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Capítulo 12 - Direito Penal das Drogas506 Capítulo 12. Considerações criminológica sobre o Direito Penal das Drogas § 36. Dimensões quantitativas da persecução penal Literatura: Hartwig,K.-H., Auf dem Prüfstand der Kritik? – Auf dem Prüfstand!, Kriminalistik 1989, 678ff.; Nestler, C., Grundlagen und Kritik des Betäubungsmittelstrafrechts, in: Kreuzer, A. (editor), Handbuch des Betäubungsmittelstrafrechts, 1998, 697ff.; Polizeiliche Kriminalstatistik, (Jahrgang), BKA (editor); Scheerer, S., Freiheit und Kontrolle im neuen Betäubungsmittelgesetz, KJ 1982, 229ff.; Schwanke, J., Alarmierende Dimensionen. Die Beschaffungskriminalität von Rauschgiftabhängigen, Kriminalistik 1989, 149ff.; Strafverfolgungsstatistik (vollständiger Nachweis der einzelnen Straftaten), (Jahrgang), Statistisches Bundesamt Wiesbaden (editor). 1. Estatística criminal policial No ano de 2003, de 6.572.135 fatos puníveis processados pela Polícia, 3,9% eram delitos de entorpecentes (255.575). Destes, mais de dois terços (177.494) foram valorizados como delitos gerais, segundo o § 29 da Lei de Drogas. Daqui, mais de 60% se referiam a “cannabis e derivados”. Aos fatos puníveis denunciados, segundo a Lei de Drogas, puderam ser associados 212.491 suspeitos de fato (compare Polizeiliche Kriminalstatistik, 2003). 2. Estatística de condenação 6,3% dos condenados em 2003 (46.676) foram reprovados por fatos puníveis, segundo a Lei de Drogas. 77,6% dos condenados, conforme a Lei de Drogas, recaíram no § 29, seção 1 da Lei de Drogas. Este é o tipo básico da relação não permitida com substâncias entorpecentes, e se refere especialmente ao comércio não profissional, assim como à venda abaixo de um determinado limite de quantidade. Apenas cerca de um quinto dos delitos de entorpecentes registrados pela Polícia terminou com uma condenação, em 2003. Neste caso, foram criminalizados também consumidores de cannabis com pequena quantidade para consumo próprio. No ano de 2003, por causa do tipo básico (§ 29, seção 1, da Lei de Drogas), em contraposição a 146.442 casos registrados § 36 - Dimensões quantitativas da persecução penal 507 pela Polícia em relação com haxixe, existiram 36.139 casos de heroína e 22.535 casos de cocaína (Polizeiliche Kriminalstatistik, 2003, 223). A persecução penal nos delitos de cannabis, apesar da mesma moldura penal, segundo o § 29, seção 1, da Lei de Drogas, é realizada de modo curiosamente divergente, de Estado para Estado. Já a envergadura dos delitos de drogas registrados pela Polícia varia consideravelmente nos respectivos Estados federais. Para o ano de 2003, a estatística criminal da Polícia indica, para cada 100.000 habitantes, 729 casos em Hamburgo, e 286 casos em Thüringen. A envergadura das condenações à pena privativa de liberdade, nesta área, alcança de 26,2% no Saarland, até 0% em Bremen (sobre comparação entre Estados para o período de 1985 até 1987, compare já em BT-Drucksache 11/4329, 22). Em alguns Estados federais, segundo isto, foram condenados com pena criminal até três quartos dos consumidores de cannabis e dos comerciantes de cannabis, enquanto em outros Estados federais este percentual importa apenas em torno de um quarto deste grupo de pessoas (BT-Drucksache, ibidem). O Tribunal Federal Constitucional aceitou estas rupturas do princípio da legalidade processual e, com isto, liberou o Legislador de confrontações com propostas normativas de descriminalização, no âmbito do consumo de cannabis. Ao mesmo tempo, os Estados federais têm sido instruídos pelo Tribunal para fazer uso de seu direito de instrução perante os Ministérios Públicos, e velar por uma aplicação mais extensiva e uniforme do § 31 a da Lei de Drogas (BVerfGE 90, 145, 190 com referência para BVerfGE 1, 6, 18 e BVerfGE 76, 1, 77). Permanece aberto, contudo, em que extensão esta exigência do Tribunal Federal Constitucional encontra aplicação pelos Ministérios Públicos. 3. Pontos centrais da práxis de persecução penal Nos pontos centrais da práxis de persecução penal deixa-se reconhecer que a Lei de Drogas, em medida considerável, é dirigida aos delitos de consumo, portanto, aos dependentes. Mesmo características que distinguem o caso especialmente grave do § 29, seção 3 da Lei de Drogas e o tipo de crime do § 30 da Lei de Drogas, afetam preponderantemente o comércio, que é realizado por dependentes. O limite inferior da “pequena quantidade” (§ 29, seção 5 da Lei de Drogas) abrange também a aquisição de drogas para necessidade própria. O perigo para a “saúde de várias pessoas” (§ 29, seção 3, n. 2 da Lei de Drogas) é, em regra, somente demonstrável no quadro abrangível de clientes do pequeno traficante. A entrega para pessoas abaixo de 18 anos (§ 29 a, seção 1, n. 1 da Lei de Drogas), ou a entrega com consequência de morte (§ 30, seção 1, n. 3 da Lei de MARLU Destacar Capítulo 12 - Direito Penal das Drogas508 Drogas) afeta, na práxis, quase exclusivamente traficantes de rua, porque somente aqui o curso causal é reconstruível. A importação em não pequena quantidade compreende, preponderantemente, portadores permutáveis e atravessadores de fronteiras (compare Scheerer, 1982, 235f.). Figura 1. Fatos puníveis segundo a Lei de Drogas: índice de incriminação de suspeito de fatos (Polícia) e índice de condenação (Justiça), de 1977 até 2003. (Fonte: Polizeiliche Kriminalstatistik – desde 1992 são incluídos os novos Estados federais – Bun- deskriminalamt, Strafverfolgungsstatistik, Statistisches Bundesamt Wiesbaden) 4. Consequências da ilegalidade Consumo de drogas e comércio de drogas na ilegalidade têm por consequência altos preços do produto e falta de controle do produto. Os altos preços por drogas ilegais obrigam à criminalidade de provisão (especialmente, furto de carro, roubo em residência e assalto de rua), à venda do próprio corpo (prostituição) e à participação no pequeno tráfico, porque a aquisição de drogas com trabalho legal é quase impossível de financiar. A necessidade diária para financiamento de uma dependência de drogas pesadas fica entre 50 e 125 Euros por dia (compare Nestler, 1998, 797). Em Frankfurt, por exemplo, 4.200 consumidores de drogas pesadas estão registrados pela Polícia, a cifra negra é estimada entre 8.000-10.000 dependentes. § 36 - Dimensões quantitativas da persecução penal 509 Atribuindo-se a um terço dos dependentes registrados pela Polícia o financiamento de drogas mediante criminalidade de provisão, então isto corresponde a uma necessidade diária de financiamento, a ser coberta mediante fatos puníveis que, somente em Frankfurt, deveria ficar entre cerca de 70.000 e 175.000 Euros (incluindo a cifra negra, até 500.000 Euros). Deste modo, surge um lucrativo mercado ilegal, cujos beneficiários estão interessados na continuidade do vício e de sua satisfação ilegal. Os riscos para a saúde são elevados de forma extrema, pela falta de controle de drogas ilegais. 