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3.Manifesto Ciência Nova

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CIÊNCIA NOVA 
Vinte estudiosos, de diferentes gerações e uma gama de disciplinas que 
variava da pesquisa acústica por computador à literatura italiana, passando por física 
teórica, teologia e estudos do direito, se reuniram em agosto de 2002 na Universidade 
Stanford para trabalhar juntos, durante cinco dias e – potencialmente – 24 horas por 
dia. O tópico deles era o conceito de "emergência", mas a agenda era a invenção de 
um novo formato de trabalho interdisciplinar, não mais conduzido basicamente por 
polidez acadêmica e curiosidade aleatória. O que se descobriu é de fato inovador 
intelectualmente e tem relevância para múltiplas disciplinas: existe um grau excessivo 
(tanto prático quanto teórico) de fixação em objetivos, que gera a estagnação de 
qualquer trabalho intelectual _ao passo que a capacidade de liberar os controles e 
permitir que o crescente fluxo de pesquisas em curso determine cada pesquisador 
será o mais poderoso catalisador de produtividade intelectual. 
Entre os participantes do colóquio sobre "emergência" que são co-autores 
deste manifesto (publicado pela primeira vez pelo Mais!) estão estudiosos eminentes 
como Carl Djerassi, inventor da pílula anticoncepcional, Robert Laughlin, laureado 
com o Nobel de Física de 1998, Andrei Linde, um dos pais da nova teoria 
"inflacionária" sobre a origem do universo, Denise Schmandt-Besserat, uma das 
principais especialistas mundiais na história da escrita, e Terry Winograd, de atuação 
destacada na área da ciência da computação. A eles se uniram John Bravman 
(engenharia e ciência dos materiais), Richard Ford (estudos legais), Wlad Godzich 
(teoria literária), Hans Ulrich Gumbrecht (literatura comparada), Robert Harrison 
(literatura italiana), Andreas Kabliz (filologia românica), A egra McLeod (estudos 
legais e literatura moderna), Stephen Lew (pesquisa de acústica por computador), 
Andrew Milne (pesquisa de design), Sandra Mitchell (filosofia da biologia), Catherine 
Pickstock (teologia), Violeta Sánchez y Lorbach (filosofia e sociologia), Martin Seel 
(filosofia), Matthew Tiews (literatura comparada) e Bernadette Weyler (estudos legais 
e literatura inglesa). 
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Não existe outro conceito no mundo departamentalizado da academia que porte tamanho 
poder legitimador, com todas as promessas financeiras imediatas que isso acarreta, quanto a 
palavra "interdisciplinaridade". Mas tampouco existe outra palavra que se tenha tornado tão banal, 
tão desgastada e uma paródia tamanha dela mesma. Quando professores e administradores 
acadêmicos falam em "interdisciplinaridade", podem estar se referindo a três coisas diferentes, ainda 
que normalmente não haja muita consciência a respeito dessas distinções. 
Eles podem estar se referindo à versão "trivial" da interdisciplinaridade, ou seja, a uma 
relação complementar entre diferentes especializações científicas ou acadêmicas que é necessária, 
às vezes, para a solução de problemas complexos. Biólogos, químicos e estatísticos precisavam 
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trabalhar juntos para tornar possível a decifração do genoma humano. A interdisciplinaridade "de fim 
de semana" é o (des)interesse polido, entre estudiosos de campos diferentes, pelo trabalho uns dos 
outros. 
Essa polidez pode compensar, ao menos por um breve período, a convicção de todos no 
sentido de que nada que "os outros" possam ter a dizer teria importância real para o trabalho que 
cada pessoa realiza. Os físicos apreciarão, de maneira vagamente condescendente, aquilo que os 
estudiosos do italiano terão a dizer sobre as idéias de Dante a respeito do cosmo, mas nunca por 
tempo mais longo do que um fim de semana. 
