Buscar

Conceitos de sistema norma e fala LUCCHESI M. B.

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 5 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1 
 
SOBRE OS CONCEITOS DE SISTEMA, NORMA E FALA 
 
 Dante Lucchesi 
Universidade Federal da Bahia/CNPq 
Myrian Barbosa da Silva 
 Universidade Federal da Bahia 
 
 
 
 
 O objetivo deste texto é puramente pedagógico, isto é, de aproximar desses 
conceitos o estudante de Letras e prepará-los para uma futura leitura do original de 
Eugênio Coseriu Sistema, norma e fala
1
, que exige maior maturidade do leitor. É 
também o de ajudá-los a relacionar as teorias da linguística moderna, a que estão 
expostos, com as fontes do passado. 
 No início da década de 1950, mais precisamente em 1951, conforme nos conta 
Coseriu no início de seu famoso artigo, o linguista dinamarquês Hjelmslev e o 
americano Lotz apresentaram em Nice, como alternativa para a dicotomia saussureana 
língua/fala, uma concepção tripartida do fenômeno da linguagem: esquema, norma 
estabelecida e parole (fala). É sobre essa nova ótica que se fundam os conceitos 
coserianos de sistema, norma e fala, que prevalecem até nossos dias em nossa visão da 
linguagem humana. 
 
 
 
1. Os conceitos 
 
Quando o indivíduo fala, mobiliza intuitivamente uma série de regras e itens 
gramaticais e lexicais que lhe possibilitam organizar seu pensamento e a exprimir suas 
idéias. Em outras palavras, ele conhece os vocábulos da língua e sabe como organizá-
los para formar sentenças. Ele conhece o sistema de sinais vocais que, se trocados, 
veicularão mensagens diferentes (carreta não significa o mesmo que caneta). Do 
mesmo modo que sabe que, se confundir, no trânsito, o verde com o vermelho, ele corre 
risco de vida, ele sabe que não pode confundir inferno com inverno na canção de 
Roberto Carlos (Quero que você me aqueça neste inverno/ e que tudo mais vá pro 
inferno). Esse conhecimento intuitivo do falante foi formalizado por Coseriu através do 
conceito de sistema linguístico, explicitando-se assim a estruturação desse saber. 
O sistema pode ser “pensado” de duas maneiras: ou como o conhecimento 
internalizado na mente de um único falante, ou como o conhecimento compartilhado 
por todos os indivíduos que falam a mesma língua, isto é, como uma convenção de 
sinais aceita por todos, que se herda da geração anterior e se transmite à seguinte. 
O sistema opõe-se assim à atividade linguística concreta, ou seja, a fala. Cada 
ato de fala representa a forma como naquele momento o falante põe em prática o seu 
conhecimento linguístico, ou seja, o sistema da sua língua. 
Por outro lado, há muitos modos de dizer a mesma coisa e todo falante tende a 
incorporar como hábitos linguísticos os padrões do grupo social a que pertence e até 
rejeitar outros pertencentes a grupos diferentes. É pela existência de padrões que, ao 
 
1 COSERIU, Eugenio. Sistema, norma e fala. In: _____ Teoria da linguagem e linguística geral: cinco 
estudos. Trad. De Agostinho Dias Carneiro. Rio de Janeiro: Presença; São Paulo: Ed. Da Universidade de 
São Paulo, 1979. 
2 
 
ouvirmos um falante de português, por exemplo, podemos dizer se ele se criou no Brasil 
ou em outras partes onde se fala a nossa língua. Essas características linguísticas que 
diferenciam cada grupo dentro da comunidade de falantes de uma língua estão na base 
do conceito da norma de Coseriu. 
 
 
 
2. Distinções 
 
A única manifestação da linguagem diretamente observável é, portanto, a 
fala. A norma e o sistema são abstrações feitas a partir da observação de atos de fala, ou 
através de testes realizados junto aos falantes para tornar explícito o seu conhecimento 
linguístico, ou seja, o seu vocabulário e as regras de combinação que permitem a 
construção de frases da língua. Assim, partindo-se do mais concreto para o mais 
abstrato, teríamos a seguinte progressão: 
 
 + concreto __________________________ + abstrato 
 
FALA => NORMA => SISTEMA 
 
 
Por sua vez, a fala é sempre individual, mesmo quando um grupo de falantes 
recita um mesmo texto simultaneamente, haverá sempre ligeiras diferenças entre eles, 
em termos de pronúncia, força expiratória, etc.. 
Já a norma relaciona-se sempre a um grupo dentro da comunidade, e o 
sistema é, em princípio, comum a todos os falantes da língua. Um exemplo: dizer 
“Escute aqui, meu amigo” ou “Escuta aqui, amigo” depende do hábito de cada região, 
isto é, da norma regional ou geográfica. 
Mas nenhum falante, seja de onde for, pode dar uma ordem usando o pretérito 
perfeito (“Escutou aqui, meu amigo”). O imperativo é obrigatório para todos os 
falantes, que sabem que mudará a mensagem se for substituído pelo pretérito perfeito: 
essa distinção faz parte do sistema. 
 
