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AUTARQUIA EDUCACIONAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO FACAPE-FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS E SOCIAIS DE PETROLINA CURSO DE DIREITO BRUNA TEREZA NUNES COELHO INEFICÁCIA DA LEI DA FILA E O DANO MORAL EM DECORRÊNCIA DA ESPERA EXCESSIVA PARA ATENDIMENTO NAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS PETROLINA Julho de 2015 BRUNA TEREZA NUNES COELHO INEFICÁCIA DA LEI DA FILA E O DANO MORAL EM DECORRÊNCIA DA ESPERA EXCESSIVA PARA ATENDIMENTO NAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS Monografia apresentada ao Centro de Ciências Humanas e Sociais da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina, como parte dos requisitos para a aprovação na disciplina monografia, sob a orientação do professor Marlone Montalvão de Albuquerque. Petrolina, 1° de julho de 2015. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Marlone Montalvão de Albuquerque Prof. Orientador ________________________________________ Erika Passos Castro Prof.ª Examinadora ________________________________________ William Michael Marques Carvalho Prof. Examinador Dedico este trabalho à minha família, que jamais deixou de me incentivar e de acreditar em mim. Aos meus amigos, pelo apoio incondicional. Aos professores, pelo conhecimento compartilhado. Enfim, a todos que de alguma forma tornaram este caminho mais fácil de ser percorrido “Há ladrões que não se castigam, mas que nos roubam o bem mais precioso: o tempo" Napoleão Bonaparte AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado forças para enfrentar esta árdua jornada de conhecimento. Agradeço aos meus pais e aos meus colegas de curso por terem atenuado as dificuldades e obstáculos do período acadêmico. Agradeço também às oportunidades de conhecimento proporcionadas pelos meus estágios, pois o convívio com as adversidades do mundo jurídico foi imprescindível para o meu amadurecimento cognitivo e profissional. Por fim, agradeço ao meu orientador que, com toda sua bagagem intelectual, revisou o presente trabalho científico. RESUMO Todos os dias milhares de pessoas passam horas a fio em estabelecimentos bancários à espera de atendimento. Contudo, muitos desconhecem a existência de leis municipais que regulamentam esse tempo de espera, impondo, inclusive, multas para as instituições que descumprirem a previsão. Em que pese a existência destas leis municipais, os consumidores, por desconhecerem a lei e seus direitos, não denunciam a prática nos órgãos competentes. Assim, o tempo limite de espera não é respeitado e as instituições financeiras permanecem impunes. Ademais, quando, além de ultrapassar o tempo de espera previsto em lei, a espera é demasiada, inconveniente e em condições de desconforto, refletindo uma situação de desrespeito para com o cliente, surge a discussão da existência do dano moral passível de indenização. Isso porque, estaria em cheque o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Levando em consideração esses apontamentos, o presente trabalho irá abordar a razão para a ineficácia da “Lei da Fila” e defenderá a configuração do dano moral em razão da espera excessiva nos estabelecimentos bancários, com fundamento na violação do princípio da dignidade da pessoa humana e no caráter pedagógico do dano moral. PALAVRAS-CHAVES: Lei da fila. Ineficácia. Instituições financeiras. Dignidade da pessoa humana. Dano moral. Espera excessiva. Consumidor. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................08 1. A LEI DA FILA.......................................................................................................09 2. A LEGITIMIDADE DOS MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR SOBRE O TEMPO DE ESPERA NAS FILAS.................................................................................................10 3. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA....................................................................................................................12 3.1 A Aplicação dos Princípios no Ordenamento Jurídico..................................15 4. A APLICAÇÃO DO CDC NAS RELAÇÕES BANCÁRIAS...................................18 5. REPONSABILIDADE CIVIL...................................................................................24 5.1 A Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo....................................26 5.2 Dano Moral..........................................................................................................27 5.3 A Suposta Banalização do Dano Moral............................................................30 6. A SOLUÇÃO..........................................................................................................34 7. COMO RECLAMAR...............................................................................................36 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................40 ANEXO I - LEI MUNICIPAL DE PETROLINA Nº 1763/05........................................43 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho visa despertar a atenção dos consumidores para o desrespeito à Lei da Fila nas instituições financeiras. A partir da exposição desta problemática, será defendida a configuração do dano moral em razão da espera excessiva para o atendimento bancário, e o caráter didático destas indenizações. Partindo do princípio que a espera excessiva nas filas das instituições financeiras afeta sobremaneira o bem-estar de qualquer cidadão, foi editada em vários municípios a Lei da Fila, na qual é previsto o tempo mínimo que o consumidor deve aguardar para receber o atendimento bancário. Contudo, é manifesto o desrespeito à esta lei e a inércia do consumidor em relação a isto. A ausência de punição pela desobediência à legislação é uma das principais razões para o conformismo e para a perpetuação da prática. Nessa linha, será demonstrado no curso deste trabalho a importância da condenação ao pagamento das indenizações por dano moral como ferramenta de desestímulo para a prática em foco. Além disso, o campo da responsabilidade civil será devidamente destrinchado, bem como a submissão das instituições bancárias ao Código de Defesa do Consumidor, e a legitimidades dos municípios para legislar sobre o tempo de espera para atendimento. Contudo, antes de adentrar no cerne da problemática, é importante que se faça uma abordagem acerca do Princípio da Dignidade Humana e sua aplicação no ordenamento jurídico pátrio, haja vista que, independentemente da existência da Lei da Fila, será posto em debate se a longa espera para o atendimento é capaz de afetara dignidade da pessoa humana. 