A interdisciplinaridade "virtual", por fim, se refere aos períodos bem financiados que 
acadêmicos de campos diferentes e com projetos individuais bastante distintos passam juntos em 
instituições que se dedicam oficialmente a pesquisas interdisciplinares. Espera-se, nessa 
modalidade, que eles se envolvam, no mínimo casualmente, em conversações que poderiam 
resultar em projetos de trabalho conjuntos com potencial inovador. 
Na realidade cotidiana, mais sóbria, no entanto, os pesquisadores dessas instituições 
tipicamente tentam evitar tais projetos, e até mesmo os eventos sociais aos quais deveriam 
supostamente comparecer juntos porque, muito naturalmente, estão mais interessados em proteger 
seu tempo de trabalho individual. 
As formas dominantes de interdisciplinaridade existentes hoje produzirão, na melhor das 
hipóteses, conhecimentos "novos" que não surpreendem nenhum colega _e menos ainda os 
patrocinadores e doadores. 
Muitas vezes, o conceito, assim, justifica despesas da ordem dos milhões de dólares sem 
que produza mais que o efeito mínimo _e, ao menos do ponto de vista intelectual, bastante raso_ de 
uma conversação intelectual durante uma festa. Em contraste com essa realidade muitas vezes 
grotesca, acreditamos que um estilo diferente de interdisciplinaridade deveria ser cultivado _um 
estilo de colaboração intelectual que cumpra as promessas que a palavra implica. Essa outra 
interdisciplinaridade seria qualquer trabalho abarcando diversas disciplinas acadêmicas, cujos 
efeitos ninguém pudesse prever e cujos resultados potenciais, como descobriremos em retrospecto, 
não poderiam ter sido produzidos isoladamente. 
Essa interdisciplinaridade, no entanto, não acontece sem um triplo risco: não acontecerá sem 
o risco de um diálogo entre disciplinas que anteriormente não tenham estabelecido um terreno 
comum por meio de conceitos fundamentais compartilhados; não acontecerá sem o risco de gastar 
dinheiro em projetos que podem ser impossíveis de executar; e isso por sua vez acarreta o risco de 
investir tempo em discussões que não ofereçam nenhum resultado. 
Em agosto deste ano, os 20 autores deste manifesto aceitaram um convite do reitor da 
Universidade de Stanford (EUA) para uma reunião de cinco dias com o objetivo de se envolverem 
em uma experiência voltada para esse tipo de interdisciplinaridade arriscada e inovadora entre as 
ciências exatas _ como engenharia _, as biológicas e as humanas. 
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Concordamos previamente quanto ao tópico, a "emergência", e sobre algumas regras 
básicas para dar forma aos debates: a de que todos fariam o máximo para transmitir a complexidade 
de suas disciplinas sobre o assunto, tentando, ao mesmo tempo, oferecer o máximo de acesso aos 
estudiosos de outras disciplinas; a de que todos teriam o direito de interromper as discussões tão 
logo estivessem certos de que elas não tinham mais potencial algum de se tornarem importantes 
para o trabalho de cada um; a de que, em vez de tentar promover qualquer agenda previamente 
definida, todos se envolveriam em um esforço continuado de auto-organização intelectual, como 
grupo; e a de que o único objetivo em que o grupo teria de concordar desde o início seria produzir, 
no final do encontro, um resultado concreto e capaz de ser documentado (se necessário, até mesmo 
uma declaração de que o novo estilo de interdisciplinaridade que o encontro procurava era 
impossível). 
Desde os primeiros momentos de nossas discussões, ficamos impressionados por ver até 
que ponto era possível atingir uma compreensão mútua; ficamos surpresos com a dimensão do 
acordo que existia sobre questões substanciais; e nos sentimos inspirados, acima de tudo, pela 
seriedade do interesse que começamos a desenvolver pelas posições uns dos outros. De forma 
mais ou menos espontânea, o grupo se concentrou em questões de epistemologia, ou seja, 
questões quanto às condições relacionadas à produção do conhecimento. 
