaccion adecuada dei dere- 
cho penal (trad. Ragués), La situación insostcniblc, Instituto de Ciências 
Criminales de Frankfurt, p. 447 e ss, com numerosas referências, li, ainda, 
A. y H. Tofflcr, Crisis de la democracia de masas em EEUII, no diário El 
Mundo, de 12.12.2000, p. 10-11. destaca que "é. precisamente a 
combinação de uma crescente complexidade e de uns men ores prazos para 
tomar decisões com a reflexão devida o que põe em perigo as estruturas 
políticas atualmente vigentes”, ao que caberia acrescentar também as 
estruturas sociais. 
de obter uma autêntica informação fidedigna em uma sociedade - a da 
economia do conhecimento - caracterizada pela avalancha de informações.21 
Estas, que de modo não infrequente se mostram contraditórias, fazem em 
todo caso extremamente difícil sua integração em um contexto significativo 
que proporcione alguma certeza.22 Em terceiro lugar, deve ser ressaltado que 
a aceleração não é somente uma questão da técnica, mas, precisamente, 
também da vida. A lógica do mercado reclama indivíduos sozinhos e 
disponíveis, pois estes se encontram em melhores condições para a 
competição mercadológica ou laborativa. De modo que, nessa linha, as novas 
realidades econômicas, às que se somaram importantes alterações ético -
sociais, vêm dando lugar a uma instabilidade emocional-familiar que produz 
uma perplexidade adicional no âmbito das relações humanas. 23 Pois bem, 
nesse contexto de aceleração e incerteza, de obscuridade e confusão, 24 se 
produz uma crescente desorientação pessoal (Orientientngsvcrlus), que se 
manifesta naquilo que já se denominou perplexidade da “relatividade”.25 
21. Lledó Real, La inscgureiat com a causa dei racismo i la xenofobia. RCSP 2, 
abril 1998, p. 19 e ss. 22: “Potser mai com ara em aquesta societat 1'ésser 
hutná ha estat més informai i al mateix temps mós sol. Aliè ais altres. i 
sobretoi aliè a si mateix. perplex davam dei món i perplex davant de si 
mateix, no comprèn que la informació sense teoria es um obstacle per al 
pensament, tant com mancar dinforrnació". 
22. CL.de forma genérica, Bell, Izl advcnimientodclasociedadpós-industrial, 
Madrid, 1991, tratando da transformação do indiistrialismo, dando lugar 
ao advento da sociedade da informação. A caracterização de nossa 
sociedade como “sociedade da informação" ( Infonnationsgcscllscluijt) pode 
ser vista também cm Luhmann, Dic Gesellschajt der Gesellschajt, 
Frankfurt. 1997, II. p. 1.088 ess. com múltiplas referências. No raciocí nio 
de Luhmann, a sociedade da informação aparece junto à sociedade do risco, 
como fórmula de expressão da aulocomprecnsào e autodcscrição de nossa 
sociedade. 
23. Cf. Marina, Cróniens dc la ultramodemidad, Barcelona. 2000, p. 100,108. 
24. Ao que se alude com o afortunado Ululo da obra de Habcrmas, Dic ncue 
Unübcrsichtlichlcit, 1. ed., Frankfurt, 1985. 
25. Smart, Poslnwdcrnity, London/Ncw York, 1993, p. 111. 
Em realidade, porém, seria provavelmente mais expressivo falar 
da perplexidade do “relativismo”. De fato, a perplexidade da 
relatividade tem também - e talvez mais do que tudo - uma dimensão 
filosófica e ética, pela perda de referências valorativas objetivas. 
Vivemos em uma sociedade na qual se constata a ausência de refe-
rências de “auctoritas” ou de princípios generalizáveis,26 enquanto 
prevalece o pragmatismo do caso ou a busca da solução consensual, 
sem premissas materiais a partir das quais se possa buscar o consenso. 
Agora vejamos, como já se disse, se tudo é igualmente verdadeiro , 
então acaba a força impondo-se como o argumento mais poderoso.27 E 
ante tal constatação, é forçoso convir que é difícil não sentir 
insegurança. 
Visto de outra forma, tampouco cabe negar que a relação de 
interdependência entre esferas de organização e a necessária 
transferência a terceiros de funções de respaldo da própria esfera 
jurídica, com o correlato da perda de domínio real, constitui uma 
base efetiva da sensação de insegurança. 28 Sobretudo, quando tal 
interdependência tem lugar em um contexto fortemente atomizado, 
isto e, anônimo, após o desaparecimento ou, pelo menos, o 
importante retrocesso das estruturas orgânicas de solidariedade 
26. Destaca-o João Paulo 11. Eides et Ratio, Capítulo VII, n. marg. 91, em que, 
ao aludir ao pós-moderno c suas correntes de pensamento, observa 
criticamente que “(...) segundo algumas delas, o tempo das certezas ficou 
para tras irremediavelmente; o homem deveria agora aprender a viver em 
uma perspectiva de carência total de sentido, caracterizada pela 
provisoriedade c pela fugacidade". 
27. Marina, Crónicas, p. 48; ou também p. 222: “Se não existem valores, a 
liberdade do ditador é tão válida como a do cidadão, embora mais forte". 