5. Danos à economia popular Por fim, o mercado ilegal de drogas determina danos da ordem de bilhões para a economia popular (exemplo, Hamburgo 1988: cerca de 500 milhões, compare Schwanke, 1989, 170). Com abstração de uma queda de possíveis receitas do Estado, estes danos são produzidos especialmente pelos custos de persecução penal e de terapia, por um lado, e os danos causados pela criminalidade acompanhante, por outro lado (sobre “Economia da política de drogas” Hartwig/Pies, 1989). § 37. Empiria do consumo de entorpecentes Literatura: Albrecht, H.-J., Suchtgiftgesetzgebung im internationalen Vergleich, in: Frank, C./ Harrer, G. (editores), Drogendelinquenz. Jugendstrafrechtsreform, 1991, 69ff.; Albrecht, H.-J., Internationales Betäubungsmittelrecht und Betäubungsmittel kontrolle, in: Kreuzer, A., Handbuch des Betäubungsmittelstrafrechts, 1998, 651ff.; Allmers, V. Entkriminalisierungder Betäubungsmittelkonsumenten, ZRP 1991, 41ff.; Beck, V., Die Grünen in der 13. und 14. Legislaturperiode, ZRP 1999, 85ff.; Behrehndt, J.-U., Illegaler Drogenkonsum und soziale Kontrolle, 1984; Böllinger, L., Grenzenloses symbolisches Strafrecht, KJ 1994, 405ff.; Deutsche Hauptstelle gegen die Suchtgefahren e.V., Schätzzahlen zum Abhängigkeitsproblem, 1999; Drogen- und Suchtbericht 2005, Bundesminesterium für Gesundheit und Soziale Sicherung (editor); Feuerlein, W., Stand der Alkoholismusforschung, in: Völger, G./ von Welck, K. (editores), Rausch und Realität, 1982, 1375ff.; Geschwinde, Th., Rauschdrogen, Marktformen und Wirkungsweisen, 1996; Grefe, Ch., Finstere Aussichten durch den blauen Dunst, Geo, Sucht und Rausch, Nr. 3/1990, 81ff.; Hellebrand, J., Drogen und Justiz – Überlegungen zur Einbindung der Justiz in eine fortschrittliche Drogenpolitik, 1990; Körner, H.H., Betäubungsmittelgesetz, 5. Aufl., 2001; Kreuzer, A., Sucht 1989. Bericht über die Drogenfachtagung der GdP, Kriminalistik 1989, 297ff.; Hess, H., Rauchen. Geschichte, Geschäfte, Gefahren, 1987; Nestler, C., Grundlagen und Kritik des Betäubungsmittelstrafrechts, in: Kreuzer, A. (editor), Handbuch des Betäubungsmittelstrafrechts, 1998, 697ff.; Noller, P., Kontrollierte Opiatabgabe, Erfahrungen im internationalen Vergleich, in: Nimsch, M., Heroin auf Krankenschein? 1993, MARLU Destacar Capítulo 12 - Direito Penal das Drogas510 47ff.; Polizeiliche Kriminalstatistik, (Jahrgang), BKA (editor); Quensel, St., Wirkungen und Risiken des Cannabisgebrauchs, in: Scheerer, S./ Vogt, I. (editores), Drogen und Drogenpolitik. Ein Handbuch, 1989, 379ff.; Reeg, A.R., Strafrecht in der Drogenpolitik. Was hilft – more of the same oder radikales Umdenken, Neue Kriminalpolitik 2/1989, 30ff.; de Ridder, M., Heroin: Geschichte – Legende – Fakten, in: Grötzinger, G. (editor), Recht auf Sucht? Drogen Markt Gesetze, 1991, 16ff.; Scheerer, S., Die Genese der Betäubungsmittelgesetze in der Bundesrepublik Deutschland, 1982; Schultes, R.E., Einführung in die Botanik der wichtigsten pflanzlichen Drogen, in: Völger, G./ von Welck, K. (editores), Rausch und Realität. Drogen im Kulturvergleich, Band 1, 1982, 46ff.; Schultes, R.E./ Hoffmann, A., Pflanzen der Götter. Die magischen Kräfte der Rausch- und Giftgewächse, 1987, Shiffmann, S.M., Tabakkonsum und Nikotinabhängigkeit, in: Völger, G./ von Weck, K. (editores), Rausch und Realität. Drogen im Kuturvergleich, Band 3, 1982, 1382ff.; Statistisches Jahrbuch für die Bundesrepublik Deutschland, (Jahrgang), Statistisches Bundesamt (editor); Thamm, B.-G., Drogenfreigabe – Kapitulation oder Ausweg: Pro und Contra zur Liberalisierung von Rauschgiften als Massnahme der Kriminalitätsprophylaxe, 1989; Uchtenhagen, A./ Gutzwiller, F./ Dobler-Mikola, A./ Blätter, R., Versuche für eine ärztliche Verschreibung von Betäubungsmitteln: Zwischenbericht der Forschungsbeauftragten, 1995: van Wely, J.J.W.M., Körperliche Wirkung des Opiatkonsums, in: Scheerer, S./ Vogt, I. (editores), Drogen und Drogenpolitik. Ein Handbuch, 1989, 299ff. I. Inventário sobre consumo de drogas e sobre Política de drogas Uma análise dos pressupostos e das possibilidades de domínio da Política social e da Política de saúde do problema das drogas exige, em primeiro lugar, um inventário do atual consumo de drogas e da Política de drogas – e, na verdade, não somente no âmbito nacional, mas também internacional –, assim como de seu desenvolvimento no curso das últimas décadas. Neste caso, o consumo de drogas não é de se equiparar com problemas de drogas, porque o efeito da droga também é dependente da situação e das condições respectivas sob as quais drogas são consumidas. Assim como não é representável um mundo sem comportamentos desviantes, sem conflitos sociais e sem criminalidade, igualmente não é representável um mundo sem drogas. A necessidade de drogas e a satisfação desta necessidade não são problemas recentes; isto vale também para as consequências do abuso de drogas. Drogas existiram, ao contrário, em todos os tempos e em todas as sociedades, ainda que em diferentes manifestações e em extensões distintas. A reivindicação por um mundo livre de drogas e pela superação da dependência de drogas é ilusória. As experiências com a proibição do álcool nos Estados Unidos, nos MARLU Sublinhado MARLU Destacar § 37 - Empiria do consumo de entorpecentes 511 anos 20, deixaram claro que mal é de se enfrentar o fenômeno do vício com proibições. É de se presumir que a proclamada guerra da droga (“war on drugs”) nos Estados Unidos igualmente permanece sem êxito. O número dos dependentes do álcool na República Federal [da Alemanha] – necessitados de tratamento – é atualmente estimado em cerca de 2,5 milhões (índices estimados sobre o problema da dependência, da Deutsche Hauptstelle gegen die Suchtgefahren, 2002). A ruína social e a miséria física dos dependentes de drogas aumentam dramaticamente. O (antigo) relator de drogas da cidade de Frankfurt am Main, Werner Schneider, já em 1992, avaliou a situação como segue: “Se nós continuamos a confiar somente na Justiça penal, em campanhas publicitárias e terapias convencionais de abstinência, então também irá constar nos próximos balanços anuais: mais miséria, mais criminalidade, mais doenças de AIDS, mais casos de morte” (“Die Zeit”, de 7.2.1992). Esta avaliação deveria, também, ser amplamente correta para o Exterior. II. Sobre a farmacologia dos entorpecentes Abstraindo de produtos sintéticos, no caso das drogas ilegais hoje usuais, trata-se de alcalóides, essencialmente. Estas são ligações de nitrogênio, que se encontram sobretudo em plantas e reagem de forma alcalina (daí, o nome). Relacionados ao organismo humano, numerosos alcalóides atuam como tóxicos, que com frequência, já em pequenas