Dentro desse campo, nossos acordos mais importantes e, cremos, mais inovadores se 
cristalizaram em torno de dois motivos específicos. Primeiro, em torno do papel do observador 
externo _ao qual foi concedido menos poder e independência do que sob, por exemplo, as 
epistemologias "construtivistas" contemporâneas. Segundo, houveuma convergência visível quanto 
a uma revisão do conceito do agente humano _porque nos descobrimos mais céticos do que a 
maioria das disciplinas acadêmicas contemporâneas com respeito aos poderes e ao alcance desse 
agente, ou seja, sobre os projetos baseados em conhecimento de transformar o mundo ou 
segmentos dele. 
Co-emergência 
Para a crítica de uma epistemologia que confere ao observador externo a autoridade de 
"impor" sua própria visão do mundo dos objetos, para o nosso movimento intelectual, por assim 
dizer, longe do observador, foi sintomático que nos tenhamos concentrado, desde o começo, em 
uma possível transição entre o conceito de "emergência" e o conceito que representa a posição 
oposta à do observador, ou seja o conceito grego antigo de "fenômeno" (de "phaineim", que significa 
"aparecer, mostrar"). 
Que processos, perguntamos, estão em ação quando sentimos que um fenômeno se nos 
demonstra? Pode-se de fato dizer que um fenômeno é por definição algo emergente, no sentido de 
que adquire aparência e emerge como presença material e espacial? E será que isso implicaria que 
o processo de produção do conhecimento, ao contrário de nossa posição atual predominante, 
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começa na ponta do objeto e se desenrola a seguir como processo de emergência, e não de 
produção? 
Alguns de nós queríamos chegar ao ponto de dizer, talvez, que os fenômenos pelos quais 
nos deixamos fascinar sempre nos elegeram, em lugar de nós os termos construído. Mas havia um 
consenso muito mais amplo quanto à premissa de que os fenômenos têm tanto impacto sobre seus 
observadores quanto a observação, por estes, inevitavelmente altera o fenômeno. Isso significa, no 
entanto, que qualquer produção de conhecimento ocorre como uma co-emergência do fenômeno em 
questão e de seu observador. 
Tal concepção da produção do conhecimento como emergência desenvolve um nível de 
complexidade ainda maior tão logo passemos a levar em conta a percepção (enfatizada por 
Heidegger e outros filósofos) de que os observadores são sempre um produto e uma parte de 
modos finitos e existencialmente extáticos do ser. Esses modos do ser indicam os horizontes dentro 
dos quais os fenômenos podem aparecer e aparecerão para nós. 
Mas deve ser igualmente verdade, no espírito da produção do conhecimento como uma co-
emergência, que certos fenômenos "elegem" e definem seus horizontes. Não existe relação possível 
de prioridade entre os horizontes e os fenômenos que aparecem dentro deles. 
A "teoria inflacionária", a mais recente das teorias sobre o surgimento do universo, que 
sugere que essa emergência ocorreu como uma sequência de Big Bangs, era o exemplo central por 
meio do qual tentávamos compreender as implicações e consequências de uma epistemologia 
baseada na co-emergência de fenômeno e observador. 
Como qualquer outro objeto emergente, o universo só surge da existência virtual para a 
realidade depois de ser observado. Isso não significa, porém, que um observador cria o universo 
para si. Quer dizer apenas que as propriedades de um observador precisam ser consistentes com 
as propriedades dos objetos observados. Nesse sentido, o universo traz impressa em si a imagem 
de um observador. Assim que uma observação é realizada, portanto, o observador pode reconstituir 
uma história consistente do objeto em questão, como se tivesse uma existência própria anterior à 
observação. 
