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Aulas 1 a 10 - Literaturas africanas

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LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Aula 1: Panorama Histórico-Cultural da África
	
Ao final desta aula, você será capaz de:
1- Definir uma visão não exótica da África;
2- Descrever a história antiga dos povos africanos sob outra perspectiva;
3- Julgar as origens das ideias distorcidas sobre a África, divulgadas através da visão do colonizador e mantidas por notícias veiculadas pelos meios de comunicação;
4- Reconhecer as identidades culturais africanas, antes da chegada do colonizador
Panorama geográfico
O continente africano possui uma superfície de 30.264.000 km². Apesar de sua extensão, a África é um continente pouco povoado: sua densidade demográfica é de 17 habitantes por quilômetro quadrado. 
As zonas desérticas, as montanhas da África oriental e o litoral ocidental sul são regiões praticamente desabitadas, enquanto que as costas mediterrâneas e do golfo da Guiné, os planaltos orientais e os litorais do sul e do sudeste do continente abrigam as maiores concentrações humanas.
Os povos africanos dividem-se em muitas etnias. Consta que o povo africano mais antigo viveu no Egito, há 5 mil anos, no vale do Rio Nilo. Essa civilização teria sobrevivido por 2 mil anos, deixando heranças culturais importantes, como os túmulos reais e as pinturas. Outra importante civilização foi a Núbia (750 a.C.), que vivia entre o Nilo Branco e o Nilo Azul (onde se localiza atualmente o Sudão).
Por essa diversificação étnica, encontramos também muitas línguas diferentes faladas na África: o árabe, o banto, o suaíle (de origem banto, mas usada como língua comercial na África Oriental), o africâner (República da África do Sul) e, ainda, as línguas introduzidas pelos colonizadores, como o inglês, o francês e o português. É preciso registrar que esses grandes grupos linguísticos se dividem em muitas outras línguas, praticadas pelas diversas etnias africanas.
É comum a divisão do continente entre África branca, ao norte do Saara, onde vive uma população formada pela raça mediterrânea, e África negra, ao sul do Saara, com uma variada população, destacando-se: os pigmeus das selvas equatoriais; o grupo khoi-san, que vive nos desertos e planaltos meridionais; os sudaneses das savanas da zona boreal; o grupo banto, mais numeroso da África central e austral.
Religião
Há três grandes grupos religiosos: o islamismo, o cristianismo e as religiões animistas (que, no contexto africano, significa considerar que todos os seres da natureza são dotados de vida e têm uma finalidade específica no universo).
Política
A maior parte dos países africanos ainda vive em condições de pobreza e subdesenvolvimento devido ao clima, muitas vezes desfavorável, e à falta de uma infraestrutura econômica, herança do recente colonialismo. 
Porém, a África é rica em recursos minerais e seus inúmeros rios e lagos oferecem um potencial hidrelétrico capaz de impulsionar o desenvolvimento industrial.
Importância antropológica
As pesquisas científicas recentemente divulgadas garantem que a origem do homem está no continente africano. Isso confirma o que historiadores e cientistas já haviam estabelecido: a contribuição da África para o desenvolvimento da humanidade é inegável.
A escrita em hieróglifos registrou vastos conhecimentos científicos, religiosos e filosóficos, antes mesmo da Grécia antiga. Os egípcios tinham avançado muito nas áreas da astronomia, da arquitetura e da matemática, o que facilmente se comprovou com o estudo das pirâmides. O calendário egípcio foi elaborado em 4241 a.C.
 E não é só por contribuições antigas que o ocidente deve aos africanos o seu legado cultural: o cubismo, movimento artístico que consagrou definitivamente Pablo Picasso, teve inspiração em esculturas primitivas africanas.
A história de África conheceu também muitas mulheres guerreiras e estadistas que enfrentaram os colonizadores europeus, como a rainha N’Zinga, em Angola, e a rainha Yaa, em Gana.
“Essa visão distorcida de África, que ainda permanece no imaginário do Ocidente, tem origem no colonialismo. No século XV, iniciou-se a exploração europeia das costas ocidentais africanas, resultado das expansões marítimas e da busca por caminhos que levassem à Ásia, especialmente à Índia. Portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses competiram pelo domínio da nova rota.”
Apesar de tudo isso, a África ainda é vista como um continente atrasado. Por que será? 
Essa visão distorcida de África, que ainda permanece no imaginário do Ocidente, tem origem no colonialismo. No século XV, iniciou-se a exploração europeia das costas ocidentais africanas, resultado das expansões marítimas e da busca por caminhos que levassem à Ásia, especialmente à Índia. Portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses competiram pelo domínio da nova rota. Em 1415, Ceuta, importante centro comercial da África do Norte, foi conquistada. Em 1437, uma fragosa derrota no Tanger não inibe a expansão colonial e, em 1441, os portugueses aportam em um rio batizado “Do Ouro” e começam a explorar o ouro africano e a consolidar o tráfico negreiro. Bartolomeu Dias chegou ao extremo sul do continente em 1489, e Vasco da Gama contornou a África e foi até a Índia em 1498. Assim, os europeus conhecem povos da costa africana oriental. A partir do século XIX, os interesses econômicos dos europeus voltaram-se para a África, tendo início a exploração das terras africanas. O Reino Unido ocupou uma faixa vertical, do Egito à África do Sul, além de regiões no golfo da Guiné; a França, o norte-ocidental do continente, parte da África equatorial e Madagascar; a Alemanha, o Togo, Tanganica e Camarão; a Bélgica, o Congo; a Itália, Líbia, Etiópia e Somália; a Espanha, parte do Marrocos, Saara Ocidental e encraves da Guiné: e Portugal ocupou Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e as ilhas de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. A conferência de Berlim de 1884-1885 estabeleceu a partilha do continente e firmou o princípio da ocupação efetiva das terras, a fim de legitimar a posse das colônias. O violento processo colonial acarretou a destruição ou drástica modificação de sociedades africanas sistematizadas. Os portugueses entraram em contato com povos islamizados, atacando-os e vendendo-os como escravos em Portugal, Espanha ou no norte da África. Avançaram por outros territórios, consolidando seu processo de dominação. Embora a escravidão seja uma prática condenável, independente de seus métodos ou objetivo final, devemos informar que o conceito de escravidão, para os africanos, não se assemelhava ao interesse mercantilista praticado na Europa. Os africanos mantinham escravos para sua sobrevivência e domínio sobre determinada região. Com a chegada do europeu, no entanto, tribos africanas passaram a comercializar escravos apreendidos. 
Fonte: http://amor.criarumblog.com/Primeiro-blog-b1/Colonialismo-africano-b1- p60046.htm
Os povos europeus imaginavam ocupar o centro da Terra. Ao sul das margens conhecidas da humanidade, existia, para eles, a África, ou, como diziam então, a Etiópia, terra habitada por etíopes (negros). A Etiópia seria uma terra inabitável pelos brancos devido ao imenso calor, e quem lá vivia eram seres monstruosos, “os homens de faces queimadas”.
A esse pensamento dá-se o nome de etnocentrismo. A visão etnocêntrica do mundo fazia com que os europeus desconsiderassem qualquer outra forma de sociedade e negassem fisionomias que não se assemelhassem à sua própria aparência.
A cor negra era associada ao mal. Muitos escritos davam conta da existência de figuras assombrosas existentes na África. No século XI, Vicente de Beauvais, dominicano francês, escreveu que o clima quente deixava os “etíopes” (negros) sujeitos a doenças diversas.
As parábolas medievais, apresentadas durante as missas, apresentavam a figura de Satã “negra como um etíope”. Ao contrário, os anjos eram sempre brancos. E a África, terra quente, era associada ao Inferno. Também no mundo árabe, autores como Al-Kindi usavam argumentação semelhante para explicar as particularidadesfísicas dos povos da costa oriental de África: “Sendo quente o país, os corpos celestes exercem sua influência e atraem os humores para as partes superiores do corpo. Daí os lábios pendentes, o nariz achatado e grosso [...] a ausência de inteligência” (PRIORE, Mary Del, VENÂNCIO, Renato Pinto. Ancestrais – uma introdução à história da África atlântica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 58). 
SAIBA MAIS
Na “Carta de Pero Vaz de Caminha”, os índios brasileiros são descritos como tendo “bons narizes”, o que, evidentemente, é uma comparação com os negros africanos. E, ainda, autores medievais retomavam o Livro do Gênesis para explicar a existência dos negros. Cã, segundo filho de Noé, teria se gabado de ver o sexo do pai quando ele estava bêbado. Noé, para castigar o filho, amaldiçoou Canaã, filho de Cã. Lendas da Idade Média contavam, então, que os descendentes de Canaã foram viver em terras iluminadas por um sol que os queimava, tornando-os negros.
Sobre o tipo etnocêntrico
É preciso ressaltar que não havia inocência na propagação desses discursos. Eles ajudavam a justificar a escravidão do ponto de vista do cristianismo. E consolidaram os estereótipos que, ainda hoje, são direcionados aos negros. Escritos de viajantes europeus confirmavam isso. Maco Pólo, por exemplo, referiu-se aos habitantes de Zanzibar como “a coisa mais feia do mundo a ser vista”. E a falta de fronteiras entre homens e animais construía a ideia de que os africanos estavam retrocedendo à animalidade.
 