Assim, há uma progressão do indivíduo para a coletividade, que se dá na mesma 
ordem: 
 
Do individuo Do grupo De todos os falantes 
FALA => NORMA => SISTEMA 
 
 
 
Situam-se no plano do sistema linguístico todos os elementos essenciais ao 
funcionamento da língua como, no exemplo dado, a distinção imperativo/pretérito 
perfeito, e um falante nativo não os confunde qualquer que seja seu grau de 
escolaridade, idade ou lugar de origem. Apesar da imensa flexibilidade e criatividade da 
linguagem humana, o sistema linguístico impõe certos limites necessários para que a 
língua cumpra as suas funções comunicativas e expressivas dentro da comunidade de 
fala. 
Contudo, para além das infinitas possibilidades expressivas, na fala sempre 
ocorrem flutuações, diferenças praticamente imperceptíveis de pronúncia, etc., que 
3 
 
fazem com que seja praticamente impossível para um mesmo indivíduo falar uma 
mesma frase de modo idêntico por duas vezes seguidas. Tais flutuações do plano da 
fala não afetam normalmente o funcionamento da língua e, em sua grande maioria, só 
ocorrem uma única vez. Veja o exemplo colhido da fala do apresentador na abertura de 
um jornal na TV: - Boa noite, telesperctadores... telespectadores. Provavelmente nas 
outras edições não mais será ouvida a forma telesperctadores. 
 
 
Já a variação que ocorre no plano da norma tem regularidade e certa 
frequência. Das variantes O cidadão que eu falei com ele ontem / O cidadão com quem 
eu falei ontem qualquer falante sabe que a primeira é a mais frequente. 
As variantes da norma são determinadas por certos fatores sociais, tais como o 
sexo, a idade, o nível de escolaridade, etc.. No exemplo acima a segunda variante é mais 
frequente na escrita e, na fala, ela parece se restringir a grupos com alta escolaridade em 
situações formais. 
Pela escolha que cada falante faz das variantes etárias sabemos a sua idade 
aproximada: “Aquela mocinha é um chuchuzinho!” nunca seria dito por um jovem hoje, 
que certamente preferiria “Aquela gata é dez!”. Do mesmo modo se identificaria como 
gaúcho quem preferisse “prenda” em vez de ”gata”, pois essa é a variante da norma 
regional do Sul. Também uma pessoa com mais escolaridade rejeitaria a forma muié, 
por ser considerada fora da norma padrão. Em resumo a língua portuguesa comporta 
todas as formas possíveis, mas as normas que a compõem é que determinam o 
comportamento dos falantes. 
 
 As variantes estão, pois, encaixadas na estrutura da língua, ou seja, fazem parte 
dela, e podem, ou não, afetar o funcionamento do sistema linguístico. As diferenças de 
comportamento entre os grupos sociais (que nada mais são do que uma variação 
normal) podem ser o reflexo, num determinado momento, de um processo diacrônico de 
mudança linguística em curso. A variação entre “Encomendei ela na padaria do meu 
bairro” e “Encomendei-a na padaria do meu bairro” é a o resultado de uma mudançaque vem ocorrendo no Brasil, na qual a variante ele/ela está substituindo o/a na posição 
de objeto direto. 
Nas alterações que se produzem a todo o momento na fala, estão os germes de 
todas as mudanças linguísticas. Nas inúmeras inovações que os indivíduos produzem no 
nível da fala, somente umas poucas se repetem e podem ser assimiladas por outros 
indivíduos. Se as novidades assimiladas forem incorporadas aos padrões de 
comportamento linguístico de um determinado grupo dentro da comunidade de fala, ela 
deixa de ser um fato de fala e passa para o nível da norma. Essa inovação tende a 
conviver com a antiga forma numa relação de variação. Com o passar do tempo, se a 
variante inovadora se generalizar para a toda a comunidade e a forma antiga passar a ser 
sentida como um arcaísmo ela pode cair em desuso. Completa-se, assim, o ciclo da 
mudança linguística. 
 