Mas todos os fenômenos emergentes, da mesma forma como qualquer dada parte do 
universo, são apenas temporários. Ainda que eles mesmos não desapareçam, estão condenados a 
ser dissolvidos em um espaço vazio em eterna expansão ou a desaparecer durante um colapso do 
universo. E no entanto o universo como um todo talvez seja imortal, e a vida pode emergir nele 
vezes e vezes sem conta, em todas as suas possíveis formas. 
A questão do divino 
Repetida e talvez já nem tão surpreendentemente, a concepção da co-emergência 
epistemológica nos encorajou a revisitar diversos conceitos, de diferentes tradições teológicas. Esse 
era o caso não só em relação à idéia de "eternidade", tão logo tentamos pensar além dos diferentes 
estados e formas do universo. 
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De maneira semelhante, a questão de determinar se era possível superar a parcialidade de 
todo o conhecimento produziu a idéia de uma co-emergência que conduziria à co-extensividade do 
fenômeno e do observador _a qual, em muitas religiões, é exatamente uma maneira de definir Deus. 
Pois, se um dia nos fosse possível conhecer um fenômeno em toda a sua extensão, até o seu 
máximo limite, então teríamos sobrepujado nossa condição de situação, perfurado nossa finitude. 
Assim que as idéias do divino entraram em nossa revisão do papel do observador 
epistemológico, outra questão _outra maneira de substituir o tradicional conceito do observador_ 
tinha de surgir necessariamente. Trata-se da questão quanto à possível existência de observadores 
não humanos para os quais os fenômenos emergem, observadores que não participam da 
linguagem ou não têm sentimentos e consciência ou ao menos aos quais não possamos facilmente 
atribuir essas qualidades. 
Os dois casos discutidos são animais desprovidos de linguagem e máquinas que manipulam 
uma linguagem. No caso dos computadores podemos distinguir, além disso, diferentes abordagens 
de construção. Para as primeiras tentativas de desenvolver inteligência artificial, a meta era 
representar explicitamente os métodos e conhecimento que constituem o pensamento humano. 
Pode-se alegar que o programa tinha a capacidade, em um sentido muito direto, de fazer 
apenas aquilo que os programadores haviam antecipado e incluído nele. Mas em breve outro 
método de pesquisa se desenvolveu, inspirado pelo conceito de emergência. 
O construtor e o programador criaram um substrato básico de mecanismo capaz de 
comportamento adaptativo _um comportamento que altera seu curso como consequência do 
comportamento anterior. Torna-se aparente que os sistemas biológicos são adaptativos, tanto em 
caráter individual (pelo aprendizado) quanto no plano das espécies (via evolução). Se nossa 
inteligência _e, além disso, nossos sentimentos e consciência_ emergiu por adaptação incremental, 
por que o mesmo não seria possível no caso de uma máquina? 
Ilhas de estabilidade 
Hoje estamos _na melhor das hipóteses_ muito distantes da capacidade prática de construir 
aparelhos, ainda que seja com uma fração das qualidades humanas de pensamento e aprendizado, 
e é provável que demore muito antes que discussões dessa espécie possam se transformar em algo 
mais do que filosofia de poltrona. Mas a maioria de nós não acreditava que houvesse um motivo 
sistemático para excluir a possibilidade de emergência de observadores não humanos sofisticados. 
Se nossas propostas para uma revisão do papel do observador epistemológico tomavam 
como ponto de partida a justaposição entre o conceito de emergência e o conceito do fenômeno, foi 
igualmente revelador que a discussão sobre os limites do agente humano tenha começado com uma 
tentativa de esclarecer a relação entre a causalidade e a emergência. Pois ao longo dos três últimos 
séculos, na ciência e pensamento ocidentais, múltiplas observações de causalidade encorajam o 
surgimento de uma esperança quanto ao previsível, e a previsibilidade vem sendo a base para as 
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expectativas de que o pensamento e a ciência sejam capazes de projetar imagens confiáveis do 
futuro sobre as quais basearmos nossas ações. 