A formação desses discursos mantém os povos do continente africano vítimas de preconceitos. Já no século XX, surge o tarzanismo, visão da África a partir da figura de Tarzã, que apresenta o continente como exótico. Muitos filmes americanos perpetuaram a imagem das terras africanas como inóspitas e cheias de animais selvagens, habitadas por gente estranha e praticante da magia.
Não devemos nos esquecer, no entanto, que esses países africanos ainda não conseguiram se organizar após a independência, ocorrida no século XX. As mazelas sociais de hoje, em boa parte, têm sua origem na colonização. Inclusive algumas práticas consideradas desumanas são consequências de ideias introduzidas pelo europeu, como a superioridade do homem sobre a mulher.
O estudo das literaturas africanas de língua portuguesa – desfazendo os estereótipos
A Lei Federal 10.639/2003 tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira nos níveis fundamental e médio. O objetivo dessa iniciativa é mudar nossas ideias sobre a África, vindas do colonizador europeu e difundidas pela mídia. 
É preciso colocar em evidência toda a riqueza histórica e cultural do continente africano, além de reconhecer que a nossa história funde-se com a história dos africanos.
Aula 2: Panorama Histórico-Cultural da África
	
		Ao final desta aula, você será capaz de:
1- Identificar os fundamentos que compõem o proprium africano;
2- Reconhecer os valores culturais da África;
3- Avaliar a organização social dos povos africanos.
	
Princípios fundamentais do proprium africano
O proprium africano
Proprium africano é o conjunto de valores autóctones, ou seja, primitivos, genesíacos, que compõem o homem e o universo africano. É a identidade dos povos africanos, sem o contato com o branco colonizador. 
Princípios Fundamentais do Proprium Africano: 
1 -Natureza
 
Mãe-África, Mãe-Terra. Representa uma relação de igualdade e unidade do homem com a natureza.
Natureza soberana, superior aos homens. Para as culturas africanas, ela é a Mãe acolhedora e sábia que protege e ensina formas de sobrevivência, é a Mãe-Terra, a Mãe-África. O homem africano respeita os fenômenos naturais e está sempre atento aos seus ensinamentos.
“A residência dele era um embondeiro, o vago buraco do tronco. Tiago contava: aquela era uma árvore muito sagrada, Deus a plantara de cabeça para baixo.
― Vejam só o que o preto anda a meter na cabeça dessa criança.
O pai se dirigia à esposa, encomendando-lhes as culpas. O menino prosseguia: é verdade, mãe. Aquela árvore é capaz de grandes tristezas. Os mais velhos dizem que o embondeiro, em desespero, se suicida por vida das chamas. Sem ninguém pôr fogo. É verdade, mãe.”
Fragmento de COUTO, Mia. O embondeiro que sonhava pássaros. In Cada homem é uma raça. Lisboa: Caminho, 1990. p. 64-65).
O embondeiro (baobá) é a grande árvore sagrada, pois seu imenso tronco acolhe os homens como um útero de mãe, e suas flores mudam de cor, acompanhando os sentimentos humanos.
	2- Ancestralidade
A crença na existência dos espíritos leva os povos africanos a criarem rituais para estar em contato com seus antepassados. Nesse processo, destacam-se três figuras importantes:
O iniciado, ou girot, contador de historias - Sabe ouvir a voz dos espíritos através dos elementos da natureza (principalmente as folhas) e repassa as mensagens enviadas para a comunidade.
O Velho - Tem a sabedoria que os anos de vida lhe proporcionaram.
A mamana - Mãe, avó ou qualquer senhora de meia-idade que conta histórias para as crianças, possibilitando, dessa forma, a permanência das culturas tribais. A mamana conta histórias para as crianças, garantindo a manutenção das culturas africanas.
A fogueira e a árvore são elementos importantes nos espaços rituais, pois em torno delas contam-se histórias. Essa marca de oralidade será transposta para os textos literários. Exemplo:
Para lá daquela curva
Os espíritos ancestrais me esperam
Breve, muito breve
Tomarei meu lugar entre os antepassados
(Noémia de Sousa)
3- Ritmo 
A música, o canto e a dança não se limitam a uma proposta de entretenimento. O ritmo é uma forma de estar em harmonia com o cosmos. O homem, ao cantar e dançar entra em transe e, assim, se congrega aos elementos universais. 
O tambor é o mais importante de todos os instrumentos, pois o som forte que emite chega aos espíritos, fazendo-os entender que, na terra, os viventes os estão louvando. O tambor também é instrumento de comunicação entre diversos povos, avisando da presença do inimigo ou convocando para uma batalha. 
4 - Infância
A pureza e a inocência da criança permitem que ela capte mais facilmente as energias do universo, o que representa uma forma de sabedoria. Há a ideia de retorno a um tempo genesíaco (antes da colonização) e de sonho de liberdade. 
Além disso, a criança não estabelece diferenças entre os seres e, por sua alegria, encontra solução para os problemas da vida. 
O escritor africano construiu uma vertente lírica que leva o sujeito poético de volta à infância, ao tempo adâmico (ao paraíso, ao éden), quando não havia a dor da colonização.
A criança representa, ainda, o sonho de liberdade.
5- Magia
Presente no cotidiano, em atividades comuns: caçar, pescar, combater, constituir família. Relação entre todas as coisas do universo, a que se dá o nome de cosmogonia.
Você sabe como é chamada a relação entre todas as coisas do mundo, dentro da cultura africana? Cosmogonia.
“Toda sociedade que não domina a ciência e a tecnologia tende a encontrar nos fenômenos naturais e na relação com o sobrenatural, explicações para a existência.”
Assim foi com os povos ocidentais antigos, como os gregos, que estabeleceram os deuses mitológicos e os elementos mágicos a eles associados para compreender o homem e o mundo.
A escritura africana é determinada por alguns temas que se repetem na obra de diversos autores, e que representam o proprium africano. São marcas de identidade que precisam ser fortalecidas com dois objetivos claros: o primeiro define-se pela necessidade de vencer o colonizador inimigo; o segundo, pelo desejo de resgatar a cultura autóctone (de origem). 
Ainda precisamos considerar que sempre houve, na África, uma organização social que prevê: 
• uma hierarquia, com reis e nobres (diferenciados pela escarificação - cortes no rosto - signo de identidade étnica), súditos e escravos; 
• uma constituição familiar com tarefas definidas para cada membro do clã; 
• uma distribuiçãodas atividades ligadas ao trabalho; 
E um processo educacional constituído pela crença adotada por cada etnia e pela sabedoria advinda da natureza.
Aula 3: A Colonização e a Resistência - O Papel do Escritor Africano
Ao final desta aula, você será capaz de:
1- Identificar os conceitos de aculturação e assimilação;
2- Compreender como se deu a resistência dos africanos;
3- Avaliar o processo de construção das literaturas africanas;
4- Reconhecer a importância dos escritores africanos na luta pela libertação das colônias.
Já sabemos que a chegada dos europeus no continente africano obedeceu a interesses unicamente mercantilistas, ou seja, de exploração das novas terras descobertas, e que se deu de modo violento, sem respeitar os homens que lá viviam.
• Vimos que, somente no século XIX, houve uma ocupação efetiva das colônias africanas. A superioridade bélica dos povos europeus não permitiu que os africanos pudessem resistir imediatamente ao massacre que se seguiu à invasão.
Léopold Sédar Senghor, escritor e líder senegalês que lutou pela libertação do seu povo contra a colonização francesa, lembra que, desde o Renascimento, no século XVI, até meados do século XIX, árabes e europeus praticaram o tráfico de negros, deportando homens para terras americanas. Acredita o autor que tenham sido duzentos milhões de mortos. E conclui: “O mal causado à África negra é o mais terrível que jamais foi feito a uma etnia” (MADRIDEJOS, Mateus. Colonialismo e neocolonialismo. Rio de Janeiro: Salvat, 1979, p. 11).
Qual o resultado do processo de colonização?
Não tendo como lutar imediatamente contra os colonizadores, os africanos, para não serem mortos, acabaram cedendo à pressão exercida pelos europeus.
Os negros que não eram transformados em escravos se submetiam à cultura europeia, abandonando suas próprias características culturais e de identidade. Complexados, se sentindo inferiores, os negros tornavam-se aculturados ou assimilados.
Aculturação é o abandono completo de sua própria cultura para assumir a cultura do estrangeiro. A língua portuguesa é o primeiro instrumento de aculturação, ou seja, apagamento dos traços culturais autóctones. Tal proposta é mais comum entre os mestiços, que não se veem como negros e desejam ser totalmente brancos, se não pela fisionomia, ao menos pelos costumes. Surge uma burguesia negra ou mestiça.
	Assimilação é a adoção de costumes europeus sem o abandono completo de marcas culturais africanas. O assimilado vincula-se à cultura europeia por uma questão de sobrevivência, mas ainda mantém valores africanos.
	Quando, então, começa a resistência?
	Jovens africanos começam a frequentar escolas de modelo europeu. Aprendem a língua portuguesa, conhecem as ideologias dos colonizadores. Muitos ingressam em universidades em Portugal, a maioria deles para estudar Medicina ou Letras. Todavia, chegando às terras portuguesas, percebem que sempre serão tratados como inferiores, e tomam conhecimento da violência da colonização. Começa o processo de conscientização.
	Esses jovens tornam-se, então, guerrilheiros. Passam a lutar contra os europeus, em guerras sangrentas que provocam muitas mortes. Tem início a guerra colonial, que se estende por mais de uma década. Líderes africanos são presos e torturados.
	Salvato Trigo descreve esse processo assim: “A Escola e a Prisão foram duas instituições de grande valimento para o regime colonial. Na escola, procurava-se dominar espiritualmente os colonizados pelo apagamento de seus valores culturais e civilizacionais, pelo banimento da sua língua, pela niilificação da sua história. (...) Na prisão, pretendia-se amedrontar, pela violência física, a resistência dos que não aceitavam a opressão colonial e tinham a coragem de dizê-lo”.
	Mas essas duas instituições, pretensamente aliadas do regime colonial português, são também e, sobretudo, muito úteis aos colonizados, porque elas permitir-lhes-ão desenvolver a consciência política e lutar, cada vez mais, pelos seus direitos. Paradoxalmente, o regime colonial português criava as armas de sua própria destruição. (TRIGO, Salvato. Escola e prisão na escrita africana lusófona. In: Ensaios de literatura comparada afro-luso-brasileira. Lisboa: Vega, 1990).
	Esses jovens que dominavam a língua portuguesa e que se revoltaram contra o processo colonial, quando presos, escrevem poemas que são verdadeiras mensagens de resistência. Assim têm início as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. A literatura feita atrás das grades das prisões se chamará literatura de guerrilha.
	São exemplos dessa literatura os livros:
a) Sagrada Esperança, de Agostinho Neto, médico e líder na luta pela libertação de Angola, e que se tornou o primeiro presidente de seu país. Foi preso várias vezes e libertado devido à pressão da Anistia Internacional e de escritores de renome;
b) Sobreviver em Tarrafal de Santiago, de António Jacinto, angolano, preso no período de 1962 a 1972;
c) Poemas da Prisão, de José Craveirinha, líder moçambicano, que esteve preso entre 1965 e 1969.
	
