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Nova Historia das Mulheres no Brasil

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APRESENTAÇÃO
Carla Bassanezi Pinsky 
Joana Maria Pedro
Uma História das Mulheres nos séculos xx e xxi? Sim. Já era hora.
O xx é chamado de “o século das mulheres” em razão das transforma-
ções aceleradas que propiciou à experiência feminina. Foi uma época de 
ampliação de direitos e oportunidades e de mudanças, tanto na qualidade 
de vida das mulheres, quanto no imaginário coletivo. Nosso século, embora 
ainda no início, já anuncia importantes novidades. No Brasil, o protagonis-
mo feminino parece já não assustar tanto. Porém, se algumas conquistas 
conseguiram se firmar, outras estão ameaçadas de retrocesso e precisam de 
atenção. “O que aconteceu com as mulheres, como chegamos até aqui e 
quais serão os próximos capítulos dessa saga?” é o que as autoras – pesqui-
sadoras das áreas de História, Ciências Sociais, Educação e Direito – procu-
ram responder neste livro. 
Então, um livro de especialistas, feito para a universidade? Nada disso. 
Ou melhor, sim, mas não apenas: temos aqui um livro para todos os públi-
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cos. Destina-se a homens e mulheres que acreditam que compreender as re-
lações sociais por meio da História contribui para melhorar o entendimento 
entre as pessoas.
É claro que estudantes, professores e pesquisadores se beneficiam de 
uma obra abrangente e atualizada sobre o assunto. Mas também é certo 
que os responsáveis por políticas públicas encontram aqui material para 
ajudar a executá-las. Ativistas, militantes de movimentos sociais, feministas 
e ongs podem com este livro alicerçar melhor suas demandas. Jornalistas e 
profissionais das áreas do Direito, Saúde e Educação ganham subsídios para 
desenvolver com mais qualidade o seu trabalho. 
Desafiadas pelas organizadoras a escrever com leveza sobre temas com-
plexos, as autoras dos capítulos desta obra se saíram muito bem. Enfren-
taram, com sucesso, a difícil tarefa de imprimir pinceladas amplas a cada 
cenário descrito, a ponto de compor, em conjunto, um panorama inédi-
to e instigante sobre a história das mulheres. Contaram, é verdade, com 
os avanços dos estudos ocorridos nas últimas décadas. De fato, a situa- 
ção atual das pesquisas difere muito do encontrado pelos pioneiros que 
se aventuraram a abordar a questão até meados da década de 1980, início 
da de 1990. Havia poucos trabalhos com que dialogar e muitas lacunas a 
preencher. De lá para cá, tornou-se consenso que as mulheres no Brasil têm 
uma história, que ela pode ser escrita e que é capaz de iluminar e sofisticar a 
História dita Geral, ao falar também das relações sociais, raciais, etárias e de 
gênero, tratar do poder e abordar tanto o privado quanto o público. Houve 
um aumento exponencial no número de trabalhos que resultaram em artigos 
e livros, mestrados e doutorados por todo o Brasil, a partir dos quais vimos 
ser possível elaborar uma síntese do porte que este livro exibe. 
As pesquisas feitas por homens e mulheres, individualmente ou em gru-
pos, resultaram em uma vastidão de dados e informações levantadas a ponto 
de já permitirem relatos mais consequentes do que os de alguns anos atrás, 
como se pode observar em temas como corpo, sexualidade, movimentos de 
mulheres, participação feminina no espaço público. Questões como traba-
lho, família, educação, imigração, violência, direito, imagens femininas vêm 
merecendo outros olhares e importantes atualizações. Assuntos muito pouco 
abordados antigamente – como mulheres negras, indígenas, velhas – vieram 
à baila impulsionados por conjunturas favoráveis e inéditas. Montado em 
torno dos séculos xx e xxi, o livro recorre, em alguns capítulos, ao xix, para 
colocar os temas mais recentes em uma perspectiva histórica. 
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Entre as autoras, incluem-se nomes consagrados, estudiosas no apogeu 
de sua capacidade criativa, assim como jovens talentosas, já com pleno do-
mínio de seus instrumentos. Dessa mescla, oriunda de todo o Brasil, apre-
sentamos ao público esta obra de síntese cuidadosamente concebida, um 
painel de indiscutível unidade, dentro de sua necessária diversidade. Não se 
trata, pois, de uma coletânea, mas de um conjunto coerente, estruturado a 
partir de uma orientação clara. Um livro sério, profundo no conteúdo, agra-
dável na forma. Ousado e relevante. Gostoso de ler. 
* * *
Os capítulos seguem recortes temáticos e apresentam mudanças e per-
manências ao longo do tempo. O leitor pode notar que, por vezes, eles se 
sobrepõem, reproduzindo conexões existentes entre os diversos aspectos da 
experiência das mulheres. As representações do feminino, por exemplo, es-
tão presentes no mundo do trabalho, na organização familiar, nas leis e nas 
políticas de Estado. Recortes de gênero, classe social, faixa etária, “raça” e 
etnicidade perpassam de um modo ou de outro todos os textos. Eles podem 
ser lidos em qualquer ordem, mas a inter-relação entre os temas tratados em 
cada um fica evidente na leitura do conjunto, como vemos a seguir. 