Mas, embora os cientistas e os humanistas do nosso grupo tenham concordado quanto ao 
fato de que causalidade e emergência não são opostos, acreditamos também que a 
imprevisibilidade, em lugar da causalidade, é o marco da emergência. 
Os fenômenos surgem, emergem, formando ilhas de estabilidade em um oceano em fluxo. 
Por sua emergência, um fenômeno se torna suficientemente estável para servir como base para 
ação, paraser alterado, usado ou para participar de novos processos emergentes e se estabilizar 
em um nível mais alto de organização. 
Esse princípio se confirma tanto para os fenômenos naturais quanto para os culturais. E, no 
entanto, essa emergência de ilhas de ordem não é necessariamente sinônimo de causalidade e, 
portanto, previsibilidade. Se a causalidade gera a previsibilidade sob a condição de que ela possa 
ser expressa por meio de uma equação matemática, então é preciso que reconheçamos dois limites 
da previsibilidade. 
O primeiro limite é a escala, e, o segundo, a complexidade. Se o sistema que tentamos 
observar é pequeno demais, seus movimentos não podem ser expressos por uma equação, e ele 
deixa portanto de ser um sistema. Os átomos individuais, por exemplo, têm comportamento 
aleatório. 
Natureza e cultura 
Se, por outro lado, um determinado número de padrões de causalidade se entretece em 
interação altamente complexa, essa complexidade, igualmente, escapará à possibilidade de ser 
lançada em uma equação, e assim de se tornar previsível. Seria absurdo começar pelas equações 
da mecânica quântica e tentar prever a vida, da mesma forma que o era a alegação marxista de 
que, se começarmos observando as regularidades do comportamento humano, podemos alegar 
que, no final, será possível prever a História. 
O conceito de emergência parece sugerir que, na emergência de fenômenos, devemos fazer 
uma distinção entre as camadas de previsibilidade e as camadas que são ou pequenas demais ou 
complexas demais para permitir previsões. Isso significaria que a emergência convida e facilita o 
controle parcial sem jamais se sujeitar ao controle completo. 
Da perspectiva da ética, deveríamos então extrair a consequência de que, embora não seja 
completamente fútil tentar dar forma a segmentos futuros por meio da ação humana, essa ação 
deveria sempre implicar prontidão em permitir que cada um de nós se deixe determinar pelo 
processo específico da emergência. 
Para a relação entre a natureza e a cultura, esse argumento implica que devemos considerar 
a sociedade como extensão do mundo natural e das regularidades que governam os pedaços de 
matéria sem cérebro dos quais ele é feito, ainda que sociedades sejam complexas demais para 
permitir qualquer forma de previsibilidade. 
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De fato, as tentativas de controle total se provaram contraproducentes no caso de fenômenos 
complexos como as sociedades, como se pode aprender com os debates entre as escolas 
"racionalista" e "irracionalista" da jurisprudência. A "ciência jurídica racionalista" sonha que a 
adjudicação de disputas judiciais proceda de acordo com princípios gerais racionalmente 
determinados. 
Os "críticos irracionalistas" dessa teoria questionam, porém, tanto a possibilidade quanto a 
desejabilidade dessa meta. Eles acreditam que a única coerência que o sistema judicial oferece (e 
deveria oferecer) é produzida pelas confusas relações de analogia: as decisões legais só são 
previsíveis no sentido de que se relacionam analogicamente com decisões anteriores. A lei, 
portanto, seria outro paradigma que ilustra o conceito de emergência em múltiplas camadas que 
estamos propondo. 
Combinação flexível 
Uma dependência excessiva do agente humano, no sentido de um número excessivo de 
tentativas de estimular processos de emergência rumo a determinados objetivos, termina por se 
provar contraproducente, regularmente, porque existe uma grande possibilidade de que surjam 
novos e imprevistos movimentos de emergência sob o manto geral da emergência _o que pode até 
mesmo causar o colapso de um fenômeno emergente. 