9 1. A LEI DA FILA A espera excessiva em filas de banco é uma situação vivenciada cotidianamente por muitos brasileiros.O que muitos não sabem, é que o tempo de espera nessas filas é devidamente regulamentado em vários municípios e estados. O tempo limite de aguardo, não está apenas previsto em uma “Lei da Fila de Banco”. O poder de legislar sobre o assunto é de responsabilidade das esferas estaduais e municipais, e cada localidade o trata de acordo com as suas peculiaridades (MELO; MELO, 2014). Em Petrolina - PE, por exemplo, o tempo de espera para atendimento bancário é regulamentado pela Lei Nº 1763, de 09/12/2005 (anexo I). A referida lei prevê que o tempo hábil para o atendimento é de até: I) 15 (quinze) minutos em dias normais; II) 25 (vinte e cinco) minutos às vésperas e após os feriados prolongados; III) 30 (trinta) minutos nos dias de pagamento dos funcionários públicos municipais, estaduais e federais, não podendo ultrapassar esse prazo em hipótese alguma. Entre outras disposições, a citada norma prevê, inclusive, a imposição de multa na hipótese de descumprimento da lei. Feita essa breve explanação a respeito deste regulamento, passamos à tratativa dos demais temas que circundam a violação ao limite de espera para o atendimento bancário. 10 2. A LEGITIMIDADE DOS MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR SOBRE O TEMPO DE ESPERA NAS FILAS Inicialmente, cumpre ressaltar que as instituições bancárias costumam negar o cumprimento às leis municipais que dispõem sobre o tempo de permanência dos usuários nas filas dos bancos, por julgá-las inconstitucionais. Fundamentam seu posicionamento alegando que a matéria tratada nestas leis fugia da competência do município, uma vez que a competência era exclusiva da União. Para tanto, invocam os incisos VI, VII e XIX do artigo 22 da Constituição da República, é o que dispõe os citados incisos (RODRIGUES, data desconhecida): Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais; VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores; (...) XIX - sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular; Tal argumento, contudo, está fadado ao insucesso, haja vista que as leis municipais, ao legislar sobre o tempo máximo de permanência dos usuários nas filas dos bancos, tratam de assunto predominantemente local, inserindo-se, portanto, na esfera legislativa municipal. Assim, a obrigação dos bancos conferirem tratamento digno ao consumidor, está dentro da mais estrita e absoluta esfera legislativa municipal prevista no art. 30, inciso I, da Constituição Federal (NUNES, 2005). Foi este o argumento utilizado pelo Superior Tribunal Federal ao se manifestar acerca da constitucionalidade destas leis municipais, vejamos: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. ATENDIMENTO AO PÚBLICO. FILA. TEMPO DE ESPERA. LEI MUNICIPAL. NORMA DE INTERESSE LOCAL. LEGITIMIDADE. Lei Municipal n. 4.188/01. Banco. Atendimento ao público e tempo máximo de espera na fila. 11 Matéria que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições bancárias. Matéria de interesse local e de proteção ao consumidor. Competência legislativa do Município. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF - RE: 432789 SC , Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 14/06/2005, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 07- 10-2005 PP-00027 EMENT VOL-02208-04 PP-00852 RTJ VOL- 00196-01 PP-00345 LEXSTF v. 27, n. 323, 2005, p. 288-293 RB v. 18, n. 509, 2006, p. 35-36 JC v. 31, n. 107, 2005, p. 254-257) Assim, as leis municipais que regulam o tempo de espera nas filas bancárias não estão abordando questões financeiras, monetárias ou creditais. Visa, sobretudo, fixar prazo máximo ao qual o consumidor pode se submeter para ser atendido em uma agência bancária, tema, como visto, de interesse predominantemente local, e que não contrasta com o funcionamento do sistema financeiro (NUNES, 2005). O legislador municipal apenas quis estabelecer um tempo máximo de permanência dos consumidores nas instituições bancárias, com o intuito de diminuir o desconforto e o constrangimento físico e emocional provocado pelas longas filas. O que não quer dizer que o município estaria interferindo no sistema financeiro. Não obstante a existência de regulamentações aptas a reger o tempo máximo nas filas, frise-se que pouco importa se o município é competente ou não para legislar sobre tal matéria. O fato é que a espera por tempo muito longo nas filas acarreta ao consumidor danos físicos, psíquicos e morais, em razão deste tratamento indigno. Desta forma, o dano moral estaria configurado mesmo não havendo qualquer lei municipal ou estadual prevendo tal situação, já que a conduta dos estabelecimentos bancários estaria ferindo, antes de mais nada, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual seja, a dignidade da pessoa humana. 12 3. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É incontroverso que o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos básicos da Constituição da República Federativa do Brasil, além de constituir princípio máximo do estado democrático de direito. Impõe-se como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional. Desta forma, a dignidade da pessoa humana é a regra matriz dos direitos fundamentais, podendo-se dizer, até mesmo, que é o coração do constitucionalismo moderno. Tal princípio está elencado no rol de direitos fundamentais da Constituição Brasileira de 1988 e vem disposto no art. 1º da Carta Magna, vejamos: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui- se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifo meu) Os direitos fundamentais são aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera constitucional de um determinado Estado, possuindo, inclusive, aplicação imediata. 13 Assim, tendo em vista que os princípios são normas-chave de todo o sistema jurídico, destinados a estabelecer as bases políticas, administrativas, sociais e jurídicas do país, entende-se que a obrigação de defender e respeitar estes preceitos deve ser exigida de todos os membros do Estado. Feitas essas considerações, voltamos ao estudo da dignidade e sua influência jurídica. A raiz etimológica da palavra “dignidade” provém do latim dignus – “aquele que merece estima e honra, aquele que é importante” (MORAES, 2009, p. 77). Com isso, o conceito de dignidade traz a ideia de respeito.