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DIVISÃO UM Introdução C A P I T U L O 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro OBJ ETI VOS DO CAPÍ TULO Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a: Reconhecer a magnitude do problema causado pelas lesões traumáticas, em termos humanos e financeiros. Entender a história e a evolução do atendimento pré-hospitalar ao trauma. Identificar e reconhecer os componentes e a importância da pesquisa pré-hospitalar o ci io I i to ro t i i r o 2 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO Introdução Nossos doentes não nos escolhem. Nós os escolhemos. Pode ríamos ter escolhido outra profissão, mas não o fizemos. Aceita mos a responsabilidade de cuidar de doentes e, algumas vezes, nas piores condições: quando estamos cansados ou com frio; quando está chuvoso e escuro; quando não podemos prever que condições iremos encontrar. Devemos aceitar essa respon sabilidade ou desistir dela. Devemos oferecer a nossos doen tes o que há de melhor em nós - não sonhando acordados, não com equipamento sem prévia conferência, não com suprimentos incompletos e não com um conhecimento ultrapassado. Sem ler e aprender todos os dias, não poderemos saber qual o conheci mento médico mais atualizado, nem estar prontos para tratar de nossos doentes. O curso de Atendimento Pré-hospitalar ao Trau matizado (PHTLS) contribui para enriquecer o conhecimento do socorrista e, ainda mais importante, beneficia o indivíduo que precisa de nós - o doente. Ao fim de cada jornada de trabalho, devemos sentir que nosso doente recebeu o melhor que temos a oferecer. Filosofia do PHTLS O PHTLS traz conhecimentos que incluem a compreensão de anatomia e fisiologia, habilidades relacionadas ao atendimento do doente e às limitações de tempo e perda de sangue, além da necessidade de encaminhar o doente ao centro cirúrgico o mais rápido possível. Essa filosofia permite, e também requer, que o socorrista raciocine de forma crítica, tomando decisões e agindo de modo a aumentar a sobrevida do doente que sofreu um trauma. O PHTLS não treina os socorristas para usar protoco los durante o atendimento do doente. Protocolos são abordagens robóticas, que não permitem a consideração propicia alternativas mais adequadas. Em vez disso, o PHTLS propicia a compreensão do atendimento médico e o raciocínio crítico para a obtenção des ses objetivos. Cada contato entre o socorrista e o doente envolve um conjunto único de circunstâncias. Se o socorrista entender as bases do atendimento médico e as necessidades de cada doente, decisões únicas podem ser tomadas, que deem a este indivíduo a maior chance de sobrevida. No sistema educacional PHTLS, acredita-se que os profis sionais não são socorristas que executam instruções vindas “de cima”, mas possuem uma boa base de conhecimentos, são pen sadores críticos e conhecem as técnicas adequadas para atender, com excelência, seus doentes. O PHTLS não “diz” ao socorrista o que fazer, mas dá a ele o conhecimento e as habilidades ade quadas para o uso do raciocínio crítico, de modo a o melhor atendimento ao(s) doente(s) com trauma. A oportunidade de um socorrista ajudar outra pessoa é maior no atendimento de vítima de trauma do que no de qual quer outro doente. O número de doentes vítimas de trauma é maior que grande parte de outros tipos de doentes, e a chance de sobrevivência de um doente traumatizado, que recebe um tratamento hospitalar adequado, é provavelmente maior do que a de qualquer outro tipo de doente em estado grave. O socor rista pode aumentar a quantidade de anos vividos de doentes traumatizados e beneficiar a sociedade por meio do atendimento prestado. Dessa forma, o socorrista, por meio de um atendi mento adequado da vítima, tem uma influência importante na sociedade. Entender, aprender e praticar os princípios do PHTLS pro porciona ao doente mais benefícios que qualquer outro pro grama educacional.1 Os fatos que se seguem levaram à revisão e à expansão do Capítulo 2, que trata de prevenção de trauma. 0 Problema Trauma é a causa de morte mais comum entre 1 ano de vida a 44 anos de idade.2 Aproximadamente 80% das mortes em adolescentes e 60% na infância são decorrentes de trauma; nos idosos, aparece como a sétima causa de óbito. Quase três vezes mais americanos morrem anualmente vítimas de trauma do que aqueles que morreram em combate em toda a guerra do Vietnã e do Iraque até 2008.3 A cada 10 anos, mais americanos mor rem de trauma do que em todos os conflitos militares somados na história dos Estados Unidos. Apenas na quinta década de vida, as causas de morte por neoplasias e doenças cardiovas culares competem com o trauma. A cada ano, morrem aproxi madamente 70 vezes mais doentes em decorrência de trauma fechado ou penetrante nos Estados Unidos do que o número de fatalidades anuais na guerra do Iraque até 2008. Cuidados pré-hospitalares podem melhorar pouco a sobre vida de doentes oncológicos. No entanto, em vítimas de trauma, os cuidados pré-hospitalares podem fazer a diferença entre a vida e a morte; entre uma sequela temporária, grave ou perma nente; ou entre uma vida produtiva e uma destituída de bem-es tar. Nos Estados Unidos ocorrem, em média, 60 milhões de trau mas a cada ano; destes, 40 milhões necessitam de atendimento de emergência; 2,5 milhões destes doentes são hospitalizados e 9 milhões apresentam sequelas. Cerca de 8,7 milhões de víti mas estarão com sequelas temporárias e 300 mil, com sequelas permanentes.4,5 O custo no tratamento de doentes com trauma é assombroso. Bilhões de dólares são gastos no tratamento de doentes vítimas de trauma, não incluindo perdas com honorários, seguros, cus tos administrativos, dano à propriedade e custos empregatícios. O National Safety Council dos Estados Unidos estima que, no ano de 2007, o impacto econômico gerado por traumas fatais e não fatais tenha sido de aproximadamente 684 bilhões de dóla res.6 A perda de produtividade de doentes com sequelas por trauma é equivalente a 5,1 milhões de anos e a um custo de 65 bilhões de dólares anualmente. Para os doentes que morrem, 5,3 milhões de anos são perdidos (34 anos perdidos por pes soa) e a um custo que ultrapassa 50 bilhões de dólares. Compa rativamente, o custo (em dólares e em anos de vida perdidos) para câncer e doenças cardiovasculares é muito inferior, como ilustrado na Figura 1-1. Como exemplo: a proteção adequada à coluna cervical fraturada pode fazer a diferença entre uma qua- driplegia vitalícia e uma vida produtiva e sem restrições em sua atividade física. Socorristas encontram vários outros exemplos quase diariamente. W VJ CAPÍTULO 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro 3 cardiovascular cardiovascular FIGURA 1-1 A: Custos comparativos anuais, em milhares de dólares, para vítimas de trauma, câncer e doença cardiovascular nos Estados Unidos. B: Número comparativo de anos perdidos como resultado de trauma, câncer e doença cardiovascular. Os dados a seguir são do projeto Global Burden of Disease da OMS, 2004: Lesões provocadas por acidentes de trânsito constituem um enorme problema de saúde pública e