O Surgimento das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa
A produção cultural em África sempre se desenvolveu em termos de transmissão oral, feita pelos griots, os contadores de histórias. Assim, a oralidade é responsável pela manutenção dos valores africanos.
O griot era o sábio e o mais velho, que simbolizava todos os seus antepassados, revividos no ato de contar estórias. As sociedades africanas eram ágrafas, ou seja, sua força estava na palavra. Na origem da produção cultural africana encontramos, assim, a oralidade e não a escrita. Isso significa dizer que na África colonizada por Portugal sempre houve literatura, mas de forma oral. Contavam-se histórias em torno da fogueira, embaixo das árvores, em uma roda, na qual aquele que as contava representava todos os que, antes dele, já haviam sido contadores também.
Para a professora Laura Cavalcante Padilha, no livro Entre voz e letra, mesmo no texto escrito africano, que a partir da metade do século XX buscará temas que expressassem sua identidade cultural, o escritor africano estará em busca desse dinamismo, do movimento que antes estivera presente na voz, na emoção de contar narrações de cor, decoradas, termo cujo radical remete à palavra coração. Assim, as literaturas africanas vão tentar reproduzir os gestos, as expressões faciais e as corporais e o ritmo da voz que marcavam a contação de histórias.
A língua é o patrimônio de qualquer povo. Da mesma forma, também as línguas autóctones precisam ser defendidas contra a imposição da língua do dominador. Os textos literários, assim, estruturam-se por construções sintáticas, semânticas e morfológicas que têm por princípio valorizar as línguas africanas. A morfologia e a sintaxe da língua portuguesa são alteradas de acordo com as formas linguísticas africanas, e o léxico da lpingua de dominação sofre a invasão de expressões nacionais, o que também representa resistência e insubordinação.
O uso de expressões das línguas africanas autóctones mescladas ao léxico português, proposta literária dos escritores africanos, tem dois objetivos principais:
Mostrar insubmissão ao colonizador alterando a sua língua, um dos instrumentos de dominação;
Resgatar valores culturais africanos.
No século XIX aparecem os primeiros autores africanos de língua portuguesa. Eles são aculturados ou assimilados, conceitos que já aprendemos. Assim, apesar de fazerem uma literatura produzida na África, com paisagens e figuras africanas, eles ainda carregam o eurocentrismo, ideologia que considera os europeus superiores a outros povos. A esse tipo de literatura denomina-se literatura colonial.
Entretanto, devemos destacar que, embora esses textos literários ainda apresentam o negro como inferior ao branco, eles inauguram temas ligados à África e ao homem africano na narrativa e na poesia. Também é importante frisar que tem início, ainda no século XIX, uma prática jornalística que começa a questionar as atitudes do colonizador, como o jornalEcho de Angola (1881). Já no início do século XX, aparecem jornais escritos em português e em quimbundo, como o Muen’exi (= o senhor da terra) e o Mukuarimi (= o “linguarudo”), editados em Angola, dirigidos por Alfredo Troni.
Você já deve estar percebendo que estamos falando do início de um processo de resistência contra a colonização portuguesa. Essa resistência terá seu auge com o Processo de Negritude.
A palavra negritude foi empregada pela primeira vez por Aimé Césaire, em 1938, no seu livro de poemas Cahiers d’un retour au pays natal.
Negritude é uma expressão cultural de revitalização das identidades africanas. São vários movimentos que se propagam nas letras, na música, nos manifestos políticos, desde 1915.
O movimento de Negritude, primeiramente difundido nos Estados Unidos, em Cuba e no Haiti, surge para revigorar o ser africano massacrado pelo regime colonial, e tem seu auge entre os anos 1930 e 1950. A cor da pele, os ritos, a natureza e os costumes sociais passam a ser extremamente valorizados. O discurso se radicaliza, e tudo o que não pertencer ao universo negro torna-se indesejável.
SÍNTESE DA AULA
Reconheceu que a resistência africana à colonização se deu através de lutas contra os colonizadores portugueses (guerra colonial);
Identificou que no continente africano sempre houve literatura, mas de forma oral;
Estabeleceu que as literaturas africanas surgiram como forma de resistência contra a colonização e como resgate dos valores africanos;
Avaliou a Negritude como um movimento de resistência contra a dominação branca em várias partes do mundo.
 