doses, podem conduzir à morte. Em dosagem mais refinada, contudo, estas substâncias também possuem efeito farmacológico. Isto vale, por exemplo, para atropina, quinina, efedrina, codeína, cocaína, cafeína, nicotina, morfina ou estricnina. Assim, encontram aplicação a atropina na oftalmologia, a codeína como remédio contra tosse e a cocaína na anestesia local. Muitos alcalóides atuam de modo psicoativo, intervêm na bioquímica do sistema nervoso e agem no sistema nervoso de forma similar aos transmissores naturais, cujo efeito influenciam. Comparando-se os alcalóides com respeito à dose letal para o ser humano, a estricnina e a nicotina pertencem aos alcalóides mais tóxicos. Já 0,04 g de nicotina têm efeitos mortais sobre o organismo humano. Morfina e cocaína têm, ao contrário, um efeito tóxico menor (0,3 g ou 1-2 g atuam mortalmente) (Schultes, 1982; Schultes/ Hofmann, 1987). A heroína (diacetilmorfina) é um derivado semissintético da morfina (produzido por acetilação da morfina). Originalmente foi desenvolvida pela indústria farmacêutica e MARLU Destacar MARLU Destacar Capítulo 12 - Direito Penal das Drogas512 levada ao mercado em 1898, sob o mesmo nome, como remédio contra tosse e asma. O produto farmacológico tornou-se, em curtíssimo tempo, um difundido remédio da práxis médica. Na Alemanha, a partir de 1914, sujeitou-se às restrições das condições de produção e de comércio da Lei do Ópio. Uma proibição internacional da produção de heroína, exigida pelos EUA, fracassou nas Conferências de Genebra sobre Ópio, nos anos de 1925 e 1931, por oposição dos representantes da categoria médica, que consideravam a heroína como indispensável para a medicina. Na Alemanha, até 1971, a heroína era um anestésico capaz de circulação e de prescrição (compare de Ridder, 1991, 21 s.). A heroína tem efeito semelhante à morfina e, no corpo, é decomposta rapidamente em morfina. Contudo, a barreira hematoencefálica é mais facilmente permeável para a heroína liposolúvel (solúvel em gordura) do quepara a morfina. Disto resulta, possivelmente – esta constatação é controvertida (compare de Ridder, 1991, 23; Geschwinde, 1996, 242) –, um reforçado perigo de vício. O próximo parentesco químico das referidas substâncias, cujo uso em parte é regulamentado com recurso a penas criminais, em parte é estimulado com ajuda de campanhas de propaganda, já mostra que a criminalização seletiva não é livre de contradições. Para as drogas hoje ilegais pode ser demonstrado que eram legalmente disponíveis em passado não muito distante, e foram diariamente consumidas. E para as drogas hoje legais pode ser demonstrado que foram, temporariamente, desaprovadas e proibidas. Assim, vigia na Prússia, até 1848, uma proibição pública de fumar. No século 17, na Alemanha e Inglaterra, o consumo do tabaco foi perseguido pelo Estado. Não obstante, o tabaco desencadeou a maior epidemia de drogas na história, até hoje (compare Hess, 1987). III. Perigos à saúde por meio de drogas legais e ilegais Um motivo para a criminalização seletiva hoje existente poderia ser buscado em diferentes riscos de saúde, que ameaçam por meio do consumo das referidas substâncias. Mas também aqui se demonstra, que às drogas hoje perseguidas de modo especialmente obstinado, como cannabis ou heroína, são atestados, antes, diminutos riscos de saúde, na mais recente literatura especializada, contanto que estas substâncias sejam consumidas em forma pura (compare sobre cannabis: Quensel, 1989, 386s.; sobre heroína: van Wely, 1989, 305; de Ridder, 1991, 27). Ao contrário, é § 37 - Empiria do consumo de entorpecentes 513 conhecida uma manifesta nocividade à saúde da nicotina e álcool, drogas culturais estabelecidas neste País. Lesões de órgãos por meio do tóxico celular etanol (álcool) são demonstradas cientificamente em múltiplos casos (compare, por exemplo, Feuerlein, 1982, 1380f.). O mesmo vale para os perigos à saúde através da nicotina (compare Shiffmann, 1982, 1384s.; Hess, 1987, 135ff.). Na heroína ou morfina, os resultados sobre danos à saúde são claramente menos inequívocos. Na verdade, consumidores de heroína que vivem na ilegalidade, apresentam muitas vezes um estado de saúde extraordinariamente mau. Isto conduziu a equiparar “heroína” com morte e depauperamento. A maioria dos danos, contudo, são atribuíveis às condições específicas do consumo ilegal. A isto pertencem perigos à saúde mediante problemáticos meios de extensão, que são misturados ao ópio para aumentar o lucro dos comerciantes ilegais. Infecções são causadas por estojos de injeção não esterilizados. Para fins de simplificação do transporte no comércio ilegal, a heroína não é ofertada em líquido, mas em forma cristalina. Pela dissolução da heroína injetada, em ácido acético ou cítrico, as paredes arteriais são agredidas. Danos à saúde e casos de morte são, além disso, atribuíveis a superdosagens, que são praticamente inevitáveis com o oscilante grau de pureza dos produtos ilegais. Sobre os efeitos orgânicos do consumo de heroína ou de morfina, no caso de uso legal de drogas, existem na literatura resultados científicos divergentes. Por um lado, defende-se que estas substâncias conduziriam às mais graves formas de dependência, assim como à decadência física e psíquica (compare, por exemplo, Körner, 2001, C 1, número marginal 62 s.). Por outro lado, em pesquisas mais recentes encontram-se provas de que, após consumo controlado de heroína, nenhuma lesão de órgãos seria registrada. Efeitos lesivos de órgãos, produtores de câncer ou de mutação genética, como são descritos para outros remédios, nicotina ou álcool, não seriam verificáveis (compare Behrendt, 1984; de Ridder, 1991, 27s., com outras referências). Consumidores de ópio que compram drogas de produção controlada e as administram de modo asseado, segundo esta verificação, poderiam conduzir uma vida discreta, socialmente integrada. Diferentes modelos médicos de fornecimento controlado de heroína, na Grã-Bretanha e na Suíça, mostraram que consumidores de heroína estão MARLU Destacar Capítulo 12 - Direito Penal das Drogas514 em condição de levar uma vida cotidiana e profissional amplamente normal (Noller, 1993, 97 s.; Uchtenhagen/Gutzwiller/Dobler-Mikola/Blätter, 1995). O efeito produtor de vício psíquico como também físico da heroína é avaliado igualmente de modo controvertido na literatura especializada. É constatado, de um lado, um efeito de vício psíquico e físico, de ocorrência mais ou menos obrigatória (compare, por exemplo, Körner, 2001, C 1, número marginal 62s.; van Wely, 1989, 307s.), o outro lado distingue padrões de consumo socialmente suportáveis e adequados ao vício, comparável ao consumo ocasional de álcool e ao alcoolismo. Também no caso da heroína, portanto, seriam disseminados os consumidores ocasionais que demonstrariam uma