28. Também H. Lübbe, Moralismus oder fingierte Handlungssubjektivitàt in 
komplexen historischen Prozessen, cm W. Lübbe (Hrsg.), Kausalität und 
Zurechnung, p. 289 e ss, 293, cm que se observa que a tendência à 
expansão da imputação se vincula a perdas de autossuficiência e, por -
tanto. a dependência e suscetibilidadc a ações de terceiro s socialmente 
marginalizados. 
mais tradicionais. De fato, não deixa de ser intranquilizador o 
manifesto paradoxo de que o incremento da interdependência social 
tenha lugar no contexto de uma Sociedade de massas na qual se 
experimenta uma “dessolidarização” estrutural, com o patente 
retorno ao privado segundo critérios de interesse individual. 30 E 
certamente esse é o modo social hoje dominante do “individua lismo 
de massas”, no qual “a sociedade já não é uma comunidade, mas um 
conglomerado de indivíduos atomizados e narcisisticamenie 
inclinados a uma íntima satisfação dos próprios desejos e 
interesses”.31 Mas vejamos, em tal modelo, em que a vida social 
subordina-se à forma jurídica, de modo que as ações somente se 
explicam em termos de realização de pretensões jurídicas,32 é até 
29. Cf. Lledó Real, RCSP 2, abril 1998, p. 21: “l_a complcxitat de rcslructura 
social actual potência 1’aillament de les persones i lcs fainílics. Les rela - 
cions de grup són superficiais i poc freqüents, ja que no es planifica res a 
riiàbitat per afavorir-les. lis van perdent valors lan iinportants com o cie 
la solidai itat i la comunicado interpersonal; s’estàn deshumanitzanl eis 
costums, rnentre que la tecnologia envaeix la nostra vida”. Em tal sentido 
já se observou, a meu ver com razão, que as sociedades modernas são 
"sociedades do seguro”, porque este vem a satisfazer um importante 
aspecto da demanda por segurança que se verifica nesse contexto dc 
anonimato e atomização. O seguro estaria gerando, assim, um conceito 
moderno de "solidariedade”. Cf. IIwald, Die Versieherungs -Gesellschaft, 
KiitJ, 1989. p. 385 ess, 387. 
30. Produzindo-se uma monetarizaçáo de qualquer relação que, em lugar de 
relações de reconhecimento reciproco, gera relações de “indiferença” 
reciproca. Cf. Barcellona, Postmodemidad y comunidad. El retorno dc la 
vinadación social (trad. Silveira/Estévez/Capella), Madrid, 1992, p. 112. 
121, 123 etc. 
31. Cf.Souza,Laindividualidadpostmoderna,AFD, 1999,p.321 ess.327. 322. 
32. Souza, AFD, 1999, p. 324, c nota 2 (citando P. Barcellona): "A única forma 
de intermediação entre o indivíduo c a sociedade eo Direito: isto significa 
que um sujeito pode exigir alguma coisa em face de outro não com base 
em razões morais, afetivas etc., senão com base na existência de uma 
norma legal que justifica sua pretensão. Em outros termos, as relações 
(sociais e) individuais são intermediadas pelas normas”. 
certo ponto razoável que a sensação de solidão (insegurança) tenda a 
mostrar-se mais e mais intensa. 
Em última instância, a insegurança e a angústia podem também 
guardar relação com a intensa experiência do mal como elemento de 
nossa existência, que de modo significativo tem sido possível experi -
mentar ao largo da interminável sucessão de guerras e destruição que 
caracterizou o recém-concluído século XX. Ainda não silenciaram os 
ecos das duas guerras mundiais e da sucessão ininterrupta de conflitos 
locais propiciados pela guerra fria e o processo de desco lonização. 
Mas a barbárie das guerras nacionalistas do Oriente Médio e dos Bál-
cãs, assim como do terrorismo - singularmente no caso espanhol 
constituem uma renovada vivência do mal que atemoriza e angustia. 5' 
O que foi dito acima permite intuir que é realmente duvidoso 
que a medida da insegurança sentida pelos cidadãos se corresponda de 
modo exato com o nível de existência objetiva de riscos dificilmente 
controláveis, ou simplesmente incontroláveis (os próprios da 
Risikogescllschaft), que lhes afetem pessoalmente e de modo 
imediato.34 Além disso, como observado mais acima, é inegável que 
33. Como indica João Paulo II, Eides et Ratio, Capítulo VI1, n. marg. 91: “Ante 
esta experiência dramática, o otimismo racionalista que via na historia o 
avanço vitorioso da razão, fonte dc felicidade e dc liberdade, não pôde 
manter-se ein pé, até o ponto de que uma das maiores ameaças neste fim 
de século e a tentação a desesperança". Ainda que, curiosamente, como o 
próprio Pontífice constata, junto a isto persiste certo positivismo que 
ainda cré que o homem, com suas conquistas científicas e técnicas, vai 
lograr o pleno domínio de seu destino. 
34. No que respeita às ações violentas, é muito significativo que as estatísticas 
delitivas sejam mal interpretadas ou sofram manipulações. Na sociedade 
alemã, um dos lemas objeto de maior discussão foi sempre o da 
criminalidade dos jovens filhos de imigrantes: cf., por exemplo, Mansel, 
Gefahr oder Bedrohung? Die Quantität des kriminellen Verhaltens der 
Gastarbeiternachkommen. Krim), 1985, p. 169 css. Cf. também Baster- ra, 
Fremdenhaß als Ursache von Gewalt? Staatliche (Des-)lnfonnaiion nährt 
Feindbilder, cm P. A. Albrecht/Backes (Hrsg.), Verdeckte Gewalt. 