Porém, é preciso ter em conta o caráter teórico da distinção entre sistema, 
norma e fala. Na fala, que é a manifestação objetiva da linguagem, encontram-se todos 
esses três níveis justapostos. Quando fala, o indivíduo tem necessariamente que lançar 
mão das estruturas e regras do sistema linguístico, e o faz de acordo com os hábitos e 
padrões de seu grupo social. Além disso, o seu desempenho é marcado pelos desvios e 
fatos acidentais e contingenciais, que caracterizam o falar. Portanto, em cada ato de fala 
4 
 
se superpõem simultaneamente elementos da fala, da norma e do sistema linguístico. 
Essa relação foi representada por Coseriu no gráfico
2
 reproduzido abaixo: 
 
 
 
 
A B 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
C C 
 
 
 
 
3. Outros exemplos 
 
 Pode-se observar a língua como uma organização de vários sistemas – ou 
subsistemas – ou seja, o sistema fonológico, o sistema morfológico e o sintático. Não há 
um limite nítido entre esses sistemas, de modo que o estruturalismo admitia entre o 
primeiro e o segundo um nível morfofonêmico e entre o segundo e o terceiro um nível 
morfossintático. 
 
Tomemos, como ilustração, o sistema fonológico. Constituem o sistema 
fonológico os sons, denominados fonemas, que têm um valor distintivo na língua 
(servem para distinguir uma palavra da outra, como o /p/ e o /b/ em sopra e sobra, por 
exemplo); bem como as regras que definem as posições e as combinações possíveis 
desses fonemas. Em português são possíveis as sequências /pl, bl, tl, dl, kl, gl/ na 
mesma sílaba, mas não, /lp, lb, lt, ld, lk, lg/. 
 
A oposição fonológica entre as consoantes iniciais das palavras chão e são é um 
fato sistema. Já o –s pós-vocálico em palavras como três pode ter várias pronúncias: 
desde aquela muito chiada que caracteriza a fala do Rio de Janeiro até a sibilante, que se 
aproxima de um assobio e que varia em diversas regiões brasileiras e com outra, menos 
“chiada” que a pronúncia carioca que varia com a sibilante, como na variedade de 
Salvador. Essas diversas maneiras de se pronunciar o –s de três é um fato que 
distingue várias normas. Mas mesmo um carioca, pode eventualmente pronunciar o -s- 
 
2 Idem, ibidem, p.72 
 FALA 
 
 a b 
 
 
 
 
 
 
 
 
 c d 
 
 NORMA 
 
 a' b’ 
 
 
 
 
 c’ d’ 
 
 
 SISTEMA 
 
5 
 
da palavra estado um pouco menos “chiado” do que normalmente o faz – e aí teremos 
um fato de fala. Contudo, nenhum falante substituirá –s por –g, por exemplo, dizendo 
algo como egtado, pois nessa posição –g não é permitido pelo sistema fonológico do 
português. 
 
Com efeito, o sistema linguístico determina não só a capacidade de articulação 
dos falantes mas também de percepção, ou seja, o falante tende a só ser capaz de 
pronunciar bem e perceber com facilidade os sons de sua língua. Assim, um falante do 
português tende a ter dificuldade em realizar e perceber a oposição que distingue, por 
exemplo, as palavras inglesas think ‘pensar’ e sink ‘afundar’, pois a consoante 
interdental representada por th em think não faz parte do sistema fonológico do 
português. Por isso a palavra bluetooth, introduzida recentemente na fala de usuários 
dos celulares, está sendo pronunciada como blutufi entre nós: a interdental surda [θ] é 
substituída pela fricativa também surda [f] seguida de [i] pois o sistema não permite [f] 
em posição final. 
 
Já no plano da variação normal, a pronúncia mais aberta ou mais fechada do e e 
do o pré-tônicos é talvez o traço mais reconhecido entre os falantes pois distingue 
normas regionais brasileiras. Um falante proveniente do norte e nordeste brasileiro será 
imediatamente reconhecido pela pronúncia da primeira sílaba de melancolia ou de 
colaborador, do mesmo modo que o falante do sul e do sudeste. Já pronúncias como 
trabaio e craro caracterizam as normas sociais de falantes de baixa escolaridade no 
português do Brasil. 
 
 Até agora os exemplos desta seção incidiram sobre o sistema fonológico, mas os 
sistemas morfológico e sintático também oferecem inúmeros dados de padrões 
variáveis, alguns já utilizados neste artigo. É o caso das variações entre ele/ela e o/a na 
posição de objeto, e da variação entre que e com quem, já examinadas. Também o léxico 
foi utilizado como fonte de variação, quando se lançou mão de mocinha, gata, prenda e 
muié. Muitos outros fatos da variedade brasileira da língua portuguesa e de outras 
variedades não nacionais podem ser utilizados para se compreender as normas 
linguísticas, mas espera-se que o próprio leitor, a partir da compreensão desses 
conceitos, possa selecioná-los da sua rica experiência linguística de falante nativo.

Continue navegando