SLIDES
As literaturas africanas de língua portuguesa, em um primeiro momento, ainda no século XIX, assimilam a ideologia do colonizador e apresentam o africano inferiorizado. Aos poucos, tem início um processo de conscientização e, em consequência, a valorização do negro colonizado. Até que a literatura, especialmente a poesia, torna-se instrumento de luta pela libertação. Palavras como transformação repetem-se nos versos. A África e o homem africano são cantados com todos os seus sons e cores.
Portanto, as literaturas africanas de língua portuguesa possuem as seguintes características:
os textos são compostos por jovens guerrilheiros, líderes da luta pela libertação;
utilizam expressões autóctones mescladas ao léxico português, a fim de: a) mostrar insubmissão ao colonizador alterando a sua língua, um dos instrumentos de dominação; b) resgatar valores culturais africanos.
Que conquista obtiveram os escritores africanos no processo de libertação das colônias?
Denunciaram, por meio de suas obras, o sofrimento imposto pelos colonizadores, além de convocarem os africanos para a luta pela libertação.
A prática jornalística proporcionou aos escritores africanos a reivindicação da liberdade política e do direito à expressão da cultural africana.
Aula 4: A Literatura Angolana no Século XIX
Ao final desta aula, você será capaz de:
1- Listar autores significativos da Literatura Angolana;
2- Identificar o diálogo existente entre as culturas brasileira e africana na literatura angolana.
Panorama histórico e geográfico
Situada na África Ocidental, banhada pelo Oceano Atlântico, a atual República de Angola alcançou a sua Independência de Portugal em 11/11/1975.
A chegada dos portugueses às terras angolanas data de 1482, com a expedição de Diogo Cão. A luta pela libertação tem como marca o dia 04/02/1961 – para todas as nações africanas de língua portuguesa, a saber: Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
Guerra Civil
Tendo se iniciado em 1975, a guerra civil só terminou em 4 de abril de 2002, quando um tratado de paz foi assinado. Desde então, os angolanos tentam viver dignamente, em meio às explosões das minas que mutilam ou matam a sua população (há cerca de uma para cada habitante angolano), herança da UNITA.
Importante lembrar que a Guerra Colonial desenvolvida nas cinco nações africanas no período de 1961 a 1974 teve o apoio da extinta URSS (União Soviética) em termos de armamento e de treinamento de guerrilha, contando também com o auxílio de Cuba, que objetivavam ampliar o comunismo no mundo. Este, entretanto, não se consolidou naquelas nações após a década de 1980, e isso pode ser muito bem entendido na leitura de obras literárias como em Quem me dera ser onda, do angolano Manuel Rui.
Uma das causas para o sucesso do movimento guerrilheiro se deveu ao apoio da população local e ao fato de um dos instrumentos de luta ter sido o poema cantado, passado de boca em boca, que levava a conscientização dos motivos da guerra à população, como veremos oportunamente.
Língua 
O português é a única língua oficial de Angola, no entanto o país conta com cerca de duas dezenas de línguas nacionais, das quais 6 com maior expressão:
quicongo (ou kikongo)
• quimbundo (ou kimbundu)
• chocué (ou tchokwe)
• umbundo
• mbunda 
• cuanhama (kwanyama ou oxikwnyama)
Produção literária
A literatura angolana tem na década de 1940 o seu período de consolidação, embora no século XIX tenhamos já algumas publicações, como Espontaneidades da minha alma (1849), o primeiro livro de poemas publicado na África de língua portuguesa, de José da Silva Maia Ferreira.
Nele, encontramos uma curiosa paródia de a Canção do Exílio, do nosso Gonçalves Dias, embora em nada os versos se assemelhem ao nacionalismo do brasileiro, visto que o autor angolano, ainda sob a forte marca do eurocentrismo, pode ser caracterizado como um aculturado, apesar de já esboçar alguns indícios regionais e de sentimento nacional.
No poema ao lado, retirado de Espontaneidades da minha alma, você perceberá no trecho extraído que o sentimento nacional presente nos versos se refere ao fato de o poeta reconhecer que nasceu em Angola. 
Este poema já traz ambientes típicos do país, embora o poeta compare Angola a Portugal e também ao Brasil, comparação que deixa Angola sempre em desvantagem em termos de belezas naturais.
Isso acontece porque, os autores desse momento são aculturados, afastados da sua cultura, projetando a cultura europeia na sua.
	À MINHA TERRA ! 
A minha terra
José da Silva Maia Ferreira
Minha terra não tem os cristais
Dessas fontes do só Portugal
Minha terra não tem salgueirais,
Só tem ondas de branco areal.
	Em seus campos não brota o jasmin,
Não matiza de flores os seus prados,
Não tem rosas de fino carmim,
Só tem montes de barro escarpados.
(...)
Análise do poema
Neste poema, vemos como o eu-lírico compara a sua terra com a terra portuguesa em muitos momentos do poema, mostrando que as belezas de Portugal são superiores as de Angola: (“Minha terra não tem os cristais/Dessas fontes do só Portugal” (...) “Não tem rosas de fino carmim,/Só tem montes de barro escarpados”).
Podemos observar as referências à cultura e literatura portuguesas – episódio de Inês de Castro, citado em “Os Lusíadas”, de Luís de Camões.
No poema, há a primeira menção à cor negra, nestes versos: “Não tem Virgens com faces de neve”. Embora se sentindo inferiorizado, como consequência do complexo provocado pelo colonizador, o autor reconhece que nasceu em Angola: “Deu-me o berço”.
Interessante é o diálogo que desde cedo as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa realizam com a Literatura Brasileira.
Veja esse exemplo, no qual o Brasil é citado também como modelo de beleza, além de estar clara a referência ao poeta Gonçalves Dias, do Romantismo: “Também invejo o Brasil/Sobre as águas a brilhar,/Nesses campos mil a mil,/Nesses montes d’além-mar/Invejo a formosura/Desses prados de verdura,/Inspirando com doçura/O Poeta a descantar”.
É importante lembrar que neste momento as Literaturas Africanas não apresentam estilos literários, como a Literatura Brasileira, a Literatura Portuguesa e a Literatura Hispano-Americana. Assim, não podemos afirmar que o poema “A minha terra” ou o seu autor sejam românticos.
Literatura feita em África
Com José da Silva Maia Ferreira, inaugura-se uma literaturafeita em África, por africanos. Entretanto, também houve uma literatura em África, feita por portugueses. Convém, aqui, abrirmos um parêntese para lembrar que a África nunca foi considerada um lugar bom para os portugueses.
Feita essa observação, resta afirmar que o português Alfredo Troni, autor de Nga Muturi, texto que leremos a seguir, também pode se juntar aos nomes de Gregório, Bocage e Tomás Antônio, pois que também era mal visto pelas autoridades portuguesas.
Colaborador da imprensa, ao publicar Nga Muturi no seu jornal, mostrará a modificação que a civilização europeia trouxe para Angola, na presença de uma escrava que vai se descaracterizando aos poucos, porém sem perder verdadeiramente as suas raízes étnicas.
Algumas palavras dos textos africanos foram tiradas das línguas nacionais, como o quimbundo, por exemplo. As edições dos livros portugueses costumam trazer um glossário para elas. As edições brasileiras – ou reproduções – nem sempre o fazem. O conto Nga Muturi foi retirado do livro da Professora Maria Aparecida, o qual não traz a tradução destas palavras. Isso não atrapalha o entendimento global do texto de Troni. É bom saber que “Nga Muturi” significa “Senhora Viúva”.
SLIDES
Após a Independência, o partido UNITA (União Nacional para a Independência de Angola), que concorrera às eleições para eleger o primeiro Presidente daquela República, não aceitou o resultado das urnas, que deu a vitória ao MPLA (Movimento pela Libertação de Angola), partido fundado pelo escritor Agostinho Neto, em 1956, o qual foi o primeiro Presidente de Angola.
A Guerra Civil em Angola teve em início em 1975 (ano da Independência) e terminou em 1992 com um acordo de paz. 
A Guerra Civil é consequência da invasão portuguesa e da Guerra Colonial. Devemos lembrar que diferentes etnias africanas precisaram unir-se contra um inimigo comum, o português.
Alcançada a liberdade, as diferenças ideológicas que dividiam o território angolano entraram novamente em cena.
Garantir as identidades étnicas representava a necessidade de se manter a integridade do “eu” africano, o qual, durante a colonização, foi obrigado a se tornar um aculturado ou um assimilado.
Aculturação: abandono completo da própria cultura para assumir a cultura estrangeira. A língua portuguesa é o primeiro instrumento de aculturação utilizada pelos colonizadores.
Assimilação: adoção de costumes europeus sem o completo abandono da identidade cultural autóctone.
Lembramos que os dois processos foram impostos pela violência.
Paradoxalmente, foi por se tornar um assimilado (e não um aculturado), que o homem africano compreendeu as ideologias colonialistas, a “estrutura mental” do colonizador, e fortaleceu o processo de resistência com o apoio da extinta União Soviética e de Cuba, que objetivavam expandir o modelo comunista no mundo.
Mas o apoio da população local foi o que permitiu que a resistência se estendesse até a liberdade. E o que possibilitou a união dos africanos, tanto em Angola como nas demais colônias, foi a poesia de guerrilha, arma de conscientização.
Panorama histórico-cultural da África
Os poemas africanos levaram para a escrita a expressão oral autóctone. Essa foi uma proposta ousada, especialmente em Angola, país onde, além do idioma português (oficial) falam-se, ainda, dezenas de outras línguas. A formação étnica de Angola é das mais variadas, mas 90% dos angolanos são de origem bantu, que se subdivide em outros grupos étnicos.
Antes de haver, em África, uma literatura feita por africanos, havia uma literatura feita por portugueses que tinha o continente como tema. É o caso de Alfredo Troni que, no texto Nga Muturi, denuncia o processo de aculturação imposto a uma escrava que vai se descaracterizando aos poucos, mas sem perder suas raízes étnicas.
SÍNTESE DA AULA
A literatura angolana teve início no século XIX.
 Os escritores são portugueses, como Alfredo Troni, ou angolanos, como José da Silva Maia Ferreira que têm a África como tema.
 Dá-se o nome de literatura colonial à produção literária do século XIX, por serem seus autores assimilados ou aculturados que mantêm a ideologia europeia.
A guerra ocorrida em Angola, que possibilitou o fim da colonização portuguesa, pode ser classificada Como guerra civil, considerando que os angolanos que lutaram contra os colonizadores não tinham formação militar e eram, em sua maioria, jovens com técnicas de guerrilha.
A independência de Angola ocorreu na década de 70 do século XX, após a guerra colonial vencida pelos africanos contra o regime salazarista português.
O português é a língua oficial, mas o quimbundo tem grande relevância, pois é a língua tradicional da capital e legou muitos vocábulos à língua portuguesa.
		Sobre a população de Angola, podemos afirmar que apenas 3% da população é europeia ou mestiça.
A Revista Mensagem, idealizada por Viriato da Cruz, António Jacinto e Agostinho Neto marca o início do movimento de negritude
	
Aula 5: O Século XX e a Nova Literatura Angolana
Premissa
A literatura angolana, no entender de Tânia Macedo, professora da USP, tem na década de 1940 seu período de consolidação, a partir especificamente de 1948, com o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (ANANGOLA), que tinha como lema “Vamos descobrir Angola” e era inspirado no Movimento Modernista brasileiro de 1922. 
Isso porque os modernistas brasileiros queriam construir uma nacionalidade independente dos padrões europeus. A mesma proposta tiveram os escritores angolanos: construir uma nacionalidade africana, desvinculando-se dos modelos culturais do colonizador português.
O ANANGOLA (Associação dos Naturais de Angola; em quimbundo an + ngola = filhos de Angola) possibilitou a publicação da Antologia dos novos poetas de Angola, em 1950, e, um ano depois, da Revista Mensagem que, com dois números publicados entre 1951 e 1952, foi apreendida pelas forças ditatoriais do governo de Salazar, implantado em Portugal desde 1926.
	 Ideais da Negritude
	 Na década de 50 do século XX, duas tendências surgiram entre os intelectuais africanos: a primeira de defesa dos ideais da Negritude, que vinha sofrendo ataques de muitos que entendiam haver uma associação da raça negra a uma negatividade; a segunda, de substituição do ideal de negritude por uma proposta mais regional, como angolanidade e moçambicanidade.
É preciso ressaltar que a afirmação da negritude se dá pela desvalorização da raça branca e de seus aspectos culturais.
 No Brasil, mantém-se a proposta universal de negritude. Diversas manifestações artísticas são oriundas da Negritude, como o movimento Black Power e a música “Black is beautiful”, composição de Marcos e Paulo Sergio Valle, gravada por Elis Regina.
 
 A importância da poesia
 A partir daí, as literaturas africanas de língua portuguesa assumem um tom engajado, colocando-se como instrumento de luta pela libertação de Portugal. 
 Os escritores angolanos perceberam que a poesia servia mais aos propósitos de libertação porque os versos retomam a força da oralidade, sendo facilmente memorizados, e o eu lírico se assemelha a um herói.
 A expressão maior desta fase é a poesia, pois os versos retomarão a força da oralidade, sendo decorados e chegando a todos, repetidos de boca em boca. Nessa perspectiva, o eu-lírico se assemelha a um herói, como percebemos no poema Adeus à hora da largada, de Agostinho Neto, do livro Sagrada Esperança.
 
	Adeus à hora da largada
Minha Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis
Mas a vida
matou em mim essa mística esperança
	Eu já não espero
sou aquele por quem se espera
Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que a
Osvald de Andrade
 
Análise 
 Percebemos no poema que um filho se despede da mãe. Mas embora os versos estejam na 1ª pessoa do singular, o poeta fala por todoo povo. 
 Ele é o herói que vai para a guerra, e sua mãe simboliza outras tantas mães e até mesmo a sua terra, a Mãe África. O eu-lírico rompe com a perspectiva da literatura portuguesa da espera por Dom Sebastião (Sebastianismo) e vai em busca de esperança, do amanhã.
 
 O “amanhã” é uma palavra bastante revolucionária e comum nessa literatura que se coloca participativa e engajada.
 Há uma genial entre o Presente (marcado pela miséria) e o Futuro esperado, quando haverá a “abolição desta escravatura”. Após a Independência de Angola, em 1975, Agostinho Neto, que era presidente do MPLA, assume a Presidência de Angola. Também são importantes as palavras “transformação”, que representa um surgimento de uma nova África, livre da colonização, e “liberdade”, que é o sonho maior de todo povo.
	