relação controlada com a droga (compare de Ridder, 1991, 25s.). As diferentes avaliações científicas sobre possíveis danos à saúde permitem parecer indicado aconselhar cuidado para a Política de saúde em relação com drogas entorpecentes. Um reforçado esclarecimento sobre perigos de vício e um reforço das ofertas de auxílio terapêutico e social para os dependentes de drogas precisam se tornar pilares fundamentais de responsável Política jurídica e social. Mas, ao mesmo tempo, a insegurança da situação de pesquisa significa, também, que o Estado não tem nenhum motivo para intervir, de modo cada vez mais ofensivo, com o mais agudo de seus instrumentos de controle, o Direito Penal, sobretudo porque aqui os efeitos colaterais contraproducentes deveriam ser indiscutíveis. IV. Potencial do problema social nas drogas legais e ilegais Não se pode comparar, diretamente, os casos de morte por consumo de heroína com o número de mortes pelo álcool, sobretudo porque os consumidores de heroína, em grande parte, são prejudicados pelos efeitos colaterais da ilegalidade, e o consumo de álcool apresenta um grau muito maior de difusão. Contudo, uma confrontação evidencia o maior potencial de problema social nas drogas legais: o número de mortes por drogas caiu, até claramente, nos últimos anos (1980: 494; 1990: 1.478; 1995: 1.565; 1996: 1.712; 1997: 1.501; 1998: 1.674; 1999: 1.812; 2000: 2.030; 2001: 1.835; 2002: 1.513; 2003: 1.477; 2004: 1.385; Polizeiliche Kriminalstatistik, 1980 s.). O número de mortes por álcool é muito maior. MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar § 37 - Empiria do consumo de entorpecentes 515 (Fonte: Drogen- und Suchtbericht 2005, p. 145) Em 2003 morreram 18.115 pessoas de cirrose hepática, no território nacional, pelo que a cifra negra deveria ser considerável (Todesursachenstatistik, 2003). Na decisão da Câmara Penal de Lübeck, sobre a questão de uma possível inconstitucionalidade da proibição de cannabis, o número anual de mortes por álcool na República Federal da Alemanha, inclusive os novos Estados federais, é estimado em 40.000 (StV 1992, 169). Segundo dados do Ministério Federal da Saúde, morrem anualmente 70.000 pessoas por consequência do tabagismo. Quem fuma, por dia, regularmente mais do que 20 cigarros, reduz sua expectativa de vida, em média, 8 anos (compare Grefe, 1990, 81; Shiffmann, 1982, 1384; Hess, 1987). Finalmente, os números daqueles que são dependentes de drogas legais ou ilegais, no sentido de uma doença do vício, mostram igualmente a maior intensidade de problema, no caso das drogas culturais estabelecidas. Doenças do álcool afetam em torno de 2,7 milhões de pessoas, de dependência de medicamentos são afetadas cerca 1,4 milhões de pessoas. O número dos dependentes de drogas pesadas é estimado em até 150.000 afetados (Deutsche Hauptstelle für Suchtfragen e. V., 2005). O mesmo quadro mostra-se nas ordens de grandeza da economia popular: bons 36 milhões de famílias gastaram, em média, naAlemanha, 48,62 marcos por mês e por família, em bebidas alcoólicas, em 1998. O fisco arrecadou cerca de 3,45 bilhões de Euros de impostos relacionados ao álcool, em 2003. O consumo per capita de cerveja estava em 117,5 litros, em 2003; acrescenta-se a isto 19,8 litros de vinho e 5,9 litros de destilados por pessoa e por ano. O ramo de processamento de tabaco lucrou 23,2 bilhões de Euros, no ano de 2003 (Statistisches Jahrbuch, 2003; Deutsche Hauptstelle für Suchtfragen e. V., 2005). MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar Capítulo 12 - Direito Penal das Drogas516 V. Condições sociais de criminalização das drogas Em 1909 foi convocada a primeira Conferência internacional para combate do problema do ópio, em Shanghai. Nas Resoluções de Shanghai foi recomendada a proibição do consumo não medicinal do ópio – contra a oposição da Inglaterra, que comandava a maior indústria do ópio. Em 1911, seguiu-se a Conferência de Drogas de Haia. Os renovados esforços dos EUA para proibição encontraram a ferrenha resistência da indústria farmacêutica. A “Convenção do Ópio de Haia” foi promulgada. Lá foram impostas aos Estados participantes medidas reguladoras para o controle de drogas. A Alemanha recusou a ratificação das conclusões, como único Estado participante da Conferência, e apresentou o requerimento de eliminar a cocaína da lista das substâncias sob controle. A Alemanha era, na época, o principal produtor de cocaína. A produção alemã de cocaína era de 9.000kg anuais; além disso, foram produzidos 12.000kg de morfina e 7.000kg codeína, por ano (compare Scheerer, 1982, 38 s.). A Alemanha, somente depois do fim da 1a Guerra Mundial, nos Tratados de Versalhes, foi obrigada à ratificação da Convenção do Ópio, de Haia. Em 30.12.1920, a Alemanha cumpriu a obrigação decorrente da ratificação do Tratado de Haia e promulgou a primeira lei alemã do Ópio. Esta conferiu ao Ministério da Saúde do Reich direitos de fiscalização sobre o comércio de determinadas drogas. Em caso de infrações contra a introduzida proibição de tráfico, ameaçavam penas de prisão até 6 meses, ou penas de multa até 10.000 marcos. A lei limitava-se ao ópio, morfina, cocaína e heroína, e ainda não se dirigia à cannabis. Com uma alteração da Lei do Ópio, de 21.3.1924, a ameaça penal foi elevada de 6 meses para 3 anos. A indústria alemã de alcalóides foi pouco contida pelas atividades legislativas. Morfina, heroína, cocaína e codeína foram produzidas e exportadas, entre 1921 e 1928, com grandes taxas de crescimento, principalmente na forma daquelas substâncias que não recaíam sob o controle da Lei do Ópio (por exemplo, codeína). A intensidade de persecução permaneceu pequena, nos anos 20: anualmente, foram condenados com trânsito em julgado, entre 100 e 300 pessoas, segundo a Lei do Ópio. Em 1929, sucedeu a “Lei sobre o Tráfico de Entorpecentes”. Agora, também o cânhamo indiano (cannabis) caiu sob as determinações da Lei de Drogas. Através de uma autorização para decretos legais, novas substâncias puderam ser submetidas à Lei de Drogas. Até 1968, os números de condenações anuais permaneciam abaixo de 350 pessoas. No final dos anos 60, o consumo de drogas cresceu em importância – de início, isto dizia respeito principalmente aos produtos de cannabis. Simultaneamente, desenhou-se na opinião pública a imagem de um dramático problema social. “O abuso de entorpecentes (...) ameaça alcançar uma extensão perigosa. (...) Igual a uma epidemia, espalha-se mais § 37 - Empiria do consumo de entorpecentes 517 e mais também na República Federal da Alemanha”, assim soavam as razões oficiais para a alteração da Lei de Drogas (BT-Drucksache VI/ 1877, 5). A intensificação da persecução penal, vinculada com isto, era também influenciada pelas novas características do movimento de drogas e do cenário de