Ana Silvia Scott, compreendendo a importância da família na vida das mu-
lheres, descreve e analisa as mudanças nos arranjos familiares e as decorrentes 
transformações em suas representações nos séculos xx e xxi. Para conhecer as 
origens dos modelos que procuraram pautar as identidades femininas, mas tam-
bém foram desafiados por mulheres concretas no passado, voltamos necessa-
riamente ao século xix e suas mulheres da elite, retratadas por June E. Hahner. 
Em seguida, a trajetória da experiência de ser menina num país marcado 
por desigualdades sociais é examinada pela historiadora Silvia Fávero Arend, 
ao passo que as mulheres velhas finalmente ganham o direito a uma biogra-
fia no capítulo da socióloga Alda Britto da Motta, que mescla com maestria 
história e memória.
Com pitadas de humor e ironia sobre uma base sólida de pesquisa em 
fontes primárias, Denise Bernuzzi de Sant’Anna, por sua vez, descreve os 
caminhos da beleza feminina do tempo dos coletes e cintas aos dias atuais, 
em que a batalha pelo corpo continua. 
Maria Izilda Matos e Andrea Borelli sintetizam a questão do trabalho 
feminino de forma crítica e despida de ilusões, por meio de seus avanços, 
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limites e contradições. E o lazer feminino – assunto relativamente novo 
para a História no Brasil – é descrito em “Programa de mulher”, capítulo de 
Raquel de Barros Miguel e Carmen Rial.
As imigrantes que chegam ao nosso país e as brasileiras que emigram são 
retratadas por Maria Sílvia Bassanezi. São mulheres concretas, com seus so-
nhos de uma vida melhor, escrevendo importante capítulo da nossa história. 
Maria Ligia Prado e Stella Scatena Franco nos brindam com uma novida-
de ao observarem a produção cultural de mulheres do século xix agregada 
a uma dimensão política em sentido amplo. A leitura desse capítulo ilumina 
as possibilidades do protagonismo feminino que abririam as portas para 
as intensas lutas e conquistas dos séculos que se seguiram. Rachel Soihet 
apresenta o empenho das pioneiras que, na primeira metade do século xx, 
exigiam que a mulher fosse considerada membro ativo da sociedade, indo 
além das reivindicações sufragistas e educacionais para interessar-se viva-
mente por aspectos da vida pública como o bem-estar social e a democracia. 
Os percalços e vitórias do feminismo a partir dos anos 1960 são relatados 
por Joana Maria Pedro, que também desafia o leitor a se posicionar diante 
das reivindicações das mulheres a respeito de corpo, trabalho e prazer, e, ao 
final, responder se ele próprio é feminista.
A advogada Iáris Ramalho Cortês é muito feliz ao traduzir para os lei-
gos a complicada linguagem do Direito e as mudanças na legislação, com 
comentários corajosos, em um texto que é verdadeiro guia, devendo ficar 
sempre à mão para ser consultado muitas vezes. As historiadoras Lana Lage 
e Maria Beatriz Nader ilustram as transformaçõesda opinião pública e ju-
rídica com relação à violência contra a mulher com casos que estamparam 
manchetes e comoveram o país ao longo de 112 anos. 
Debora Diniz, antropóloga afeita a muitas mídias, aborda sem subter-
fúgios o tema da contracepção e do aborto, um dos mais polêmicos e can-
dentes do Brasil de hoje e algo que não pode mais ficar debaixo do tapete.
Fúlvia Rosemberg discorre sobre a evolução da educação das mulheres 
no Brasil e o papel que as próprias mulheres educadas e o feminismo con-
temporâneo tiveram nesse longo e acidentado processo. 
As mulheres negras ganham um capítulo especial nas mãos de Bebel 
Nepomuceno, que contempla as dimensões do trabalho, da educação, da 
mobilização e da visibilidade com destaque para o protagonismo exercido 
por elas ao longo da história. Mas antes, entendemos as raízes da desi-
gualdade e a resistência que marca essa história com o capítulo sobre as 
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escravas no século xix escrito por Maria Odila Dias, que mostra como elas 
enfrentaram não só a opressão racial, mas também a violência de gênero, 
tanto da parte de senhores quanto de seus companheiros masculinos de 
infortúnio escravista. 
A militante e socióloga Azelene Kaingáng prova que as indígenas são 
capazes de falar sobre si mesmas, sem intermediários, a respeito de papéis 
sexuais, espaços políticos, tradições, mudanças de comportamento e sua 
luta por reconhecimento social.
Desafiando estereótipos, Cristina Scheibe Wolff nos conta sobre as mu-
lheres que participaram, muitas vezes de armas nas mãos, de combates vio-
lentos que vão das lutas pela Independência do Brasil à guerrilha contra a 
ditadura militar, passando pela Guerra do Paraguai, o cangaço e a Segunda 
Guerra Mundial. 
Tania Regina de Luca nos traz com raro talento analítico o mundo diver-
sificado da imprensa feminina, veículo da ordem mas também da mudança 
e da transformação. Carla Bassanezi Pinsky traça um panorama das trans-
formações das imagens femininas entrelaçadas com o processo histórico, 
temperado com saborosas expressões de época.
Observe-se que produzimos uma História das mulheres. Reconhecemos –
o livro deixa isso bem claro – sua pluralidade (etnias, classes sociais, grupos 
etários etc.). Falamos de mulher no singular quando nos referimos às repre-
sentações presentes na cultura.
Boa leitura.

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