desenvolvimento - Ocorrências de trânsito matam 1,3 milhão de pessoas todos os anos, com uma média de 3.242 indivíduos ao dia. Por ano, esses incidentes provocam lesões temporárias ou per manentes em 20 a 50 milhões de pessoas. As ocorrências de trânsito são a nona principal causa de morte, sendo res ponsáveis por 2,2% das fatalidades em todo o mundo. A maioria das lesões provocadas por acidentes de trânsito afeta indivíduos de países de renda baixa ou mediana, principalmente jovens do sexo masculino e usuários vul neráveis - Noventa por cento das mortes em incidentes de trânsito ocorrem em países de renda baixa ou mediana7 (Fig. 1-2). O impacto das lesões passíveis de prevenção é mundial. Embora os eventos que provocamtais lesões e mortes possam apresentar diferentes etiologias em cada país, as consequências são as mesmas. O trauma é um problema mundial. Nós, que traba lhamos com traumas, temos a obrigação para com nossos doentes de prevenir as lesões, não apenas tratá-las após sua ocorrência. Uma história bastante contada sobre a medicina de emergên cia ilustra este ponto. Em uma estrada montanhosa, havia uma curva em que os carros derrapavam e caíam no precipício, 30 metros abaixo. A comunidade decidiu colocar uma ambulância na parte baixa da área perigosa, para atender os doentes que se acidentavam. A melhor alternativa teria sido colocar cercas de segurança na curva, para PREVENIR a ocorrência de incidentes. O atendimento ao trauma é dividido em três etapas: pré- evento, evento e pós-evento. O socorrista tem responsabilidade nas três etapas. Fase Pré-evento Trauma n ão é acidente, embora frequentemente seja assim cha mado. Um acidente é definido como “um evento ocorrido por acaso ou oriundo de causas desconhecidas” ou “um aconteci mento desastroso por falta de cuidado, atenção ou ignorância”. A maior parte das mortes e lesões por trauma se enquadra nessa segunda definição, mas não na primeira, e pode ser prevenida. Incidentes traumáticos se enquadram em duas categorias - intencionais e não intencionais. A fase pré-evento envolve as circunstâncias que provocam uma lesão traumática. Os esforços nessa fase concentram-se, essencialmente, na prevenção do trauma. Ao trabalhar na preven ção do trauma, o socorrista deve educar o público incentivando o uso de cinto de segurança nos veículos, promover meios de dimi nuir o uso de armas em atividades criminais e estimular resolu ções pacíficas para conflitos. Além dos cuidados com a remoção da vítima traumatizada, toda a equipe tem a responsabilidade de diminuir o número de vítimas. Atualmente, a violência e o trauma não intencional levam a um número maior de óbitos do que todas as doenças juntas. A violência é responsável por um terço des- 30 África Américas Sudeste Europa Mediterrâneo Pacífico asiático oriental ocidental Países com renda baixa Países com renda alta FIGURA 1-2 Distribuição mundial de mortes por acidentes de trânsito a cada população de 100.000 indivíduos. 4 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO Desconhecido 1%8 FIGURA 1-3 O trauma não intencional é responsável por mais mortes do que quaisquer outras causas de morte por trauma combinadas. (Dados do National Centerfor Injury Prevention and Control: Wisqars leadínd causes of death reports, 1999-2006. Centers for Disease Control and Prevention.) ses óbitos (Fig. 1-3). Veículos motorizados e armas de fogo estão envolvidos em mais da metade de todos os óbitos por trauma, dos quais a maioria é passível de prevenção (Fig. 1-4). A legislação que torna obrigatório o uso de capacetes para motociclistas é um exemplo de ação que previne mortes por trauma. Em 1966, o Congresso americano concedeu ao Departa mento de Transportes a autoridade para que os estados legislas sem sobre o uso obrigatório de capacetes. Com o uso do capacete em quase 100%, o índice dos casos de óbitos por acidentes com motocicletas diminuiu drasticamente. Em 1975, o Congresso rescindiu essa autoridade. Mais da metade dos estados america nos revogou ou modificou as leis existentes. Confome os estados reinstituíam ou não essas leis, as taxas de mortalidade foram alteradas. Recentemente, mais estados repeliram, em vez de ins tituir, tais leis, resultando em um aumento nas taxas de morta lidade em 2006 e 2007.9 As mortes decorrentes de colisões com motocicletas estão aumentando, ao passo que as decorrentes de colisões com automóveis diminuem. A elevação do número de mortes por incidentes envolvendo motocicletas foi de 11% em 2006.10 A causa mais provável para esse dramático aumento de mortalidade é a redução do uso de capacetes por motociclistas. Apenas 20 estados norte-americanos possuem leis universais regulamentando o uso de capacetes. Nos estados em que é obri gatório, o capacete é utilizado por 74% dos motociclistas; em estados que não possuem tais leis, a taxa de uso é de 42% .11 O menor número de estados norte-americanos que possuem tal legislação é o principal fator responsável pela queda no uso geral de capacetes, de 71% em 2000 para 51% em 2006. Como exemplo, em um estado norte-americano, a Flórida, a alteração da lei, em 2002, elevou a taxa de mortalidade 24% a mais do que o aumento esperado dado o número de licenciamentos. Em agosto de 2008, a Secretária norte-americana de Transpor tes, Mary Peters, relatou uma diminuição do número de mor tes em rodovias provocadas por automóveis, ao mesmo tempo que houve um aumento das fatalidades em colisões envolvendo FIGURA 1-4 Traumas por veículos motorizados e armas de fogo são responsáveis por quase metade das mortes causadas por lesão traumática. (Dados do National Centerfor Injury Prevention and Control: Wisqars leadind causes of death reports, 1999-2006. Centers for Disease Control and Prevention.) motocicletas. Houve uma grande melhora em todos os aspectos da segurança veicular, à exceção das motocicletas.12 Outro exemplo de óbito por trauma que pode ser prevenido relaciona-se com o motorista alcoolizado.13 Como consequência da pressão para mudança nas leis estaduais sobre o nível de embriaguez ao dirigir, e por meio de atividades educacionais de organizações, como MADD (Mothers Against Drunk Drivers - Mães contra Condutores Embriagados), o número de motoris tas alcoolizados envolvidos em colisões fatais tem diminuído constantemente desde 1989. Outra forma de prevenir trauma é pelo uso de assentos de segurança para crianças. Muitos centros de trauma, a polícia e os serviços médicos de emergência (SME) desenvolvem progra mas para instruir os pais sobre a instalação e o uso correto de assentos de segurança para crianças. Outro componente da fase pré-evento é o preparo, pelos profissionais responsáveis pelos atendimentos de vítimas de trauma, para eventos que não podem ser prevenidos. O pre paro inclui instrução adequada e completa, com informações atualizadas acerca do tratamento médico atual. Tão importante quanto atualizar seu conhecimento das práticas médicas é a atualização de seu computador doméstico ou palm top com a mais nova versão de software disponível. Além disso, é neces sário revisar o equipamento da unidade de resposta no início de cada