	Luuanda
Um nome neste momento que não se pode deixar de fazer referência é o de Luandino Vieira, que com Luuanda (1961) realiza a renovação que vai determinar novas concepções estéticas, bastante identificadas com as processadas pelo brasileiro Guimarães Rosa (obra que Luandino lê depois de publicar Luuanda, na cadeia), indo além das interrogações ao signo linguístico verificadas em Guimarães, já que as inovações semânticas e sintáticas processadas por Luandino pretendem, igualmente, questionar o colonizador.
A vida em Angola
O autor ambienta a história em um musseque (bairro pobre, favelizado, de Angola) no qual a reação ao regime colonialista era bastante forte. 
É impressionante a agilidade das cenas e da própria linguagem do texto que, pela quebra das orações, pela opção ao período simples, pela mistura entre a língua portuguesa e as línguas nacionais, significam uma volta à oralidade anterior à escrita em Angola, como marca de uma literatura africana que busca sua identidade, ou angolanidade.
Nesse texto, está presente a violência policial contra os moradores pobres nos musseques, o clima de terror, tudo denunciado pela própria escrita da língua portuguesa, que foi imposta pelo colonizador, mas que se tornou uma aliada dos autores africanos, que através dela puderam divulgar seus textos para um número maior de leitores, além de se unirem – a partir de uma mesma língua – em busca da dignidade.
Muitos outros autores poderiam aqui ser citados, mas fiquemos com estes dois (Luandino Vieira e Agostinho Neto) como exemplos fortes. Os conceitos aqui apresentados também são elementos das literatudas de outros países africanos de língua oficial portuguesa (PALOPs): a natureza, a negritude, a infância (que simboliza a pureza e o tempo antes da colonização), a dor do colonizado, o desejo de liberdade, os ritos que incluem a crença, a música e a dança (do que é símbolo maior o tambor) e a ancestralidade.
SÍNTESE DA AULA 
Viu como a Literatura Angolana se modificou ao buscar temas identificados com a denúncia das injustiças cometidas pelo colonizador, bem como o diálogo contínuo com nossa literatura e cultura. Agora, não mais o Romantismo descreve a pátria através de uma ideia bastante distante da realidade, mas o Modernismo propõe um exame crítico da nossa identidade, cem anos depois da nossa Independência que, como dizia Oswald de Andrade, ainda não tinha sido proclamada em termos estéticos.
 
SLIDES
 
Aula 5 – O século XX e a nova literatura angolana: o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola. 	 A revista Mensagem. Literatura e guerra colonial.
A poesia se destaca como instrumento de luta pela libertação e, nesse contexto, o eu lírico se assemelha a um herói. Agostinho Neto lança o livro Sagrada Esperança e, além de escritor e líder na guerra colonial, torna-se o primeiro presidente de Angola. 
Amanhecer
Há um sussuro morno / sobre a terra; / degladiam-se / luz e trevas / pela posse do Universo; / sente-se a existência/ a penetrar-nos nas veias / vinda lá de fora / através da janela; //cresce a alegria na alma / a Vida murmura-nos doces fantasias. // Tangem sinos na madrugada / vai nascer o sol. (Agostinho Neto)
A semântica da liberdade imprime nos versos palavras revolucionárias que representam o futuro sonhado: “amanhã”, “transformação”, “unidade”, “África”. Essas palavras fazem a antítese com as marcas violentas da colonização.
Outro nome que se destaca é o de Luandino Vieira, que, com Luuanda (1961), realiza a renovação que vai determinar novas concepções estéticas, bastante identificadas com as propostas literárias de Guimarães Rosa. 
O próprio Luandino reconhece e identifica as influências literárias brasileiras em sua obra: “O Jorge amado que me deu uma visão da humanidade, dos seus personagens, da inclusão de todo o tipo de personagem como tão valioso como qualquer outro tipo de personagem e, sobretudo, a questão da introdução do negro na Literatura, a partir de Jubiabá que ninguém pode mais esquecer; e, depois, Guimarães Rosa por suas personagens, por sua ética”. 
SÍNTESE DA AULA
Nesta aula, destacamos os dois nomes mais expressivos da literatura angolana do século XX: Agostinho Neto, médico, líder guerrilheiro do MPLA, escritor e primeiro presidente da República Popular de Angola; e Luandino Vieira, líder político e guerrilheiro, autor que estabeleceu um forte diálogo estético e ideológico com a literatura brasileira.
Também percebemos como a semântica da liberdade construiu o texto literário angolano.
Aula 6: O Século XX e a Nova Literatura Cabo-Verdiana
Ao final desta aula, você será capaz de:
1- Listar autores, obras e momentos da literatura cabo-verdiana;
2- Analisar o texto literário cabo-verdiano, a partir de uma amostra significativa;
3- Compreender os conceitos fundamentais da literatura cabo-verdiana;
4- Identificar as características da literatura cabo-verdiana do século XX;
5- Reconhecer a importância da revista Claridade no contexto literário.
Cabo Verde
	O colonizador não se preocupou em combater a fome e a miséria em Cabo Verde, bem como a mortalidade infantil, consequências das estiagens. Os retirantes eram obrigados – à semelhança dos nossos, no Nordeste – a abandonarem a sua terra, emigrando, pois de nada adiantaria que migrassem entre as ilhas.
	Também a imprensa de Cabo Verde, nas primeiras décadas do século XX, denunciava as arbitrariedades do colonizador, como vimos em Angola e veremos em Moçambique. O marco da resistência foi a fundação do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), por Amílcar Cabral, em 1956, que atuou intensamente na Guerra de Libertação, unindo Cabo Verde e Guiné.
	Em 3 de agosto de 1959, tropas portuguesas massacraram trabalhadores em greve nas Docas de Pidjiguiti, no Porto de Bissau, na Guiné-Bissau, matando mais de 50 pessoas. Em 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral foi assassinado na Guiné-Conacri por agentes do governo colonial.
	Em 5 de julho de 1975, foi reconhecida a independência da República Popular de Cabo Verde, separadamente da Guiné-Bissau, e Aristides Maria Pereira foi eleito o primeiro presidente da República de Cabo Verde.
	Atualmente, os cabo-verdianos continuam emigrando e seus principais destinos são:
• EUA   (http://pt.wikipedia.org/wiki/EUA) (Boston, New Bedford), 
• Portugal   (http://pt.wikipedia.org/wiki/Portugal), Distrito de Lisboa (Lisboa, Amadora, Loures, Oeiras), Distrito de Setúbal (Setúbal, Sines e Santiago do Cacém), Porto e Faro, Holanda   (http://pt.wikipedia.org/wiki/Holanda), 
• Angola   (http://pt.wikipedia.org/wiki/Angola) e 
• Senegal   (http://pt.wikipedia.org/wiki/Senegal).
A literatura de Cabo Verde
	A literatura de Cabo Verde, em seus primórdios (séculos XIX para XX), está representada, na prosa, por autores como José Evaristo de Almeida, com O Escravo (1856), que, segundo Maria Aparecida Santilli em Estórias africanas. História e antologia  (1985), mostra o ponto de vista abolicionista de seu narrador.
A criação, em 1866, do Liceu-Seminário de São Nicolau (Ribeira Brava), que durou até 1928, contribuiu para o surgimento de uma classe de letrados equiparável ouaté superior à dos angolanos. Em 1877 surge a imprensa periódica não oficial.
	Na poesia, destacam-se os nomes de José Lopes e Pedro Cardoso, os quais fundam o mito  das Hespérides para justificar a origem do arquipélago como sendo a da outrora Atlântida, submersa, de acordo com a tradição clássica divulgada por Platão. Tal mito justificaria um passado glorioso para os cabo-verdianos, motivo de poemas que não se concentravam nos dramas da população.
	Neste poema, o eu-lírico canta a origem de Cabo Verde como sendo a da Atlântida (ou Hespérides). Esta lenda, de  origem grega, está presente em Platão, que cita a suposta civilização perdida que fora naufragada como um castigo dos deuses gregos a uma sociedade imperfeita (os seres humanos não estavam à altura de ganhar a Atlântida). A sociedade perfeita seria A Reppública, em oposição à do erro (Atlântida).
	Canto I das Hespérides
Referem lendas antigas
Que lá nos confins do mar
As Hespérides ficavam
E o seu formoso pomar.
(...)
Nem Tebas, nem Babilônia
No auge dos seus esplendores
Comparar-se-lhe podiam
Em glória, fama e primores!
(...)
Tinha por defesas torres
Como jamais se verão,
	A geração conhecida como claridosa – incluindo os fundadores da publicação, Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes – será considerada o divisor de águas entre uma produção colonial e outra identificada com o discurso identitário da caboverdianidade – também através do diálogo estabelecido com o Modernismo Brasileiro, que, desde 1917, com a Exposição de Anita Malfatti, vinha procurando pela brasilidade.
	Assumindo-se como nação mestiça, Cabo Verde não adota o discurso da negritude, mas o da condição social precária de seus habitantes, a qual independe do caráter étnico.
Segundo Gabriel Mariano, em Cultura cabo-verdiana (1991), ao não se fixar no arquipélago, deixando um responsável em seu lugar – que poderia pertencer a qualquer grupo étnico, sendo negro, mestiço ou branco – o europeu quebrou a relação comum no Brasil e em Angola de identificar o branco como o que manda e o negro como o que obedece. Assim, não será assinalada, na literatura de Cabo Verde, a cor da pele das personagens, mas sim a sua origem social.
	Claridade seguiu por uma trilha de renovação estético-cultural, inspirada na geração modernista de 1922 e de 1930: Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Ribeiro Couto, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Jorge Amado, José Lins do Rego etc. renovam os laços com o texto brasileiro, já verificados no século XIX nas literaturas africanas de língua portuguesa e ainda presentes.
	Os temas desenvolvidos por esta geração se perpetuarão nas gerações subsequentes em termos de aceitação ou rejeição. Por estarem sempre presentes, edificam a Claridade como marca inconteste da mudança nos rumos estéticos e sociais do arquipélago, pois que entendemos o evasionismo de sua literatura não como fuga e sim como recusa – como bem observou Manuel Ferreira em Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (1987).
	