É uma necessidade emocional que todos nós temos de reconhecimento público, em relação a autoridades, amigos, círculo familiar, social, entre outros. A dignidade é fator inerente à pessoa. Portanto, podemos entender que o que distingue o ser humano de qualquer outro ser é essa substância única, qual seja, a dignidade. Complementando esta ideia, Carlos Henrique Bezerra Leite, em sua obra “Manual de Direitos Humanos”, conceitua a Dignidade da Pessoa Humana nos seguintes termos: É factível dizer que a dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca detodos os seres humanos que pressupõe a existência de direitos fundamentais que os protegem contra atos desumanos atentórios à sua integridade física, psíquica e moral. Portanto, a dignidade da pessoa humana pressupõe observância do respeito do direito à vida, à honra, ao nome, à limitação do poder (político ou econômico), às condições mínimas para uma existência com liberdade, autonomia, igualdade e solidariedade. (LEITE, 2014, p. 44) Historicamente, foi o cristianismo que, pela primeira vez, concebeu a ideia de uma dignidade pessoal, atribuída a cada indivíduo. O desenvolvimento do pensamento cristão sobre a dignidade humana deu-se sob um duplo fundamento: o homem é um ser originado por Deus para ser o centro da criação; como ser amado por Deus, foi salvo de sua natureza, a do desejo pessoal, através da noção de liberdade de escolha, que o torna capaz de tomar decisões contra o seu desejo natural. (MORAES, 2009, p. 77) 14 Assim, inspirada na crença de que somos iguais, mas diferentes, e diferentes, mas sobretudo iguais, Maria Celina B. de Moraes reflete que: Se não fossem iguais, os homens não seriam capazes de compreender-se entre si e aos seus ancestrais, nem de prever as necessidades das gerações futuras. Se não fossem diferentes, os homens dispensariam o discurso ou a ação para se fazerem entender, pois com simples sinais e sons poderiam comunicar suas necessidades imediatas e idênticas. (MORAES, 2009, p.76) Com isso, dando continuidade ao desenvolvimento histórico do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, é importante ressaltar que em 1948 a ONU elabora um documento jurídico, com a positivação deste fundamento: “A Declaração Universal dos Direitos Humanos”. A Carta das Nações Unidas reafirmou a fé nos direitos humanos, na dignidade e nos valores humanos das pessoas e convocou a todos seus estados-membros a promover respeito universal e observância dos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. (grifos do autor) (WIKIPÉDIA, 2015) Esse documento jurídico sedimentou inúmeros valores que estavam sendo rechaçados pelos governos no momento da sua elaboração. Basta lembrar do contexto no qual a referida Declaração foi elaborada, qual seja, logo após a Segunda Guerra Mundial. Com isso, a tendência dos ordenamentos jurídicos posteriores ao período nazifacista é justamente o reconhecimento da pessoa humana como centro e fim do direito. Pelo exposto, trazendo a dignidade para o âmbito do Direito do Consumidor e, assim, contextualizando com a temática proposta, é importante destacar que o consumidor deve ter sua dignidade preservada, o que significa dizer que os direitos essenciais do ser humano, as garantias constitucionais e, em especial, os direitos da personalidade devem ter especial proteção (CINTRA, 2011, p. 33). 15 Com isso, resta claro que a espera excessiva nas filas das instituições financeiras afeta a dignidade humana. O consumidor que fica horas numa fila suplicando com um mero atendimento sofre, sem dúvidas, tratamento desumano e tem sua dignidade desprezada, além de, em muitos momentos, carregar um sentimento de humilhação. Isso porque, não raro, nos deparamos com o seguinte cenário: agências lotadas, pessoas em pé à espera de atendimento, ambiente estressante, barulho constante, entre outros fatores. Tais circunstâncias provocam no consumidor a sensação de desprezo e humilhação, como se as instituições financeiras estivessem fazendo favores a eles, quando na verdade tratam-se de prestadoras de serviços, submetidas ao Código de Defesa do Consumidor, e que possuem o dever de prestar aos seus clientes um atendimento adequando e eficaz. 3.1 A Aplicação dos Princípios no Ordenamento Jurídico Inicialmente destaco que a doutrina majoritária reconhece a normatividade e positividade dos princípios gerias do direito, partindo da premissa de que as regras e os princípios são espécies de normas e que, enquanto referenciais para o intérprete, não guardam, entre si, hierarquia (LENZA, 2012). Pois bem. A Constituição Federal de 1988, no art. 5º, § 1º, edita a seguinte regra: Art. 5º (...) § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Trata-se da “aplicabilidade imediata” das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. Tal preceito possui uma natureza eminentemente principiológica, que impõe a todos – por ser norma constitucional – o dever de reconhecer e aplicar, cada um em sua função específica, a máxima eficácia aos direitos fundamentais sociais (SILVA, 2012). Em suma, a referida norma é responsável por garantir a máxima efetividade dos direitos fundamentais. 16 Contudo, em que pese existir previsão constitucional que busca garantir a máxima efetividade dos direitos fundamentais, atualmente, uma das questões mais preocupantes é a não concretização dos princípios e direitos constitucionalmente garantidos à população. Há quem discuta, ainda, se a falta de efetividade destas normas poderia comprometer a credibilidade da Constituição. É o que propõe o professor Ingo W. Sarlet: A vida, a dignidade da pessoa humana, as liberdades mais elementares continuam sendo espezinhadas, mesmo que disponhamos, ao menos no direito pátrio, de todo um arcabouço de instrumentos jurídico-processuais e garantias constitucionais. O problema da efetividade é, portanto, algo comum a todos os direitos de todas as dimensões. (SARLET, p. 65, 2007, apud ANDRADE, 2010) O STF, no RE 393175/RS, que teve por relator o Ministro CELSO DE MELLO, já decidiu que para garantir a efetividade das normas constitucionais: Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. (Informativo n° 414, 2006.) Em outro trecho da mesma decisão fica clara a força normativa da Constituição e dos princípios constitucionais, mesmo aqueles, que, a princípio, não têm eficácia plena: A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE (grifos no original) - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade 17 governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (Informativo n° 414, 2006.) Por todo o exposto, é importante lembrar que a Constituição não é uma norma qualquer. É norma jurídica superior (lex superior), subordinando-se a ela todas as demais normas existentes em nosso ordenamento jurídico. Dito isso, considera-se que, na ausência do Estado executivo, passa a ser responsabilidade do Poder Judiciário a implementação imediata de medidas que garantam a obediência aos direitos fundamentais. Assim,no caso em que o cidadão ajuíza uma ação pleiteando indenização por danos morais em virtude de uma espera excessiva para atendimento bancário, ele apenas está exercendo seu direito de ver cumprida as determinações constitucionais, em virtude da omissão do Poder Público para garanti-las nesse caso. 18 4. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (LEI 8.078/90) NAS RELAÇÕES BANCÁRIAS Os questionamentos acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, e a consequente concessão de suas prerrogativas, são bastante comuns. Isso porque, nem sempre é possível identificar com clareza uma relação de consumo, surgindo a dúvida se caberia ou não a aplicação do CDC. Antes de mais nada, apresento a definição do termo “relação de consumo”, vejamos: Relação de consumo se traduz em toda relação jurídica que existe entre uma pessoa, que deseja adquirir um bem ou prestação de um serviço, e outra que corresponde a este anseio. Desse modo, para que uma relação de consumo seja constituída, é necessária a integração de dois elementos essenciais, quais sejam: o consumidor e o fornecedor. A relação de consumo é composta, portanto, por vontades sinalagmáticas, opostas. E, para se configurar, faz necessária a participação do consumidor e do fornecedor, que integram posições antagônicas. (CASTRO, 2014) Com isso, uma relação de consumo envolve basicamente duas partes bem definidas: a pessoa que deseja adquirir o bem ou serviço (consumidor), e o fornecedor do bem ou serviço. Tal enlace é destinado à satisfação de uma necessidade do consumidor. Ressalto ainda que o próprio código protetivo traz em seus artigos as definições de consumidor, fornecedor, produto e serviço, além de incluir expressamente os serviços de natureza bancária em seu arcabouço. Dispõe os citados artigos: Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes 19 despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifos meus) Diante dessa abordagem, fica fácil concluir pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações bancárias. Os bancos são prestadores de serviços (fornecedores), ao passo que os clientes são os usuários destes serviços, perfazendo, assim, uma relação de consumo. Contudo, em que pese essa fácil assimilação, as instituições bancárias, quando presentes em juízo, começaram a alegar que havia uma significativa diferença entre os consumidores referidos no CDC, e os clientes das instituições bancárias, impedindo, assim, a aplicação deste código. Afirmavam que o dinheiro e o crédito não se constituem em produtos adquiridos ou usados por destinatários finais, já que são apenas instrumentos através dos quais se concretizam negócios jurídicos. Para essas instituições, os clientes eram apenas meros intermediários do crédito disponibilizado. Posteriormente, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF), órgão de representação das instituições bancárias, propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (ADI nº 2591), alegando que o art. 3º, §2º do CDC ofendia os artigos. 5º, LIV; e 192, II e IV da Constituição Federal. Suscitava a violação ao art. 192, II e IV, da CF/88, uma vez que, de acordo com o seu entendimento, o referido dispositivo prevê que somente lei complementar poderia regular o Sistema Financeiro Nacional. É o teor do caput deste artigo: Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis 20 complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003) (grifo meu) Acontece que o Código de Defesa do Consumidor é lei ordinária e, com isso, as instituições bancárias negavam submissão a este diploma legal. Outro argumento utilizado nesta ADI foi a “distinção implícita na Constituição Federal entre consumidor e cliente de instituição financeira”. Levantam esta discussão em virtude do art. 170 da CF/88 - que consagra o princípio da defesa do consumidor - se encontrar em capítulo referente à “Ordem Econômica”, e não naquele que diz respeito ao “Sistema Financeiro Nacional” (ADI nº 2591). Assim, o texto da lei complementar abrangeria, necessariamente, a proteção do cliente de instituições financeiras. Por fim, afirmavam que a distinção entre as duas categorias de usuários estaria justificada em virtude de razões de ordem constitucional e pelas situações peculiares de ordem econômica existentes em cada caso (ADI nº 2591). Superadas todas estas discussões, o resultado final deste julgamento foi no sentido de que o CDC não conflita com as normas que regulam o Sistema Financeiro, e deve ser aplicado às atividades bancárias. Segue a ementa do acórdão: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência dasnormas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam 21 excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízodo controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88. NORMA-OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO. 7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N. 4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA. 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade. (grifos meus) (STF - ADI: 2591 DF , Relator: CARLOS VELLOSO, Data de Julgamento: 07/06/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 29- 09-2006 PP-00031 EMENT VOL-02249-02 PP-00142) 22 Ademais, indispensável salientar que o Superior Tribunal de Justiça, por meio da súmula 297, determinou que os dispositivos previstos no Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis às instituições financeiras. Confira-se: “Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. ”. Por todo o exposto, resta evidente que a relação que se aperfeiçoa entre o cliente e a instituição financeira, no trato de serviços bancários, configura típico enlace consumerista. Além disso, os serviços bancários são qualificados como essenciais (de interesse da coletividade), desta forma, é especialmente pertinente que esta relação seja tutelada pelo Código de Defesa do Consumidor, garantindo, assim, a adequada e eficaz prestação dos serviços. Por conseguinte, o reconhecimento da aplicação do CDC nas relações bancárias é de suma importância, haja vista que, no Brasil, inúmeras instituições financeiras estão entre os 100 maiores litigantes no Judiciário. É o que revela levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgado em 2011 (CNJ, 2011). Durante palestra na qual o tema era “As ações contra as instituições bancárias”, o Juiz Gerivaldo Neiva, membro da coordenação do Núcleo da Bahia da Associação Juízes pela Democracia (AJD), separou os 20 primeiros litigantes. Em tabela, dividiu- os em públicos e privados (incluindo as sociedades de economia mista). Vejamos (VIOMUNDO, 2014): PÚBLICOS (colocação) PRIVADOS (colocação)* INSS – 1º Banco do Brasil – 5º CEF – 2º Banco Bradesco – 7º Fazenda Nacional – 3º Banco Itaú – 8º União – 4º Brasil Telecon Celular – 9º Estado do Rio Grande do Sul – 6º Banco Finasa – 10º Município de Manaus – 11º Banco Santander – 13º Município de Goiânia – 12º Banco ABN Amro Real – 14º Instituto de Previdência do RS – 20º BV Financeira – 15 Banco HSBC – 16 Telemar – 17º Banco Nossa Caixa – 18º Unibanco – 19º 23 Posto isso, é indubitável que, sem o amparo da legislação protecionista (CDC), muitos consumidores continuariam vítimas das condutas destas prestadoras de serviço sem os benefícios que essa legislação traz. Além disso, os princípios da vulnerabilidade e hipossuficiência seriam sobremaneira rechaçados. 