Plädoyers für eine “Innere Abrostung”, Frankfurt, 1990, p. lOOess. 
a aparição dos novos riscos está, de certa lorma, compensada pela 
radical redução dos perigos procedentes de fontes naturais (assim, 
as consequências lesivas de enfermidades ou catástrofes 35)- Por 
tal motivo, é mais razoável sustentar que, por múltiplas e diversas 
causas,36 a vivenda subjetiva dos riscos é claramente superior a 
própria existência objetiva dos mesmos37 Expressado de outro 
modo, existe uma elevadíssima “sensibilidade ao risco”. 3” 
35. Isso é certo, apesar de que as estruturas soeioeconômicas (por exemplo, a 
concentração de população em cidades, inclusive eventualmente em 
subúrbios com moradias inseguras) determinem que os fenômenos naturais 
- os terremotos ou furacões - afetem de modo concentrado grupos 
humanos numerosos. 
36. Uma causa adicional seria nossa pretensão, antes aludida, de controlar 
tudo. de controlar inclusive o futuro, com certeza herdada do positivismo, 
e que mostra um contraste especialmente intenso com a realidade social 
atual. H também outro fator-de natureza bastante diversa, mas que pro-
vavelmente não seja o ultimo cm importância - é o que se convencionou 
chamar de “sentimentalização'’ da nossa sociedade. Cf. Fahing it. The 
sentimentalisation o) modem society, London, Anderson/Müller, 1998. 
Como observa Contreras, Aceprensa, 1 26/98, 23.09.1998. Los riesgos de lo 
sociedadsentimentalizada, cm sua resenha dessa obra. “nenhuma socie dade 
tem menos razões que a nossa para estar obcecada pela enfermidade: 
vivemos mais e melhor que jamais se viveu ante s, e nada obstante ficamos 
intranquilos ante qualquer trivialidade que possa afetar a nossa saúde". 
37. Cf. Herzog, Gescllschaftliche Unsicherheit und strafrcchlliche Dascins- 
vorsnrgc. Studicn znr Vorverlegung des Stra/rechtsschutzcs in den Ge - 
fãhrdungsbereicli, Hcidelberg, 1990, p. 50, aludindo que o Direito Penal, 
contemplado antropologicamenic, “corresponde a necessidade de 
segurança que se sente”. Cf. também Kunz. Die innere Sichcrheit: 
Schlüsseldimcnsion einerncucn Kríminalpolitik, in SchwcizerischeArbeits- 
gntppc für Kriminologie (Hrsg.), Innere Siehcrheit-Innere Unsicherheit? 
Kriminologischc Aspchtc, Chur/Zurich, 1995, p. 327 e ss. 
38. Como, por certo, também sucede relativamente à dor. ao sofrimento físico 
ou moral etc. Marina, Crónicas, p. 147, o ressalta: “Estamos educando 
nossos jovens com 11111 baixo nível de tolerância a frustração. Todos nos 
convertemos com facilidade em propagandistas da recompensa imediata”. 
Mas a questão é se se trata apenas de nossos jovens c 
Em todo caso, à vista do que vem acontecendo nos últimos anos, é 
incontestável a correlação estabelecida entre a sensação social de 
insegurança diante do delito e a atuação dos meios de comunicação. 39 
Estes, por um lado, da posição privilegiada que ostentam no seio da 
“sociedade da informação” e no seio de uma concepção do mundo 
como aldeia global, transmitem uma imagem da realidade40 na qual o 
que está distante e o que está próximo têm uma presença quase 
idêntica na forma como o receptor recebe a mensagem. Isso dá 
lugar, algumas vezes, diretamente a percepções inexatas;41 e, em 
não também dc nós mesmos. A propósito da discussão sobre o suicídio, o 
explica muito convincentemente R. Tcrmes, Dc la disponibilidad de la 
vida, no diário F.l Pais. dc 06.04.1998: “O desenvolvimento da tecnologia 
induziu uma mentalidade segundo a qual o homem pode dominar todas as 
coisas do mundo humano. Mas o homem dc hoje está pouco preparado 
para ‘sofrer’; qualquer dor é interpretada como um estímulo para tomar os 
remédios adequados com a finalidade dc evitá-la ou suprimi-la. Quando 
essa dor e inevitável, o homem sc sente desconcertado. Por isto sc pode 
dizer que nesse tempo, em nosso mundo superdesenvolvido, o homem te m 
muito menos dores que anos atrás, mas tem muito mais sofrimento”. 
.39. Muito preciso, Francesc Barata, Las nuevas fabricas del miedo. Los "mass 
media" y la inseguridcid ciudadana, Munagorri Laguía (cd.). La protect ion 
dc la seguridad ciudadana, Onati Proceedings 18. Onatc, 1995, p. 83 c ss, 
com amplas referências; no mesmo sentido, M. Rodrigo ALsema, El cono - 
címiento dei sistema penal: alarma social y medios de comunicación, cm 
Larrauri Pijoan (dir.), Política criminal, CGPJ, Madrid, 1999, p. 73 ess. 