turno, e rever, com seu parceiro, quais as responsabili dades individuais e quais as expectativas sobre quem realizará determinada função. Tão importante quanto revisar a conduta de atendimento ao chegar ao local do trauma é decidir quem irá dirigir e quem ficará na parte de trás com o doente. Fase do Evento Esta fase é o momento do trauma real. As ações realizadas na fase de pré-evento podem influenciar o resultado final da fase do evento. Isso se aplica não apenas aos nossos doentes, mas também a nós mesmos. Ao dirigir um veículo particular ou veículo de emergência, os socorristas devem estar protegidos e CAPÍTULO 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro 5 dax o exemplo. Sempre devem dirigir com cuidado, obedecer às leis de trânsito, não se distrair em atividades como usar o tele fone celular para conversar ou enviar mensagens de texto e usar todos os equipamentos de segurança disponíveis, como cinto de segurança na cabine do motorista e na cabine do passageiro ou de atendimento ao doente. Fase Pós-evento Obviamente, o pior desfecho possível após um evento traumá tico é a morte do doente. O Dr. Donald Trunkey descreveu uma categorização trimodal para óbitos em trauma.14 A prim eira fa s e de óbitos ocorre desde poucos minutos até uma hora após o evento. Essas mortes ocorreriam mesmo com o pronto atendi mento médico. A melhor forma de combateresses óbitos é com a prevenção do trauma e estratégias de segurança. A segunda fa s e de mortes ocorre nas primeiras horas após o incidente. Esses óbitos podem ser prevenidos com um bom atendimento pré-hospitalar e hospitalar. A terceira fa s e ocorre desde alguns dias até várias semanas após o trauma. Esses óbitos geralmente ocorrem por falência de múltiplos órgãos. Muito ainda precisa ser aprendido no atendimento e na prevenção da falência de múltiplos órgãos; no entanto, uma abordagem precoce e agres siva do choque na fase pré-hospitalar pode prevenir alguns des ses óbitos (Fig. 1-5). O Dr. R. Adams Cowley - fundador do MIEMS (Maryland Institute of Emergency Medicai Services), um dos primeiros centros de trauma dos Estados Unidos - descreveu e definiu o que chamou de “Hora de Ouro”.15 Com base em suas pesqui sas, Cowley concluiu que os doentes que receberam tratamento definitivo e precoce dos traumas tiveram um índice de sobre vivência muito maior do que aqueles que passaram por atraso no atendimento. Um dos motivos para o aumento da sobrevida é a preservação da capacidade do corpo em produzir energia e manter as funções dos órgãos. Para a equipe de socorristas, isso se traduz em manter oxigenação e perfusão e providenciar uma remoção para um centro especializado, preparado para conti nuar o processo de reanimação, usando sangue e plasma (Rea nimação com Controle de Danos) e sem elevar, artificialmente, a pressão arterial (<90 mmHg) através do uso de grandes volumes de cristaloides. Em média, um serviço de resgate urbano nos Estados Unidos tem um tem po de resposta (tempo de notificação decorrido entre o incidente e a chegada do resgate) de 6 a 8 minutos. O tempo de transporte da vítima até o hospital é, comumente, de oito a dez minutos adicionais. São usados 15 a 20 minutos da mágica “Hora de Ouro” para chegar ao local da ocorrência e remover o doente. Caso o atendimento pré-hospitalar não seja eficiente e bem organizado no local do incidente, 30 a 40 minutos adicio nais podem ser empregados. Com esse tempo no local adicio nado ao tempo de transporte da vítima, a nossa “Hora de Ouro” já terá passado antes que o doente chegue ao hospital, no qual os melhores recursos de um departamento de emergência bem-pre- parado estejam à disposição desse indivíduo. Pesquisas começam a confirmar essa teoria.16,17 Um estudo evidencia que doentes com lesões graves tiveram o índice de mortalidade reduzido (17,9% contra 28,2%) quando transportados por veículo particular em vez de ambulância.16 Essa descoberta inesperada foi mais pro vavelmente resultado de socorristas passarem demasiado tempo no local do incidente. Nas décadas de 1980 e 1990, um centro 1 oo- ■ 80- Imediatamente Nos Tardiamente (minutos) primeiros (semanas) momentos (horas) Hora da morte FIGURA 1-5 As mortes imediatas podem ser evitadas somente com a educação sobre a prevenção de traumas, porque a única chance de sobrevivência de alguns doentes seria evitar que o incidente tivesse ocorrido. As mortes nos primeiros momentos podem ser evitadas mediante assistência pré-hospitalar adequada, em tempo hábil, para redução da mortalidade e da morbidade. As mortes tardias podem ser evitadas somente por meio de transporte imediato até um hospital com equipe adequada para o atendimento de traumas. de trauma documentava que o tempo médio dos socorristas no local do incidente era de 20 a 30 minutos com doentes feridos por veículos automotores e com vítimas de traumas penetrantes. Esta situação faz com que todo socorrista se pergunte: “Será que o que estou fazendo vai beneficiar o doente? Esse benefício é maior que o risco de se retardar a remoção?”. Uma das mais importantes responsabilidades da equipe de resgate é passar o menor tempo possível no local do incidente. Nos primeiros preciosos minutos, após a chegada ao local do acidente, o socorrista deve avaliar o doente, realizar manobras para a sobrevivência da vítima e pre- pará-la para o transporte. Na década de 2000, seguindo os princí pios do PHTLS pré-hospitalar, os tempos gastos diminuíram e a sobrevida aumentou. A segunda responsabilidade é transportar a vítima para um hospital apropriado. O fator mais crítico para a sobrevivência de qualquer doente é a demora entre o incidente e o tratamento definitivo. Para um doente com parada cardíaca, o tratamento definitivo é a restauração do ritmo cardíaco normal e da perfu são tecidual adequada. A reanimação cardiopulmonar é mera mente uma medida de manutenção. Para doentes com compro metimento de via aérea, o tratamento definitivo é a manutenção dessas vias e o restabelecimento da ventilação adequada. O restabelecimento da ventilação pulmonar ou do ritmo cardíaco normal, com desfibrilação, é, em geral, conseguido com facili dade no ambiente pré-hospitalar. Entretanto, com o desenvol vimento de programas STEMI (para identificação de infarto do miocárdio com elevação ST) por hospitais responsáveis pelo tratamento emergencial, o tempo transcorrido até a dilatação com balão dos vasos cardíacos acometidos está se tornando mais importante.18,19’20,21 O atendimento de doentes traumatizados é diferente, mas o tempo ainda é importante, talvez ainda mais. O tratamento definitivo é, em geral, o controle da hemorragia e o restabeleci mento da perfusão tecidual adequada, por meio da reposição de fluidos, utilizando soluções o mais próximo possível do sangue total. A administração de concentrado de hemácias ao plasma, 6 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO Tempo até o CC/tratamento definitivo (em minutos) 0 25 50 75 100 I I _______I____________________ I___ Tempo de resposta dos SME Tempo no local ] Tempo de transporte dos SME I I Resposta do cirurgião I I Resposta da equipe do CC FIGURA 1-6 Em