24 5. RESPONSABILIDADE CIVIL Ao ter sua esfera íntima lesionada (dano moral), a vítima tem o direito de ter reparada sua dignidade quando esta é afetada. Com isso, nesse ponto, é indispensável a abordagem da responsabilidade civil e seus institutos. A finalidade da responsabilidade civil é recompor a vítima, reparar o dano patrimonial ou moral causado pelo fato danoso; busca restaurar o status quo ante, obrigação esta que, se não for mais possível, é convertida no pagamento de uma indenização ou de uma compensação (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2013, p. 46). Desta forma, a responsabilidade civil tem como fundamento o restabelecimento do equilíbrio patrimonial ou moral que a vítima possuía antes ato lesivo. Ao consultarmos o art. 186 do Código Civil, consagrador do princípio de que a ninguém é dado o direito de causar prejuízo a outrem (neminem laedere) (BAPTISTA, 2003, p.47 apud. VENOSA, 2010, p. 40), temos que: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (grifo meu) Analisando esse dispositivo, podemos extrair os pressupostos gerais da responsabilidade civil: a) Conduta humana (positiva ou negativa):entende-se por conduta o comportamento humano voluntário, que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas (SANTOS, 2012). b) Dano ou prejuízo:O dano pode ser dividido em patrimonial e extrapatrimonial. O primeiro também conhecido como material é aquele que causa destruição ou diminuição de um bem de valor econômico. O segundo também chamado de moral é aquele que está afeto a um bem que não tem caráter econômico não é mensurável e não pode retornar ao estado anterior (SANTOS, 2012). 25 c) O nexo de causalidade: é a relação de causa e efeito entre a conduta praticada e o resultado. Para que se possa caracterizar a responsabilidade civil do agente, não basta que o mesmo tenha praticado uma conduta ilícita, e nem mesma que a vítima tenha sofrido o dano. É imprescindível que o dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente e que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito (SANTOS, 2012). No tocante à configuração do dever de indenizar, somente haverá reparação, em regra, se o ato ilícito ocasionar dano. Dessa feita, resta evidente a importância do dano para a Responsabilidade Civil ser configurada, pois os artigos 186 e 927 do Código Civil disciplinam a ratificação do dano em dois momentos distintos, a formação do ato ilícito e no dever de recompor o dano. A respeito do art. 927, CC, vejamos: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifo meu) Embora a tese da reparação por danos morais tenha se tornado pacífica na maioria das legislações contemporâneas há pouco tempo, a história das nações nos prova que sempre houveram preceitos normativos que amparavam algumas dessas pretensões (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2013, p. 98-99). O famoso princípio da Lei do Talião, da retribuição domal pelo mal, “olho por olho, dente por dente”, já denota uma forma de reparação do dano. De acordo com VENOSA (2010, p. 18), tal princípio é da natureza humana, qual seja, reagir a qualquer mal injusto perpetrado contra a pessoa, a família ou o grupo social. A sociedade primitiva reagia com a violência. O homem de todas as épocas também o faria, se não fosse reprimido pelo ordenamento jurídico. 26 5.1 A Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo Com o intuito de efetivar o comando constitucional que previa a defesa do consumidor como princípio de ordem econômica (art. 170, V, CF), aprovou-se o Código de Defesa do Consumidor. Assim, os direitos do consumidor surgem como forma de proteção do indivíduo perante o desenvolvimento das sociedades de consumo. A vulnerabilidade do consumidor é o seu próprio fundamento (Venosa, 2010, p. 256). Antes do advento da lei de defesa do consumidor, a responsabilidade do fabricante, produtor (também importador e construtor) ou comerciante, era regida pelo art. 186 do Código Civil. Impunha-se ao consumidor o ônus de provar a culpa subjetiva do demandado (VENOSA, 2010, p. 265). Isso porque, a responsabilidade subjetiva existe como regra no Código Civil Brasileiro. A parte geral deste diploma legal traz em seu artigo 186 a previsão da responsabilização somente nos casos em que a culpa (em sentido amplo) estiver presente. Ademais, o art. 927, caput, traz como regra a responsabilidade subjetiva e excepciona essa regra, no seu parágrafo único, com a responsabilidade objetiva nos casos especificados em lei, vejamos: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifos meus) Por conseguinte, após a implementação do Código protetivo, a responsabilidade do fornecedor pelo seus produtos e serviços prestados sofreu mudanças radicais. Em nosso sistema, esta responsabilidade passou a ser objetiva, ou seja, independentemente de culpa, conforme dispõe o art. 12, caput e 14 do CDC: Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, 27 construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (grifos meus) Com isso, os danos causados aos consumidores, decorrentes da atividade do fornecedor de produtos e serviços, devem ser devidamente indenizados, bastando a demonstração da conduta humana, dano ou prejuízo, e do nexo de causalidade entre a conduta praticada e o resultado. 5.2 O Dano Moral Tendo em vista que a espera excessiva por atendimento em instituições financeiras denota não só a existência de defeito na prestação do serviço, mas também afeta a esfera íntima do indivíduo, faz-se necessário o estudo do dano moral. O dano moral está previsto em nosso ordenamento jurídico no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, in verbis: Art. 5º (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Outrossim, uma das inovações da nova Codificação Civil brasileira, é a previsão expressa da reparabilidade dos danos morais. Com efeito, dispõe o art. 186 do CC/02: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 28 Além desses dispositivos, ainda há a previsão da reparação por danos morais no art. 