drogas. Muito diferente dos socialmente integrados consumidores de morfina, que cultivavam um discreto vício de drogas, os modernos consumidores procuravam diretamente o espaço público. O consumo de haxixe tornou-se símbolo de resistência de movimentos sociais de protesto e provocou ‘debates de representantes’ da Política de drogas (compare Scheerer, 1982, 62 s.). Até o ano de 1978, o número de condenados, segundo a Lei de Drogas, já estava em 10.426 (Strafverfolgungsstatistik, 1978). A justificativa oficial para a Lei de Drogas de 1972 destacou que a legislação serviria ao objetivo de “pôr um termo à onda de entorpecentes na República Federal da Alemanha e, com isto, afastar grandes perigos do indivíduo e da coletividade. (...) Trata-se, finalmente, de não deixar ameaçar a capacidade de função da sociedade” (BT-Drucksache VI/ 1877, p. 5). Nos atribuídos perigos para a “capacidade de função da sociedade”, assume expressão a reavaliação qualitativa do problema. VI. Atual discussão político-criminal de reforma No final de 1989, foi decidida pela União e Estados a elaboração de um “Plano Nacional de Combate aos Entorpecentes”, que foi votado em junho de 1990. Este plano pretende considerar, em especial, as dimensões da “criminalidade organizada” (compare, sobre isto, § 43 abaixo), as imensas vendas e lucros no negócio de entorpecentes, mas também a ameaça de muitos Estados e regiões econômicas pelo capital e poder da “criminalidade organizada”. Ao lado da intensificação de esforços preventivos e terapêuticos, a ênfase das propostas consiste no reforço das competências de investigação e dos recursos de investigação policiais, assim como na expansão e agravamento da intervenção jurídico penal. Outras iniciativas político-jurídicas, a respeito das esperanças que são postas em estratégias repressivas, são antes cépticas. Assim, é propagado o caminho, indicado pela própria lei, da abstenção de pena, às vezes é recomendada renúncia de investigação (compare Hellebrand, 1990). MARLU Destacar Capítulo 12 - Direito Penal das Drogas518 Em parte, é exigido completar ou substituir a abstenção de pena por uma renúncia parcial da persecução legalmente normatizada, perante os consumidores (compare Allmers, 1991, 43 s.). A orientação de não começar ao nível da tipicidade, no caso de renúncia da pena, mas, em lugar disso, de remeter para instrumentos processuais penais, também escolheu o Tribunal Federal Constitucional, quando teve de decidir, em 1994, por causa de várias decisões precedentes, sobre a constitucionalidade da punibilidade da relação não permitida com produtos de cannabis. Em uma decisão (7:1), mesmo a punibilidade da relação com mínimas quantidades de cannabis, destinadas ao consumo próprio, foi declarada como adequada à Constituição (BverfGE 90, 145 s.). Uma lesão da proibição de excesso, por causa das possibilidades legais de abstenção da pena, segundo o § 29, seção 5 da Lei de Drogas, ou de abstenção da persecução penal (§§ 153 s., do Código de Processo Penal, § 31a da Lei de Drogas), não existiria nestes casos (sobre a decisão, compare Böllinger, 1994). Também o princípio da ausência de punibilidade da autolesão é colocado no primeiro plano, pelo qual devem permanecer impuníveis aquelas infrações que não ameaçam terceiros (Körner, 2001, § 29 número marginal 1078 com outras referências; compreensivo e crítico Nestler, 1998, número marginal 97 s.). As exigências mais amplas objetivam a liberação das drogas, no sentido de uma “venda livre, sob o controle de um monopólio estatal” (Thamm, 1989, 385s.; Reeg, 1989). Esta legalização das drogas entorpecentes abriria espaço para uma política de drogas, que não seria melhor, mas também não seria pior do que as tentativas de conter o consumo do álcool e do tabaco, e de controlar o mercado farmacêutico. Contra tendências de descriminalização no âmbito das drogas é objetado que seriam defensáveis, quando muito, na coordenação internacional, em especialeuropeia, para evitar efeitos reflexos (Kreuzer, 1989). A objeção parece justificada. A República Federal da Alemanha, contudo, não estaria isolada com projetos correspondentes, como comprovariam exemplos da Grã-Bretanha, da Suíça e da Holanda (compare também Kreuzer, 1998, 672 s.). Ademais, uma comparação dos diferentes instrumentais jurídico- penais na Europa mostra que a Lei de Drogas alemã, também segundo modelos estrangeiros (por exemplo, Espanha, Holanda), poderia ser MARLU Destacar MARLU Sublinhado § 37 - Empiria do consumo de entorpecentes 519 configurada de forma mais liberal, sem empreender um caminho nacional isolado (H.-J. Albrecht, 1991; 1998, número marginal 49 s.). Mediante a escalação da problemática de drogas ocorreu, ao nível internacional, uma série de conferências e acordos. Em 1987, aconteceu em Viena a 1a Conferência Mundial de Drogas. Nesta Conferência, 138 Estados promulgaram um compreensivo catálogo de medidas multidisciplinares para o futuro combate das drogas. Em 1990, realizou-se em Londres a 2a Conferência Mundial de Drogas. Em uma declaração conclusiva, “The London Declaration”, foi enfatizado que precisaria ser concedido maior prioridade e mais dinheiro à prevenção, ao esclarecimento e ao tratamento de dependentes. Embora, atualmente, domine a proibição jurídico-penal na política universal de drogas, são discutidos, cada vez mais, os aspectos não repressivos, mesmo por organizações internacionais. Claramente, também a Organização Mundial da Saúde (OMS) começa a repensar a problemática das drogas. Uma mudança de pensamento na Política de drogas federal poderia ser vista no seguinte, que o governo da República quer colocar os Estados federados em condição de poder conceder apoio de promoção da saúde dos dependentes de drogas, por meio do novo § 10 a da Lei de Drogas. Se nisto é de se ver uma “virada na política de drogas”, que deve ser dirigida, no futuro, primariamente à prevenção e ao esclarecimento, assim como ao auxílio para dependentes de drogas, o futuro irá mostrar. Áreas de salubridade e programas terapêuticos com apoio em heroína, para dependentes graves, podem ser assegurados juridicamente, sob determinadas condições, obscuridades e desigualdades na interpretação dos órgãos de persecução penal, em relação à “pequena quantidade” no caso de produtos de cannabis, podem ser eliminadas. A Política de drogas do governo federal apoia-se – ao lado dos objetivos tradicionais –, agora também no princípio da ajuda de sobrevivência (por exemplo, em forma de espaços de consumo de drogas, auxílio de emergência). A meta é a redução dos danos à saúde. A ajuda de sobrevivência dirige- se a pessoas de dependência gravíssima, cuja sobrevivência vale primeiro garantir, antes de poder ser assumido um tratamento efetivo. No quadro desta política de aceitação (parcial) de