locais nos quais há disponibilidade de centros de trauma, quando se evita o transporte do doente para hospitais que não possuem serviço de atendimento ao doente traumatizado, melhora-se significativamente o atendimento ao doente. Para doentes vítimas de trauma com ferimentos graves, o atendimento final geralmente ocorre no centro cirúrgico (CC). Um período extra de 10 a 20 minutos gasto no trajeto até um hospital com um cirurgião de plantão e com pessoal de CC de plantão reduzirá significativamente o tempo até o atendimento final no CC. (Azul, Tempo de resposta dos SME. Roxo, Tempo no local. Vermelho, Tempo de transporte dos SME. Laranja, Resposta cirúrgica de fora do hospital. Amarelo, Resposta da equipe do CC de fora do hospital.) em uma relação de 1:1, para repor o sangue perdido, tem gerado resultados impressionantes em militares norte-americanos em ação no Iraque e no Afeganistão, e agora na população civil. Esses fluidos nãó estão disponíveis para uso no campo de com bate e são outra razão para o rápido transporte ao hospital. A reanimação equilibrada a caminho do hospital (ver o capítulo sobre Choque) provou ser importante. Nem sempre se consegue fazer a hemostasia (controle da hemorragia) em ambiente pré- hospitalar ou na sala de emergência; geralmente, ela é conse guida no centro cirúrgico. Portanto, ao determinar um hospital adequado, para o qual o doente deve ser transportado, o socor- rista deve considerar o tempo de remoção a um local determi nado e a capacidade de atendimento desse hospital no processo de raciocínio crítico. Um centro de trauma que possui cirurgião disponível antes ou logo após a chegada do doente, uma equipe de medicina de emergência bem-treinada e com experiência em trauma e uma equipe cirúrgica prontamente disponível pode fazer com que o doente portador de hemorragia com risco de vida seja encami nhado ao centro cirúrgico em 10 a 15 minutos após sua chegada e fazer, então, a diferença entre a vida e a morte. Por outro lado, um hospital que não possuitais capacida des cirúrgicas deve aguardar a chegada do cirurgião e da equipe cirúrgica antes de transportar o doente do pronto-socorro ao centro cirúrgico. Mais tempo, então, pode se passar antes que a hemorragia seja controlada, aumentando a taxa de mortalidade (Fig. 1-6). A sobrevida é significativamente aumentada quando se evita o uso de instituições não especializadas em trauma e se encaminham todos os doentes portadores de lesões graves a centros de trauma.22"29 Além do treinamento inicial em cirurgia e trauma, a expe riência é muito importante. Estudos mostram que, em um cen tro de trauma com grande número de atendimentos, cirurgiões mais experientes conseguem resultados melhores do que cole- • a • R O RIgas com menor expenencia. ’ História do Atendimento de Trauma nos SME - Serviços Médicos de Emergência Os estágios e o desenvolvimento do manejo do doente vítima de trauma podem ser divididos em quatro períodos, como descrito por McSwain na Oração de Scudder do American College of Surgeons em 1999.32 Este texto, o curso PHTLS e o atendimento ao doente traumatizado são baseados nos princípios desenvol vidos e ensinados pelos pioneiros do atendimento pré-hospi- talar. A lista destes inovadores é longa; no entanto, alguns em especial merecem reconhecimento. Período Antigo Todo o atendimento médico realizado no Egito, na Grécia, em Roma e pelos israelitas, até o tempo de Napoleão, é classificado como SME pré-moderno. Há muito a ser aprendido aqui, mas a maior parte do atendimento médico era realizada em algum tipo de instituição especializada. Pouco era realizado a campo, por profissionais pré-hospitalares. Período de Larrey No fim do século XVIII, o Barão Dominick Jean Larrey, cirur gião-chefe militar de Napoleão, reconheceu a necessidade de um pronto atendimento pré-hospitalar. Em 1797, Larrey decla rou que “o estado obsoleto de nossas ambulâncias impede que os feridos recebam a atenção requisitada. Fui autorizado a cons truir uma carruagem que chamei de ambulância voadora”.33 Ele CAPÍTULO 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro 7 desenvolveu essas “ambulâncias voadoras”, puxadas a cavalo, para retirar rapidamente soldados feridos do campo de batalha, e adotou a premissa de que os homens que trabalhavam nessas “ambulâncias voadoras” deveriam ter treinamento em cuidados médicos para dar assistência no local e no transporte desses doentes. No início do século XIX, Larrey estabeleceu a teoria de aten dimento pré-hospitalar utilizada até hoje: ■ a ambulância “voadora” ■ treinamento adequado dos profissionais médicos ■ movimentação em campo durante batalhas, para aten dimento e remoção de doentes ■ controle a campo de hemorragias ■ transporte a um hospital próximo ■ atendimento durante transporte desenvolvimento de hospitais em frentes de batalhas Larrey também desenvolveu hospitais próximos às fren tes de batalha (como os militares de hoje em dia) e enfatizou a necessidade de rápido transporte dos doentes entre o campo e o local de atendimento médico. O Barão Larrey é atualmente reconhecido como o pai dos SME da era moderna. Infelizmente, o tipo de atendimento desenvolvido por Lar rey não foi usado, 60 anos mais tarde, no início da Guerra entre Estados, pelo Exército da União, nos Estados Unidos. Na Pri meira Batalha de Buli Run, em agosto de 1861, os feridos fica ram deitados no campo — 3.000 por três dias, 600 por até uma semana.33,34 Jonathan Letterman foi designado cirurgião geral e criou uma corporação médica separada, com atendimento médico mais bem organizado. Na Segunda Batalha de Buli Run, um ano mais tarde, 300 ambulâncias e atendentes recolheram 10.000 feridos em 24 horas.34 Em agosto de 1864, a Cruz Vermelha Internacional foi criada, na Primeira Convenção de Genebra.29 A convenção reconheceu a neutralidade dos hospitais, dos doentes e feridos, de todos os profissionais envolvidos e das ambulâncias, garantindo a passagem livre das ambulâncias e dos profissionais médicos para transporte de feridos. Esse foi o primeiro passo do que é utilizado hoje, pelos militares, como Código de Conduta. Este código é um importante componente do Curso de Atendimento a Feridos em Combates Táticos, que hoje é parte integral do pro grama PHTLS. Hospitais, Militares e Necrotérios Em 1865, a primeira ambulância particular dos Estados Uni dos foi criada em Cincinnati, Ohio, no Hospital Geral daquela cidade.34 Nos Estados Unidos, diversos sistemas de SME foram logo desenvolvidos: Bellevue Hospital Ambulance34, em Nova Iorque, em 1867; Grady Hospital Ambulance Service (o mais antigo sistema de ambulâncias de base hospitalar ainda em ope ração), em Atlanta, na década de 1880; Charity Hospital Ambu lance Services, criados em 1885 por um cirurgião, Dr. A. B. Miles, em Nova Orleans; e muitas outras instituições. Até 1950, esses serviços de ambulância eram basicamente administrados por hospitais, militares ou necrotérios.32 Algumas alterações no atendimento médico ocorreram durante diversas guerras, até o final da Segunda Guerra Mun dial, mas, de modo geral, o sistema e o tipo de atendimento prestado antes da