O evasionismo como influência na literatura de Cabo Verde
	O evasionismo físico – da emigração – e mental – que levaria à Pasárgada de Manuel Bandeira, consequência da seca e denúncia de ir para outro lugar melhor do que aquele, assinalado pelo colonialismo português, é uma das temáticas claridosas ao lado de outras como a insularidade ou o terralongismo, nas quais o cabo-verdiano sente-se um ilhéu, distanciado do mundo pelo mar, apreciado como um misto de vida (a água representa a chuva que propicia a colheita e a pesca) e de morte (circula as ilhas, aprisionando o homem islenho e trouxe o colonizador).
	
	Assinalando a ideia de morte, vale a pena ressaltar que, nas outras nações, o mar é um símbolo somente negativo, associada ao tráfico através de navios negreiros. Em Cabo Verde, contudo, ele assume dupla visão, a positiva, que possibilita a sobrevivência na pesca e até na emigração e na morte pela presença do colonizador.
Chiquinho
 
Bibia Ludovina estava com alma. Logo depois da ceia eu e a restante meninência ouvíamos na Água-do-Canal a conversa dos maiores quando Pedro Xamento chegou dando a notícia. Bibia trabalhava na roupa. De repente parou, ficou a bater com os braços e começou a gritar. Só sabia dizer que a queriam matar.
 
Será mesmo alma? Duvidou nhá Rosa Calita. Pedro Xamento garantiu. Aquilo era alma, tão certo ele ser filho de sua mãe. A voz que falava em Bibia não era de Bibia. Era uma voz de homem, grossa e com um tom zangado de capitão por força.
 
LOPES, Baltasar. Chiquinho. In: FERREIRA, Manuel (Org.) Claridade. 2ª ed. Linda-a-velha: ALAC, 1986.
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
 
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de EspanhaRainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Traços marcantes sobre os autores da Claridade
	Ao ler os textos, se percebe como os autores da Claridade já mencionam os problemas sociais, dos quais os autores da aula passada não falavam.
 	O filho da cabo-verdiana chora, o outro personagem foge de Cabo Verde em busca de melhores condições de vida (evasionismo físico). E o eu-lírico, ao se deparar com tantos problemas sociais, deseja ir para Pasárgada (evasionsimo mental, pois Pasárgada não existe, foi inventada por Manuel Bandeira, em uma fantasia utópica da busca de um lugar melhor, de um espaço de felicidade). Observe também como a presença do Modernismo Brasileiro é flagrante com a homenagem que Oswaldo Alcântara faz à Pasárgada de Manuel Bandeira.
	Oswaldo Alcântara substitui o mito da Atlântida pelo de Pasárgada e, nessa substituição, rompe com a relação que os autores coloniais (Pedro Cardoso, José Lopes) tinham com a Europa, ao criarem o mito hesperitano (Cabo Verde ter origem na Atlântida ou nas Hespérides), como vimos na aula passada.
	Este e outros temas da geração claridosa foram rejeitados e/ou retomados pelas gerações seguintes. Ao engajar-se na luta contra o colonialismo, o poeta Ovídio Martins, na década de 1960, confundindo o evasionismo claridoso com fuga, não como recusa que era, dirá: “Berrarei, gritarei, matarei/Não vou para Pasárgada”. (“Antievasão”)
	O poema Você, Brasil, de outro fundador e participante do movimento claridoso, mantém seu diálogo com o Brasil, citando vários autores e textos da nossa literatura modernista de 1922 e de 1930.
	Observe o drama islenho: “dez ilhas perdidas no mapa/sem nenhuma importância no mapa”, ao lado da sensação de se sentir um exilado, a certeza de que o arquipélago é desconhecido de todos.
A homenagem ao Brasil – “Você” com letra maiúscula representa uma tremenda insubordinação à língua portuguesa de Portugal, visto que este pronome de tratamento substituiu o “tu”, tendo se originado do “vossa Mercê”, que na fala dos escravos virou “vosmecê”, passando para “você”. Os africanos eram obrigados a falar como portugueses e ao afirmar que...
“ é o seu falar português
que se parece com o nosso,
ambos cheios de um sotaque vagaroso,
de sílabas pisadas na ponta da língua
de alongamentos timbrados nos lábios
e das expressões terníssimas e desconcertantes” 
...o eu-lírico se aproxima do Brasil e retira os olhos da Europa, como os autores do século XIX faziam.
Nos trechos selecionados, ainda notamos que o eu-lírico se identifica com fatos geográficos presentes no Nordeste brasileiro e em sua terra:
“As secas do Ceará são as nossas estiagens,
com a mesma intensidade de dramas e renúncias.
Mas há uma diferença no entanto:
é que seus retirantes
têm léguas sem conta para fugir dos flagelos,
ao passo que aqui nem chega haver os que fogem porque seria para se afogarem no mar...”
Nesses versos – um dos mais bonitos das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa – uma diferença é assinalada. No Brasil, os retirantes fogem da região Nordeste para outras, pois a terra brasileiraé grande e variada nas suas regiões. O cabo-verdiano, se quiser sobreviver, precisa emigrar, deixar a sua nação, por não ter chão para caminhar, afogando-se no mar.
	Nos últimos versos, há citações explícitas de poemas e procedimentos modernistas. O “se” se transforma em “si”, utilizado nos textos de Mário de Andrade, trazendo para o texto literário a marca coloquial, da fala do dia a dia, além da citação de um verso do poema “Pronominais”, de Oswald de Andrade, leia um trecho:
“Mas o bom negro
E o bom branco da nação brasileira
Dizem todos os dias
- Deixa disso, camarada
Me dá um cigarro”.
Os autores da Revista Claridade encontraram, no Modernismo Brasileiro, impulso para as suas próprias descobertas, passando a tratar das raízes da literatura cabo-verdiana.
Comissão organizadora da semana da arte moderna 1922 no Brasil
O texto de Baltasar Lopes, e Oswaldo Alcântara, na poesia, mostra a presença de uma linguagem escrita contaminada pelo tom informal, uma das reivindicações do Modernismo Brasileiro. Também preste atenção para a temática, que trata das questões do sincretismo, misturando a religião católica – de influência portuguesa – com a africana – espírita. Daí a temática referir-se a uma personagem, Bibina, que incorpora um espírito.
O texto de Baltasar Lopes, e Oswaldo Alcântara, na poesia, mostra a presença de uma linguagem escrita contaminada pelo tom informal, uma das reivindicações do Modernismo Brasileiro. Também preste atenção para a temática, que trata das questões do sincretismo, misturando a religião católica – de influência portuguesa – com a africana – espírita. Daí a temática referir-se a uma personagem, Bibina, que incorpora um espírito.
Acesse sua disciplina online, e entre no Fórum de Discussão, para discutir os temas A literatura de Cabo Verde no século XIX e A literatura de Cabo Verde no século XX.
SLIDES
Cabo Verde é um arquipélago situado no Oceano Atlântico e é formado por dezilhas dividas em dois grupos: Barlavento e Sotavento. 
	Cabo Verde tem origem vulcânica, com clima árido ou semiárido. Há duas estações predominantes: a das chuvas ou das “as águas” (muito irregulares) – de agosto a outubro – e a estação da seca, ou o “tempo das brisas”, que vai de dezembro a junho. Os meses de julho a novembro são considerados meses de transição. As secas são frequentes e, até o final dos anos 40, matava de 10% a 30% da população. 
	É provável que as ilhas tenham sido encontradas pelos portugueses entre 1460 e 1462, mas pelo menos algumas das ilhas eram já conhecidas de populações africanas, gregos e geógrafos árabes, muito antes da chegada dos portugueses. 
	Como houve um descaso por parte do colonizador em relação à miséria sofrida pelo povo cabo-verdiano, os retirantes eram obrigados a abandonar a sua terra, emigrando, pois de nada adiantaria que migrassem entre as ilhas. A migração ainda é uma realidade em Cabo Verde.
	Um dado relevante no estudo sobre Cabo Verde é o processo de mestiçagem, muito semelhante ao do Brasil, que compôs a população local, já que o arquipélago era desabitado. Por necessidade de comunicação, formou-se uma língua paralela à oficial, que mais tarde se transformou no crioulo. 
	Tiveram papel importante na resistência contra o colonizador a imprensa de Cabo Verde, nas primeiras décadas do século XX, e o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), liderado pelo guineense Amílcar Cabral. 
	Em 5 de julho de 1975, foi reconhecida a Independência da República Popular de Cabo Verde, separadamente de Guiné-Bissau, e Aristides Maria Pereira foi eleito o primeiro presidente da República de Cabo Verde. 
	A literatura de Cabo Verde, em seus primórdios (séculos XIX para XX), está representada, na prosa, por autores como José Evaristo de Almeida, com O Escravo (1856).
“— Maldição! oh! maldição sobre os brancos, que primeiro vieram devassar nossos climas; que chamaram selvagens a nossos costumes; e que – despertando a ambição em nosso país – os levaram a sacrificar seus filhos à posse de vis europeus!” (http://books.google.com.br/books/about/O_escravo.html)
	Em 1866, surge uma classe de letrados com a criação do Liceu-Seminário de São Nicolau (Ribeira Brava), que durou até 1928. Em 1877, começam as atividades de uma imprensa periódica não oficial, o que permite a expressão da liberdade. 
	O que mais se destaca na literatura cabo-verdiana é a utilização do mito das hespérides para justificar a origem do arquipélago como sendo a da outrora Atlântida, submersa, de acordo com a tradição clássica divulgada por Platão. Na poesia, destacam-se os nomes de José Lopes e Pedro Cardoso. 
	Ainda que o tema seja de origem etnocêntrica, há, na escrita poética, uma valorização da paisagem de Cabo Verde e a invenção de um passado de glórias, o que dará origem a uma nacionalidade a ser desenvolvida no século XX com a Revista Claridade. 
A geração conhecida como claridosa, cujo nomes expoentes são Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes, determinará o surgimento de um discurso identitário da caboverdianidade. Há um intenso diálogo com o Modernismo Brasileiro, que procurou fundar uma “brasilidade”.
SÍNTESE DA AULA
Nesta aula você identificou, na história e na literatura de Cabo Verde:
uma ocupação marcada pela mestiçagem;
a recusa dos cabo-verdianos à Negritude;
a apropriação do mito de Atlântida para justificar a origem de Cabo Verde;
a importância da revista Claridade;
os conceitos de “evasionismo” e “terralongismo”.
Aula 7: Literatura Guineense
Ao final desta aula, você será capaz de:
1- Identificar aspectos históricos, políticos e culturais da Guiné-Bissau;
2- Identificar o início da literatura guineense;
3- Analisar sua produção poética e em prosa através de autores significativos.
	Situada na costa ocidental africana, a Guiné-Bissau é constituída de uma parte continental e de outra insular – suas ilhas formam o arquipélago de Bijagós, com destaque para Formosa e Orango. Faz fronteira ao norte com o Senegal, a oeste com o Oceano Atlântico, e a leste e sul com a Guiné. Serviu, durante séculos, de refúgio para numerosos povos africanos que sofreram invasões, o que ocasionou uma complexidade étnica, linguística e cultural.
	Sua população autóctone é originária do Saara. Os portugueses lá chegaram através das viagens de Nuno Tristão, em 1444, e de Álvaro Fernandes, em 1446, tendo sido a Guiné a primeira nação africana a receber o colonizador.
	