40. Cf. Luhmann. Die Gcscllschaft. II, p. 1.096 e ss. 
41. Cf. Reiner, Media made criminality: the representation of crime in the 
mass media. The Oxford Handbook of Criminology, 2. ed., Oxford, Ma-
guire/Morgan/Reiner, 1997, p. 189 c ss, cm qite destaca a forma como a 
imagem que transmitem os meios sc afasta da realidade; sc transmite uma 
desproporção de delitos violentos, autores de status elevado, uma imagem 
demasiadamente positiva da polícia e da justiça criminal, uma prevalência 
de modelos dc eleição racional diante do papel do ambiente social etc. De 
modo geral, os diversos trabalhos contidos no volume Mitjans de 
comunicado i seguretat pública, RCSP, n. 4, junho de 1999. com 
referências reiteradasao processo dc “construção da notícia”. 
outras, pelos menos a uma sensação de impotência.42 Com mais razão, 
por outro lado, a reiteração e a própria atitude (dramatização, 
morbidez) com a qual se examinam determinadas notícias atuam 
como um multiplicador dos ilícitos e catástrofes,43 gerando uma 
insegurança subjetiva que não se corresponde com o nível de risco 
objetivo.44 Assim, já se afirmou com razão que "os meios de comu-
nicação, que são o instrumento da indignação e da cólera públicas, 
podem acelerar a invasão da democracia pela emoção, propagar uma 
sensação de medo e de vitimização e introduzir de novo no coração 
do individualismo moderno o mecanismo do bode expiatório que se 
acreditava reservado aos tempos revoltos”. 45NT 
42. Cf. Garcia Anoveros, Desorden mundial, no diário 1:1 Puis, 12.1 1.1998, p. 
20: “A tecnologia atual faz os homens mais próximos; não parece, por 
enquanto, que os faz mais semelhantes, mas certamente mais próximos. Ao 
mesmo tempo, persistem os esquemas de organização política em setores 
estanques, ainda que cada vez menos. O desajuste entre ambas realidades 
produz sensação de desordem, um certo desalento diante da ausência de 
meios, instituições, procedimentos, para fazer frente aos problemas que 
supõe a proximidade gerada pela técnica”. 
43. Luhmann, Die Gesellscluifí, II, p. 1.099, ressaltando a forma como se dá 
prioridade aos dados quantitativos, sem que se possa refletir sobre a 
maneira de contabilizá-los. 
44. Quando escrevíamos a primeira edição deste livro vivenciávamos mais um 
episódio característico dessa influência, relativo à questão tia liber tação 
delinitiva do denominado "violador dei ensanche” 1NT: Trata-se de 
indivíduo que loi preso e condenado na Espanha pela pratica dc diversos 
crimes sexuais, que tiveram grande repercussão na época dos latos. Em 
1999, anunciou-se que seria ele libertado), de Barcelona, que havia 
cumprido sua pena dc acordo com a legislação vigente, interpre tada 
rciteradamente pelo Tribuna! Supremo, mas sem “dar mostras de 
arrependimento” nem “haver sido submetido a tratamento". 
45. Garapon, Juez y democracia, Barcelona, 1997, p. 94, que aduz: “Os 
assassinatos de crianças se convertem em acontecimentos nacionais para 
uma opinião pública fascinada pela morte e a transgressão. Sua 
exasperação pelos meios acabará por fazer crer ao cidadão menos avisado 
que este tipo de crime é frequente, o que não é o caso” (p. 99). 
 I NT: O fenômeno inverso também pode dar-se, como parece ser o caso 
Além disso, junto com os meios de comunicação, não cabe 
negar que, em certas ocasiões, também as próprias instituições 
públicas de repressão da criminalidade transmitem imagens 
oblíquas da realidade, que contribuem com a difusão da sensação 
de insegurança.'16 
Um exemplo suficientemente comentado e criticado - já alu-
dido nestas páginas-é o relativo á forma como são apresentadas as 
estatísticas de delitos cometidos por jovens imigrantes (ou, 
melhor, filhos de imigrantes) na República Federal da Alemanha. 
Mas o fenômeno é generalizado.4. 
brasileiro. Nada obstante lenha a ONU divulgado eni seu último relatório 
sobre a criminalidade que o Brasil possui o segundo maior índice de 
homicídios do planeta - 23.9 por 100.000 habitantes; a Espanha é o país 
que possui o menor: 0,53 por 100.000 habitantes -, esse dado não c 
ressaltado com frequência pela mídia que, ao contrário, aparentemente 
prestigia as teses de que “o problema e mundial (...)’’. | 
N,! Essa ultima expressão é claramente empregada para significar a insegu rança 
individual característica dos momentos de incerteza política gerada por 
golpes de Estado, revoltas populares, governos ditatoriais etc. 
46. Conforme descrevem Baer/Chambliss, Generating fear: The politics of 
crime reporting, cm Crime, Law & Social Change. 27/1997, p. 87 e ss. E. da 
mesma forma, Erehsee, Fehlfunktionen des Strafrechts und der Verfall 
rechsstaatlichen Ereiheitsschutzes,em Frehsee/Lôschper/Smaus(Ursg.), 
Konstruktiondcr Wirhlichhcitdurch Kriminalitãí und Strafe, Baden-Baden, 
1997, p. 29: “A política criminal oficial refere-se prazerosamente ao fato dc 
que a população não somente aceita esta tendência, senão que inclusive a 
propugna. Esta é certamente uma argumentação pérfida, pois a disposição 
da população a uma restrição da liberdade em favor da segurança germina 
exatamente sobre o terreno de um pânico pela segurança ( Sicherheitspa- 
nih) criado por tal política criminal oficial, preferentemente em torno da 
criminalidade organizada". As declarações do Ministério Público aos meios 
dc comunicação, relativamente ao caso supracitado, do “violador dei 
ensanche”, foram dadas claramente nessa linha. 