chegada da estação de Auxílio a Batalhões (Echelon II) ou na porta traseira de hospitais civis permanece ram iguais até meados da década de 1950. Nas cidades grandes, que possuem hospitais-escolas, muitas ambulâncias eram conduzidas por residentes em seu primeiro ano de treinamento. O último serviço de ambulâncias a reque rer médicos em suas jornadas foi o Charity Hospital, de Nova Orleans, na década de 1960. Apesar da presença de médicos, a maior parte do atendimento a vítimas de trauma era primitiva. O equipamento e os suprimentos não eram diferentes daqueles utilizados na Guerra entre Estados.32 Era de Farrington A era do Dr. J. D. “Deke” Farrington teve início em 1950. Dr. Far rington, o pai dos SME nos Estados Unidos, estimulou o desen volvimento da melhoria no atendimento pré-hospitalar com seu histórico artigo “Death in a Ditch”35 (“Morte em uma Vala”). No final da década de 1960, Farrington e colaboradores, como o Dr. Oscar Hampton e Dr. Curtis Arts, trouxeram os Estados Unidos para a era moderna dos SME e atendimento pré-hospitalar.41 O Dr. Farrington era ativamente envolvido em todos os aspectos do atendimento em ambulâncias. Seu trabalho como presidente dos comitês que produziram três dos primeiros documentos que esta beleceram a base dos SME — a lista de equipamentos essenciais para ambulâncias do American College of Surgeons (ACS),36 as especificações de projeto de ambulâncias KKK 1822 do Depar tamento de Transportes dos Estados Unidos37 e o primeiro pro grama de treinamento básico de paramédicos — também contri buiu para propagar a ideia e o desenvolvimento do atendimento pré-hospitalar. Além dos esforços do Dr. Farrington, outros auxi liaram, ativamente, a promoção da importância do atendimento pré-hospitalar a vítimas de trauma. O Dr. Robert Kennedy foi o autor de “Early Care of the Sick and Injured Patient” (em tradu ção livre, “Primeiros Socorros a Doentes e Feridos”).38 O Dr. Sam Banks, juntamente com o Dr. Farrington, ministrou o primeiro curso de treinamento pré-hospitalar no Corpo de Bombeiros de Chicago, em 1957, que iniciou o atendimento adequado de doen tes vítimas de trauma. Um texto de 1965, editado e compilado pelo Dr. George J. Curry, um dos dirigentes do ACS e seus Comitês sobre Trauma, relatava: “Traumas sofridos em acidentes afetam todas as partes do corpo humano. Abrangem desde simples abrasões e contusões a lesões múltiplas complexas envolvendo vários tecidos do corpo. Isso demanda atendimento inicial e cuidados inteligen tes, de forma individual, antes do transporte. E óbvio que os serviços do pessoal de ambulância treinado são essenciais. E, se esperamos a eficiência máxima deles,um curso específico de treinamento deve ser elaborado.”38 Embora o atendimento pré-hospitalar fosse rudimentar quando Curry escreveu esse texto, as palavras se mantêm verda deiras, visto que os socorristas tratam de necessidades do doente vítima de trauma a campo. A publicação do trabalho “ Accidental Death and Disability: the Neglected Disease of Modern Society” (em tradução livre, “Morte e Deficiência Acidental: A Doença Negligenciada da Sociedade Moderna”), em 1967, foi um marco e acelerou esse processo.39 A National Academy of Sciences/ National Research Council publicou este trabalho apenas um ano após o clamor de Curry. 8 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO Era Moderna do Atendimento Pré-hospitalar A era moderna do atendimento pré-hospitalar foi iniciada com o relatório de Dunlap e Associados ao SME do Departamento de Transportes, em 1968, definindo o currículo do Treinamento em Ambulância de socorristas. Esse treinamento é, hoje, deno minado Básico. Nos Estados Unidos, o Conselho Nacional de Paramédicos (NREMT) foi estabelecido em 1970 e desenvolveu os padrões para exame e registro de profissionais treinados, como aconse lhado pelo artigo da NSF/ACS. Rocco Morando foi o líder do NREMT por muitos anos, tendo trabalhado com os Drs. Farrington, Hampton e Artz. O apelo de Curry por treinamento especializado para o “pessoal de ambulância” em trauma foi atendido, a princípio, por meio do uso do programa educacional desenvolvido pelos Drs. Farrington e Banks, com a publicação do “livro laranja” pela American Academy of Orthopedic Surgeons (cuja primeira edição é do Dr. Walter Hoyt), pelos programas de treinamento em Primeiros Socorros da National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), do Departamento de Transportes dos Estados Unidos, e pelo programa de treinamento PHTLS, durante os últimos 25 anos. As primeiras tentativas de treina mento eram primitivas, mas progrediram significativamente em pouco tempo. O primeiro livro-texto dessa era foi Emergency Care and Transportation of the Sick and Injured (em tradução livre, Aten dimento de Emergência e Transporte de Doentes e Feridos). Este livro é fruto do trabalho do Dr. Walter A. Hoyt Jr. e foi publicado em 1971 pela American Association of Orthopedic Surgeons.32 Hoje, está em sua nona edição. Durante esse mesmo período, a Escala de Coma de Glas- gow foi desenvolvida em Glasgow, Escócia, pelo Dr. Graham Teasdale e pelo Dr. Bryan Jennett, com fins de pesquisa. O Dr. Howard Champion (o autor do capítulo sobre Explosões na ver são militar desse livro-texto) levou essa escala aos Estados Uni dos e a incorporou no atendimento do doente vítima de trauma, para avaliar, de forma contínua, a condição neurológica do indi víduo.40 A Escala de Coma de Glasgow é um indicador muito sensível da melhora ou piora desses doentes. Em 1973, a legislação federal dos SME foi criada. O Dr. David Boyd era o responsável por este sistema. O Dr. Boyd dividiu os componentes do atendimento a vítimas de trauma em 15 segmentos. Um destes segmentos era a educação. Isso se tornou a base do desenvolvimento do atendimento Básico, Intermediário e Paramédico em todos os Estados Unidos. O cur rículo foi inicialmente definido pela NHTSA do Departamento de Transportes daquele país, passando a ser conhecido como Currículo-Padrão Nacional ou currículo DOT. A Dra. Nancy Caroline definiu os padrões e o currículo do primeiro programa Paramédico e escreveu o primeiro livro-texto usado no treina mento de socorristas. A Estrela Azul da Vida foi projetada pela American Medicai Association (AMA) como o símbolo do “Alerta Médico”, indi cando que um doente apresentava uma alteração médica impor tante que deveria ser percebida pelo paramédico. Esta estrela foi dada ao NREMT pela AMA como logotipo daquela organização de registro e exame. Já que a Cruz Vermelha norte-americana não permitiu que o logotipo da “Cruz Vermelha” fosse utilizado em ambulâncias como símbolo de emergência, Lew Schwartz (chefe do ramo socorrista da NHTSA) requisitou ao Dr. Farring ton, que era o presidente da diretoria do NREMT, permissão para que a NHTSA usasse o emblema em ambulâncias. A per missão foi concedida pelo Dr. Farrington e por Rocco Morantlo (diretor-executivo do NREMT). Desde então, a estrela se tornou o símbolo internacional dos Serviços Médicos de Emergência.32 Ainda nos Estados Unidos, a National Association of EMTs (Associação Nacional de Socorristas) foi