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; (grifo meu) Assim, havendo a previsão expressa da reparação por danos morais no nosso ordenamento jurídico, cabe agora a definição desta espécie de dano. Segundo Pablo Stolze (2013, p.105), o dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Assim, o dano moral é aquele que afeta a personalidade e, de alguma forma, ofende a moral e a dignidade da pessoa. Dentre tantas tentativas de conceituação do dano moral, destaco aqui a ponderação feita pelo Ministro Francisco Rezek (1997), acerca do delineamento da noção de dano moral: Penso que o constituinte brasileiro qualifica como dano moral aquele dano que se pode depois neutralizar com uma indenização de índole civil, traduzida em dinheiro, embora sua própria configuração não seja material. Não é como incendiar-se um objeto ou tomar-se um bem da pessoa. É causar a ela um mal evidente (...). (STF, RE 172720, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 06.02.1996 e publ. Em 21.02.1997) Tal consideração foi feita em julgamento no qual se discutia a configuração do dano moral em virtude do extravio de bagagem em viagem aérea. Nesse mesmo julgado, o Ministro Rezek esclareceu ainda que: Não é necessária uma agressão à personalidade do ser humano para que se configure o dano moral, sobretudo porque a consequência não é nada de tão dramático: ela é, no plano civil, mera e prosaica indenização. Não se há de exigir no plano ético que o dano moral seja tão grave e funesto quando a consequência que a ordem jurídica lhe assina-la se resume numa indenização compensatória. (grifo meu) (STF, RE 172720, 29 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 06.02.1996 e publ. Em 21.02.1997) Nesse ponto, trazemos o louvável entendimento do Senhor Ministro Rezek para fortalecer o argumento em favor da configuração do dano moral em razão da espera excessiva pelo atendimento nos estabelecimentos bancários.Isso porque, exigir que os danos morais alegados nos tribunais sempre possuam proporções trágicas para que o mesmo esteja configurado, acarretaria uma sensação de impotência e menosprezo para os indivíduos que sofrem, não só com a espera nas filas para atendimento bancário, mas também para aqueles que sofrem ofensas verbais em público, têm sua bagagem extraviada em viagens aéreas, recebem cobrança por dívidas pagas, entre outras situações, que muitos afirmam não passarem de meros aborrecimentos da vida cotidiana. Ademais, como o próprio ministro afirmou em seu julgado, “Não se há de exigir no plano ético que o dano moral seja tão grave e funesto quando a consequência que a ordem jurídica lhe assiná-la se resume numa indenização compensatória.”. Assim, o mais sensato a se fazer é sempre estabelecer um equilíbrio entre o dano sofrido e o quantum indenizatório, buscando sempre compensar a vítima e evitar o seu enriquecimento sem causa. Outrossim, muitos defendem ainda que as ações desta natureza sejam instruídas com suporte probatório razoável, apto a demonstrar ao julgador que toda a situação vivenciada provocou à vítima danos de ordempsicológica. Pois bem. No tema em foco, entende-se que não há que se perquirir o dano sofrido pelo consumidor em decorrência da espera excessiva no caso concreto, haja vista que a humilhação e o sentimento de desconforto provocado pelo ato é irrefutável. Não se pode compelir o consumidor a suportar a má organização e a falta de eficiência da instituição bancária, principalmente se tal conduta acarreta ao mesmo sensação de insignificância, em virtude do tempo de espera - que nessa situação deve extrapolar o corriqueiro - para efetuar uma simples operação financeira. Nesse passo, o dano aqui discutido é provado in re ipsa (pela força dos próprios fatos). Aliás, o que é relevante aqui, é a reparação do dano moral, independente do prejuízo material. 30 5.3 Da Suposta Banalização do Dano Moral Atualmente, muito se discute sobre a tão divulgada banalização do dano moral. Há quem afirme que o judiciário vem contribuindo para o desenvolvimento do que se convencionou chamar de “indústria do dano moral”. Destaco que a referida discussão começou a tomar grandes proporções com o advento do Código de Defesa do Consumidor. Antes do CDC, o consumidor era acostumado a conformar-se com produtos defeituosos, sem garantias completas, com cobranças indevidas, com vícios nos serviços, toda a gama de abrangência da relação de consumo que hoje estamos acostamos a vivenciar em nosso dia a dia. (FARIAS JÚNIOR, 2014). Diante de toda essa discussão, não podemos esquecer que, antes de mais nada, o âmago da questão é a efetiva proteção da honra, do respeito e da moral ao consumidor, a consolidação do respeito mútuo nas relações de consumo (FARIAS JÚRIOR, 2014). Pois bem. As esperas nas filas bancárias se destacam entre as situações elencadas no bojo da discussão sobre a banalização do dano moral. Isso porque, os partidários desta posição entendem que a referida situação não passa de um mero dissabor ou até mesmo, um contratempo do cotidiano. Em contraponto a essa tese, é importante destacar que a espera excessiva em instituições financeiras não fere apenas a Lei Municipal que prevê o tempo limite para a prestação do atendimento, fere também a Constituição Federal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Código de Defesa do Consumidor, conforme foi demonstrado até o presente momento. Além do claro desrespeito à lei e da violação à dignidade da pessoa humana, os defensores da configuração do “mero dissabor” esquecem do caráter punitivo e pedagógico das indenizações por dano moral. Antes de discorrer acerca do caráter punitivo e pedagógico do dano moral, é indispensável esclarecer que o dano moral possui função tríplice, são elas, a função 31 compensatória, a função punitiva ou sancionatória, e a função dissuadora ou preventiva. Assim, o instituto jurídico do dano moral ou extrapatrimonial tem três funções básicas: Compensar alguém em razão de lesão cometida por outrem à sua esfera personalíssima, punir o agente causador do dano, e, por último, dissuadir e/ou prevenir nova prática do mesmo tipo de evento danoso. Essa prevenção ocorre tanto de maneira pontual em relação ao agente lesante, como também de forma ampla para sociedade como um todo (FAVARETTO, 2014). A tese da função punitiva da reparação do dano moral, apesar de não possuir expressa previsão legal, vem encontrando numerosos adeptos no Brasil, tanto na doutrina, como na jurisprudência. São muitos os que afirmam que a satisfação do dano moral visa, além de atenuar o sofrimento injusto, desagravar o sentimento de vingança, prevenir ofensas futuras, coibir que o ofensor repita o comportamento, e servir de exemplo para que outros não o imitem (MORAES, 2009, p. 219). Assim, firmou-se entendimento jurisprudencial no sentido de implantar no Brasil “a cultura do desestímulo”, de modo que os fornecedores de bens ou prestadores de serviços sejam coagidos financeiramente a respeitar os consumidores em seus direitos básicos. Nesse sentido, confira-se decisão do Supremo Tribunal de Justiça ao fixar critérios para a aplicação de