47. Cf. Hough/Roberts, Sentencing Trends in Britain. Public Knowledge and 
Public Opinion, etn Punishment & Society, 1999, n. 1, p. 11 e ss. 
ressaltando ate que ponto a difusão de notícias oblíquas provoca a im-
pressão dc que as sentenças judiciais são excessivamente suaves, com a 
consequente desconfiança em relação aos juizes e tribunais. 
Contudo, o que foi aludido acima não deveria conduzir à in-
genuidade de pensar que o medo da criminalidade é criado pelos 
meios de comunicação ou pelas instituições públicas. É, ao contrá -
rio, mais razoável a hipótese de que eles, em todo caso, reforçam ou 
estabilizam medos já existentes. Como, também, a ideia de que o 
medo da criminalidade constitui, fundamentalmente, a concreção 
de um conjunto de medos difusos dificilmente perceptíveis que, 
como apontado páginas atrás, de algum modo são inerentes à 
posição das pessoas nas sociedades contemporâneas. Expressado de 
outro modo. o medo do delito aparece como uma metáfora da 
insegurança vital generalizada.8 
Seja como for, o caso é que, em medida crescente, a segurança 
se converte em uma pretensão social á qual se supõe que o Estado e, 
em particular, o Direito Penal, devem oferecer uma resposta. 49 Ao 
48. Nesse sentido, imbert, Los cscenarios de la violência, Barcelona, 1992, j>. 43, 
já apontava que o medo que a pessoa experimenta em nossas sociedades é 
difuso, é um medo diante do imprevisível; Kube, Vcrbre - chensfurchl - ein 
vernachlässigtes kriminalpolitisches Problem, em Festschrift für Koichi 
Xtiyazawa, Baden-Baden, 1995, p. 199 e ss, 201. Esse autor, seguindo a 
Kierkegaard, distingue o alcance dos termos “Angst”, como expressão do 
medo a algo indeterminado, e “Furcht", cotno medo vinculado a um objeto 
concreto; de modo que a “Kriminalitätsfurcht" redundaria cm “Ängste” mais 
difusos. Com mais detalhes Kunz, Innere Sicherheit und 
Kriminalitätsvorsorge im liberalen Rechtsstaat. cm Kunz/Moser (Hrsg.), 
Innere Sicherheit und Lebensängste, Bern/Stuttgart/Wien, 1997, p. 13 c ss, 
18-19, 21, observa que tanto a criminalidade como o medo a ela são 
objetivizações de outros riscos do sistema, estes menos perceptíveis; no 
mesmo sentido, M. Walter, Kriminalpolitih im Zeichen der 
Verbrechensfurcht: von der Spezial-über die Gcral-zur 
“Ubiquitäls”prävcntion?, cm Festschrift für H.J. Hirsch zum 70. Gebut tstag, 
Berlin/New York, 1999, p. 897 e ss, 902. 
49. Bastante reveladores são o título e o conteúdo do trabalho da ex -Ministra de 
Justiça da Alemanha. Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, Innere 
Sicherheit. Herausforderungen an den Rechtsstaat, Heidelberg, 1993, passim. 
Mas o tema da “innere Sicherheit” (segurança interior, ou, melhor, 
segurança cidadã) está sc convertendo cm uma questão recorrente nos 
afirmar isso, não se ignora que a referência à segurança está contida 
em nada menos que o art. 2 da Declaração dos Direitos do Homem e 
do Cidadão de 1789.50 Simplesmente se trata de destacar, como 
observa Prittwitz, seguindo o sociólogo Franz XaverKaufmann,’1 
que, apesar de incontestável a afirmação de que os homens nunca 
viveram tão bem e tão seguros como agora, o certo é que “Angst und 
Unsicherheit (semd) zum Thema des 20.Jahrhunderts geworden“. ’’ 
A solução para a insegurança, ademais, não se busca em seu, 
digamos, “lugar natural” clássico - o direito de polícia senão no 
Direito Penal. Assim, pode-se afirmar que, ante os movimentos so-
ciais clássicos de restrição do Direito Penal, aparecem cada vez com 
maior claridade demandas de uma ampliação da proteção penal que 
ponha fim, ao menos nominalmente, à angústia derivada da inse -
gurança. Ao questionar-se essa demanda, nem sequer importa que 
seja preciso modificar as garantias clássicas do Estado de Direito: ao 
contrário, elas se veem às vezes tachadas de excessivamente “rígidas" 
e se apregoa sua “flexibilização”. Apenas como exemplo, vale aludir à 
demanda de criminalização em matéria de meio ambiental, 
econômica, de corrupção política, no âmbito sexual (especialmente 
últimos anos de discussão político-criminal: cf. a observação crítica de 
Knicsel. “Innere Sicherheit" und Grundgesetz, ZR P. 1996. p. 482 e ss; 
vide nesse sentido Schneider, H. ]., Kriminalpolitik an der Sclnvcllc Zinn 
21 .Jahrhundert. Eine vergleichende Analyse zur inneren Sicherheit, 
Berlin. 1998. 