	Um pouco mais da história
	A língua oficial é o português, sendo também falado o crioulo, assim como ocorre em Cabo Verde. Outras línguas também são faladas, devido à miscigenação ocorrida no passado. 
	Por servir como colônia de comércio, a Guiné-Bissau não recebeu investimentos para o seu desenvolvimento e o primeiro jornal, denominado Ecos da Guiné, só saiu em 1920, enquanto em Angola e em Moçambique a imprensa já se fazia perceber desde o século XIX.
	A independência se deu junto com a de Cabo Verde, como já vimos, em 5/7/1975, e o primeiro presidente eleito democraticamente foi João Bernardo Vieira. (1º mandato de setembro de 1994 a maio de 1999). 
	A independência se deu junto com a de Cabo Verde, em 5/7/1975, uma conquista do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), liderado por Amílcar Cabral. 
	Vale ressaltar que este país é um dos mais pobres do mundo, sobrevivendo da agricultura da importação de produtos industrializados, devido à ausência de indústrias nacionais.
	O primeiro jornal editado por um guineense, Armando António Pereira, foi intitulado O Comércio da Guiné (1930-31), que, embora ainda estivesse preso a um discurso colonial, defendeu os interesses dos guineenses, como o direito à instrução, e denunciou a marginalização das populações nativas.
	Apesar de as primeiras campanhas pela alfabetização só terem ocorrido entre 1948 e 1958, verificamos o início da literatura guineense entre as décadas de 1920 e 1930. Sua temática fazia referência à natureza da terra guineense, sobo ponto de vista do colonizador.
	
Algumas obras
• Em 1977, é publicada Mantenhas para quem luta! – a nova antologia da Guiné-Bissau; 
• Em 1978, a Antologia dos jovens poetas ;
• Em 1979, Os continuadores da revolução e a recordação do passado presente.
As três obras revisitavam a década anterior, na denúncia aos abusos do colonizador, e celebravam a liberdade conquistada, leia ao lado o poema "Dilema", de Vasco Cabral.
	
Simples
e lógico
como o dia nascido
ou o sol poente.
Nós
ou eles
o poder do povo
ou a colônia.
Cinco séculos
Gerações
        Fome
               Exploração
                         Miséria
	
Eles.
Progresso 
          Liberdade
                      Amor
Nós: o poder do povo.
Simples
e lógico
como o dia nascido
ou o sol poente.
                          Novembro de 1973
(Antologia poética da Guiné-Bissau. Lisboa:
Editora Inquérito, 1990, p. 64)
Hélder Proença, em 1982, lança Não posso adiar a palavra, poemas no qual juntou experimentações estéticas com ideológicas, que seriam levadas ao máximo da experimentação. 
Citamos, igualmente, Tony Tcheka, Odete Semedo e Félix Siga. 
É digna de nota também a obra de Fausto Duarte.  
Um autor de destaque
	Tony Techka é um autor contemporâneo de muito destaque na literatura guineese. A seguir você um poema dele. Observe  a diferença de estrutura e de conteúdo em relação à poesia de Fernanda Castro.
O poema de Tony Techka traz um tema ligado à presença do colonizador português (Adamastor, caravelas). 
Entretanto, refere-se à Revolução dos Cravos, que libertou Portugal da ditadura de António Oliveira Salazar (1926-1974). 
	Assim, deixando de lado as dores do passado, o eu lírico propõe a irmandade com o povo lusitano valente, que também soube, como os africanos, lutar pela própria liberdade.
	No livro Cartas à Guiné-Bissau, o educador brasileiro Paulo Freire relata as condições de miséria da nação guineense, destaca a figura de Amílcar Cabral como um dos grandes líderes do mundo na luta pela liberdade de um povo e registra suas impressões sobre a reconstituição do país após a colonização. 
	Sabíamos que iríamos trabalhar não com intelectuais “frios” e “objetivos” ou com especialistas “neutros”, mas com militantes engajados no esforço sério de reconstrução de seu país. De reconstrução, digo bem, porque a Guiné-Bissau não parte de zero, mas de suas fontes culturais e históricas, de algo de bem seu, da alma mesma de seu povo, que a violência colonialista não pôde matar. (http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_cartas_a_guine_bissau.pdf) 
Quando te propus / abraçar a história, amor
tantas foram as esperanças comidas / insondável a fé forjada
no extenso breu de canto e morte
Foi assim que te propus / no circuito de lágrimas e fogo, Povo meu /
o hastear eterno do nosso sangue / para um amanhecer diferente!
(“Não posso adiar a palavra”, de Hélder Proença - http://lusofonia.com.sapo.pt/guine.htm) 
	Guiné-Bissau, por ser uma ex-colônia de Portugal, tem o português como língua oficial. No entanto, também são faladas as línguas crioulo, mandjaco e mandinga, entre outras. São praticadas as religiões muçulmana (50% da população), crenças indígenas (40% da população) e católica (10% da população). 
	Guiné-Bisssau, ao contrário de outras colônias portuguesas, não recebeu investimentos para seu desenvolvimento. Isso ocorreu porque: foi considerada pelo colonizador uma colônia de comércio.
	
Aula 8 – Moçambique / José Craveirinha, o poeta nacional / Mia Couto, “o sonhador de verdades” 
		Ao final desta aula, você será capaz de:
1- Identificar aspectos históricos, políticos e culturais de Moçambique;
2- Identificar o início da literatura moçambicana;
3- Analisar sua produção poética e em prosa por meio de autores significativos;
4- Identificar os temas fundamentais da literatura moçambicana.
	
Panorama histórico e geográfico
Voltado para o Oriente, banhado pelo Oceano Índico, Moçambique está localizado na parte da África austral. A origem da sua sociedade remonta aos séculos III ou IV d.C., quando os povos bantos ali chegaram e se fixaram na costa oriental entre o lago Niassa e o Índico, no norte.
	Os portugueses que vinham explorando a costa africana desde 1415 fizeram os primeiros contatos com a terra ao aportarem em Ceuta, sob o comando de Vasco da Gama, em 1498.
	Até a metade do século XVIII os portugueses deram prioridade à exploração de riquezas locais, primeiramente o ouro, depois o marfim.
	Voltados para esse comércio, os conquistadores, entre 1502 e 1752, deixaram a administração de Moçambique a cargo da Índia portuguesa (Goa), fato que explica o grande número de indianos em regiões moçambicanas.
	Com a intensificação do tráfico negreiro, entre 1750 e 1860, a extração de minerais diminuiu.
	Em meados do século XX, mais especificamente no fim dos anos 1940, a conscientização das injustiças sofridas, que vinha se desenvolvendo desde o período da chegada do europeu, se agudiza, apoiada por reações em outros espaços africanos, que apontavam para a urgência da valorização das culturas locais.
	Em 1962, Eduardo Mondlane fundou a FRELIMO (Frente pela Libertação de Moçambique). O dia 25 de setembro de 1964 marca o início da luta pela libertação, o que foi obtida em 25 de junho de 1975.
	As disputas políticas entre a FRELIMO e a RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique) desencadearam, após a independência de Portugal, uma guerra civil que durou até 4 de outubro de 1992, quando foi assinado um tratado de paz.
	