drogas, no ano de 2002 foi iniciado o “Projeto-modelo para tratamento baseado em heroína de dependentes de ópio”, com projeção para três anos, com 1.032 pacientes, ao todo. Em sete grandes cidades (Bonn, Frankfurt/M., Hamburgo, Hannover, Karlsruhe, Köln, Munique), dependentes gravíssimos recebem heroína injetável, MARLU Sublinhado Capítulo 12 - Direito Penal das Drogas520 como medicamento. Um grupo de controle recebe, paralelamente, o meio substitutivo metadona. Ao lado do tratamento medicamentoso e do acompanhamento médico, os testados são cuidados de modo psicossocial. O objetivo do estudo é verificar se as metas terapêuticas podem ser melhor alcançadas com a prescrição médica de heroína farmacologicamente pura, para determinados grupos de dependentes de heroína, em um ambiente de tratamento estruturado e controlado, em comparação com alternativas terapêuticas estabelecidas (substituição por metadona). A avaliação científica do estudo é esperada após o término da fase de tratamento (não antes do final de 2005) (Drogen- und Suchtbericht 2005, 80s.; BT-Drs. 15/3559 de 5.7.2004; www.heroinstudie.de). Não obstante, deveria ser plausível atribuir a considerável redução de casos de morte após consumo de drogas entorpecentes também a este princípio de ajuda de sobrevivência. § 38. Premissas de reforma e propostas de reforma Literatura: Behr, H.-G. e outros. Drogenpolitik in der Bundesrepublik, 1985; Hassemer, W., Stellungnahme zum Entwurf eines Gesetzes zur Bekämpfung des ilegalen Rauschgifthandels und anderer Erscheinungsformen der organisierten Kriminalität (OrgKG), KJ 1992, 64ff.; Hessische Kommission “Kriminalpolitik” zur Reform des Strafrechts: Rechtsgüterschutz durch Entkriminalisierung, Albrecht, P.-A./ Hassemer, W./ Voss, M. (editores), 1992; Quensel, St., Wirkungen und Risiken des Cannabisgebrauchs, in: Scheerer, S./ Vogt, I. (editores), Drogen und Drogenpolitik. Ein Handbuch, 1989, 379ff.; Nestler, C., Grundlagen und Kritik des Betäubungsmittelstrafrechts, in: Kreuzer, A., Handbuch des Betäubungsmittelstrafrechts, 1998, 697ff.; Trautmann, F., Akzeptierende Drogenarbeit in Amsterdam – Wie fortschrittlich ist die niederländische Drogenpolitik?, KrimJ 1989, 126ff. I. Transformação da política internacional de drogas A longo prazo, está em discussão uma completa transformação da política nacional e internacional de drogas, que coloca em primeiro plano a prevenção, a precaução e conservação da saúde, e renuncia amplamente à proibição jurídico-penal. Sobre isto, não pode ser silenciado, contudo, que as consequências da proibição são conhecidas, mas não as consequências da antiproibição. Os receios, repetidamente ouvidos neste contexto, de que a legalização das drogas levaria a um aumento do consumo de drogas e dos consumidores de drogas, a uma acessibilidade de drogas também para adolescentes e crianças, ao aumento de atos violentos cometidos em § 37 - Empiria do consumo de entorpecentes 521 embriaguez de drogas, como também ao aumento de mortes por drogas, devem ser tomados inteiramente a sério, especialmente porque tais consequências não são avaliáveis nem qualitativa, nem quantitativamente. Por este motivo é recomendado, na discussão político-criminal, uma descriminalização das drogas com diferentes etapas normativas. Existe amplo consenso neste ponto, que a descriminalização da relação com drogas pelos viciados (ou pelos consumidores de drogas não viciados) precisa andar junto com a controlada entrega, indicada por médicos, de entorpecentes ou substâncias substitutivas. Isto seria um primeiro passo, limitar as chances de mercado para o comércio ilegal de drogas. Se as necessidades dos consumidores podem ser satisfeitas mediante possibilidades legais, subsiste quase nenhuma necessidade para possibilidades ilegais. Sobre a questão dos custos da entrega controlada de meios entorpecentes ou de substâncias substitutivas por organizações estatais, é de se considerar que muitos dependentes de drogas já estão sem vínculos sociais e, mesmo assim, também custeiam sua subsistência da assistência social estatal. É ponderado na discussão, também, que ao lado do álcool, que é aceito culturalmente desde muito, a sociedade não poderia suportar uma segunda droga – sem consequências graves para a saúde do povo. Mas este argumento somente pode convencer, se a proibição de drogas realmente limitasse o consumo de drogas. Que isto não é assim, mostraram as experiências dos últimos anos. Também seria de se fazer uma análise de economia popular dos diferentes projetos sobre drogas. Até agora isto acontece, quando muito, em rudimentos. Neste contexto, também precisa ser visto o fator de alívio da antiproibição produzido para os órgãos de persecução penal. Não existe nenhuma dúvida de que a descriminalização das drogas prestaria amplamente a mais efetiva contribuição para o desencargo da Polícia e da Justiça. Neste caso, fica evidente que a retirada da Polícia e da Justiça doâmbito do combate às drogas torna necessária uma reforçada mobilização dos órgãos sociais e dos órgãos de saúde. Objetivo da descriminalização e da legalização não é o “gozo sem remorso”, ou o “direito ao êxtase”, mas o esforço constante para afastar da droga os viciados, na medida em que lhes é oferecida ajuda terapêutica e eles são apoiados para mudar e estabilizar sua situação de vida. Ao mesmo tempo, a população estaria eficazmente MARLU Sublinhado MARLU Destacar Capítulo 12 - Direito Penal das Drogas522 protegida da criminalidade de aquisição e da criminalidade consequente, que o tráfico ilegal de drogas obrigatoriamente traz consigo. II. Premissas de reforma da Política de drogas Sobre a base destas considerações, pode-se formular três premissas de reforma da política de drogas: 1a Premissa: princípio de prevenção e princípio de intervenção da Política de saúde como missão do Estado Social Pertence aos objetivos da política de saúde do Estado reduzir a ameaça do cidadão por substâncias viciadoras. Para isto, aqueles que não são dependentes de drogas devem ser impedidos do consumo de drogas mediante esclarecimento e através de modernas estratégias de propaganda (“princípio de prevenção da política de saúde”). Para aqueles que já são dependentes, em caso de necessidade, deveriam ser concedidas drogas sob controle médico, com o objetivo de resguardá-los dos perigos do consumo ilegal de drogas e de libertá-los, em médio ou longo prazo, da dependência do consumo de drogas lesivo da saúde (“princípio de intervenção da política de saúde”). 2a Premissa: no Estado de Direito, a autolesão deve ser enfrentada, primariamente, por meios de controle não repressivos Não existe no Estado de Direito – além dos instrumentos de proteção da juventude – nenhum motivo estatal para impedir autolesões propositais dos cidadãos (compare também Nestler, 1998, 739 s.). Existe somente o caminho da razão convincente, acompanhado por controle de acesso regulador, de operacionalização não repressiva, às substâncias danosas. A isto pertencem instrumentos econômicos como contribuições, impostos ou monopólios estatais de disposição. 