50. “O objeto dc toda sociedade política e a conservação dos direitos naturais e 
imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a 
segurança c a resistência a opressão”. Como, dc resto, observa Kindhãuser, 
L/nivtTSiías,3/1992,p. 229, 233. “naturalmente, a aspiração por segurança não 
6 ilegítima”; o questionável é que se converta na ideia matriz rio Direito 
Penal, quando este, com seu instrumental, dificilmente pode atender de 
modo razoável a tal requerimento no modo em que o mesmo é formulado. 
51. Sicherheit als soziologisches und sozialpolitisches Problem, 2. ed., 197.3. 
52. “O medo e a insegurança sc converteram no tema do século XX”: Prii- 
twitz, Strafrecht und Risiko. Untersuchungen zur Krise von Strajrccht und 
Kriminalpolitik in der Risikogesellschaft, Frankfurt, 1993. p. 73. 
nas hipóteses de abuso sexual ou pornografia infantil), ou da violência familiar etc. 
E é fato que, em um mundo no qual as dificuldades de orientação cognitiva são 
cada vez maiores, parece mesmo razoável que a busca de elementos de orientação 
normativa - e, entre eles, o Direito Penal ocupa um lugar significativo - se converta 
em uma busca quase obsessiva. Com efeito, em uma sociedade que carece d e 
consenso sobre valores positivos, parece que corresponde ao Direito Penal malgrê lui 
a missão fundamental de gerar consenso e reforçar a comunidade. 
1.5 A CONFIGURAÇÃO DE UMA SOCIEDADE DE “SUJEITOS PASSIVOS” 
A sociedade do Estado do bem-estar se configura cada vez mais como uma 
sociedade de classes passivas, no sentido amplo da expressão. Pensionistas, 
desempregados, destinatários de serviços públicos educacionais, sanitários etc., 
pessoas ou entidades subvencionadas (beneficiários, enfim, da transferência de 
riqueza, mais que criadores dos excedentes objetos de transferência) s e convertem 
nos cidadãos, os eleitores por excelência. Inclusive com relação ao cidadão abstrato 
se realça sua dimensão “passiva” de consumidor, ou de sujeito paciente dos efeitos 
nocivos do desenvolvimento (sobre o meio ambiente, por exemplo). Diante disso, e 
certamente, ao menos em parte, pelo fenômeno da concentração do capital, as 
classes ativas, dinâmicas, empreendedoras, são cada vez menos numerosas. E, de 
qualquer modo, sua relevância - e inclusive seu prestígio - no cenário social são 
inferiores; desde logo, muito inferiores a de cem ou cinquenta anos atrás. 
O modelo da pós-induslrialização53 resulta, desse modo, diretamente 
contraposto ao da sociedade do desenvolvimento industrial do século XIX e 
provavelmente da primeira metade do século XX. Realmente, a industrialização, no 
âmbito da dogmática jurídico-penal, havia trazido consigo a construção do conceito 
53. Da concentração econômica, da imigração e emigração, da globalização. 
de risco permitido como limite doutrinário (interprelativo) à 
incriminação de condutas, assim como a determinação de seu 
alcance básico. Em linhas gerais, a ideia era a seguinte: a coleti-
vidade há de pagar o preço do desenvolvimento, admitindo que as 
empresas não adotam as máximas medidas de segurança nem 
empregam materiais de máxima qualidade. Do contrário, não se 
poderá obter o benefício que permita a acumulação de capital 
necessário para reinversão e crescimento; ou então não progredirá 
no ritmo esperado. E isso se deve admitir , ainda que se saiba de 
antemão, e já não mais de modo genérico, que se produzirão lesões 
e mortes, senão que especificamente em uma determinada 
indústria elas haverão de ocorrer. 54 Pelo contrário, na sociedade 
54. Sobre a vinculação da evolução do conceito de risco permitido com a 
industrialização, Prittwitz. Strafrecht und Risiko, p. 301 e ss. Ainda sobre 
o tema Schultz, Kausalität und strafrechtliche Produkthaftung. Materiell - 
und Prozessrecht liehe Aspekte, em W. Lübbe (Hrsg.), Kausalität und 
Zurechnung. Über Verantwortung in komplexen kulturellen Prozessen , 
Berlin/New York, 1994, p. 41 e ss. 42-43; do mesmo, Perspektiven der 
Normativierung des objektiven Tatbestandes (Erfolg, Handlung. Kau -
salität) am Beispiel der strafrechtlichen Produkthaftung, ein Lüderssen 
(Hrsg.), Aufgeklärte Kriminalpolitik, Ul, p. 43 e ss, 48-49, aludindo cm 
particular a questão das ferrovias nos Estados Unidos. Com a industria-
lização, pois, o risco permitido deixou dc ser exceção para constituir -se em 
regra. As referências clássicas são as de Binding, Die Normen und ihre 
Übertretung, t. IV, Leipzig, 1919, p. 432 e ss. 4.37, 440, vinculando 
expressamente risco permitido e desenvolvimento industrial; ainda. p. 445, 