desenvolvida em 1975, por Jeffrey Harris, com apoio financeiro do NREMT. As conquistas desses grandes médicos, socorristas e organi zações têm grande destaque; no entanto, há muitos outros — e não conseguiríamos mencionar todos aqui — que contribuíram para o desenvolvimento dos SME. A todos eles, somos extrema mente gratos. Nos Estados Unidos, a era moderna dos SME pode ser essen cialmente dividida em quatro períodos32' ■ Pegar e correr ■ Ausência de atendimento — seja em campo ou a cami nho do hospital, frequentemente sem ninguém no com partimento de atendimento ao doente — era o sistema utilizado antes da década de 1950. ■ Manejo e atendimento a campo Esse período foi iniciado com a publicação do currícu lo-padrão nacional, em 1969, e continou até cerca de 1975. ■ Ficar e fazer De 1975 até meados da década de 1980, o doente vítima de trauma e o doente cardiopata eram tratados exatamente da mesma forma, ou seja, com tentativas de estabilização do doente a campo, muitas vezes por lon gos períodos. ■ Ausência de retardo no atendimento de doentes vítimas de trauma. Em meados da década de 1980, ficou claro que os doentes vítimas de traumas eram diferentes dos doentes cardiopatas. Cirurgiões especializados em trauma, como o Dr. Frank Lewis e o Dr. Donald Trunkey, perceberam que, diferentemente do observado em doentes cardiopatas, em que todas ou quase todas as ferramentas necessárias ao restabelecimento do débito cardí aco - RCP, desfibrilação externa e medicação de suporte — esta vam à disposição de socorristas adequadamente treinados em campo, as mais importantes ferramentas para doentes vítimas de traumas — controle cirúrgico de hemorragias internas e reposi ção de sangue — não eram encontradas a campo. A importância do transporte rápido do doente ao hospital correto passou a ser notada por socorristas e diretores médicos. Isso inclui uma ins tituição com equipe de atendimento de traumas bem-treinada, composta por médicos de pronto-socorro, cirurgiões, enfermei ros treinados, equipe de centro cirúrgico, banco de sangue, pro cessos de registro e certificação de qualidade e todas as etapas necessárias para o tratamento do doente. Todos esses recursos aguardam a chegada do doente, com a equipe cirúrgica a pos tos para levá-lo diretamente ao centro cirúrgico. Com o tempo, esses padrões foram modificados, de modo a incluir conceitos como a hipotensão permissiva (Dr. Ken Mattox) e a transfusão de hemácias: plasma (1:1) (Dr. John Holcomb). A base da rápida disponibilidade de um centro cirúrgico bem-equipado, porém, não foi alterada. CAPÍTULO 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro 9 O tratamento rápido ao doente com trauma depende de um serviço de atendimento pré-hospitalar que ofereça fácil entrada no sistema. Esse acesso é oferecido por um número telefônico único (p. ex., 911, nos Estados Unidos, 192 e 193, no Brasil, e outros números em outros países), um bom sistema de comuni cação para despachar a unidade de emergência médica e socor- ristas bem-preparados e treinados. Muitos dizem que a rápida abordagem e a reanimação cardiopulmonar precoce salvam a vida dos doentes com parada cardíaca. O trauma pode ser abordado da mesma forma. Os princípios anteriormente men cionados são a base para o bom atendimento do doente; a esses princípios básicos, foi acrescentadaa importância do controle da hemorragia interna, que não pode ser realizado fora do cen tro de trauma e do centro cirúrgico. Assim, a avaliação rápida, a colocação adequada de curativos e o pronto encaminhamento do doente a uma instituição que possua centro cirúrgico de disponi bilidade imediata passaram a ser princípios adicionais, que não eram compreendidos até meados da década de 1980. Estudo da Literatura de SME Um objetivo importante do PHTLS foi assegurar que as reco mendações práticas apresentadas neste texto representassem com precisão as melhores evidências médicas disponíveis no momento da publicação em apoio a essas recomendações. Para isso, o PHTLS começou esse processo com a 6a edição e o expandiu na 7a edição. Continuamos a adicionar, como Referên cias e Leituras Sugeridas, os manuscritos, as fontes e os recursos que são componentes fundamentais de cada capítulo e de cada recomendação. (Consulte as Leituras Sugeridas no final deste capítulo para obter informações adicionais sobre a avaliação da literatura de SME.) Todo médico e profissional de saúde devem obter, ler e avaliar criticamente as publicações e as fontes que constituem a base de todos os componentes da prática diária. Para que isso seja obtido, uma compreensão do que exa tamente constitui a literatura médica e de como interpretar as várias fontes de informações é essencial. Em muitos casos, a pri meira fonte em que são buscadas as informações sobre um tópico específico é um livro-texto médico. A medida que aumenta nosso nível de interesse e de sofisticação, é feita uma pesquisa para encontrar as referências específicas que são citadas nos capítulos do livro ou para verificar quais estudos primários de pesquisa, caso existam, foram realizados e publicados. Depois, após revi sar e analisar as várias fontes, pode-se discernir a qualidade e a consistência das evidências que conduzirão nossa tomada de decisão e as intervenções no atendimento ao doente. Tipos de Evidências Há vários sistemas diferentes para classificar a qualidade e a consistência de evidências médicas. Independentemente do sistema de classificação específico utilizado, várias avaliações comuns podem ser encontradas entre eles. A fonte de maior qualidade que leva à recomendação mais forte sobre o trata mento que está sendo examinado é o estudo duplo-cego contro lado, randomizado. Estudos desse tipo são normalmente citados como evidências de Classe I. Esse tipo de estudo é considerado o melhor porque todos os doentes que entraram no estudo são random izados (o que significa que cada doente tem uma proba bilidade igual de inserir-se em qualquer um dos tipos de trata mento que está sendo estudado); os pesquisadores, bem como os doentes, não sabem qual tipo de tratamento o indivíduo está recebendo (duplo-cego); e os investigadores controlam, dentro do possível, os muitos outros aspectos do estudo. Esses fatores minimizam as probabilidades de que qualquer influência seja introduzida no estudo ou afete os resultados ou a interpretação dos resultados. Evidências d e Classe II geralmente incluem os outros tipos de estudos que podem ser encontrados na literatura médica, abrangendo estudos não randomizados e não cegos, séries retrospectivas de controle de caso e estudos de coorte. Finalmente, evidências de Classe III consistem em estudos de casos, relato de casos, documentos de consenso, material de livro-texto e opinião médica. As evidências de Classe III constituem a fonte mais fraca de evidências, embora, frequen temente, a mais fácil de se obter. Infelizmente, se a literatura relacionada com os cuidados pré-hospitalares for revisada criticamente, a maioria se quali fica como evidências de Classe III. Houve consideravelmente pouca pesquisa que pudesse classificá-la como Classe I. Muito da prática