Por outro lado, há um grande número de histórias de sucesso, da ciência contemporânea, 
que provam que uma combinação flexível entre o agente humano em papel limitado e a disposição 
em se deixar determinar é uma receita para o sucesso. Novos modos de reprodução, por exemplo, 
sob os quais mulheres jovens e férteis podem ter óvulos extraídos para preservação e fertilização 
anos mais tarde, adiando assim a concepção, estão por enquanto em estado inicial de emergência. 
As condições de emergência para a reprodução assistida em casais férteis incluem um 
determinado progresso nas capacidades técnicas, mas o mais importante é que o processo dessa 
emergência tenha sido determinado, nos países mais prósperos, por um contexto social, relacionado 
à redução do tamanho das famílias e à participação cada vez maior das mulheres na força de 
trabalho mais sofisticada, o que as leva a adiar a gestação até a perigosa idade de 38 anos ou mais. 
No entanto era imprevisível que um procedimento originalmente desenvolvido como 
tratamento para infertilidade masculina se transformasse no mecanismo padrão usado por casais 
férteis para facilitar a reprodução. A condição científica para esse tratamento da infertilidade 
masculina foi um acontecimento na genética _a saber, a capacidade de analisar geneticamente os 
estágios iniciais de um embrião, antes de sua transferência para um útero. 
Ainda que a tecnologia tenha sido criada originalmente para tratar da infertilidade masculina, 
ela já transformou, e essa transformação continuará, as possibilidades reprodutivas das mulheres 
férteis _e pode gerar resultados sociais e culturais que não podemos prever com base nas 
informações que temos hoje. E essas consequências não são só imprevistas como imprevisíveis. 
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Nossa revisão do conceito do agente humano nos leva à convicção de que não se deveria 
nunca tentar prevê-las e menos ainda controlá-las completamente. O novo conceito consistiria em 
manter os processos de emergência vivos interceptando e usando as oportunidades imprevistas que 
oferecem, e que estejamos prontos, ao mesmo tempo, para nos deixarmos determinar por eles. 
Risco 
Quando, no final de nossas discussões, tentamos descrever e compreender parcialmente o 
curso tomado por nossa investigação, descobrimos que um novo conceito de emergência era não só 
o tópico e resultado de nosso trabalho, mas ao mesmo tempo o princípio que governara a 
experiência de interdisciplinaridade _tão suave e eficientemente quanto a famosa metáfora da "mão 
invisível", que tanto fascinava os teóricos da economia clássica. 
Permitir que o potencial de pensamento substantivamente inovador surja em um esforço 
colaborativo de estudiosos de diferentes disciplinas requer _descobrimos_ a liberdade, a coragem e 
o risco de trabalhar sem objetivos predeterminados e sem conhecer o desfecho possível da 
colaboração. Mas não devemos, tampouco, conceder ao princípio da emergência o estatuto de uma 
receita que deveria dar forma e controlar o estilo futuro de trabalho interdisciplinar. 
Este manifesto é assinado pelos seguintes pesquisadores: Allegra McLeod, Andreas 
Kabliz, Andrei Linde, Andrew Milne, Bernadette Weyler, Ca l Djerassi, Catherine Pickstock, 
Denise Schmandt-Besserat, Hans Ulrich Gumbrecht, John Bravman, Martin Seel, Matthew 
Tiews, Richard Ford, Robert Laughlin, Robert Harrison, Stephen Lew, Sandra Mitchell, Terry 
Winograd, Violeta Sánchez y Lorbach e Wlad Godzich. 
r
Tradução de Paulo Migliacci. 
Edição: Folha de São Paulo Nov 24, 2002 
Caderno Mais! 
	Co-emergência
	A questão do divino
	Ilhas de estabilidade
	Natureza e cultura
	Combinação flexível
	Risco

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