nota 42: “Uma indústria possivelmente não será rentável ou, pelo menos, o 
será de modo insuficiente se empregar o melhor material". Já anles, Von 
Bar, Die Lehre vom Causal zusammenhange im Rechte, besonders im Straf 
rechte, Leipzig, 1871, p. 13, aludindo ao modo coino a vida exige certo 
risco. de maneira que a adoção de cautelas qitc poderiam evitá-lo, por sua 
vez, excluiriam toda atividade industrial (Gewerbebetriebe). Assim, 
conclui que há indústrias perigosas, mas necessárias para a vida, das quais 
se sabe por estatística que, com o transcurso dos anos, um número dc 
homens, c não somente dos que trabalham voluntariamente nelas, 
perderão a vida. Dc novo aqui lambem aparece a consideração do exemplo 
da ferrovia. Expressando um fenômeno até certo ponto 
da pós-industrialização se constata com clareza uma 
tendência ao retrocesso da incidência da figura do risco 
permitido.” Dessa maneira, se há um século o estado de 
coisas predominante no pensamento europeu 
“desenvolvimentista” podia aproximar-se à máxima 
“navigare necesse est, vivere non necesse”,56 neste 
momento - em que poucos “navegam", isto é, apostam 
decididamente pelo desenvolvimento - debate-se em torno 
da prioridade da necessidade de “viver” e, por extensão, a 
redução das fronteiras do risco permitido. 57 
paralelo, a vinculação das doutrinas da culpa civil nos Estados Unidos 
entre fins do século XIX e meados do século XX com o desenvolvi mento 
industrial c com a pretensão de diminuição de custos da classe em presarial 
é ressaltada por Bisbal, La responsabilidad extraconiractual y la 
distribución de los costes dei progreso, RDM. 1983, p. 75 e ss. 86, nota 16, 
95. 
55. Prittvviiz, Strafrcclu urnl Risilw, p. 310-311, comentando como se 
produziu uma revisão dos princípios sobre cuja base tem lugar o tra -
tamento social no que respeita aos riscos. A mudança de enfoquepro -
duzida nos últimos anos recebe uma valoração positiva cm Fabricius, 
Rcchtsdogmatische Wandlungen ais Entnennungen gcsellschaftlicher 
Risikozutcilungen, em ARSP-Beihcft, 71, Grõscluicr/Morlok (Hrsg.), 
Rcchtsphilosophic mui Rechtsdogmatik in Zcilcn des Umbi uchs, Slutlgart, 
1997. p. 119 e ss, 121, para quem o desenvolvimento do “Dir eito penal do 
risco" é um intento de reparar de maneira forçada uma situação na qual se 
havia tolerado o sacrifício maciço do bem jurídico “vida" cm prol do 
progresso. Um exemplo de seu modo de ver as coisas em p. 128. nota 43: 
“Se a velocidade máxima dos veículos na zona urbana fosse reduzida a 30 
km/b, os acidentes mortais diminuiriam em 90%”. 
56. A máxima c a versão latina do texto grego de Plutarco e foi adotada como 
lema pela Liga Uanseática. 
57. Sobre a ideia de que o conceito de “risco" e um conceito cultural, assim 
como de que na percepção e aceitação do risco incide a posição social que 
se ocupa, cf. Schultz, cm Lüderssen (Hrsg.), Aufgchldt te Kriminal- 
politik, 111, p. 50-51; Duelos, Quand la tribu des modernes sacrifie au 
dieu risque (Mary Douglas et le risque commc concept culturel), DS. 
1994, vol. 13. n. 3, p. 345 ess, 348,353 ess; Lópcz Ccrezo/Luján López, 
Cienciav política, p. 72 e ss. 
Como é sabido, o conceito de risco permitido expressa uma 
ponderação dos custos e benefícios da realização de uma determinada 
conduta.58 Mas também é evidente que tal cálculo depende de uma 
valoração prévia, na que necessariamente se haverá de incluir como 
premissa maior a autocompreensão da sociedade e a ordem relativa 
de valores (ou preferências) na qual aquela se plasme. 58 Na mudança 
significativa da autocompreensão social produzida nas últimas 
décadas se encontra, pois, a base também da modificação do produto 
do referido cálculo. Assim, a diminuição dos níveis de risco 
permitido é - produto direto da sobrevaloração essencial da 
segurança - ou liberdade de não padecer diante da liberdade (de 
ação).60 Ou, — em outro sentido, da concepção de muitas liberdades 
como “liberdades perigosas” (riskante Frcihcitcn). Tal predomínio 
58. Cf. a obra básica dc Paredes Castanón, LI riesgo permitido en derccho 
penal, Madrid, 1995. passim. em especial, p. 483 c ss. Da mesma forma. 
Paredes Castanón, 1:1 limite entre imprudência v riesgo permitido en 
derccho penal: ies posihle detenninarlo con critérios utilitários?. 
APDCP, 1996, 111 (2000), p. 909 c ss. 
59. Nesse sentido, Jakobs, La imputation objetiva en derccho penal (trad. Cancio 
Meliá), Madrid. 1996. p. 119-120: ‘TQuc valor corresponde al riesgo 
existente para la salud en el puesto de trabajo en comparación ( con unas 
condiciones de producción rentables?"; Duelos, D5, vol. 18. n. 