quatum indenizatório: DANO MORAL. REPARAÇÃO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO VALOR. CONDENAÇÃO ANTERIOR, EM QUANTIA MENOR. Na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima. Ademais, a reparação deve ter fim também pedagógico, de modo a desestimular a prática de outros ilícitos similares, sem que sirva, entretanto, a condenação de contributo a enriquecimentos injustificáveis. Verificada condenação anterior, de outro órgão de imprensa, em quantia bem inferior, por fatos análogos, é lícito ao STJ conhecer do 32 recurso pela alínea c do permissivo constitucional e reduzir o valor arbitrado a título de reparação. Recurso conhecido e, por maioria, provido. (grifo meu) (STJ - REsp: 355392 RJ 2001/0137595-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 26/03/2002, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 17.06.2002 p. 258) Com isso, tendo em vista que a lei nem sempre é cumprida, é necessária a aplicação de uma sanção pelo descumprimento, uma espécie de punição ao infrator. Assim, a condenação ao pagamento das indenizações por dano moral possui, além da função compensatória, a função preventiva e punitiva. Foi esta a inteligência do Tribunal de Justiça de Goiás, ao condenar a instituição financeira em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em indenização a título de danos morais: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. 1. ESPERA EXAGERADA EM FILA DA AGÊNCIA BANCÁRIA. DANO CONFIGURADO. O fato do usuário ter permanecido por tempo desarrazoado na fila da agência bancária caracteriza dano moral, o que implica na patente violação ao art. 1º, inciso III da Carta Magna bem como aos direitos básicos e princípios do art. 6º, inciso X do CDC. 2. QUANTUM ADEQUADO. O quantum indenizatório deve ser arbitrado em patamar condizente com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. No caso, em atenção ao caráter pedagógico e reparatório da medida, fixo a condenação em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). APELO CONHECIDO E PROVIDO. (TJGO, APELACAO CIVEL 115936-62.2010.8.09.0013, Rel. DR(A). MARCUS DA COSTA FERREIRA, 6A CAMARA CIVEL, julgado em 26/02/2013, DJe 1255 de 04/03/2013) Posto isso, é possível concluir que o raciocínio de quem não condena as instituições financeiras pelo desrespeito à lei, acreditando que a espera na fila pelo período maior do que o permitido configura mero aborrecimento, enseja preocupação. Essa atitude acaba incentivando os bancos a permanecerem com o seu serviço inadequado e ineficaz, fazendo com que estes sintam-se livres para diminuírem seu quadro de funcionários, prolongando, portanto, o tempo de espera que o consumidor terá que enfrentar (LIRA, 2011). Desta forma, as empresas fornecedoras não podem ficar sem punição sob o argumento de que tal fato configura tão somente um mero aborrecimento. 33 Por conseguinte, deve-se frisar a capacidade econômica das prestadoras de serviços em comento, qual sejam, as instituições financeiras. Esse ponto é pertinente em razão do impacto que as esparsas condenações são capazes de provocar nessas rés. É a síntese desta ideia: Especialmente nas relações de consumo, as empresas prestadoras de serviço auferem, com as práticas ilícitas, rendimentos superiores àquilo que perdeem demandas judiciais, obtendo lucro. As condenações, portanto, não estão cumprindo a função punitivo- pedagógica. É a pura aplicação da chamada “teoria da rentabilidade sobre o caos”, tão invocada pelos advogados que militam na seara consumerista. (BERTI, 2014) Assim, além de não poder ignorar a necessidade de se impor uma pena ao causador do dano moral, com o intuito de não provocar uma impunidade e, com isso, estimular novas agressões, é necessário que as penas sejam eficazes, contudo, sempre evitando o enriquecimento ilícito da vítima. Não há que se falar em banalização do dano moral quando a condenação ao pagamento das indenizações consegue cumprir as três principais funções do instituto. No caso da espera nas filas para atendimento bancário, o juiz que condena a instituição financeira a pagar em favor da vítima uma indenização à título de danos morais está, além de compensando o transtorno sofrido em virtude da espera, punindo o estabelecimento pela má prestação do serviço e evitando que a prática perpetue. 34 6. A SOLUÇÃO O presente trabalho não pretende apenas criticar a atuação das instituições bancárias, busca também apresentar soluções para a problemática em foco. Apesar dos transtornos praticados com frequência pelas instituições financeiras, não há como negar que a atividade bancária é serviço essencial para a sociedade capitalista e, portanto, um “mal” necessário. Assim, havendo o desrespeito à lei, umas das soluções seria a aplicação de uma pena mais eficaz combinada com medidas educativas eficientes. Quando os clientes se sentirem lesados, deverão procurar o órgão de defesa do consumidor para relatar os abusos por parte das instituições bancárias, e exigir que estas tomem providências para melhorar o atendimento (SILVA; SORATTO, 2012). O ordenamento jurídico brasileiro entende que é do PROCON a responsabilidade de fiscalizar e aplicar multas às instituições bancárias que desrespeitarem as normas que estipulam o tempo máximo de permanência em fila à espera de atendimento. Contudo, para que haja uma fiscalização eficaz, é de extrema importância a provocação desses órgãos por parte dos clientes que se sentirem lesados (SILVA; SORATTO, 2012). Diante disto, é indispensável que estes estabelecimentos aumentem o seu quadro funcional e treinem seus funcionários para que os mesmos possam garantir um atendimento adequado e eficaz aos consumidores. Seria interessante também a disponibilização de telefones ligados diretamente aos órgãos de fiscalização com o intuito de facilitar as denúncias desses eventuais abusos dos prestadores de serviços, bem como a instalação de placas ostensivas informando o tempo mínimo de espera previsto na lei. O controle de entrada e saída dos clientes nos estabelecimentos bancários, com o fim de assegurar que ninguém permaneça sem atendimento por mais de 15 (quinze), 20 (vinte) ou 30 (trinta) minutos, conforme dispuser cada legislação, também seria significante 35 (CASSIONATO, 2004, p. 42). Tais iniciativas viabilizariam a aplicação das multas por cada evento lesivo (espera superior ao tempo pré-fixado) Contudo, ressalto que sem que haja uma conscientização dos usuários dos serviços das instituições bancárias para que, sempre que houver uma violação à lei, estes acionem os órgãos competentes para comunicar a irregularidade, a prática continuará se perpetuando. Isso porque, a “Lei das Filas” tem sua eficácia diminuída em virtude da inércia do consumidor que não denuncia. Pois, não obstante a