3a Premissa: combate à desgraça da droga por intervenção econômica O comércio ilegal de entorpecentes segue as leis do mercado. Pretendendo- se controlar o comércio de drogas e o consumo de drogas com isto vinculado, então os imperativos econômicos precisam ser influenciados. Mediante MARLU Destacar § 38 - Premissas de reforma e propostas de reforma 523 uma controlada entrega estatal de drogas aos viciados, os preços de mercado das drogas podem ser dizimados e as margens de lucro de produtores e traficantes podem ser reduzidas. Através disto, a longo prazo, o mercado de drogas poderia perder interesse para o comércio ilegal. Regulamentação da oferta e controle de acesso estariam então à disposição responsável de órgãos estatais. Semelhante à produção de produtos farmacêuticos, o Estado ficaria com a possibilidade de controle do produto. III. O fracasso de controle do Direito Penal Sobre a base dessas premissas, é de se questionar criticamente o emprego do Direito Penal. Aqui, princípios radicais já são amplamente problematizados, do ponto de vista político-criminal. 1. Direito Penal como comprovada estratégia contraproducente da política de drogas A tentativa de proteger pessoas de autolesão com os instrumentos do Direito Penal demonstrou-se como contraproducente. O Direito Penal e a persecução penal agravam os problemas que afirmam combater. Impelem os dependentes para a miséria social e desintegração, para a decadência psíquica e física, para a estigmatização e carreiras criminais. A criminalização produz o mercado negro, com extremas margens de lucro no comércio ilegal, com a criminalidade de aquisição e com perigos para o corpo e a vida dos dependentes. Uma reforma da política de drogas, que tem por objeto um agravamento da persecução penal, está necessariamente condenada ao fracasso. Criminalidade de drogas e miséria da droga não são causa, mas indesejados efeitos colaterais de medidas repressivas. Intervenções ao nível da produção de drogas estão além das possibilidades de controle do Estado nacional. Incentivos econômicos para substituição do produto fracassam, ante as elevadas chances de venda e preços elevados, que o mercado ilegal garante. No passado, as intervenções ao nível do comércio ilegal, tanto mediante ação sobre mercadorias, quanto mediante ação sobre pessoas, não provocaram nem crises de abastecimento, nem destruíram organizações de comércio. MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar Capítulo 12 - Direito Penal das Drogas524 Contra a tese dos efeitos contraproducentes do Direito Penal, no âmbito das drogas, não raro é objetado que o Direito Penal desestimularia, já por sua existência, do cometimento de fatos puníveis (prevenção geral negativa). Para este suposto efeito, contudo – especialmente do Direito Penal das Drogas –, não existem provas empíricas (compare acima § 5). Em face da expectativa dos efeitos geral-preventivos do Direito Penal, com vista a situações psicossociais problemáticas, o efeito contraproducente da persecução penal estatal é de ser avaliado como tão importante, que de agora em diante, nesta área, deveria ser dada prioridade a uma descriminalização. 2. Irreparável autolesão do Estado de Direito mediante agravada repressão jurídico-penal A própria ordem jurídica sofre danos, quando tenta invadir a área da disposição altamente pessoal do ser humano sobre si mesmo. Neste caso, a ordem jurídica precisa servir-se de instrumentos de investigação e de métodos, que destroem, necessariamente, o princípio da livre autodeterminação: investigadores secretos, registros acústicos ou óticos na esfera privada são os arautos de um repressivo Direito Penal de Vigilância, que sacrifica garantias do Estado de Direito à suposta eficiência da persecução (compare Hassemer, 1992; Nestler, 1998, 824 s.). IV. Propostas da Comissão de “Política criminal” do Estado de Hessen para reforma normativa do Direito Penal de entorpecentes As reflexões apresentadas levaram, em 1992, a Comissão de “Política Criminal”, constituída pelo governo do Estado de Hessen, às seguintes propostas político-criminais. A Comissão recomendou – na verdade, somente após experiência suficiente, empiricamente garantida, com as etapas propostas –, um monopólio estatal de venda de drogas entorpecentes, até então insuscetíveis de comércio. 1. Distribuição estatal controlada de drogas como intervenção de política de saúde Proposta da Comissão de Hessen para os §§ 3, 12 e 29, seção 1, n. 1 da Lei de Drogas: como exceção à proibição legal de distribuição de entorpecentes MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar § 38 - Premissas de reforma e propostas de reforma 525 é de se possibilitar a distribuição controlada, clinicamente indicada de entorpecentes e substâncias substitutivas aos dependentes, através de órgãos de saúde e entidades de orientação sobre drogas reconhecidas pelo Estado. Esta proposta da Comissão segue o entendimento de que a distribuição de drogas a viciados representa um mandamento obrigatório de assistência à saúde e um imperativo do Estado Social, para reduzir a evidente miséria social e individual dos dependentes de drogas. O comércio com drogas, que tem lugar além da distribuição estatal controlada, permanece punível, de forma inalterada. Algumas das sugestões recomendadas, nesse meio tempo, encontraram ingresso nas alterações da Lei de Drogas, por exemplo, através do § 10 a, dessa lei. Somente a distribuição controlada pode quebrar a economia da ilegalidade do mercado de drogas. Porque os preços extremamente altos do mercado negro não são financiáveispelos rendimentos do trabalho legal, a ilegalidade conduz obrigatoriamente a uma elevada criminalidade de aquisição, ameaçadora da coletividade. Além disso, a criminalização da produção de drogas e da distribuição de drogas impede um controle dos processos de produção e de composição do produto. Os riscos ameaçadores da vida, que resultam da composição desconhecida das drogas, são descarregados sobre o consumidor. Estes efeitos resultantes do mercado ilegal de drogas poderiam ser evitados, ou fortemente limitados, mediante uma distribuição controlada de entorpecentes aos viciados, através de instituições estatais. As subculturas criminais poderiam ser dissolvidas, os dependentes poderiam ser libertados das indignas condições de vida humana e integrados na sociedade. Os cidadãos seriam protegidos, em muito maior extensão do que até agora, da ameaça da criminalidade acessória dos dependentes de drogas. Para a Polícia e a Justiça Penal ocorreria um evidente efeito de alívio. Os primeiros passos para uma distribuição controlada de entorpecentes aos viciados são a expansão dos programas de substituição existentes (metadona) e o suprimento dos dependentes com seringas descartáveis. 