3, p. 350: “Il y a certains risques que nous ne percevons pas et d’autres 
que nous hypertrophions, et cela moins a partir dc nos tendances 
personcllcs que par notre position dans les institutions socialles, qui 
‘pensent le monde à travers d'une métaphore privilégiée". Critico com 
os procedimentos de definição do risco permitido, Fabricius, AR5P- -
Beihcft, 71. p. 137. aludindo à introdução de elementos míticos como “a 
sociedade”, “o ordenamento", “o Estado” etc. 
60. Que no risco permitido se trata de um conflito de liberdades e não da 
mera proteção de uma liberdade é observado por W. Líibbe, Eraubtes 
Risiko -Zur Legitimationsstruktur 
einesZurechnungsauschliessungsgrundes, em Lüderssen (Hrsg.), 
Aufgehlãrtc Kriminalpolitih, 1, p. 373 c ss, 381, entendendo, nada 
obstante, que nem a análise dc custo-beneficio nem a perspectiva 
histórica fundamentam convincentemente a instituição. 
 
é característica de uma sociedade de sujeitos pacientes mais que de 
agentes.61 
Dessa forma, nos vemos, pois, diante de um modelo de sociedade 
orientado a uma restrição progressiva das esferas de atuação 
arriscada.6l Em outras palavras, como se indicava supra, um modelo 
social em que, na ponderação prévia ao estabelecimento da fronteira 
entre risco permitido e risco desaprovado, a liberdade de ação cede 
claramente ante a liberdade de não padecer.63 Seguramente, não são 
em absoluto alheios a essa circunstância os modernos progressos da 
jurisprudência (e, eventualmente, da doutrina) tendentes a uma 
concepção bastante ampliadora da figura da “ingerência”, como 
fundamento da imputação de responsabilidade a título de comissão 
por omissão. 
Mas, vejamos, o que foi até agora mencionado não é tudo. Na 
sociedade de sujeitos passivos existe também uma resistência psico-
lógica ante a aceitação do caso fortuito, ante a admissão da possibi -
lidade de produção de danos por azar. Seguramente, isso tampouco é 
casual e se relaciona de modo direto com autocompreensão de uma 
sociedade na qual a maior parte dos perigos, como estivemos 
indicando, já não pode ser concebida sem algum tipo de interme- 
61. Como observa K. Gunther, La situaciun insostcníble, Instituto de Ciências 
Criminales de Frankfurt, p. 503. “(...) a liberdade de ação deriva de um 
perigo abstrato em si mesma. Em campos de ação densamente entrelaçados, 
como é característico nas sociedades de risco, o próprio uso individual da 
liberdade é perigoso em si”. 
62. Na percepção de Van Svvaaningen, Criticai criminology. Visions Jrom 
Europe, London, 1997, p. 174. a nova sociedade do risco “is no longer 
oriented towards positive ideais, bui towards the negative rational of 
limitingrisk” (já não está orientada a ideais positivos, senão a raciona lidade 
negativa da limitação de riscos). 
63. A liberdade de ação se vê, sobretudo, como fonte de riscos: cl. o texto, de 
expressivo título, de Beck/Beck Gershcim (Hrsg.), Rishante Frcihci- tcn. 
Zur Individualisientng von Lcbensformcn t/t der Modcntc, Frankfurt, 1994. 
diação de decisões humanas, de natureza ativa ou omissiva. Mas, seja 
como for, o efeito é uma crescente tendência a transformação do 
Unglück (acidente fortuito, desgraça) em Unreclu (injusto),65 o que 
inevitavelmente conduz a uma ampliação do Direito Penal. 66 
O tema é suficientemente importante para justificar uma breve 
incursão sobre ele. Como já aludido, o núcleo do problema radica em 
que, uma vez produzido o resultado lesivo, nos inclinamos a rechaçar 
a ideia de que ele pode não ter se originado de qualquer 
comportamento descuidado de alguém. 67 Agora interessa observar 
como isso supõe um curioso fechamento do círculo aberto pelo Direito 
Penal moderno. Com efeito, no Direito Penal primitivo, e ainda 
hoje em certas sociedades, as catástrofes, a morte, uma enfermidade 
ou uma diminuição/física ou psíquica frequentemente eram vistas 
64. Esse dado é essencial na delimitação que Bcck realiza dos conceitos de risco 
c de perigo. Cf., nesse sentido, Esteve Pardo, Técnica, riesgoy dcrecho. 
Barcelona, 1999, p. 43. 
65. É interessante a apreciação de Prittwiiz, Strafrccht und Risiho, p. 108. 
relativa a que os acontecimentos negativos são mais fáceis de assumir se e 
possível atribuir a um terceiro responsabilidade por eles. Dai (p. 379) a 
tendência a encontrar um autor - e de modo éfn absoluto inútil - inclusive 
nos casos clássicos de desgraças provenientes da natureza. Aludindo a este 
fenômeno de “imputation déplacée” nas culturas primitivas, Duelos, DS, 
vol. 18, n. 3, p. 349. Diante disso, sustenta Eabricius que no Direito Penal 
tradicionalmente tem ocorrido o contrario: dada a lé no progresso e no 
crescimento própria dos juristas, se pretende explicar o “injusto" como 
“desgraça", esquecendo o mandamento de não sacrificar vidas humanas e 
não justificar tal proceder em nenhum caso; desse modo tem sido possível o 
sacrifício maciço cie vidas humanas com o assentimento dos penalistas

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