obrigação dos órgãos do consumidor de fiscalizar e punir, estes permanecem estáticos sem a devida provocação dos clientes dessas prestadoras de serviços. Além disso, deve-se combater a impunidade destas instituições, haja vista que os usuários ao recorrerem ao judiciário alegando terem enfrentado tempo de espera que fogem à normalidade e extrapolam o corriqueiro, se deparam com decisões desfavoráveis fundamentadas no entendimento de que a situação vivenciada pelo consumidor lesado não passa de um “aborrecimento corriqueiro”. Por fim, esclareço que a aplicação das multas administrativas não prejudica os pedidos de indenizações individuais de ordem patrimonial e moral para cada lesado. Isso porque, ao julgar os pedidos indenizatórios, o magistrado deve ater-se à significância do tempo de espera que o consumidor enfrentou para quantificar as indenizações. Ademais, além da espera demasiada, que por si só já configura o dano moral, o usuário do serviço pode ter sofrido algum outro prejuízo em virtude da espera, prejuízo este que só poderá ser analisado no caso concreto e que será capaz de elevar o valor da condenação. 36 7. COMO RECLAMAR Existem vários meios para os quais os consumidores podem recorrer quando estão diante de situações nas quais os seus direitos são violados. Contudo, normalmente nos deparamos com a atuação do Procon e do Ministério Público na defesa dos direitos do consumidor. A Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon),foi criada pela Lei nº 9.192, de 23 de novembro de 1995, e Decreto nº 41.170, de 23 de setembro de 1996, e tem como missão promover o equilíbrio das relações de consumo por meio da aplicação das normas de defesa do consumidor em benefício da sociedade (PROCON-SP, 2015). Seus principais objetivos, são: - Suprir a vulnerabilidade do consumidor; - Conscientizar consumidores e fornecedores quanto aos seus direitos e deveres nas relações de consumo; - Dar celeridade à solução dos conflitos decorrentes das relações de consumo; - Harmonizar as relações de consumo (PROCON-DF, 2015). A Fundação Procon não possui qualquer vínculo ou convênio com nenhuma empresa fornecedora de produtos ou serviços, tampouco com escritórios de advocacia, possuindo, assim, autonomia técnica, administrativa e financeira. Com isso, o Procon é órgão imparcial e totalmente confiável à disposição dos consumidores na solução de seus problemas. Esse órgão aceita denúncias, críticas e sugestões dos consumidores, realizando intercâmbio com entidades oficiais ou quaisquer outros órgãos ligados à defesa do consumidor, até mesmo internacionalmente. Basta procurar o serviço de Ouvidoria da Fundação para buscar as soluções dos problemas enfrentados pelos consumidores (CASSIONATO, 2004, p. 43). Já o Ministério Público, na defesa dos interesses do consumidor difusa e coletivamente considerado, tem como atribuição precípua o resguardo do respeito à 37 sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos para melhoria da sua qualidade de vida, e a harmonização das relações de consumo, sempre com vistas aos seus direitos básicos, dispostos no Código de Defesa do Consumidor (MP-SP, 2015). Com efeito, o artigo 5º inciso XXXII da Constituição Federal, que está inserido dentro do Título II (Dos direitos e garantias fundamentais) e dentro do Capítulo I (Dos direitos e deveres individuais e coletivos), prevê que a defesa do consumidor deverá ser promovida pelo Estado. É a previsão: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (grifo meu) Contudo, destaco que, de forma geral, o Parquet não integra formalmente o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, mas tem atuação de natureza administrativa ou extrajudicialna defesa do consumidor, podendo promover práticas de orientação e tentativas de resolução de queixas reduzindo a termo o que for acordado, através de sua atuação nas Promotorias especializadas de defesa do consumidor, também chamadas Promotorias de justiça do cidadão (LOPES, 2011). Desta forma, basta que o consumidor lesado se dirija a qualquer um dos órgãos de administração ou de execução do Ministério Público e fazer as reclamações pertinentes para que sejam tomadas as devidas providências, afim de ter assegurado o direito de defesa ao consumidor previsto constitucionalmente. 38 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o exposto no presente trabalho, foi possível inferir inúmeras conclusões acerca da ineficácia da “Lei da Fila” e o dano moral em virtude da espera excessiva nas instituições financeiras. Primeiramente, nota-se que restou incontroverso que o problema da longa espera nas filas dos bancos afeta, sem dúvidas, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Além disso, em que pese a dignidade humana restar violada com a prática abusiva das instituições financeiras, evoco novamente o caráter punitivo e pedagógico do dano moral que, ao meu ver, deve ser a principal motivação para as condenações indenizatórias. É preciso combater a impunidade face às instituições bancárias, visto que por ausência de fiscalização e em razão do desconhecimento por parte dos consumidores acerca dos seus próprios direitos, estas empresas permanecem com a prática abusiva e com a desobediência legal. Destaco ainda que o dano moral aqui defendido foi o dano in re ipsa (pela força dos próprios fatos). Assim, a espera injustificada e demasiada, por si só, já ensejaria uma compensação indenizatória, sem prejuízo de uma análise concreta do caso, na qual o juiz poderá verificar se o consumidor sofreu outros prejuízos em razão da espera excessiva, elevando, assim, a condenação. O presente texto monográfico também esclareceu a legitimidade dos municípios para legislarem sobre o tempo de espera nas filas bancárias, bem como a legítima aplicação das normas consumeristas nas relações bancárias. Por fim, foi exposto, à título de informação, as demais alternativas dispostas ao consumidor com o fim de garantir os seus direitos, quais sejam, o Procon e o Ministério Público. Com efeito, é irrefutável que os bancos devem respeitar todos os direitos do consumidor, fornecendo produtos e serviços de maneira adequada e eficiente. A 39 eficiência na prestação dos serviços, todavia, não envolve apenas o que é fornecido, mas como se dá esse fornecimento. Desta forma, as instituições financeiras devem atentar para a importância que o tempo possui para cada um de seus clientes, haja vista que, em uma sociedade moderna e capitalista “tempo é dinheiro”, e como já dizia Charles Darwin, "o homem que tem a coragem de desperdiçar uma hora de seu tempo não descobriu o valor da vida". 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. BRASIL. Código Civil (2002). Brasília, DF: Senado, 2002. 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