da medicina que foi aplicada ao ambiente pré-hospi talar foi adotada e adaptada ao ambiente extra-hospitalar a par tir do atendimento intra-hospitalar de doentes de emergência. O resultado é que a maior parte dos cuidados pré-hospitalares fornecidos boje se baseia em evidências de Classe III. Mais e mais estudos de Classe I e II relacionados ao atendimento pré- hospitalar, porém, estão sendo conduzidos. Infelizmente, nos Estados Unidos, os estudos de Classe I são limitados pelas rígi das regulamentações de consentimento informado. Especifica mente, com raras exceções, a prática médica do atendimento pré-hospitalar se baseia na opinião do “especialista” normal mente encontrada em capítulos de livros-textos, nas credenciais e nas qualificações do indivíduo que oferece aquela opinião, e no peso e “volume” que dá àquela opinião. Recentemente, parece crescer o consenso de utilização de um sistema de graduação da qualidade da evidência e a força da recomendação à prática clínica resultante, conhecido como The Grades of Recommendation, Development and Evaluation (GRADE, em tradução livre Graus de Recomendação, Desenvol vimento e Avaliação). Este sistema avalia a qualidade da evi dência à disposição e os benefícios em comparação aos riscos da intervenção e, então, julga a força de uma dada recomendação ou intervenção terapêutica. As evidências são classificadas em quatro categorias: de qualidade alta, moderada, baixa ou muito baixa. Com base na qualidade da evidência e da avaliação de risco/benefício, a recomendação resultante é categorizada como forte ou fraca.1,42,43 Etapas na Avaliação Todo profissional médico deve ler a literatura médica e ava liar criticamente todo estudo publicado que possa alterar suas decisões de tratamento, a fim de distinguir as informações e as terapias úteis daquelas inúteis ou, até mesmo, potencialmente prejudiciais. Como, então, fazer para ler e avaliar criticamente a literatura médica? 10 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO FIGURA 1-7 Revistas Médicas Sugeridas para Revisão Academic Emergency Medicine American Journal of Emergency Medicine Annals of Emergency Medicine Journal of Emergency Medicine Journal of Trauma Prehospital Emergency Care A primeira etapa nesse processo é desenvolver uma lista de revistas médicas que formará a fundação de uma revisão regular da literatura. Essa lista deve compreender não apenas aquelas revistas médicas com a especialidade desejada no título, bem como as publicações que abordam especialidades ou tópicos relacionados e que têm grande probabilidade de também publi car estudos aplicáveis (Fig. 1-7). Uma alternativa à revisão de várias revistas médicas é a realização de uma pesquisa computadorizada na literatura se houver um tópico de interesse específico. O uso de mecanismos de busca computadorizados como o Medline ou Ovid permite que o computador pesquise uma base de dados gigantesca de várias revistas médicas e desenvolva automaticamente uma lista de estudos e publicações sugeridas [Fig. 1-8). A etapa seguinte é revisar o título de cada artigo no índice de cada uma das revistas médicas selecionadas, para reduzir as escolhas de artigos àqueles que claramente tenham relação com o tópico de interesse. Seria impossível ler cada uma des sas revistas médicas selecionadas do princípio ao fim, e nem é necessário. Ao revisar o índice, os artigos que não apresentarem interesse podem ser imediatamente descartados. Após a seleção ter sido reduzida, ainda há várias ações preli minares que devem ser feitas antes da leitura do texto do artigo. Procure nos autores listados nos artigos algum que já seja conhe cido por seu trabalho nessa área. A seguir, leia o sumário ou o resumo do artigo para ver se essa visão geral do artigo preenche as expectativas geradas quando o título foi visto pela primeira vez. Depois, verifique o local no qual o estudo foi realizado para avaliar as similaridades, as diferenças e a aplicabilidade ao quadro em queos resultados do estudo possam ser subse quentemente aplicados. Deve-se enfatizar que somente a leitura do resumo não é suficiente. Ela serve apenas como “motivação” para determinar se o artigo todo deve ser lido. A prática médica nunca deve ser alterada com base no resumo. Após a avaliação desses pontos iniciais, o texto completo do artigo é agora lido e avaliado criticamente. Ao fazê-lo, é impor tante que sejam determinadas várias questões específicas. A pri meira questão é avaliar o estudo e a random ização dos doentes que participaram do estudo. Todo doente deve ter tido a mesma probabilidade de receber qualquer um dos tratamentos ou inter venções que são comparados no estudo, e aquela probabilidade deve ser conhecida antecipadamente. O método para a designa ção de doentes ao seu tratamento deve ser descrito e deve ser similar à disputa de cara ou coroa com uma moeda. A seguir, a p opu lação de doentes que participou do estudo é avaliada para determinar as similaridades ou as diferenças com a população-alvo na qual as conclusões do estudo serão imple mentadas. Para fazê-lo, devem ser fornecidas informações ade- FIGURA 1-8 Realização de uma Pesquisa Computadorizada da Literatura 0 Medline pode ser acessado através do Site da National Library of Medicine no seguinte endereço: www.ncbi.nlm.nih. gov/pubmed. Para realizar uma pesquisa em revistas médicas em busca de artigos e estudos, é necessário inserir termos de pesquisa no Medline que serão usados como palavras-chave para encontrar artigos adequados. Quanto mais específicos formos em relação aos termos, maior a probabilidade de encontrarmos artigos que preencham nossa expectativa. No entanto, se formos muito específicos, poderemos, ocasionalmente, excluir artigos que talvez também se apliquem. Portanto, uma boa estratégia a ser seguida é realizar, primeiro, uma pesquisa usando termos muito específicos e, depois, fazer uma pesquisa de acompanhamento com termos mais genéricos. Por exemplo, caso estejamos interessados em achar artigos sobre cricotireoidostomia no ambiente pré-hospitalar, nossa pesquisa inicial pode serfeita usando os termos "cricotireoidostomia" e "pré-hospitalar". A pesquisa seguinte seria realizada usando os termos "manutenção da via aérea" e "serviços médicos de emergência", reconhecendo que "manutenção da via aérea" pode gerar como resultados artigos que incluem não somente cricotireoidostomia, mas também outras formas de manutenção da via aérea. quadas no texto descrevendo a constituição clínica e sociode- mográfica da população do estudo. O ideal é que os estudos que serão usados para alterar o atendimento prestado no ambiente pré-hospitalar sejam realizados neste mesmo ambiente. Como o Dr. Dan Spaite declarou, “Evidências fortes da eficácia de uma intervenção não significam que esta será eficaz quando aplicada a campo”.44 A questão seguinte a ser considerada é a m edida do resul tado fin al selecionada pelos autores. Todos os resultados finais que sejam clinicamente relevantes devem ser considerados e relatados no estudo. Por exemplo, estudos sobre parada car díaca podem descrever endpoints ou resultados finais como