2. Descriminalização de drogas pesadas relacionada à pessoa Proposta da Comissão de Hessen para o § 29, seção 1, n. 1 da Lei de Drogas: aquisição e posse de entorpecentes em pequena quantidade para consumo próprio, segundo concepção de uma parte da Comissão, não mais deveriam ser puníveis (descriminalização); segundo a opinião de outros membros da Comissão, ponderações de oportunidade deveriam ser convertidas pela práxis judicial, de modo mais consequente do que até agora (despenalização). MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar Capítulo 12 - Direito Penal das Drogas526 A existente criminalização indireta de consumidores dependentes de entorpecentes, através da punibilidade da aquisição e da posse, está em contradição tanto com o princípio da impunível autolesão, como também com um manejo político-terapêutico de saúde do problema das drogas. Em terapias de drogas, que são oferecidas sob as condições contextuais de um processo penal ou de uma pena privativa de liberdade, as finalidades da punição e as exigências do processo estão em uma relação inadequada com as necessidades terapêuticas. Afinal, o consumidor de drogas dependente, ameaçado pela criminalização e, através desta, extorquível a qualquer momento, é o melhor garante para a proteção e a continuidade do comércio ilegal e dos altos lucros do mercado ilegal. Somente mediante uma descriminalização dos delitos de consumo é possível romper o mercado ilegal e reagir significativamente contra as estruturas organizadas do comércio de drogas. Na verdade, com esta regulamentação proposta, o acesso ao consumo de drogas é ampliado de modo considerável, jurídica e faticamente. Ao mesmo tempo, contudo, pela primeira vez é possível o acesso direto ao consumidor, para aconselhamento de aplicação preventiva da saúde (analogia para aconselhamento de AIDS, com vista à proteção do contágio) e ofertas de terapia ofensiva. A Comissão adverte, por clareza, que uma renúncia da persecução penal no trato com drogas entorpecentes precisa obrigatoriamente andar junto com sistemático e abrangente esclarecimento e conselho. O consumo precisa ser socialmente denunciado, mas não o ser humano que consome drogas. 3. Descriminalização específica de drogas leves Proposta majoritária sustentada pela Comissão de Hessen para o Anexo I da Lei de Drogas: os produtos de cannabis devem ser eliminados da lista contida no Anexo I da Lei de Drogas. A descriminalização dos produtos de cannabis apresenta-se como o primeiro passo de uma retirada do Direito Penal do controle de drogas. Nem são conhecidos efeitos importantes danosos da saúde, após o consumo de cannabis, nem conduziram, até agora, os preços e margens de lucro comparativamente menores no comércio de cannabis, a uma manifesta subcultura criminal ou a consequências sociais danosas para os consumidores. Também a chamada “tese da iniciação”, pela qual o consumo de cannabis torna provável uma ascensão para a heroína, entretanto, vale como ultrapassada na literatura especializada (compare, por exemplo, Trautmann, 1989, 129). Já a simples contraposição do número estimado de consumidores de cannabis e de consumidores de heroína (cerca 4 milhões versus 150.000) mostra que somente uma pequena parte dos consumidores de drogas leves migra para uso de derivados do ópio. Sob referência a um parecer do diretor da Clínica Psiquiátrica MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar MARLU Destacar § 38 - Premissas de reforma e propostas de reforma 527 da Universidade de Zurique, indica Behr que apenas 1% dos consumidores de cannabis, aproximadamente, teriam realizado uma mudança para drogas pesadas. Esta transição seria explicável, antes, por conexões psíquicas e sociais, do que por uma função de impulsão das drogas leves (compare Behr, 1985, 84; ver também Quensel, 1989, 391). A descriminalização de produtos de cannabis pode ser compreendida como fase de prova e fase de experiência para verificar, em larga escala, e para avaliar, do ponto de vista político-jurídico e político-social, as consequências da liberação ampliada de drogas. O mercado, isto é, as estruturas de comércio e de distribuição, poderia ser observado e fiscalizado, eventualmente, também ser regulamentado por intervenções estatais. Alterações no comportamento de consumo da população, especialmente entre adolescentes, poderiam ser investigadas e influenciadas por manipulação de imagem (propaganda negativa). Finalmente, uma tal fase de experiência precisaria ser acompanhada por intensiva pesquisa de efeitos do ponto de vista social, médico, criminológico e da Justiça penal. Permaneceria intocada pela descriminalização a punibilidade dos condutores de veículos que, em consequência do consumo de produtos de cannabis, são incapazes de dirigir. Pois os correspondentes §§ 315 c, 316 CP, não diferenciam se a incapacidade de direção se baseia na ingestão de entorpecentes proibidos ou permitidos. Não é conhecido, até agora, que já um pequeno consumo de produtos de cannabis também prejudica a capacidade de direção, de modo comparável a um consumo de álcool, com a consequência de uma concentração alcoólica no sangue de 0,5 milésimos. Em uma pesquisa de laboratório e de campo da Universidade de Maastricht, formulada de forma sistemática e metódica, pela primeira vez, em 1993, pôde ser verificado que consumidores de cannabis, ao contrário de motoristas alcoolizados, praticavam uma condução de veículos mais prudente, que pode compensar eventuais danos à capacidade de dirigir (Nestler, 1998, 800 s. com outras referências). Contudo, se pesquisas futuras devessem comprovar tais danos, então seria de pensar em criar um preceito para o consumo de cannabis, correspondente ao § 24 a da LCT (contravenção de ordem), para conceder, com isto, no futuro, aos interesses de segurança pública do trânsito, a mesma posição relativa ao motorista alcoolizado. Somente após a existência de correspondentes experiências a respeito de política de saúde, de política social, de Política criminal e econômica é ponderável, na visão da parte majoritária da Comissão, instituir um monopólio estatal de venda para drogas entorpecentes até agora insuscetíveis de comércio, além de mecanismos coercitivos criminalizadores. Este monopólio estatal de venda poderia substituir o até agora contraproducente princípio da repressão, por um efetivo princípio de prevenção e de intervenção de política de saúde, fundada em autorresponsabilidade. MARLU Destacar MARLU Destacar
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