	A escrita moçambicana
A imprensa moçambicana foi criada no século XIX. Como suas realizações, citamos:
O Africano (1908-1920), fundado pelos irmãos José e João Albasini. 
O Brado Africano (1918), dos mesmos fundadores, que se mantinham muito presos 
à tradição romântica.
Os primeiros textos poéticos só foram publicados a partir da década de 1940, como 
Os Sonetos (1943) e Poesia em Moçambique (1951), de Rui de Noronha.
	Ainda nesta fase, a revista Itinerário marca uma transição, pois ainda que não trouxesse textos literários e sim textos de natureza social, vai interrogar a colonização portuguesa que passa a administrar, de fato, o território moçambicano.
	A imprensa moçambicana foi criada no século XIX, como a fundação de O Africano (1908-1920), pelos irmãos José e João Albasini, e de O Brado Africano (1918), dos mesmos fundadores, que se mantinham vinculados à tradição romântica. O Brado Africano publica textos literários de jovens autores africanos e de descendentes de colonos nascidos em Moçambique que produzem manifestações nativistas e de resistência cultural. 
Percurso literário
	Em 1952, foi publicado o primeiro e único número de Msaho (representa a canto do povo chop, etnia do sul de Moçambique), cujo objetivo era o de abarcar questões autenticamente moçambicanas, marcando definitivamente a valorização da terra e da cultura local. Nesta fase eclodiram os primeiros ecos da negritude, o que vai ser um dos elementos de propulsão para a Guerra Colonial (1961-1974). Os principais representantes deste momento são Noêmia de Sousa e José Craveirinha.
	Poemas dispersos, alguns anônimos, reunidos em O Canto Armado – antologia Temática da Poesia Africana (1979), de Mário de Andrade (autor africano) dão conta da luta pela libertação, como esse, de nome FRELIMO.
	FRELIMO
 
Durante séculos esperámos
Como dizer-vos o tamanho
do nosso sonho?
Durante séculos
esperámos
que um Messias viesse libertar-nos...
Até que compreendemos.
	Hoje
a nossa Revolução
é uma flor imensa
em que cada dia se acrescentam
novas pétalas.
As pétalas são a terra
reconquistada,
o povo libertado,
os campos cultivados,
as escolas, os hospitais.
O nosso sonho tem o tamanho
da Liberdade.
(anônimo, 1969)
	Noêmia de Sousa
	Dentre os autores e os textos da literatura de Moçambique do século XX, destacamos a poeta Noêmia de Sousa, a primeira mulher moçambicana a publicarum texto. Sua estreia foi na revista Mensagem, em Angola, que já estudamos.
	Noémia de Sousa escreve todos os seus poemas conhecidos entre 1948 e 1951, quando já conhecia o movimento de negritude americano. Publicou um livro com o tema da raça denominado 
Sangue Negro (1951). Seu texto é muito interessante por trazer uma leitura sobre a mulher negra a partir do próprio olhar. Isto porque, na Literatura, os poetas europeus, ao entrarem em contato com as africanas, as descreviam de modo exótico.
	
	 “Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
quiseram cantar teus encantos
[...]
Teus encantos profundos de África.
Mas não puderam.
Em seus formais e rendilhados 
cantos, ausentes de emoção 
e sinceridade”
Ela mesma deixa de ser objeto mal cantado pelos versos europeus para cantar sua própria história sem “palavras vistosas e vazias”, podendo cantar a África:
	“Ainda bem que nos deixaram a nós,
[...]
Cantar,
Com emoção verdadeira
E radical, a glória comovida
De te cantar, toda amassada,
Moldada, vazada nesta sílaba
Imensa e luminosa: MÃE”
PASSE
Despojados, ficamos nus e trémulos, nus na abjecta escravidão dos séculos... Mas com o calor da chama eterna das nossas fogueiras acesas, crepitando, rubras, sobre os dias e as noites, com vaga-lumes de protesto, de gritos, de esperança! - Agora, que sabes quem somos, não nos exijas mais a ignomínia do “passe” das vossas leis! 
(Noémia de Sousa)
José Craveirinha
Da poesia moçambicana, o nome de maior destaque é o de José Craveirinha, o “poeta 
nacional moçambicano”, autor que, como muitos outros, foi perseguido e feito 
prisioneiro pela PIDE, polícia portuguesa da época da ditadura salazarista. 
Destacam-se as obras:
Chigubo (1964; Xigubo, 1980);
Karingana ua karingana (1974, “Era uma vez...” em língua ronga); e
Cela 1 (1980, poemas de prisão).
Pena 
Zangado / acreditas no insulto / e chamas-me negro.
Mas não me chames negro. /Assim não te odeio. Porque se me chamas negro / encolho os meus elásticos ombros /e com pena de ti sorrio.
(José Craveirinha)
Mia Couto
Na literatura moçambicana contemporânea, o nome que se destaca é o de Mia Couto.
	O autor iniciou sua vida literária com a publicação de poemas no jornal Notícias da Beira, quando tinha 14 anos. Sua primeira obra é o livro de poemas Raiz de Orvalho (1983). Publicou, também, dois livros de contos que lhe deram grande notoriedade: Vozes anoitecidas (1986) e Cada homem é uma raça (1990).
Seu primeiro romance é Terra Sonâmbula (1992).
	Pela diversidade temática e inventividade literária, Mia Couto tornou-se o autor africano mais lido na atualidade, bem recebido em toda Europa e no Brasil.
	São temas essenciais na obra de Mia Couto: a criatividade e a inventividade da língua, elaborando uma discussão sobre o instrumento de dominação colonial, do que o autor se apropria para inverter a ordem de submissão (Cronicando, de 1988); o realismo, que o leva a discutir de forma impressionante os quadros sociais de sua terra; o imaginário e o fantástico fundamentados no conceito de ancestralidade; o humor, presente tanto em situações adversas transformadas pelo homem moçambicano, quanto na construção dos personagens e na enunciação (pela reconstrução da linguagem).
	
		De acordo com a proposta contemporânea de literaturas africanas, Mia Couto, autor moçambicano, assinala, com a publicação do livro de poemas Raiz de Orvalho (1986):
	
	
	
o fim da Literatura de Guerra, substituindo o nós coletivo pelo eu individual.
	O cego Estrelinho era pessoa de nenhuma vez: sua história poderia ser contada e descontada não fosse seu guia, Gigito Efraim. A mão de Gigito... conduziu o desvistado por tempos e idades. Aquela mão era repartidamente comum, extensão de um no outro, siamensal. E assim era quase de nascença. Memória de Estrelinho tinha cinco dedos e eram os de Gigito postos, em aperto, na sua própria mão. (“O Cego Estrelinho” – Mia Couto)
"[...] sou um escritor africano, branco e de língua portuguesa. Porque o idioma estabelece o meu território preferencial de mestiçagem, o lugar de reinvenção de mim. Necessito inscrever na língua do meu lado português a marca de minha individualidade africana“.
	
Aula 9: A Literatura São-Tomense no Século XIX
Ao final desta aula, você será capaz de:
1- Identificar aspectos históricos, políticos e culturais de São Tomé e Príncipe;
2- Identificar o início da literatura do arquipélago;
3- Analisar sua produção poética e em prosa, através de autores significativos;
4- Comparar aspectos e temas da literatura são-tomense com a literatura brasileira.
Premissa
A literatura são-tomense tem início no século XIX com a tradição do jornalismo que, no dizer de Pires Laranjeira, era praticado por uma “elite de filhos-da-terra”.
Aspectos históricos e geográficos
	Localizado na costa oeste africana, no golfo da Guiné, a 300 km do Gabão, São Tomé e Príncipe é formado por, além das ilhas São Tomé e Príncipe, outras duas vulcânicas – Gago Coutinho (ou das Rocas) e das Cabras. Há também penedos desabitados, denominados de Pedras Tinhosas. Sua população está em cerca de 75.000 habitantes e sua geografia é composta por belas praias e vegetação exuberante.
	Acredita-se que primeiramente João Santarém, seguido de Pêro Escobar, foi o primeiro português a chegar ao arquipélago, respectivamente em 21 de dezembro de 1470 e em 17 de janeiro de 1471. Afirma-se que as ilhas não eram desabitadas à época da chegada dos portugueses, com população autóctone, que vivia no sul, e não tivera contato com os colonizadores.
	A partir de 1493, com o donatário Álvaro Caminha, começou o processo de povoamento da região, quando foram enviados para São Tomé e Príncipe portugueses da Ilha da Madeira, degredados lusos, alguns espanhóis, crianças judias separadas dos pais e escravos oriundos da Guiné-Bissau, do Gabão, Benin e Manicongo, causando intensa miscigenação. Assim, a população atual do arquipélago é predominantemente crioula, pois os portugueses passaram a relacionar-se com escravas africanas, a fim de povoar a região (como ocorreu no Brasil e em Cabo Verde), derivando nos forros (ou filhos da terra) que, juntamente com os angolares – descendentes de escravos angolanos, vítimas do naufrágio de um navio negreiro por volta de 1546/1547 –, são hoje o grupo étnico existente. Sua língua oficial é o português, que convive com falares crioulos: o forro, o angolar, entre outros.
	A colonização se iniciou com plantações de cana-de-açúcar, o que intensificou o tráfico de escravos. Cessada a escravidão oficial, outra escravidão disfarçada lá se impôs, com o regime de contrato, no qual africanos oriundos de Angola, Moçambique e outros para lá eram enviados em condições desumanas, também denunciadas na literatura. No ano de 1960, foi fundado o MLSTP (Movimento pela Libertação de São Tomé e Príncipe).
	Caetano da Costa Alegre inaugura com qualidade, no século XIX, o sistema literário de São Tomé e Príncipe, embora seja um poeta preso a um discurso eurocêntrico que quase sempre assinala o negrismo; um discurso evidenciador das dificuldades por ele encontradas ao ser um negro vivendo no mundo dos brancos. 
Mais a seguir.
	
Caetano da Costa Alegre
	
	O autor, que morreu com 26 anos, foi um pioneiro ao estudar medicina na Universidade de Coimbra, em uma época em que ainda o africano era relacionado a conceitos deturpados como o de não ter alma; não sendo, portanto, humano – fato que justificaria a sua escravização junto à do índio.
	O eu-lírico, em seus versos, assume claramente a sua condição étnica, um ineditismo nas literaturas de língua portuguesa: A minha cor é negra/indica luto e pena, que pode ser lido aqui, do livro póstumo Versos, publicado em 1916.
	
A minha cor é negra / indica luto e pena
 
A minha cor é negra,
Indica luto e pena;
É luz que nos alegra,
A tua cor morena.
É negra a minha raça,
A tua raça é branca,
Tu és cheia de graça,
Tens a alegria franca,
Que brota a flux do peito

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