conversão do ritmo cardíaco, retorno da circulação espontânea, sobrevida até a internação no hospital ou sobrevida até a alta do hospital. A análise da seção dos resultados também requer uma revi são crítica. Da mesma forma que é importante avaliar a popula ção do estudo e os critérios de participação, é igualmente essen cial verificar se todos os doentes que participaram no começo do estudo estão representados no final do estudo. Especificamente, os autores devem descrever qualquer critério utilizado para a exclusão de doentes da análise do estudo. A simples soma feita pelo leitor dos vários grupos ou subgrupos de tratamento confirmará rapidamente se todos os doentes estão presentes. Os autores também devem descrever ocorrências que possam influenciar os resultados. Por exemplo, os autores devem relatar contratempos, como doentes de controle que recebem aciden talmente o tratamento ou doentes do estudo que recebem outros diagnósticos ou intervenções. Além disso, o significado clínico, bem como estatístico, dos resultados é um dado importante a ser considerado. Embora possa ser difícil entender a análise estatística, uma compreen CAPÍTULO 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro 11 são básica da seleção e da utilização do teste estatístico irá vali dar os testes estatísticos realizados. Igualmente e, talvez, mais importante do que o significado estatístico de um resultado, é o significado clínico do resultado relatado. Por exemplo, na avaliação do efeito de uma nova medicação anti-hipertensiva, a análise estatística pode mostrar que o novo fármaco causa uma diminuição estatisticamente significativa na pressão arterial de 4 mmHg. Clinicamente, no entanto, a diminuição relatada é insignificante. Dessa forma, o profissional de saúde deve avaliar não apenas o significado estatístico do resultado, mas também o significado clínico. Se todas as questões anteriores tiverem sido respondidas satisfatoriamente, a última questão tem relação com a im ple m entação dos resultados e da conclusão do estudo no sistema de saúde do leitor. Para determinar a praticidade da aplicação da terapia, é preciso que os autores descrevam o tratamento com detalhes suficientes, a intervenção ou a terapia deve estar dispo nível para uso, e ela deve ser clinicamente sensível na situação planejada. Existem algumas diferenças na avaliação de afirmativas de consenso, visões gerais e capítulos de livro-texto. Idealmente, a afirmativa ou a visão geral deve abordar uma questão específica focalizada. Os autores devem descrever os critérios utilizados para selecionar os artigos incluídos como referências, e o leitor irá determinar a conveniência desses critérios. Isso, por sua vez, irá ajudar a determinar a probabilidade de que estudos impor tantes tenham sido incluídos e não foram perdidos. Além disso, a lista de referências deve ser revisada em busca de estudos conhecidos que deveriam ter sido incluídos. Uma visão geral ou uma afirmativa de consenso incluirá uma discussão do processo pelo qual a validade dos estudos incluídos foi estimada. A avaliação da validade deve ser repro dutível, independentemente de quem realmente fez a avaliação. Além disso, múltiplos estudos com resultados similares ajudam a apoiar as conclusões e a decisão final sobre se se deve ou não alterar a prática atual. Similarmente à revisão de estudos individuais, a revisão e a avaliação de afirmativas de consenso, as visões gerais e os capítulos de livros-textos incluem determinar se todos os resultados finais clinicamente relevantes foram considerados e discutidos, bem como se os resultados podem ser aplicados ao padrão geral de atendimento ao doente do leitor. Isso tam bém inclui uma análise dos benefícios versus os riscos e os prejuízos potenciais. A etapa final na avaliação é determinar quando uma publi cação deve produzir uma m udança na prática m édica diária. Idealmente, qualquer mudança na prática médica resultará de um estudo da maior qualidade, especificamente um estudo duplo-cego, controlado e randomizado. A conclusão desse estudo será baseada nos resultados que foram avaliados critica mente, que tenham significado tanto estatístico quanto clínico e que tenham sido revisados e considerados válidos. O estudo deve ser a melhor informação disponível atualmente sobre o assunto. Além disso, a mudança na prática deve ser “factível” no sistema em que se planeja fazer a mudança, e o benefício de efetuar a mudança deve-se sobrepor aos riscos. Toda a prática médica no ambiente extra-hospitalar deve ser baseada em evidências de Classe I, de alta qualidade, que apoiem a prática. Como observado,no entanto, a maior parte da literatura de SME se qualifica como evidências de Classe III. RESUMO O trauma é a principal causa de morte em doentes com menos de 44 anos de idade. Uma abordagem organizada e sistemática ao cuidado desses doentes pode aumentar sua sobrevida. Essa abordagem organizada é iniciada por esforços para a prevenção Referencias 1. Guyatt G, Baumann M, Adrizzoo-Harris D, et al: Grading strength of recommendations and quality of evidence in clinical guide lines: Report from an American College of Chest Physicians task force. Chest 129:174, 2006. 2. American College of Surgeons Committee on Trauma: Advanced Trauma Life Support (ATLS) Manual, ed 8, 2008, American Col lege of Surgeons, Chicago, IL. 3. US Casualties in Iraq, http://www.globalsecurity.org/military/ ops/iraq_casualties.htm. Accessed February 9, 2010. 4. US Department of Transportation, National Highway Traffic Safe ty Administration: Not-in-Traffic Surveillance 2007—Highlights. In NHTSA’s National Center for Statistics and Analysis: Traffic Safety Facts, HS 811 085, Washington, DC, 2009. da ocorrência de lesões. Em caso de trauma, a resposta orga nizada e sistemática de toda a equipe médica, começando no ambiente pré-hospitalar, auxilia a redução da morbidade e da mortalidade decorrentes de lesão traumática. 5. Townsend CM ]r, Beauchamp RD, Evers BM, Mattox KL (eds.): Sa- biston Textbook o f Surgery, ed 18, Philadelphia, 2008, Saunders. 6. National Safety Commission: Highlights from Injury Facts, 2009 Edition, http://www.nsc.org/news_resources/injury_and_death_ statistics/Pages/HighlightsFromlnjuryFacts.aspx. Accessed No vember 6, 2009. 7. World Health Organization: Global Burden o f Disease, Switzer land, 2004 Update, WHO Press. 8. National Center for Injury Prevention and Control: Wisqars leading causes o f death reports, 1999-2006. Centers for Disease Control and Prevention, http://webappa.cdc.gov/sasweb/ncipc/ leadcausl0.html. Accessed November 6, 2009. 9. US Department of Transportation, National Highway Traffic Safe ty Administration: Motorcycles. In NHTSA’s National Center for PHTLS: Passado, Presente e Futuronull Introdução Filosofia do PHTLSnull 0 Problemanull Fase Pré-evento Fase do Eventonull Fase Pós-evento Período Antigo Período de Larrey Hospitais, Militares e Necrotérios Era de Farringtonnull Era Moderna do Atendimento Pré-hospitalar Estudo da Literatura de SMEnull Tipos de Evidências Etapas na Avaliação
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